JOAQUIM DE ARAUJO
A ESTATUA DO POETA
ODE NACIONAL
PORTO
TYP. DE ANTONIO JOSÉ DA SILVA TEIXEIRA
Cancella Velha, 70
1891
A ESTATUA DO POETA
TIRAGEM ESPECIAL
Deste opusculo extrahiram-se três exemplares em papel Japão, três em papel
China, e quatro em papel Whatman, numerados seguidamente de 1 a 10.
JOAQUIM DE ARAUJO
A ESTATUA DO POETA
ODE NACIONAL
PORTO
TYP. DE ANTONIO JOSÉ DA SILVA TEIXEIRA
Cancella Velha, 70
1891
AO SENHOR
CONSELHEIRO JOSÉ DIAS FERREIRA
affectuosamente e respeitosamente
o A.
I
Num vozear estridulo e vibrante,
Irrompe a multidão:
Palpita como um hymno triumphante,
Em cada coração.
Vem pagar uma divida sagrada,
E, em francas ovações,
Junto á Estatua de bronze immaculada,
Victoría Camões.
Três seculos havia, a morte escura
Fulminara esse heroe,
Que até na doce paz da sepultura
Tão desgraçado foi!
Três seculos havia. Inenarravel,
Essa agonia atrós:
No catre do hospital, inexoravel,
A Morte, o duro algoz.
E, cá fóra, ao bom Sol, o claro amigo,
Cá fóra do hospital,
Os villões trabalhando no jazigo
Do antigo Portugal...
Um circulo dantesco e pavoroso:
O Genio num covil,
E no triumpho, erguido e magestoso,
O asqueroso reptil.
A Traição galanada: o cru Cinismo
Fingindo de Altivês:
Hiante, escancarado, o fundo abismo
Do nome português.
Não ha na infamia quem se não adestre,
Esmagando tropheus,
Tal como sobre a tunica do Mestre
Jogavam os Judeus.
As Tradições ao vento, ao torvelinho,
A Gloria,—ás bachanaes...
Adejam os milhafres junto ao ninho...
Onde as aguias reaes?
Onde as aguias reaes? Foram seu rumo,
Fugiram da ralé:
—Crestava-lhes a aza o escuro fumo
Do escuro auto-de-fé.
O balsão do Impudor fluctua ao vento,
Nos tragicos festins...
É morta a fina flôr do Sentimento,
Miserrimos chatins!
Dormiam nos seus tumulos augustos,
Ainda alta a cervís
De denodados campeões robustos,
Os infantes de Avís—
E todos os titans, de Gloria trémulos
Outrora, aos vivos soes,
Galgando mundos, continentes,—émulos
Dos primevos heroes...
E a Nação dêsses inclytos herdeira
Ia rojar no chão
A honra intemerata da bandeira,
O invencivel pendão...
E o Poeta-cavalleiro esmorecia,
Ao fim do seu lidar:
Com a Patria morria—se morria!—
Quem tanto a soube amar.
Tres seculos havia... Mas vibrante
Irrompe a Multidão:
Palpita como um hymno triumphante,
Em cada coração.
E o Vidente, na Estatua alevantada
Nem de leve acordou:
Na magestade erecta e bronzeada,
Immovel se ficou!...
II
A Patria! a Patria! dá rebate e chama,
Chama por todos nós.
Ha uma corrente electrica que inflamma
Os netos e os avós!
Irrompe a multidão a afiar a espada
Do combate leal,
No pedestal da Estatua immaculada
No eterno pedestal,
E vae cobrir de lucto a grande Imagem
Do heroico luctador,
Como um protesto contra a villanagem
Do estrangeiro rancor!
Mas a Estatua que fora innacessivel
Ás grandes ovações,
Num delirio de pompa indescriptivel,
A estatua de Camões
Animou-se um momento e pela face
O pranto lhe rolou,
Como astro de esperança, que raiasse...
E á espada a mão levou!
Esta ODE foi expressamente composta e recitada pelo autor
no sarau da Sociedade Nacional Camoniana, realisado
no theatro Gil-Vicente do Palacio de Crystal,
aos 10 de junho de 1891, sob a presidencia
do ex.
mo
sr. conde de Samodães,
secretarios os ex.
mos
srs.
Tito de Noronha e Almeida Outeiro.
PREÇO, 200 REIS