The Project Gutenberg eBook of Bases da ortografia portuguesa This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook. Title: Bases da ortografia portuguesa Author: A. R. Gonçalves Viana G. de Vasconcellos Abreu Release date: February 14, 2005 [eBook #15047] Most recently updated: December 14, 2020 Language: Portuguese Credits: Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team. The images for this file were generously made available by Biblioteca Nacional Digital (hhtp://bnd.bn.pt) *** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK BASES DA ORTOGRAFIA PORTUGUESA *** Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team. The images for this file were generously made available by Biblioteca Nacional Digital (hhtp://bnd.bn.pt). BASES DA ORTOGRAFIA PORTUGUESA POR A. R. GONÇALVES VIANNA Romanista G. DE VASCONCELLOS ABREU Orientalista LISBOA IMPRENSA NACIONAL 1885 _Impresso para circular gratuitamente_ _OFERTA DOS AUTORES_ Ex.^mo Sr. Para respondermos às perguntas que nos teem sido feitas acêrca da ortografia adoptada pelos editores técnicos da «+Enciclopédia de ciéncia, arte e literatura--Biblioteca de Portugal e Brasil[1]+» temos a honra de dirijir a V. Ex.ª esta circular, e rogamos-lhe que faça tão conhecidos, quanto em seu poder esteja, os fundamentos em que essa ortografia assenta. Os princípios que servem de base à reforma ortográfica iniciada por nós ambos e usada ha dois anos pelo segundo signatário desta circular, em escritos particulares e oficiais, e em artigos publicados em alguns papéis periódicos, são resultado de estudo consciencioso e larga discussão dos iniciadores. São princípios deduzidos ou antes expressão dos factos glotolójicos examinados com rigor; são todos demonstráveis, e de simplicidade tal que os poderá compreender a sã intelijéncia, aínda que para ela sejam estranhos os estudos de glotolojia. Vamos expô-los à apreciação pública desde já, e assim começará a preparar-se a crítica de todos os indivíduos, que, por se prezarem de Portugueses, não queiram que estranjeiros censurem não haver, para a nossa formosíssima lingua, ortografia científica e uniforme a que deva chamar-se +Ortografia Portuguesa+. No futuro Congresso que temos a peito convocar breve, essa crítica será o único juíz a que todos nós os Portugueses havemos de nos sujeitar para adopção de ortografia portuguesa e rejeição absoluta de toda ortografia individual, seja quem for seu autor. [1] Estão publicados: o 1.º vol. da Colecção científica «A Literatura e a Relijião dos Árias na Índia», por G. de Vasconcellos Abreu; e o 1.º vol. da Colecção literária «Mágoas de Werther», romance traduzido do orijinal alemão, de J.W. von Goethe, por A. R. Gonçalves Vianna. O custo de cada volume é de 300 réis, brochura, 400 réis, cartonado. Estes volumes por serem os primeíros, e particularmente «Werther», saíram com erros tipográficos que não devem ser levados à conta do sistema de ortografia. São editores técnicos A. R. Gonçalves Vianna, G. de Vasconcellos Abreu (a quem devem ser dirijidos os manuscritos e toda a correspondéncia), S. Consiglieri Pedroso, em Lisboa. São editores-impressores Guillard, Ailland & C.ª, em Paris. Todos nós, os que lemos, e mais aínda os que escrevemos para o público, sabemos quão diverjentes são as ortografias das várias Redacções e estabelecimentos tipográficos. Teem escritores +suas ortografias+ próprias, como +as+ teem as imprensas particulares e as do Estado. E nas do Estado são diferentes +as ortografias+ da Imprensa Nacional e +as+ da Imprensa da Universidade--estes plurais são a expressão real de um facto, sem censura pessoal. Com a exposição que vamos fazer dos princípios mais jerais em que assenta a reforma ortográfica, por nós iniciada, temos em vista mostrar, a todo o país capaz de pensar e ler, que o nosso intuito é realizar uma das verdadeiras condições da vida nacional--existéncia de ortografia +uniforme e cientificamente sistemática+ a que deva chamar-se +Ortografia Portuguesa+. Sigamos dois bons exemplos a que largos anos deram ha muito já a sanção: o exemplo da Hispanha e o mais antigo da Itália. V. Ex.ª a quem dirijimos esta nossa exposição, honrar-nos ha dando-lhe a maior publicidade que puder; e por certo se julgará honrado se entender que com essa publicação presta bom serviço à pátria a quem devemos êste respeito. De V. Ex.ª +atentos veneradores+ Lisboa, outubro de 1885. A. R. Gonçalves Vianna. G. de Vasoncellos Abreu. BASES DA ORTOGRAFIA PORTUGUESA I PRINCÍPIOS JERAIS DE TODA ORTOGRAFIA 1.º Uma língua é um facto social; não depende do capricho de ninguém alterá-la fundamentalmente. 2.º Como facto social é produto complexo, variável por evolução própria da sociedade cujas relações serve. 3.º A ortografia é o sistema de escrita pelo qual é representada a língua dum povo ou duma nação num certo estado de evolução glotolójica. 4.º Esta representação deve ser exacta para todo o povo, para toda a nação e portanto deve respeitar a filiação histórica. 5.º É evidente, pois, que a ortografia não pode ser especial dum modo de falar, quer êste seja dum só indivíduo, quer duma província ou dialecto da língua. 6.º Em virtude disto a ortografia não pode representar a pronunciação, que por certo não será una; ha de representar a enunciação, a qual é sempre comum ao povo, à nação que fala uma só língua como seu idioma próprio e exclusivo. 7.º Na ortografia, por consecuéncia, não se pode fazer uso de sinais que indiquem pronúncia de uma qualquer letra vogal, excepto quando essa vogal careça de ser pronunciada com modulação especial para a distinção conveniente do emprêgo sintáctico do vocábulo, ou aínda (e menos vezes em português) para distinguir na grafia única modos diferentes de silabização. 8.º Para se representar a enunciação carece-se de acentuar gráficamente o vocábulo, e a ortografia deve ser tal que, subordinada às leis de acentuação na língua falada, mostre para qualquer vocábulo a sua sílaba tónica a quem desconheça o vocábulo que lê. _Escólio_.--É evidente que a acentuação gráfica é inútil na língua escrita cuja constituição glotolójica a determina invariávelmente: tal o latim clássico e as línguas jermánicas. II PRINCÍPIOS PARTICULARES DA ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA O ensino ortográfico da língua portuguesa reduz-se, portanto, na prática, ao ensino de: I. Leis da acentuação nos vocábulos símplices e nos compostos. II. Valor histórico dos fonemas aínda proferidos e dos que já não se proferem; influéncia dêstes sôbre a modulação da vogal precedente. III. Conhecimento dos ditongos e sua dissolução. IV. Silabização. V. Homónimos e parónimos. VI. Função dos sufixos. VII. Composição dos vocábulos e formação da perífrase nos verbos, e uso das enclíticas. Diremos dêstes assuntos em outros tantos paragrafos, definindo, todavia, primeiro, o que entendemos por ortografia portuguesa. «ORTOGRAFIA PORTUGUESA» é o sistema de escrita ou grafia representante comum de todos os dialectos do português falado; a sua base é a história da linguajem portuguesa considerada como língua e como dialecto. Considerada como língua, estuda-se a linguajem portuguesa no ponto de vista de língua fundamental ou língua mãe, de que, por evolução própria, se teem derivado outros modos de falar no tempo e no espaço, depois de assentada a evolução glotolójica realizada em Portugal durante mais de um século já desde D. Dinis, e principalmente durante os reinados de D. Pedro I, D. Fernando I e D. João I. Considerada como dialecto, estuda-se a linguajem portuguesa como evolução glotolójica neo-latina ou románica. I--DA ACENTUAÇÃO 1.º A acentuação marcada é tónica e não prosódica; não determina modulação da letra vogal, determina a sílaba elevada na enunciação do vocábulo. Esta sílaba é uma só e a mesma sílaba para cada vocábulo na língua portuguesa em todo o país, com excepções esporádicas mais ou menos justificadas. Exemplos: _hótel, hotel; bénção, benção_. _Escólio._--A acentuação gráfica é sempre a de vocábulo que faz excepção à regra jeral. 2.º O sinal gráfico da acentuação tónica é por exceléncia o acento agudo. Marca, porém, êste acento:--vogal tónica aberta em parónimos: _fôsse, fósse; sêco, séco; reis_ (pl. de _rei_), _réis_ (pl. de _real_);--_i, u_ tónicos depois de outra vogal: _país_ (cf. _pais_), _reúne, moínho, ruím_;--a vogal _u_ tónica depois de _g_ em _gúe, gúi_ (cf. 4.º): _argúe, argúi_. 3.º Pode ser sinal gráfico da acentuação tónica o acento circunflexo, e o será especialmente nos casos em que no fonema tónico concorra modulação necessária de _ê, ô_, como fica exemplificado em o número precedente, e se vê mais dos seguintes exemplos: _fôrça_ (cf. _fórça_), _modêlo_ (cf. _modélo_), _sossêgo_ (cf. _sosségo_), _côres_ (cf. _córes_), _côr_ (cf. _cór_ em _de-cór_), _vêem_ (cf. _veem_, do verbo _vir_), _dê_ (cf. _de_), _dêsse_ (cf. _désse_), e aínda nos vocábulos sem parónimos, quando eles sejam esdrúxulos ou oxítonos terminados numa dessas vogais seguida ou não de _s_, tais: _pêssego, português, fôlego, mercê_. 4.º O acento grave é diferencial: indica sempre a pronunciação alfabética própria da letra vogal alterável, isto é, susceptível de ter mais de uma pronunciação (_a, e, o_). Emprega-se na ortografia exclusivamente em tres circunstáncias:--na crase da preposição _a_ com o artigo feminino _a, a_ + _a_ (ambos átonos) = à;--na sílaba átona cuja vogal alterável haja de se proferir aberta e átona com a sua pronúncia alfabética, para que se distinga o vocábulo de outro seu parónimo, ex.: _crèdor_ (cf. _credor_), _prègar_ (cf. _pregar_);--no _u_ de prolacão _gùe, gùi_ quando se proferir átono (cf. 2.º): _argùir, agùentar, lingùística_. _Escólio._--Escrevemos _cue_ por _que_ (_qùe_), _cui_ por _qui_ (_qùi_); ex.: _consecuente, consecuéncia_. 5.º Os vocábulos terminados em _a, o, e, as, os, es_, são jeralmente enunciados com acentuação na penúltima sílaba; logo não teem acentuação gráfica marcada. Cf. 2.º e corolário de 7.º _bis_. 5.º _bis_. Todo vocábulo terminado em _a_ ou _as, o_ ou _os, e_ ou _es_, proferido com acentuação noutra sílaba que não seja a penúltima, tem a acentuação marcada na escrita. São innúmeros os exemplos; em toda esta exposição doutrinal os terá notado o leitor, pois que saltam à vista, sempre como excepção, as dições cuja grafia é acentuada. 6.º Os vocábulos terminados em outra qualquer vogal (_i, u_), ou em vogal pura seguida de outra consoante que não seja _s_, e os plurais respectivos, são jeralmente proferidos com acento na última sílaba. Logo não teem acento gráfico. 6.º _bis_. Todo vocábulo terminado dêste modo mas cuja acentuação se faz noutra sílaba tem o acento gráfico nessa sílaba. Ex.: _pedi, pedis; funil, 'funis; matiz; pénsil, pénseis; cascavel, cascaveis; peru, perus; Hindu, Hindus; Caramuru; tríbu, tríbus; Púru_. 7.º Os vocábulos cuja última sílaba for em vogal nasal, ou em ditongo puro ou nasal, teem jeralmente a enunciação acentuada na sílaba final. Logo não se lhes marca o acento na escrita. Ex.: _marfim; irmã, irmãs; irmão, irmãos; marau, maraus; andai, andais; louvei, louveis; Simões; Magalhães_. Cf. 2.º paj. 7 e 13. 7.º _bis_. Será, porém, marcada a acentuação dêsses vocábulos quando ela se faça noutra qualquer sílaba. Ex.: _órgão, Estêvão_. _Escólio_.--Para os contratos é absolutamente indispensável, como bem o viu o grande Ministro, distinguir os futuros dos pretéritos na 3.ª pessoa do plural, sem emprêgo do acento gráfico, fácil de esquecer ou de ser pôsto depois do contrato escrito e assinado, distinguir-se hão, pois: _jurarão, juraram (jurárão); venderão, venderam (vendêrão); prescindirão, prescindiram (prescindírão)_; etc. _Corolário_.--Por êste motivo o ditongo _ão_, final átono de verbos, escrever-se ha idénticamente com _am_; e, por analojia, se escreverá a sílaba final dos vocábulos terminados pelo ditongo átono _êe_ com a grafia _em_. A acentuação gráfica de tais vocábulos obedece ao princípio 5.º Ex.: _honram, viajam, ordem, viajem, pôrem, alem_ (= _álem,_ v. _alar_). _N.B._ Pelo princípio 5.º _bis_ devemos escrever e escrevemos: _porém, ninguém, também, além_, etc.; deveríamos, todavia, usar da ortografia: _porêe, ninguêe, tambêe_, etc. Deixámos êste ponto para o Congresso. É aínda evidente que os plurais dêstes nomes seguem análogamente a regra dada para os plurais dos nomes em _a, o, e_; assim: _ordens, viajens, (_órdêes, viájêes_). 8º Os vocábulos compostos teem na escrita a acentuação dos seus símplices respectivamente marcada em obediéncia aos princípios que ficam expostos. II--DOS FONEMAS E SUA REPRESENTAÇÃO POR LETRAS CONSOANTES Dois princípios absolutos determinam a exclusão de consoante inútil; e quatro ordens de outros factos decidem a adopção científica de representação de fonemas articulados. São estes factos: _a)_ valores dialectalmente confundidos: _ch_ (= _tch_), _ch_ (= _x_), _x; s, ç; s, z_. _b)_ valores próximos confundidos pela falta de observação da articulação: _s, x; g_(_a_), _g_(_ue, ui_); _g_(_e, i_), _j_; _c_(_a, o, u_), _qu_. _c)_ valor exclusivamente de influência do fonema articulado sôbre o fonema modulado precedente. _d)_ valores diferentes de um só símbolo gráfico: _x_, entre vogais. II _a_.--EXCLUSÃO DE LETRAS CONSOANTES 1.º São banidos da escrita os símbolos gráficos sem valor de fonema próprio. São eles _th, ph, ch_, respectivamente por _t, f, q_(_u_), _c_(_a, o, u_), _c_; bem assim _y_=_i_. 1.º _bis_. Póde manter-se _k=q_(_u_)=_c_(_a, o, u_) nas abreviaturas de _quilómetro_=_klm._, etc. Devemos, porém, escrever por extenso: _quilómetro_[1], _quilograma_, etc. 2.º São banidos da escrita os símbolos gráficos sem valor. São eles as consoantes dobradas ou grupos de consoantes não proferidas e sem influéncia na modulação antecedente, nem necessidade por derivação manifesta de outro vocábulo existente em que haja de proferir-se cada uma das consoantes, como é _Ejipto_ de que se deriva _ejípcio_. Exemplos de símbolos sem valor próprio em português: _th_ = _t_.--_thermometro_ = _termómetro_; _ether_ = _éter_; _thio_ = _tio_. _ph_ = _f_.--_ethnographia_ = _etnografia_; _philtro_ = _filtro_. _ch_ = _q_(_u_).--_chimica_ = _química_; _machina_ = _máquina_; _chimera_ = _quimera_. _ch_ = _c_(_a, o_).--_chorographia_ = _corografia_; _mechanica_ = _mecánica_. _y_ = _i_.--_lyrio_ = _lírio_; _physica_ = _física_. Consoantes dobradas:--_agglomerar_ = _aglomerar_; _prometter_ = _prometer_; _commum_ = _comum_; _Philippe_ = _Filipe_. Grupo de consoantes:--_Christo_ = _Cristo_; _Demosthenes_ = _Demóstenes_; _Mattheus_ (que já se escreve, sem razão, Matheus) = _Mateus_; _schola_ = _escola_; _sciencia_ = _ciéncia_; _phthisica_ = _tísica_. Influência da consoante na modulação precedente:--Vejam-se exemplos em _c_, páj. 11. 1.º _Escólio_.--Conservamos _n_ dobrado, _m_ dobrado, nos vocábulos derivados de outros, cuja inicial é _n_ ou _m_, por meio das prepositivas _in, em_, toda vez que a prepositiva significa _dentro_; e aínda nalguns poucos vocábulos em que _n_ ou _m_ influam na vogal _i_ ou _e_. A nasal da prepositiva _com_ só a conservamos, por êste motivo, em _connosco_. Escrevemos, pois: _immigrar, immerjir, emmalar, ennobrecer, innato_, etc.; _comoção, comum, comutar, conexo_, etc. 2.º _Escólio_.--Mantemos as representações gráficas das palatais _ch, lh, nh_, emquanto não houver símbolo único para cada uma delas. [1] A ortografia _kilometro_ por _chilometro_ dá ocasião a traduzir-se «metro-de-burro» e não «mil-metros». Em grego _kíllos_ significa «burro», e _chílioi_ significa «mil». Porque razão, pois, havemos de escrever _cirurgia, chimera, kilo_, quando o _c_, o _ch_ e o _k_ representam a mesma orijem _ch_, transcrição latina do [Greek: ch], grego? 3.º _Escólio_.--Só ao Congresso compete tratar da exclusão ou conservação da aspirante _h_. II _b_.--ADOPÇÃO DE LETRAS CONSOANTES _a)_--1.º Escrevem-se com _ch_ as sílabas que são proferidas com palatal dura, segundo os dialectos, explosiva ou contínua: _chave, chapeu, chuva_; etc. A etimolojia e as línguas conjéneres determinam que sigamos o exemplo dos nossos clássicos e de vários monumentos escritos usando-se da grafia _ch_. 2.º Escrevem-se com _x_ (melhor seria _[.x]*_) as sílabas cuja inicial palatal é dura contínua: _xacoco, xadrez, xarafim; enxárcia, enxada, enxêrga, enxérga, enxertia, enxaimel, enxame, enxúndia; rixa, roixo;_ etc. Cf. _d)_. 3.º Escrevem-se com _s_ as sílabas cuja final é sibilante dura palatal e, esporádicamente, sibilante dura dental: _mas; basta; foste; démos, dêmos; bosques; português, portugueses_; etc. A etimolojia, o dialecto transmontano e as línguas conjéneres determinam a grafia _s_. 4.º Escrevem-se com _s_ inicial, ou com _ss_ entre vogais, as sílabas em que a sibilante dura é ou dental, ou supra-alveolar, conforme os dialectos: _saber, classe, diverso, sessão, conselho, sossêgo, sosségo_, etc. Determinação histórica e comparação. 5.º Escrevem-se com _ç_, ou com _c_(_e, i_), inicial as sílabas em que a sibilante é dental dura, e só é supra-alveolar nas partes do país onde não ha outra sibilante dura inicial: _peço, ciéncia, concelho, poço, doçura, preço, çapato, çarça, cárcere_, etc. Determinação histórica e comparação. 6.º Escrevem-se com _s_ entre duas vogais (uma final da sílaba a que pertence a sibilante, outra final da sílaba precedente) as sílabas em que a sibilante é branda dental ou, segundo o dialecto, supra-alveolar: _posição, coser_ (consuere), _precioso, preso_ (prehensum, cf. _prezo_), _preciso, pêso, péso_, etc. Determinação histórica e comparação. 7.º Escrevem-se com _z_ inicial as sílabas em que a sibilante é dental branda em todo o país, à excepção daqueles pontos em que se não profere sibilante inicial senão supra-alveolar: _azêdo, azédo, azebre, razão, cozer, prezo_ (cf. _preso_), etc. Determinação histórica e comparação. 8.º Escrevem-se com _z_ final os vocábulos que nos seus derivados são escritos com _c_ (_e, i_) correspondente à sibilante final deles. Assim o determina a etimolojia, evidente na derivação, e a pronúncia dialectal. Exemplos: _infeliz, infelicidade; símplez, símplices, simplicidade; ourívez, ourivezaria_; etc. _Corolário_.--Escrevem-se com _z_ infixo os diminutivos e aumentativos _zito, -zinho, -zão_, etc., e os sufixos (derivados do latino _-itia_) _-eza, -ez_; bem como os sufixos de verbos, _-izar_, e de nomes, _-ização_. _Escólio_.--Os plurais dos nomes diminutivos formam-se do tema do plural do nome fundamental e do plural do sufixo. Dão testemunho os dialectos. Assim, pois, escrevemos: _homemzinho, homemzinhos_, não _homensinhos; acçãozinha, acçõezinhas_, não _acçõesinhas; pãozinho, pãezinhos_, não _pãesinhos; mãozinha, mãozinhas; aneizinhos_; etc. _b)_--1.º Adoptámos, pelo que fica dito em _a)_ 3.º, a representação gráfica _s_ para a sibilante palatal dura final de sílaba, que muitas pessoas julgam ser absolutamente igual a _x_ (_[.x]*_). 2.º Por falta mais grave na observação se tem confundido as articulações _g_(_a_), _g_(_ue, ui_), _j_(_a_), _j_(_e, i_), e ainda _c_(_a_), _q_(_ue, ui_). Os pontos articulatórios são diferentes. No congresso trataremos estes assuntos. Carecemos de caracteres próprios para distinguir na escrita as articulações _j_(_a_), _g_(_e, i_), _j_(_o, u_), nas palavras _Jacob, Jeremias, José, Jesus, Jutlandia, Jerusalem, geme, gemer, gentes, gymnasio, Gil_; etc.; e é certo que não podemos, tão pouco, distinguir _Guilherme, guerra, garra, gume_, causando estranheza invencível a grafia _Geremias, Gesus_, e ficando aínda infiel _gemer, geral_, e sempre em contradição com uma pronúncia _Gèrusalém_ ou _Jerusalém_; tendo nós, pois, de escrever _Jeremias, Jesus_, adoptámos o símbolo _j_ para os fonemas articulados das sílabas _ja, jo, ju, ge, gi_, e por êste sistema gráfico evitamos também regra especial para a conjugação dos verbos em (_-ger, gir_) _-jer, -jir_. _Escólio_.--É evidente (pelo que fica dito em _b)_ 2.º) a necessidade aínda existente de mantermos o modo de escrever _gue, gui_, nas sílabas terminadas na vogal palatal _i_ ou _e_, precedida do fonema gutural brando, mostrando-se pelo acento grave sôbre o _u_ da prolação _gùe, gùi_, as silabizacões _gu-e, gu-i_, como fica dito em 4.º de páj. 7. _c)_ Conservamos todo sinal gráfico de fonema histórico, hoje nulo, cuja influéncia na vogal precedente é persistente: _acção, actor, predilecção, redacção, respectivo, trajectória, baptismo, concepção_; e aínda quando é facultativa a pronunciação, como em _carácter._ _Escólio_.--Os fonemas _i, u_, não estão sujeitos a esta influéncia: _edito_ = _edicto_ (cf. _édito_); _corruto_ = _corrupto_; _corrução_ = _corrupção_. _d)_ Conservamos a grafia _x_ para representar os diferentes fonemas que de facto representa na língua portuguesa, porque não temos direito, nem Congresso nenhum, de impor pronúncia pela ortografia. O Congresso poderá assentar as bases para o dicionário ortoépico; e no tocante a pronúncia nada mais pode fazer--estabelece o padrão, dá a norma--para que se dilijenceie ler dum modo único o vocábulo escrito. Ninguém pode contestar o direito de se pronunciar o vocábulo _exemplo_ de uma das seguintes maneiras: _izemplo, isemplo, eizemplo, eisemplo, isjemplo_. Ninguém pode contestar o direito de se pronunciar _trouxe: trou[.x]e, trouce; extravagante: eistravagante, istravagante, 'stravagante; fixo: fi[.x]o, ficso, ficço_. III--DOS DITONGOS Pelo que fica dito se vê qual a maneira por que indicamos a dissolução do ditongo. Não usamos da _diérese_, também chamada _ápices_, e mais jeralmente _trema_ ¨, que alguns gramáticos entre nós querem que se use na vogal prepositiva ou conjuntiva, e no _u_ das prolações, para neste caso mostrar que faz sinérese com a voz seguinte. O trema é sinal que nos veiu de países estranhos. Tem na escrita de línguas europeas significação insubstituível; que nas jermánicas é fórma abreviada de um _e_, e nesta significação únicamente o empregamos. IV--DA SILABIZAÇÃO Em quanto à sibalizacão devemos mencionar aqui apenas os tres seguintes princípios: 1.º Dividem-se as sílabas, considerando os vocábulos como portugueses para êste efeito, sem que se atenda à derivação de língua estranha, nem à derivação dentro da própria língua: _ma-nus-cri-to, cons-pí-cu-o, obs-tá-cu-lo, ins-cre-ver, no-ro-es-te, nor-des-te, pla-nal-to, a-lhei-o, mai-or, mai-o-res_. 2.º Conserva-se à sílaba a consoante que determina a modulação da sua vogal (paj. 11, _c)_): _ac-ção, fac-tor, cor-rec-to, bap-tis-mal_. 3.º Na passajem de uma para outra linha empregamos em ambas as linhas o _traço de união_, tanto o próprio de vocábulos compostos cujos símplices se distingam na escrita entrepondo-se-lhes o _hífen_, como o próprio da ligação das vozes enclíticas às suas subordinantes: _porta--bandeira, guarda--fato, clara--boia; luso--brasileiro; deu--m'o, louva--lhe, démo'--lo, louva--o, louvá--lo, arrepender--se, domá--lo--ia_. V--DOS HOMÓNIMOS E PARÓNIMOS 1.º Os homónimos confundem-se umas vezes na escrita do português como na sua pronúncia; exemplos: _cedo_ (verbo e advérbio); _conto_ (verbo e nome): _são_ (verbo e adjectivo). Outras vezes distinguem-se com exactidão na escrita, embora não se distingam em todas as pronúncias; exemplos: _vez, vês; cem, sem; coser, cozer; sessão, cessão; -passo, paço_,--parónimos no dialecto em que se faça diferença na articulação de _s_ para a de _ç_ e para a de _z_. Podem aínda os homónimos distinguir-se na escrita e não se distinguirem em pronúncia nenhuma: _houve, ouve; dê-se, dêsse_. _Escólio._--Distinguem-se na escrita, mas sem exactidão rigorosa: _hora, ora; heis, eis_; e por êrro de analojia falsa, _pelo_ cuja orijem é _per-lo_, que deu _pel lo_ e _pe'-lo_ homónimo, quando se pronuncie enfáticamente, de _pello_, que etimolójicamente só tem um _l_ e devemos escrever (como de facto se escreve nesta ortografia proposta) _pêlo_ (cf. _pélo, pelo_). 2.º Os parónimos são perfeitamente distintos na presente ortografia: _pelo, pêlo, pélo; para, pára; crê, cré; cesto, sexto_ (homónimos em Lisboa); _fôsse, fósse; fôrça, fórça; sessão, cessão, secção; coando, quando; quanto, canto; credor, crèdor; incómodo, incomodo; colhêr, colhér; contrato, contracto; alias, aliás; alem_ (verbo), _além; papeis_ (verbo), _papéis; reis_ (pl. de _rei_), _réis_ (pl. de _real_); _bateis_ (verbo), _batéis; caia, caía_; etc. VI--DOS SUFIXOS Conservamos toda a exactidão na ortografia dêstes elementos morfolójicos cuja função anda tão ignorada. Pululam os galicismos, os estranjeirismos, até na ortografia da nossa linguajem e na sua morfolojia, que não só em se introduzirem vocábulos novos desnecessários, e em se esquecer a sintaxe dela. É êrro escrever-se _civilisação_ por _civilização, organisar_ por _organizar; chapeleria_ por _chapelaria; cortez_ por _cortês_; etc. VII--DA COMPOSIÇÃO, DA PERÍFRASE, E DAS ENCLÍTICAS Dissemos o bastante acêrca do primeiro e terceiro dêstes pontos. Em quanto à perífrase, diremos que as linguajens perifrásticas dos verbos são diferenciadas em linguajens de perífrase consciente e perífrase inconsciente. É linguajem perifrástica consciente a formada com o presente do verbo _haver_. Escrevemo-la, pois, sem hífen de ligação: _descrevê-lo hei, louvá-la has, dar-lh'o ha, amar-nos hemos, unir-vos heis, receber-se hão_. É linguajem perifrástica inconsciente, com tmese evidente, a formada com um resto do pretérito imperfeito do verbo _haver: -ia_ = (hav)_ia, -ias_ = (hav)_ias, -ia_ = (hav)_ia, -íamos_ = (hav)_íamos, -íeis_ = (hav)_íeis, -iam_ = (hav)_iam_. Escrevemos estas linguajens sem o _h_, perdido com os outros elementos de _hav-_, em todas as pessoas do pretérito imperfeito do verbo _haver_, que entra na perífrase. Exemplos: _descrevê-lo-ia, deixar-me-ias, aborrecê-la-ia, evitá-lo-íamos, comportar-vos-ieis, obedecer-lhe-iam_. III O NOSSO INTUITO Se quiséssemos entrar em minudéncias de linguajem e defender em todos os pontos a ortografia que iniciámos, teríamos de escrever um livro de grosso volume. Se o nosso intuito fôsse ensinar, publicaríamos um tratado. Mas é diferente o fim dêste escrito, que oferecemos gratuitamente aos nossos conterráneos, como testemunho de respeito pelas cousas da nossa pátria: _Damos razão da reforma iniciada e sujeitamos ao são critério as bases em que esta assenta_. Por êste motivo deixámos de tratar pontos de que o Congresso terá de se ocupar. Andam infelizmente esquecidas por alguns escritores regras de gramática, que, a serem lembradas, os não deixariam cometer erros imperdoáveis. Temos visto ortografar (e até pronunciar!!), _passeiando, passeiata, ideiou, receiará, feichara_, etc., em vez de _passeando, passeata, ideou, receará, fechara_, etc. É certo que a maioria dos leitores sabe que, por motivo de a acentuação tónica se fazer nas tres pessoas do singular e terceira do plural de todos os presentes dos verbos, como _idear, recear, passear_, etc., únicamente nessas fórmas pessoais aparece o ditongo _ei_ no radical: _passeio, passeias, passeia, passeamos, passeais, passeiam_;--passeava, passeavas_, etc.;--_passeei, passeaste_, etc.;--_passearei, passearás_, etc.;--_passearia_, etc.;--_passeia tu, passeie ele, passeemos nós, passeai vós, passeiem eles;--que eu passeie, que tu passeies, que ele passeie, que nós passeemos, que vós passeeis, que eles passeiem;--passear, passeando, passeado_. O radical português é _passe-_. É claro que tratar de assuntos como êste não é objecto de uma símplez circular. E se o leitor houver notado que usámos nela de modos de ortografar para que não encontra explicação nos princípos que ficam estabelecidos, atribua o facto a não caber a explicação suficiente nos princípios jerais. Cremos que as bases, como ficam postas, constituem método sem contradições:--se o Congresso fôr até suprimir (como julgamos que deve suprimir) as letras consoantes inúteis nos nomes próprios e nos de família, assinaremos sem dobrar as consoantes _nn, ll_ dos nossos nomes. Não nos preocupa uma idea preconcebida. Não nos domina um subjectivismo apaixonado. Desejamos que no país todo se una para discutir de boa fé quem tiver estudado o problema, e que êste se resolva estabelecendo-se ORTOGRAFIA PORTUGUESA. +ALGUNS OUTROS TRABALHOS PUBLICADOS PELOS MESMOS AUTORES+ POR A. R. GONÇALVES VIANNA Estudos Glottologicos: Graphica e Phonetica. O livro da Escripta do Professor Faulmann.--Porto, 1881. Essai de Phonétique et de Phonologie de la Langue Portugaise d'après le dialecte de Lisbonne.--Paris, 1883. Études de Grammaire Portugaise.--Louvain, 1884. Mágoas de Werther (romance de J. W. von Goethe trasladado a português).--Paris, 1885. POR G. DE VASCONCELLOS ABREU Questions Védiques.--Paris, 1877. Sobre a Séde originaria da Gente Árica.--Coimbra, 1878. Investigação sobre o caracter da Civilisacão Árya-hindu.--Lisboa, 1878. Importância capital do sãoskrito como base da Glottologia árica e da Glottologia árica no ensino superior das lettras e da historia.--Lisboa, 1878. Contribuições mythologicas. Grammatica da língua sãoskrita: Phonologia.--Lisboa, 1879. Fragmentos de uma tentativa de Estudo Scoliastico da Epopea Portugueza (publicados pelo 3.º Centenário de Camões; a 2.ª parte dêste trabalho foi traduzida em inglês pelo sr. Donald Fergusson, com o título «Buddhist Legends from Fragmentos ... by G. de Vasconcellos Abreu. Translated with additional notes. Ceylon).--1880.--1884. O Reconhecimento de Chakuntalá (texto devanágrico e tradução portuguesa do Acto I do célebre drama de Xacuntalá do poeta Calidaça, segundo a recensão Bengali).--Lisboa, 1878. Manual para o Estudo do Sãoskrito clássico. Tomo I, Resumo Grammatical.--Lisboa, 1881-1882. De l'Origine probable des Toukhâres et leurs migrations à travers l'Asie.--Louvain. Lisbonne. (Memória acerca da orijem dos Teucros, apresentada ao Congresso antropolójico de Lisboa em 1880). A literatura e a relijião dos Árias na índia. Primeira Parte.--Paris, 1885. *** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK BASES DA ORTOGRAFIA PORTUGUESA *** Updated editions will replace the previous one—the old editions will be renamed. Creating the works from print editions not protected by U.S. copyright law means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. 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