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TEXT
FLORBELA ESPANCA
Livro de Máguas
MCMXIX
LIVRO DE MÁGUAS
FLORBELA ESPANCA
Livro de Máguas
MCMXIX
A meu Pai
Ao meu melhor amigo
Á querida Alma irmã da minha,
Ao meu Irmão
Procuremos sòmente a
Beleza, que a vida
É um punhado infantil de areia resequida,
Um som dágua ou de bronze e uma sombra que passa...
Eugénio de
Castro.
Isolés dans l'amour ainsi
qu'en un bois noir,
Nos deux coeurs, exalant leur tendresse paisible,
Seront deux rossignols qui chantent dans le soir.
Verlaine.
Êste livro...
ÊSTE LIVRO...
Êste livro é de
máguas.
Desgraçados
Que no mundo passais, chorae ao lê-lo!
Sòmente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo...
Este livro é p'ra vós, Abençoados
Os que o sentirem, sem sêr bom nem belo!
Bíblia de tristes... Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dôr se acalme ao vê-lo!
Livro de Máguas... Dôres... Ansiedades!
[18]
Livro de Sombras... Névoas... e Saudades!
Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...)
Irmãos na Dôr, os olhos razos de agua,
Chorae comigo a minha imensa mágua,
Lendo o meu livro só de máguas cheio!...
Vaidade
VAIDADE
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguem cá neste mundo...
[22]
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!
E quando mais no ceu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...
E não sou nada!...
Eu...
EU...
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguem vê...
[26]
Sou a que chamam triste sem o sêr...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguem sonhou,
Alguem que veio ao mundo p'ra me vêr,
E que nunca na vida me encontrou!
Castelã da
Tristêsa
CASTELÃ DA TRISTÊSA
Altiva e couraçada de
desdem,
Vivo sòsinha em meu castelo: a Dôr!
Passa por êle a luz de todo o amôr....
E nunca em meu castelo entrou alguem!
Castelã da Tristêsa, vês?... A quem?!...
―E o meu olhar é interrogadôr―
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr...
Chora o silêncio... nada... ninguem vem...
Castelã da Tristêsa, porque choras
[30]
Lendo, toda de branco, um livro de oras,
Á sombra rendilhada dos vitrais?...
Á noite, debruçada p'las ameias,
Porque rezas baixinho?... Porque anseias?...
Que sonho afagam tuas mãos reais?...
Tortura
TORTURA
Tirar dentro do peito a
Emoção,
A lucida Verdade, o Sentimento!
―E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...
Sonhar um verso d'alto pensamento,
E puro como um rythmo d'oração!
―E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!...
São assim ôcos, rudes, os meus versos:
[34]
Rimas perdidas, vendavaes dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me déra encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, extranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!
Lágrimas
ocultas
LÁGRIMAS OCULTAS
Se me ponho a scismar em outras
éras
Em que ri e cantei, em que era qu'rida,
Parece-me que foi noutras esféras,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste bôca dolorida
Que dantes tinha o rir das primavéras,
Esbate as linhas graves e severas
E cae num abandôno de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
[38]
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rôsto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguem as vê brotar dentro da alma!
Ninguem as vê cair dentro de mim!
Torre de névoa
TORRE DE NÉVOA
Subi ao alto, á minha
Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E puz-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.
Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: «Que fantasia,
Creança doida e crente! Nós tambêm
[42]
Tivemos ilusões, como ninguem,
E tudo nos fugiu, tudo morreu!...»
Calaram-se os poetas, tristemente...
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao Ceu!...
A minha Dôr
A MINHA DÔR
A Você
A minha Dôr é um
convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Os sinos teem dobres d'agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos teem sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...
A minha Dôr é um convento. Ha lírios
[46]
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguem!
Nesse triste convento aonde eu móro,
Noites e dias reso e grito e chóro!
E ninguem ouve... ninguem vê... ninguem...
Dizêres
íntimos
DIZÊRES INTIMOS
É tão triste
morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de rôxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!
E logo vou olhar (com que ansiedade!...)
As minhas mãos esguias, languescentes,
De brancos dedos, uns bébés doentes
Que hão de morrer em plena mocidade!
E ser-se novo é ter-se o Paraiso,
[50]
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!
E os meus vinte e tres anos... (Sou tão nova!)
Dizem baixinho a rir: «Que linda a vida!...»
Responde a minha Dôr: «Que linda a cova!»
As minhas
Ilusões
AS MINHAS ILUSÕES
Hora sagrada dum entardecer
D'Outono, á beira mar, côr de safira.
Sôa no ar uma invisivel lira...
O sol é um doente a enlanguescer...
A vaga estende os braços a suster,
Numa dôr de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!
O sol morreu... e veste luto o mar...
[54]
E eu vejo a urna d'oiro, a baloiçar,
Á flôr das ondas, num lençol d'espuma!
As minhas Ilusões, dôce tesoiro,
Tambem as vi levar em urna d'oiro,
No Mar da Vida, assim... uma por uma...
Neurastenia
NEURASTENIA
Sinto hoje a alma cheia de tristesa!
Um sino dobra em mim, Ave Marias!
Lá fôra, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Venesa...
O vento desgrenhado, chora e resa
Por alma dos que estão nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as azas pela Natureza...
Chuva... tenho tristesa! Mas porquê?!
[58]
Vento... tenho saudades! Mas de quê?!
Ó neve que destino triste o nosso!
Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso!!...
Pequenina
PEQUENINA
Á Maria Helena
Falcão Risques
És pequenina e ris... A
bôca breve
É um pequeno idílio côr de rosa...
Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!
Dôce quimera que a nossa alma deve
Ao Ceu que assim te fez tão graciosa!
Que nesta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!
O ver o teu olhar faz bem á gente...
[62]
E cheira e sabe, a nossa bôca, a flôres
Quando o teu nome diz, suavemente...
Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dôres
Que fizeram de mim isto que sou!
A Maior Tortura
A MAIOR TORTURA
A um grande poeta de
Portugal
Na vida, para mim, não ha
deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia...
E não tenho uma sombra fugidía
Onde poise a cabeça, onde me deite!
E nem flôr de lilaz tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia!...
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a Magua no seu leite!
Poeta, eu sou um cardo despresado,
[66]
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!
Mas a minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim como tu és,
Para gritar num verso a minha Dôr!...
A Flôr do
Sonho
A FLÔR DO SONHO
A Flôr do Sonho alvissima,
divina
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnolia de setim
Fosse florir num muro todo em ruina.
Pende em meio seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, emfim,
Essa tão rara flôr abriu assim!...
Milagre... fantasia... ou talvez, sina...
Ó Flôr que em mim nascêste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amôr de ti?!...
Desde que em mim nascêste em noite calma,
Voou ao longe a aza da minh'alma
E nunca, nunca mais eu me entendi...
Noite de Saudade
NOITE DE SAUDADE
A Noite vem poisando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura...
E nem sequer a benção do luar
A quiz tornar divinamente pura...
Ninguem vem atraz dela a acompanhar
A sua dôr que é cheia de tortura...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!
Porque és assim tão 'scura, assim tão
triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade egual á que eu contenho!
Saudade que eu nem sei donde me vem...
Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguem!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!
Angustia
ANGUSTIA
Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos déra calar a tua voz!
Quem nos déra cá dentro, muito a sós,
Estrangular a hidra num momento!
E não se quer pensar!... E o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nós...
Qu'rer apagar no Ceu―Ó sonho atroz!―
O brilho duma estrela, com o vento!...
E não se apaga, não... nada se apaga!
[78]
Vem sempre rastejando como a vaga...
Vem sempre perguntando. «O que te resta?...»
Ah! não ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!
Amiga
AMIGA
Deixa-me ser a tua amiga,
Amôr;
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amôr seja a melhor
A mais triste de todas as mulheres.
Que só, de ti, me venha mágua e dôr
O que me importa a mim?! O que quiséres
É sempre um sonho bom! Seja o que fôr
Bemdito sejas tu por m'o dizêres!
Beija-me as mãos, Amôr, devagarinho...
[82]
Como se os dois nascessemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...
Beija-mas bem!... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei p'rá minha bôca!...
Desejos vãos
DESEJOS VÃOS
Eu qu'ria ser o Mar d'altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu qu'ria ser a pedra que não pensa,
A Pedra do caminho, rude e forte!
Eu qu'ria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu qu'ria ser a arvore tôsca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!
[86]
Mas o Mar tambêm chora de tristesa...
As Arvores tambêm, como quem resa,
Abrem, aos Ceus, os braços, como um crente!
E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...
Peor velhice
PEOR VELHICE
Sou velha e triste. Nunca o alvorecer
Dum riso são andou na minha bôca!
Gritando que me acudam, em voz rouca,
Eu, naufraga da Vida, ando a morrer!
A Vida que ao nascer enfeita e touca
D'alvas rosas, a fronte da mulher,
Na minha fronte mística de louca
Martírios só poisou a emurchecer!
[90]
E dizem que sou nova... A mocidade
Estará só, então, na nossa idade,
Ou está em nós e em nosso peito mora?!...
Tenho a peor velhice, a que é mais triste,
Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova... outróra...
A um livro
A UM LIVRO
No silêncio de cinzas do
meu Ser
Agita-se uma sombra de cypreste.
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de máguas que me deste.
Extranho livro aquele que escreveste
Artista da saudade e do sofrer!
Extranho livro aquele em que puzéste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!
[94]
Leio-o e folhêio, assim, toda a minh'alma!
O livro que me déste é meu e psalma
As orações que choro e rio e canto!...
Poeta egual a mim, ai quem me déra
Dizer o que tu dizes!... Quem soubéra
Velar a minha Dôr desse teu manto!...
Alma perdida
ALMA PERDIDA
Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguem que se finou!
Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dôr, suavemente...
Talvez sejas a alma, alma doente
D'alguem que quiz amar e nunca amou!
[98]
Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguem é mais triste do que nós!
Contaste tanta coisa á noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!...
De joelhos
DE JOELHOS
«Bendita seja a
Mãe que te gerou.»
Bendito o leite que te fez crescer.
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, p'ra te adormecer!
Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o dôce alvorecer...
Bendita seja a lua que inundou
De luz, a terra, só para te vêr...
[102]
Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem,
Numa grande paixão fervente e louca!
E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguem, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa bôca!!
Languidez
LANGUIDEZ
Tardes da minha terra, dôce
encanto,
Tardes duma puresa d'açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes d'Anto.
Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!...
Horas benditas, leves como pênas,
Horas de fumo e cinza, horas serênas,
Minhas horas de dôr em que eu sou santo!
[106]
Fecho as palpebras rôxas, quasi pretas,
Que poisam sôbre duas violetas,
Azas leves cançadas de voar...
E a minha bôca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...
Para quê?!
PARA QUÊ?!
Tudo é vaidade neste mundo
vão...
Tudo é tristesa; tudo é pó,
é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!
Até o amôr nos mente, essa
canção
Que o nosso peito ri á gargalhada,
Flôr que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!...
[110]
Beijos d'amôr! P'ra quê?!... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!
Só acredita neles quem é louca!
Beijos d'amor que vão de bôca em bôca,
Como pobres que vão de porta em porta!...
Ao vento
AO VENTO
O vento passa a rir, torna a passar,
Em gargalhadas asp'ras de demente;
E esta minh'alma trágica e doente
Não sabe se ha de rir, se ha de chorar!
Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim, sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amar,
A tua voz tortura toda a gente!...
[114]
Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dôr a sós comigo,
E não rias assim!... Ó vento, chóra!
Que eu bem conheço, amigo, êsse fadário
Do nosso peito ser como um Calvario,
E a gente andar a rir p'la vida fóra!!...
Tédio
TÉDIO
Passo pálida e triste.
Oiço dizer
«Que branca que ela é! Parece morta!»
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer...
Que diga o mundo e a gente o que quizer!
―O que é que isso me faz?... O que me importa?...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!
[118]
O que é que isso me importa?! Essa tristesa
É menos dôr intensa que friesa,
É um tédio profundo de viver!
E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido, dormente...
E os dias, sempre os mesmos, a correr...
A minha
Tragédia
A MINHA TRAGÉDIA
Tenho ódio á
luz e raiva á claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh'alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!
Ó minha vã, inutil mocidade
Trazes-me embriagada, entontecida!...
Duns beijos que me déste, noutra vida,
Trago em meus lábios rôxos, a saudade!...
[122]
Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segrêdo
De não amar ninguem, de ser assim!
Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta extranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...
Sem remédio
SEM REMÉDIO
Aqueles que me teem muito
amôr
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dôr,
Á minha porta e, nesse dia, entrou.
E é desde então que eu sinto êste
pavôr,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!
[126]
Sinto os passos da Dôr, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é
demência!
Que é já vontade doida de gritar!
E é sempre a mesma mágua, o mesmo
tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atraz de mim, sem me largar!...
Mais triste
MAIS TRISTE
É triste, diz a gente, a
vastidão
Do Mar imenso! E aquela voz fatal
Com que êle fala, agita o nosso mal!
E a Noite é triste como a Extrema
Unção!
É triste e dilacera o coração
Um poente do nosso Portugal!
E não veem que eu sou... eu... afinal,
A coisa mais maguada das que o são?!...
Poentes d'agonia trago-os eu
Dentro de mim e tudo quanto é meu
É um triste poente d'amargura!
E a vastidão do Mar, toda essa agua
Trago-a dentro de mim num Mar de Mágua!
E a Noite sou eu própria! A Noite escura!!
Velhinha
VELHINHA
Se os que me viram já
cheia de graça
Olharem bem de frente para mim,
Talvez, cheios de dôr, digam assim:
«Já ela é velha! Como o tempo
passa!...»
Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio d'oiro que esvoaça!
Deixem correr a vida até ao fim!
[134]
Tenho vinte e tres anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente...
Já murmuro orações... falo
sòsinha...
E o bando côr de rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de nètinhos...
Em busca do
Amôr
EM BUSCA DO AMOR
O meu Destino disse-me a chorar:
«Pela estrada da Vida vae andando;
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amôr que has de êncontrar.»
Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfiando...
E noite e dia, á chuva e ao luar,
Fuí sempre caminhando e perguntando...
[138]
Mesmo a um velho eu perguntei: «Velhinho,
Viste o Amôr acaso em teu caminho?»
E o velho estremeceu... olhou... e riu...
Agora pela estrada, já cançados
Voltam todos p'ra traz, desanimados...
E eu paro a murmurar: Ninguem o viu!...»
Impossivel
IMPOSSIVEL
Disseram-me hoje, assim, ao
vêr-me triste:
«Parece Sexta Feira de Paixão.
Sempre a scismar, scismar, d'olhos no chão,
Sempre a pensar na dôr que não existe...
O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!
Faça por 'star contente! Pois
então?!...»
Quando se sofre o que se diz é vão...
Meu coração, tudo, calado ouviste...
[142]
Os meus males ninguem mos adivinha...
A minha Dôr não fala, anda sòsinha...
Dissesse ela o que sente! Ai quem me déra!...
Os males d'Anto toda a gente os sabe!
Os meus... ninguem... A minha Dôr não cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizéra!...
ÍNDICE
|
Pág.
|
|
Êste livro
|
17
|
|
Vaidade
|
21
|
|
Eu...
|
25
|
|
Castelã da Tristesa
|
29
|
|
Tortura
|
33
|
|
Lágrimas ocultas
|
37
|
|
Torre de névoa
|
41
|
|
A minha dôr
|
45
|
|
Dizêres íntimos
|
49
|
|
As minhas ilusões
|
53
|
|
Neurastenia
|
57
|
|
Pequenina
|
61
|
|
A maior tortura
|
65
|
|
A flôr do sonho
|
69
|
|
Noite de saudade
|
73
|
|
Angustia
|
77
|
|
Amiga
|
81
|
|
Desejos vãos
|
85
|
|
Peor velhice
|
89
|
|
A um livro
|
93
|
|
Alma perdida
|
97
|
|
De joelhos
|
101
|
|
Languidez
|
105
|
|
Para quê?!
|
109
|
|
Ao vento
|
113
|
|
Tédio
|
117
|
|
A minha tragédia
|
121
|
|
Sem remédio
|
125
|
|
Mais triste
|
129
|
|
Velhinha
|
133
|
|
Em busca do amôr
|
137
|
|
Impossivel
|
141
|
|
acabou-se
de imprimir êste livro
no mês de junho de 1919 na
tipografia mauricio, rua
do salitre, 102-a
lisboa