Nota de editor:
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quantidade de erros tipográficos existentes neste texto,
foram tomadas várias decisões quanto à
versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi
mantida de acordo com o original. No final deste livro
encontrará a lista de erros corrigidos.
Rita
Farinha (Abr. 2008)
MEMORIA
SOBRE A CULTURA, E PRODUCTOS
DA
CANA DE ASSUCAR
OFFERECIDA
A S. ALTEZA REAL.
O PRINCIPE REGENTE
NOSSO SENHOR.
PELA
MESA DA INSPECÇAÕ DO RIO DE JANEIRO.
APRESENTADA POR
JOZE CAETANO GOMES,
E DE ORDEM DO MESMO SENHOR
PUBLICADA
POR
Fr.
JOZE MARIANO
VELLOSO.
LISBOA:
Na Offic. da casa litteraria do
arco do
cego.
Anno
M. D
CCC.
SENHOR.
A Mesa da Inspecção do Rio de
Janeiro, desejando
conformar-se com os ardentes desejos, que
V. A. R. tem de fazer felices os Habitadores do
Brasil, por huma bem entendida Agricultura, e
desta sorte satisfazer tambem as suas Reaes Ordens,
recomendou a Jose Caetano Gomes, que lhe apresentasse
as reflexões, que os seus vastos conhecimentos
lhe tivessem subministrado, sobre a factura
do Assucar nos Engenhos do Rio de Janeiro, a
que elle satisfez no dia 16 de Março do anno proxime
passado de 1799., lendo perante ella a
presente Memoria, que, sendo dirigida a V. A. R.,
se dignou ordenar-me, que houvesse de a fazer imprimir,
em beneficio de seus fieis vasallos dos vastos
dominios, naquelle Continente.
Como pois André João Antonil no
seu livro
da Cultura, e opulencia do Brasil, não faz mais,
que dar huma simples relação do modo de cultivar
a Canna, extrahir Assucar no Brasil, creio, SENHOR,
ou talvez posso assegurar, que, sobre
este objecto, esta he a primeira cousa, ou a unica
melhor escripta em nossa linguagem pelas sabias,
e luminosas reflexões, com que a enriquece, e que
seu Author he digno das Soberanas vistas de
V. A. R., a cujos pés se prostra
O mais humilde vassallo
Fr. Jose Mariano da
Conceição.
PROEMIO.
Sendo a Provincia do Brasil considerada como
melhor Colonia do Mundo, não se sentindo em
toda ella nenhum dos flagellos da natureza, pois
não há terremotos, furacões,
volcões, fomes, nem
pestes; gozando de hum clima benigno, e, á
excepção
de poucas trovoadas, que servem de depurar
o seu ár, e concorrendo todas as causas fysicas, com
huma vegetação sempre activa, para fazerem a
felicidade
dos seus habitantes, não se poderia comprehender,
o não ter chegado este bello paiz
ao maior gráo de prosperidade possivel, se se não
soubesse, que as causas moraes, podem tanto, ou
mais que as fysicas, para deteriorar o melhor
terreno.
A Agricultura, a primeira, a mais util das
Artes, que nutre a todas, e faz a base da prosperidade,
e força dos Estados, não sahio ainda da
infancia no Brasil; todas as plantas são cultivadas
por costume, e sem principios; as luzes da Europa
culta chegão cá tão fracas, que
não podem
aclarar-nos; as couzas mais triviaes, de que podíamos
ter abundancia, não se sabem trabalhar. A
Canna de Assucar sendo o vegetal mais precioso,
comparado o seu producto, com o que tirão os
Estrangeiros das Antilhas, he menos de ametade.
Entregue a sua cultura á escravos conduzidos por
hum feitor, sem mais talentos que, os que lhe suggere
[II]
a sua ferocidade; a manufactura do Assucar,
e da aguardente, executada por ignorantes, que
não sabem a razão dos factos, nem conhecem a
natureza das differentes partes, que constituem
os liquidos, sobre que trabalhão; os donos das
fábricas
olhando com indifferença para todos estes
objectos, julgando-os indignos da sua applicação;
não he de admirar, que desta sorte haja o atrazamento,
que se vê na cultura, e producto da Cana
de Assucar.
Conheço alguns Senhores de engenho, que se
distinguem pela sua instrucção; para estes
não he
que escrevo; a minha obra he dirigida sómente,
aos que sabem ainda menos do que eu, e que estão
inteiramente entregues á disposição
dos seus
obreiros. A cultura actual, respeito á que se
propõem,
faz huma grande differença. Quem está
costumado a plantar Cana na distancia de hum,
a dois palmos, e que assim se dá bem, difficilmente
poderá conceber, que, plantando na de seis,
lucrará mais. Ainda que a razão, e a experiencia
fação conhecer, que as plantas devem ser
afastadas
humas das outras, segundo a sua grandeza,
e a quantidade de succos, de que carecem, não
pertendo que se adopte o novo methodo, sem que
cada hum se convença por si mesmo da sua efficacia.
Plante-se hum quadrado de doze braças,
que deve conter quatrocentas covas de Cana, segundo
o methodo que se propoem; plante-se outro
quadrado igual, na mesma qualidade de terra, segundo
o methodo que se pratica; faça-se assento
da despeza de huma, e outra cultura separadamente;
apure-se o producto destas duas especies
de plantação; deduzão-se-lhe as
respectivas despezas
e a resulta que se achar he o que se deve
[III]
seguir. As experiencias em pequeno não arruinão
a alguem, e podem ser seguidas de grandes utilidades.
O que digo sobre a cultura da Cana, e
lembro a respeito ás suas dependencias, manufactura
do Assucar, e aguardente; he o que me parece
melhor; porém cada hum deve ver por si mesmo,
e fazer tudo o que a experiencia lhe mostrar mais
util.
DESCRIPÇAÕ
DA
CANNA DE ASSUCAR,
SEGUNDO A VISTA
QUE APPRESENTA.
A canna de Assucar, tem a apparencia das
outras cannas destituidas de medulla; he huma planta
da familia das gramineas; como ellas, he cheia
de articulações, ou nós, que
distão huns dos outros,
de meia até quatro pollegadas, segundo a bondade
do terreno, produzindo huma folha em cada
articulação, ou nó, cercada de
pequenas raizes,
onde há hum botão, ou olho, destinado a ser
canna,
se se deposita na terra. Estes espaços entre
cada articulação, a que se chama gomos,
são cheios
de huma medulla esponjosa, elastica, succosa,
doce, cuberta de huma casca pouco dura, lenhosa,
que se deixa penetrar pela unha; destinada a
se extrahir della hum sal essencial, que se chama
Assucar. O seu comprimento, ou altura, he de
seis, a doze palmos, segundo o terreno, na Cappitania
do Rio de Janeiro, e de oito, a doze linhas
de diametro. Succede adquirir algumas braças de
comprido, se cahe, e as raizes, que circundão os
nós, introduzindo-se na terra, fazem collos;
porém
só o que sobe ao ár depois da ultima raiz, he
[2]
que tem doçura, tudo o mais he perdido. A Natureza
tem destinado dezoito mezes a esta planta
para chegar á sua perfeição; se he
colhida antes,
ou depois deste termo, o rendimento he menor
em proporção que delle se afastão;
porém com
maior prejuizo depois, que antes da madureza. Isto
he relativo á Estação; grandes
sêccas, ou grandes
chuvas, accelerão, ou retardão esta colheita.
Ainda que, como outra qualquer planta, a
Canna de Assucar floreça, e dê semente, a
fórma
de se multiplicar, he lançar na terra pequenas estacas
tiradas da parte superior da Canna, onde
não tem doçura; porém isto
só póde fazer-se, quando
a plantação he ao mesmo tempo, que a colheita,
fóra disto toda a Cana desde a raiz he empregada
em estacas.
Como se cultiva
actualmente a Canna de
Assucar.
Cada plantador de Canna, segundo as suas faculdades,
vai com dez, vinte, quarenta, ou mais escravos
com enxadas, limpar de todas as hervas huma
certa porção de terra, onde quer fazer aquillo
a que se chama partido.
As plantas, ervas, ou capins arrancados, ou
cortados com a enxada, são sacudidos da terra pelos
mesmos escravos, que trabalhão enfileirados,
juntos em pequenos monticulos, para no caso de
sobrevir chuva, não pegarem as raizes na terra.
Depois da terra capinada, ou limpa de plantas,
vão os escravos abrir covas com a mesma enxada;
cujas covas são huma especie de regos, de duas,
a tres pollegadas de profundidade, na distancia
[3]
huns dos outros, de hum palmo, a palmo e meio;
e se suppõem a terra muito boa, chegão a dois
palmos. São lançadas nestes regos duas estacas de
Canna, de palmo e meio de comprido, e se cobrem
com a mesma terra, que se tirou da cova. Faz-se
esta plantação em dois tempos; hum quando se
moe para aproveitar os olhos da Canna, que he a
parte superior della, de Junho até Setembro; o outro
em Março, que se tem pela melhor
plantação,
a qual se faz então com as estacas tiradas de
toda a Canna, que se não moeo, com o fim mesmo
de se plantar neste tempo. He de costume a qualquer
das duas plantações dar duas capinas, ou limpas.
A Canna plantada de Junho a Setembro, he
moida no anno seguinte com doze a quatorze mezes;
a plantada em Março, de dezoito a vinte mezes;
huma, e outra se deixa ficar por não se poder
moer, para Canna velha; planta-se, ou moe-se
na safra subsequente. Da Canna, que se cortou,
colhe-se a sócca no anno seguinte, e dahi todos
os annos as ressócas, em quanto no terreno brotão
Cannas. Ainda que se conheça, que estas ressócas
rendem progressivamente ametade, as ultimas
em respeito ás antecedentes, todos as aproveitão
quanto podem. Alguns lavradores, rarissimos, se tem
servido do arado para fazer os regos, e de algum
estrume nas terras já cançadas, porém
o numero
he tão diminuto, que não merece entrar em linha
de conta; o geral he limpar a terra a braço, ajuntar
o capim, fazer covas com a enxada sem ali
huns dos outros, de hum palmo, a palmo e meio;
e se suppõem a terra muito boa, chegão a dois
palmos. São lançadas nestes regos duas estacas de
Canna, de palmo e meio de comprido, e se cobrem
com a mesma terra, que se tirou da cova. Faz-se
esta plantação em dois tempos; hum quando se
moe para aproveitar os olhos da Canna, que he a
parte superior della, de Junho até Setembro; o outro
em Março, que se tem pela melhor
plantação,
a qual se faz então com as estacas tiradas de
toda a Canna, que se não moeo, com o fim mesmo
de se plantar neste tempo. He de costume a qualquer
das duas plantações dar duas capinas, ou limpas.
A Canna plantada de Junho a Setembro, he
moida no anno seguinte com doze a quatorze mezes;
a plantada em Março, de dezoito a vinte mezes;
huma, e outra se deixa ficar por não se poder
moer, para Canna velha; planta-se, ou moe-se
na safra subsequente. Da Canna, que se cortou,
colhe-se a sócca no anno seguinte, e dahi todos
os annos as ressócas, em quanto no terreno brotão
Cannas. Ainda que se conheça, que estas ressócas
rendem progressivamente ametade, as ultimas
em respeito ás antecedentes, todos as aproveitão
quanto podem. Alguns lavradores, rarissimos, se tem
servido do arado para fazer os regos, e de algum
estrume nas terras já cançadas, porém
o numero
he tão diminuto, que não merece entrar em linha
de conta; o geral he limpar a terra a braço, ajuntar
o capim, fazer covas com a enxada sem alinhamento,
plantar sem estercar, fazer toda a plantação
em hum, ou dois partidos, fugindo de terras
virgens, porque, assim como as muito estercadas,
ou estrumadas, fazem a Canna, a que se chama
taioba, quero dizer, muito aquosa, muito oleosa,
e pouco assucarada.
[4]
Notas
sobre esta fórma de
plantação.
Sendo a Canna de Assucar huma planta, destinada
pela Natureza a alcançar doze, dezaseis, vinte,
e mais palmos de altura, segundo o terreno,
e até pollegada e meia de diametro, não he
possivel
que possa prosperar plantando-se tão junta;
porque rouba huma a substancia da outra. Tambem
as covas, ou regos, em que se planta, não
tem bastante profundidade; duas, ou tres pollegadas
não bastão para a suster.
Plantando-se sem alinhamento, em confusão,
nunca o sol, e o vento podem aperfeiçoar o seu
succo. Fazendo-se a plantação em hum, ou dois
partidos, póde pegar o fogo em ambos, o que succede
algumas vezes, e fica seu dono empobrecido.
A experiencia tem feito conhecer, que todos os
fructos doces carecem do Sol, e ár para alcançar
a sua perfeição, e que o mesmo sol bata a nu
sobre
a terra, que cobre as suas raizes; não se reunindo
estas circumstancias, os fructos se deteriorão
á proporção. Em Portugal as uvas, a
que chamão
de forcado, são sempre imperfeitas, porque
as arvores, que as cobrem, lhes roubão a luz.
As larangeiras no Brasil, cubertas de erva de passarinho,
dão, pela mesma causa, laranjas pouco
doces.
Ainda que estas larangeiras estejão limpas da
mesma herva, ainda que estejão n'hum campo solitarias;
se a terra, por onde estão permeadas as
suas raizes, está cuberta de herva, ou capim, que
impeça a luz de bater sobre ella, os fructos são
sempre azedos.
[5]
Nenhum author, que trate da Canna de Assucar,
manda plantalla em menos distancia, que a
de tres pés, e alguns querem seis, e sete, que
são nove, e dez palmos e meio de cova a cova:
isto ha de parecer hum paradoxo aos nossos lavradores,
que até tem hum ditado: quero canna mil,
e não gentil. Porém da
perfeição, com que nas
Colonias estrangeiras se faz esta cultura, a mais
preciosa d'America, he que tem procedido o gráo
de prosperidade, a que se tem elevado, e de que
somos privados, por seguirmos sómente hum trilho
cégo, e sem reflexão.
Theoria para a
cultura da Canna de
Assucar.
O Que vou dizer he hum extracto do que tenho
visto sobre esta materia. Os principios para a cultura
da terra, segundo os Antigos, que suppunhão
as raizes das plantas, como os unicos orgãos para
receber a sua nutrição, consistião em
lavrar a
terra com diversos instrumentos para a pôr bem
movel, estrumalla, e depois de hum certo numero
de colheitas, dar-lhe descanço, quero dizer,
conservalla limpa sem nutrir planta alguma. Os estercos,
e estrumes de que se servião, era toda a
especie de excrementos de animaes, e vegetaes
podres. Os modernos adoptando os mesmos principios,
instão por mais lavras; dão o descanço
nos
grandes intervallos, que deixão entre planta e planta;
estes intervallos são lavrados durante a
vegetação;
além dos estrumes de que se servião os Antigos,
accrescentárão o dos marnes, ou terras
saponaceas,
e o dos rebanhos nas terras que se propõem
cultivar; e alguns Authores não querem esterco,
[6]
que substituem com lavras, e mais lavras,
origem da immensidade de instrumentos, que se
tem inventado a este fim. Estes principios são certos
em parte, e em parte diametralmente oppostos
ao fim que se busca. A quem ignorar os descobrimentos
mais modernos, ha de parecer paradoxo
o dizer-se, que a terra natural não concorre
para a vegetação das plantas; que estas
não tirão
della alimento algum, e que só serve de alicerce
para suster a sua corporeïdade. Há terra
vitrescivel,
terra calcarea, terra argillosa, ou barro, marne,
e humus.
A terra vitrescivel absolutamente esteril, he
aquella de que foi composto, e faz a solidez do
nosso Planeta. A terra calcarea he o residuo da
decomposição dos corpos animaes. A terra
argillosa
he o residuo da decomposição dos vegetaes.
O marne, ou terra saponacea, he a combinação
destas duas especies de terra, variado a infinito
com a arêa, ou terra vitrescivel, segundo as
proporções da sua mistura. O humus, materia
tão
preciosa para a vegetação, he a
combinação da decomposição
dos corpos organisados, vegetaes, e
animaes de recente data, que tem a propriedade
de dissolver-se n'agua, pelo oleo animal, e sal do
vegetal, e com este liquido formar hum sabão, que
se transforma em seiba, que he o sangue da planta.
A argilla, ou barro de todas as especies, e as
terras calcareas, são humus envelhecido, a quem
a decomposição dos animaes phlogisticou, e com o
seu gluten, fez tão tenazes as suas partes, que
são impermeaveis ás raizes das plantas;
porém combinadas
com a arêa, ou terra vitrescivel, ficão terras
proprias á vegetação. As plantas
são viventes,
[7]
que tem a faculdade de se reproduzir pela semente,
pelo tronco, e pela raiz. A experiencia de
Boyle, milhares de vezes repetida, e sempre
confirmada, prova com evidencia, que tirão a maior
parte da sua nutrição do ár; ellas tem
vasos absorventes
para receberem o alimento, e vasos exhalantes
para se alliviarem do superfluo; ainda que
estes orgãos se não percebão
á simples vista, a
existencia delles he huma verdade. Assim como os
animaes dão pasto a differentes especies de insectos,
tambem os vegetaes sustentão huma innumeridade
delles; cada hum tem os seus. Huma folha
que cahe de qualquer planta, causa a morte a milhares
de entes invisiveis. O fogo, o ár, a agua, o
humus, e a terra concorrem para a vegetação. O
fogo he o motor, o ár o agente, a agua o vehiculo,
o humus o que faz a seiba.
O fogo como calor, e como luz, faz subir os
fluidos nas plantas desde a raiz; a frescura da noite
os faz descer, fazendo assim huma especie de
circulação, e desta sorte capazes de receber
pelos
vasos absorventes das suas folhas, do seu tronco,
da sua raiz, as partes que os meteoros atmosphericos
lhe communicão. A agua muito composta,
como elemento, faz com o gáz, ou ár fixo, a parte
mais consideravel da planta. O ár como atmospherico,
e o receptaculo onde se combinão todas as
emanações da natureza, serve de todas as sortes
á planta; e o humus faz as partes fixas della. A terra
he a matriz da semente, ou planta, que serve de
cadêa, ou alicerce para esta se desenvolver, e
suster; e a fertilidade que se lhe suppõem, he devida
sómente ás partes do humus, que em si
contém,
boa, ou má, segundo a maior, ou menor
quantidade, que encerra desta preciosa materia,
[8]
segundo a planta; que deve nutrir; deve ser trabalhada,
dividida, ter toda a facilidade para receber
as aguas das chuvas, dos orvalhos, dos outros
meteoros aquosos, todos os principios fecundantes
espalhados na atmosphera, e deixar-se penetrar
das raizes, que se vão estendendo á
proporção
que a planta cresce. A abundancia do humus
nos terrenos cubertos de mato virgem, quando
este mato se derruba, e se põem a terra em
cultura, faz prosperar extraordinariamente os vegetaes
nella cultivados. Este humus, convertendo-se
nas partes solidas das plantas, vai diminuindo
a pouco, e pouco; e passados annos fica a terra
exhaurida desta preciosa materia, e por consequencia
esteril. A experiencia fez conhecer em
todos os tempos, que os estrumes, e materias estercoraes
reparavão de alguma sorte esta falta, e
se usou delles com bom successo; porém que não
bastando, era preciso dar descanço a esta terra,
descobrindo-a de todas as plantas, lavrando-a muitas
vezes, esperando que a atmosphera a fecundasse.
Isto he hum grande erro, porque o calor
do Sol batendo a nu sobre esta terra, a faz arida,
e vindo depois huma chuva, a pequena porção do
humus, que em si contém, he levado a outra parte,
e por consequencia fica ainda mais empobrecido
o mesmo terreno, que com este methodo
se quer enriquecer. He evidentemente demonstrado,
que para a terra não cançar, adquirir, e
conservar o seu humus, e fertilidade, he preciso
que esteja sempre cuberta de plantas. Devem cultivar-se
aquellas de que se pertende utilidade; quando
estas se colherem, lançar a semente de outras
de prompto crescimento, que tenhão grandes, e
brandas raizes, que cubrão bem a terra, taes como
[9]
nabos, rabãos, cenouras,
batatas, aboboras,
etc. e antes de chegarem ao seu total crescimento,
serem lavradas, enterradas; e quando tiverem
apodrecido, ou estiverem reduzidas a humus, plantarem-se,
ou semearem-se aquellas, de que se pertende
redito.
Trabalhando-se continuada, e alternativamente
desta sorte, podem evitar-se todos os estrumes,
e estercos; estes são inventados pelos homens, e
o humus he o da natureza. As vargens que estão
cercadas de serras, collinas, montes, se estas eminencias
se conservão coroadas de matto, são sempre
ferteis, porque o humus, que estes mattos estão
continuadamente depositando na terra, dissolvido
pelas chuvas, vai enriquecer as vargens. As
fraldas destas eminencias podem ser cultivadas para
pequenos vegetaes, se o angulo, que fizerem,
não passar de quarenta, e cinco gráos porque
então só grandes arvores lhes convém.
Os proprietarios destas eminencias, que as
descoroão de mattos, empobrecem o Estado a
perpetuidade; a coroa sendo descuberta, apresenta
huma superficie nua aos raios do Sol, e passados
poucos tempos ficão reduzidas a escalvados; porém
a perda que não se repara mais, he a das chuvas,
que os grandes vegetaes tem a propriedade de chamar.
O humus não basta só para conduzir as plantas
á sua perfeição; ellas carecem ainda
da luz,
3, do ár renovado, 4, de ter a superficie da terra
até onde podem extender-se as suas raizes, despida
de plantas; esta mesma terra revolvida, bem dividida,
e haver entre planta, e planta huma certa
distancia, proporcionada aos succos, de que carecem,
segundo a sua natureza; haver huma escolha
[10]
escrupulosa na semente, ou planta, e conhecer
qual he o tempo proprio para se lançar na
terra, etc. etc.
Como se deve
cultivar a Cana de
Assucar.
A Experiencia tem feito conhecer, que o melhor
tempo de plantar a Canna na Capitania do Rio de
Janeiro, he de Dezembro a Março, para ser moida
de Junho a Septembro do anno subsequente, com
dezoito mezes de idade. Como nestes mezes não
há olhos de Canna, usa-se cortar da Canna, que se
deixou para velha, pequenas estacas; porém esta
Canna velha, que está deteriorada por ter passado
do ponto da sua madureza, tem sim bastante doçura,
porém os botões, ou olhos dos seus
nós, ou
articulações, que he o que deve ser Canna, huns
estão já murchos, outros podres, e por
consequencia
perdidos; e só a parte superior da Canna, que
sempre conserva verdura, pouca doçura, e mesmo
acidez, he o que nasce facilmente.
Ainda que os botões estejão em bom estado,
devem desprezar-se as Cannas velhas, porque em
quanto tem doçura, não nascem, e he preciso hum
mez, e mais tempo para a perderem. Para se fazer
huma plantação perfeita, he preciso fazer a
planta.
No principio da moagem, devem plantar-se os
olhos, ou parte superior da Canna, n'huma terra de
muita substancia, lodosa mesmo, em terreno virgem,
que tenha bem humus, ou seja bem estercado,
para a Canna, que nascer, ser bem ataiobada,
ou selvagem. Desta Canna sem doçura, e bravia,
he que se tirão as estacas para fazer a
plantação;
cujas estacas devem ter o comprimento,
[11]
que alcancem quatro nós, que segundo a distancia
de nó a nó, serão mais compridas, ou
mais
curtas. Esta Canna plantada n'hum terreno tão pouco
proprio para se lhe extrahir o Assucar, não he
perdida; além da utilidade da boa planta, no fim
de dois, ou tres cortes, póde servir para Assucar;
porém deve haver o cuidado de renovar a Canna
para a planta. A Canna de Assucar cresce em todas
as especies de terra; porém as que são gordas,
fortes, baixas, lodosas, novamente roteadas, quero
dizer, donde se derrubou matto virgem, a pezar
do comprimento, ou altura, que alcanção, tem o
succo aquoso, oleoso, pouco assucarado, difficil
de cozer, de purificar, sem rendimento. Hum terreno
ligeiro, poroso, profundo, inclinado até quinze
gráos, he aquelle que a natureza tem destinado
a este rico vegetal. Deve-se dividir o terreno destinado
para a Canna em tres partes, e cada huma
destas partes, subdividir-se em pequenos quadrados
de doze braças cada hum; qualquer que seja
a exposição do terreno, sempre estes pequenos
quadrados hão de ser alinhados de Norte a Sul,
de Leste a Oeste.
Veja-se a
Estampa
I.
Cultivão-se
estes pequenos quadrados, deixando os lados de
cada hum delles para todas as partes, livres da
planta da Canna; porém podem occupar-se em
mandioca, carás, batatas, feijão, milho,
aboboras,
ervilhas, etc. Cada hum dos quadrados, se
tiver doze braças de frente, e doze de fundo,
deve conter quatrocentas covas, na distancia humas
das outras de seis palmos. Para se fazerem
estas còvas, não he preciso que todo o quadrado
esteja descuberto de capim, basta que seja limpo
pouco mais que o tamanho dellas, que devem ter
dois palmos de comprido, hum palmo de largo,
[12]
e seis pollegadas de fundo. Comparadas estas covas
com as que se fazem actualmente, hão de
parecer muito grandes, e muitos fundas; e na realidade
o não são, respeito ás que fazem os
Colonos
das Antilhas, e o mesmo digo sobre a distancia
dellas; pois elles chegão a afastallas humas das
outras, até dez palmos e meio, e a dar-lhe dezoito
pollegadas de comprido, doze de largo, e oito
de fundo. O milho para prosperar de serra acima,
para os seus cultores colherem duzentos por hum,
he preciso fazerem as covas na distancia de cinco
a seis palmos, nas quaes lanção quatro, ou cinco
grãos; ora este vegetal não tem o corpo da Canna
de Assucar, nem como ella carece de tanta substancia,
e alimento; a cova de milho he para quatro,
ou cinco pés, a da Cana para oito, ou dez,
que tantas são as que devem nascer, dos olhos,
os botões das duas pequenas estacas, que se
deitão
nas covas, e se devem conservar, cortando todas
as que demais nascerem, porque como ladrões
lhe roubão a substancia.
He certo que com a enxada, que se usa no
Brasil, que he talvez a primeira que se inventou,
e onde não chegou ainda a enxada de Luca, Franceza,
ou Ingleza, he hum pouco difficil fazer esta
especie de covas; são precisas de vinte a trinta
golpes, quando com qualquer das mencionadas,
bastão tres, ou quatro. A nossa enxada he fatigante,
o trabalhador anda curvado; e tendo o ferro de
cinco a seis libras, elle carrega com vinte, ou
mais nas cadeiras; nesta especie de serviço o homem
baxo tem vantagem ao homem alto, a quem
he preciso maior curvatura, e por consequencia
dobrado esforço. Na Republica de Luca, e em algumas
Provincias de França, não se usa de arado,
[13]
nem de charrua, porque a sua enxada equivale ao
trabalho destes instrumentos, e fica a terra mais
bem trabalhada.
No Brasil onde os mesmos instrumentos pouco
uso podem ter, he de huma grande vantagem
o adoptarmos a enxada Luqueza, ou outra com
pouca differença, que he huma especie de
pá,
com dez pollegadas de altura, nove de largura em
cima, oito em baxo, com a grossura de meia pollegada,
a acabar em huma linha, bem temperada
de aço, com hum alvado de seis pollegadas, quatro
a meio ferro, e duas sobresahindo, e com a
vacuidade de pollegada e meia de diametro, que
vai diminuindo insensivelmente, com dois furos no
alvado, para com huma cavilha se fazer firme o
cabo, que deve ter oito palmos de comprido.
Veja-se
a Estampa II. Fig. I. e II.
O trabalhador
com este instrumento tem o corpo direito, virado
para o Norte, os calcanhares afastados pouco mais
de meio palmo; a enxada afastada quasi hum palmo
do pé esquerdo; a mão esquerda por todo o
comprimento do braço, pegando no cabo; e a mão
direita pegando no mesmo cabo, quasi no hombro
direito
Fig. III.
A
mão esquerda levanta a enxada
até onde póde hir, sem que o antebraço
se desuna
do corpo.
Fig. IV.
A mão
direita da altura, a que
chegou, impelle a enxada com toda a força, e a
esquerda deixa escorregar o cabo, segundo a ferida
que a enxada fez na terra. Para se tirar esta
terra, serve de apoio a mão esquerda, e a direita
carregando no cabo, levanta a pá, e ambas a guião
para lançar a terra a qualquer parte; porém deve
ser regularmente para Oeste, ou Leste. No segundo
movimento, deve chegar-se o calcanhar do pé
esquerdo ao do direito, e este ladear para a direita
[14]
tanto quanto a enxada cava, e assim progressivamente.
Designados os quadrados para a plantação da
Canna, vão a cada hum vinte trabalhadores; o seu
feitor os deve pôr enfileirados olhando para Oeste,
na distancia de seis palmos huns dos outros; manda-os
andar á direita para ficarem virados para o
Norte; manda-lhe passar o pé direito a perfilar com
o esquerdo, na distancia pouco mais que meio palmo;
e desta sorte principião o trabalho, abrindo
as covas de Oeste para Leste, de manhã até ao
meio dia, servindo de guia a sombra do corpo; e
do meio dia para a noite virados para o Sul fazem
o mesmo; ou tambem podem trocar as mãos, porque
se trabalha para o lado direito, assim como
para o esquerdo; devendo buscar-se de qualquer
sorte o alinhamento perfeito das covas de Norte
a Sul, e de Leste a Oeste, o que he essencial para
a perfeição da cultura deste rico vegetal.
Feitas as covas, devem lançar-se nellas duas
estacas de Canna, que não tenhão menos de quatro,
nem mais de cinco botões, para quando nascerem,
fazerem huma soqueira de oito, ou dez
Cannas. Cobrem-se estas estacas com duas pollegadas
de terra, e quando tem nascido a Canna,
e alcançado dois palmos pouco mais de altura, enchem-se
as covas com o resto da terra. Limpão-se
as Cannas de todas as hervas que podem roubar-lhe
a substancia, á proporção que forem
nascendo.
Esta plantação deve fazer-se de Janeiro
até
Março, e não antes, nem depois. Qualquer que
seja a qualidade da terra, não deve pretender-se
mais, que dois cortes; o primeiro dahi a dezoito
mezes, o segundo a que se chama sóca, dahi a
quinze, ou dezaseis mezes. Depois deste segundo
[15]
córte, deve occupar-se o terreno em que esteve
a Canna, com aboboras de todas as especies, que
tem a propriedade de cubrir bem a terra, para que
as raizes da Canna apodreção, e depois de
convertidas
em humus, ficar a terra apta para receber
nova Canna, que dahi a mais de hum anno se lhe
póde confiar. De Janeiro a Março do segundo anno,
cultiva-se a segunda divisão, e no anno seguinte
a terceira. A quarta plantação faz-se nos
mesmos quadrados da primeira; a quinta, nos segundos,
a sexta nos terceiros, a setima nos primeiros
da primeira, a oitava nos da segunda, a
nona nos da terceira, e assim alternativamente;
de sorte que a Canna de cada quadrado tenha intervallo
bastante, que a livre de plantas, que lhe
roubem a luz. Esta fórma de plantação
póde variar-se
a infinito, segundo a quantidade de terreno,
e intelligencia do cultor.
Em lugar de quadrados perfeitos, podem ser
quadrados longos etc., com tanto que se busque
sempre o dar á Canna, a maior quantidade de ár,
e luz possivel; porque a experiencia faz ver com
evidencia, que só a dos aceiros, que recebe continuadamente
a influencia destes dois agentes, he
que alcança perfeição no seu succo; a
que está
para dentro, fica sempre esverdeada, o seu succo
mal digerido, difficil de cozer, e de purificar; por
consequencia o fim do lavrador deve ser quanto
lhe for possivel, fazer todo o Canaveal em aceiro.
[16]
Vantagens desta
fórma de
plantação.
Se há fogos por accidente, he moralmente impossivel,
que passem de huns a outros partidos,
tendo tão grande separação entre si.
Nunca os
carros, nem animaes pizão o Cannaveal, quando
se conduz a Canna á fábrica. Há
facilidade para se
verem as Cannas de todos os pequenos partidos,
para se cortarem os filhos que brotão, que como
ladrões lhe roubão a substancia.
Quasi todo o Cannaveal está em aceiro, quero
dizer, está apto para receber a influencia, e
nutrição, que lhe communica a atmosphera. A
renovação,
e correnteza do ár impede a geração, e
propagação de insectos, taes como baratas, e
outros,
que a sua corrupção tem a propriedade de
chamar. Pelo alinhamento de Norte a Sul, de Leste
a Oeste, recebem as Cannas os raios da luz, que
o Sol póde communicar-lhes, e que lhes são
tão
precisos para a depuração do seu succo.
Facilita o tarefar o trabalho, etc. etc.
Córte
das Cannas.
A Canna de Assucar gasta dezoito mezes a chegar
ao seu ponto de perfeição, porém se
há seccas,
anticipa-se; o gosto, e a vista he que decidem
a colheita; quando está bem doce, e tem a
côr amarellada, he tempo de cortar. He sabido de
todos, que principia a ser doce do pé, e que esta
doçura vai diminuindo gradualmente para a parte
superior, e que junto á bandeira, ou olho, não
[17]
só não tem doçura, porém
mesmo tem acidez, e
he por consequencia hum erro, o aproveitalla até
ás folhas. Deve sim cortar-se bem rente á terra
sem ferir as raizes, porém o palmo junto ás
folhas,
deve-se desprezar. Segundo a sua grandeza,
se ha de cortar em huma, duas, e talvez tres
partes, servindo de ballisa, o não ter mais de cinco,
ou seis palmos, para se appresentar á moenda.
Usa-se, quando se corta, fazer feixes de seis, ou
oito Cannas, segundo a sua grossura, cujos feixes
são amarrados com os olhos das Cannas que se
cortárão. Esta especie de atilhos he tirada dos
feixes
de Canna, quando se appresentão á moenda,
porém escapão muitos, que se espremem com a
Canna; ora, tendo elles acidez, vão deteriorar o
sumo, de que se ha de fazer Assucar, gastar mais
decoada, e lenha, além do tempo, e serviço que
se perde; porque no acto de cortar a Canna, são
precisas quasi tantas pessoas para amarrar, como
para cortar; e para a conducção tanto importa
estar
em feixes, como solta, e o mesmo para se meter
na moenda, onde o trabalhador póde regular
o pegar em seis, ou oito, doze, ou dezaseis, para
as appresentar. Deve haver cuidado de não se
cortar mais Canna, que a que póde moer-se em
vinte e quatro horas, principalmente se o calor he
intenso, porque o sumo fermenta na mesma Canna,
o que arruina a sua qualidade.
Construcção
dos engenhos
actuaes.
Todos os engenhos de fazer Assucar na Capitania
do Rio de Janeiro, qualquer que seja a potencia,
agua, bestas, ou bois, tem a mesma construcção,
[18]
á excepção de tres modernamente
feitos,
que reunem algumas vantagens, todos os mais
he hum grande pião, que faz fazer huma casa de
sessenta palmos livres, acabando em varandas á
roda, algumas subdivididas; cujas varandas são
maiores, ou menores, segundo o destino, que se
lhes dá, de picadeiro, casa de caldeiras, casa de
purgar, casa de encaixe, casa de aguardente, fornalhas,
e varandas de carros; com algumas trapeiras
para dar sahida ao fumo, e luz. No centro desta
grande casa de sessenta palmos, se o engenho
he moido por animaes, está a meza com as moendas;
na moenda do meio, vulgarmente chamada
a moenda grande, que pela sua dentadura faz moer
as dos lados, há quatro aspas, ou almanjarras, a
cada huma das quaes puxão dois animaes, formando
hum circulo á roda da meza, de cincoenta
e seis palmos de diametro, vindo a ter as almanjarras
por onde puxão os oito animaes, vinte e
oito palmos de comprido; os dois palmos que faltão
para os trinta, ou quatro para sessenta da capacidade
da casa, he folga para os animaes, que não
devem roçar pelas paredes.
Se o engenho he de agua, na moenda do
meio há huma grande roda, de trinta e seis a quarenta
palmos de diametro, a qual está n'hum eixo
horisontal, e nelle huma roda vertical, de trinta
a trinta e seis palmos, que nos cubos da sua circumferencia
recebe a agua, que he a potencia.
Há hum engenho de agua com rodizio, ou roda horisontal,
que reunindo a vantagem de tocar dois
ternos de moendas, e ser obra tão perfeita neste
genero, não tem tido imitadores, por parecer á
primeira vista, ser a roda vertical de maior força
que a horisontal, o que he engano, como farei ver.
[19]
Notas sobre
esta fórma de
construcção.
Para se fazer huma casa de sessenta palmos livres,
são precisas vigas de sessenta e quatro palmos
de comprido, que ficão fracas, se não tiverem
dois palmos por cada face; he custoso achar
estes madeiros, difficultosa a sua conducção,
perigoso
o levallos acima do edificio, que fica sobrecarregado
com este desmarcado pêso, e por
consequencia
fraco. As trapeiras, de que usão para
dar sahida ao fumo, e entrada á luz, são
insufficientes,
e há occasiões, em que quasi se he suffocado
pela fumaça, e sempre he precisa a candêa
para se verem os objectos. Os animaes no seu
giro, circulando as moendas, estorvão a passagem,
aos conductores da Canna, que algumas vezes succede
serem atropellados; os picadeiros de sobrado,
que se fizerão n'hum engenho, para evitar estes
accidentes, não tiverão imitadores; e o mesmo
engenho os abolio por incommodos. O sumo,
que sahe das Cannas pela expressão das moendas,
he conduzido por huma calha ao parol, a que chamão
de caldo frio; no circulo, que fazem as bestas,
atravessão esta calha, o que fórça
pôlla junto
á terra, e o dormente dos moendas com pouca
altura, e por consequencia o não se poder moer
Canna, como deve ser. Ainda que o engenho seja
de agua, como estas fábricas forão feitas por
imitação
de humas a outras, o prospecto he o mesmo,
e não tem os commodos, que se devião buscar;
multiplica-se serviço, por ser preciso usar de
pótes, e barris para levantarem os liquidos, que
devião ser conduzidos por bicas, ou calhas, até
cahirem nos alambiques.
[20]
Nova
construcção de
engenhos.
Em mechanica o ser senhor da potencia, para
augmentar, diminuir, e modificar a força ao seu
arbitrio; ajuntar a estas vantagens a da elegancia,
commodo, e economia, parece que he tudo, quanto
se póde desejar.
O engenho, que se propõem para modello,
não tem hum páo de maior comprimento, que o
de quarenta e quatro palmos, com huma face de
palmo e meio, e outra de hum palmo, e estes
são os tirantes; todos os mais páos
são de hum
palmo, tres quartos, meio palmo, com menos comprimento,
á excepção dos esteios, com palmo e
meio de face, e de quarenta para cima de comprido.
O edificio por dentro, debaxo de huma cumieira,
tem cento e sessenta palmos de comprido,
quarenta e dois palmos de largura, e trinta e
tres de altura em pé direito.
Na altura de trinta palmos está hum segundo
frechal, que cinge todo o edificio, e serve sômente,
para encabeçar os caibros das varandas, e
deixar hum claro de tres palmos, para dar luz, e
sahida ao fumo.
Este engenho he para o trabalho de bestas,
ou bois, porém a sua construcção he,
como se fosse
para agua, girando tudo sobre pião. Na moenda
do meio tem huma roda com oito aspas, a que
se chama bolandeira, com trinta e seis palmos de
diametro de centro de dente, a centro de dente,
e noventa e seis dentes na sua circumferencia,
que ficão na distancia de pouco mais de palmo
[21]
huns dos outros; os dentes desta roda são de coroa.
Esta roda he movida por hum rodete estrellado
de trinta e dois dentes, cujo eixo em pião
tem duas almanjarras; da ponta de cada huma das
quaes ao centro do eixo, são quatorze palmos.
Os animaes trabalhão nesta máquina, em huma
especie de pôço calçado, com
oito palmos de
profundidade (póde ser mais, ou menos) cercado
com huma varanda. Esta especie de pôço he
formada pelo aterro da casa, onde gira a máquina,
e estão as moendas. Já se vê que, tendo
o
rodete a terça parte da bolandeira, he preciso que
dê tres voltas para a bolandeira dar huma; e, como
os animaes puxão na distancia de quatorze palmos
do centro, devem fazer tres circulos de vinte
e oito palmos de diametro, que fazem oitenta
e quatro palmos, para as moendas darem huma volta, o que faz puxar por
huma almanjarra, ou
alavanca de quarenta e dois palmos. He certo que
oitenta e quatro palmos de diametro fazem oitenta
e quatro passos de circumferencia; e, tendo os
engenhos communs as suas almanjarras em cincoenta
e seis palmos de diametro, que fazem cincoenta
e seis passos de circumferencia, parece
que farão em menos tempo virar as moendas; porém
não he assim; porque a pezar de serem oito
os animaes, que puxão estas almanjarras, e poderem
só quatro, e menos puxar as outras, por
ter a sua alavanca mais quatorze palmos de comprido;
attendendo ás paradas, que os oito animaes
fazem a cada passo, para vencer a resistencia, e
á suavidade, com que os quatro
andaráõ, sem nunca
achar obstaculo, que faça retardar o seu passo
natural, fica igualado o serviço, e talvez superior
o dos quatro: além disto, ainda que eu não
conheça
[22]
no Rio de Janeiro, quem possa occupar sempre,
e no seu devido tempo, esta máquina trabalhando
assim, mettendo Canna como deve metter-se;
quem quizer andar mais veloz, encurte as almanjarras,
e augmente o numero de bestas, e póde
levar isto ao ponto, que lhe parecer; vantagem
de que são privados os engenhos actuaes, que hão
de restringir-se ao numero de oito sómente.
Por esta nova fórma cada hum póde trabalhar,
segundo as suas forças: se em lugar do rodete
pela terça parte, o fizer pela quarta, conservando
as almanjarras no seu comprimento, faz puxar
as bestas por huma alavanca de cincoenta e
seis palmos, e se ha de moer com quatro, póde
fazello com duas, e mesmo huma. Assim como
póde diminuir; se fizer o rodete por ametade, augmenta
o movimento, e fica a almanjarra de vinte
e oito palmos, e tem a vantagem de meter oito,
dez, doze, dezaseis bestas, o que não póde
fazer na construcção actual; porque
então não terião
passagem os carregadores de Canna para as
moendas, que estão sempre desembaraçadas na
construcção, que se propõem;
porém a proporção
da terça parte, he, segundo o meu cálculo, a mais
ajustada.
Veja-se a Estampa III.
Sobre o
movimento das moendas.
Eu não tenho noticia de que houvesse ainda quem
regulasse o movimento das moendas, para fazerem
o maior effeito possivel n'hum termo dado,
sendo isto hum objecto, que merece toda a
ponderação.
Vendo que em hum engenho movido por
[23]
bois, dão as moendas huma volta por minuto; n'hum
por bestas quasi volta e meia; nos de agua duas,
tres, quatro, e mais voltas; pensando todos geralmente,
que quanto maior numero de voltas der
em menos tempo, mais moerá, fiz exame a este
respeito, e achei que o movimento de duas voltas
por minuto, he o ponto de perfeição; e que
tanto menos se moerá, quanto se afastarem delle
para mais, ou para menos. Quando boas bestas,
e descançadas, excitadas pelo açoite
puxão pelas
almanjarras a trote, e fazem dar ás moendas duas
voltas e meia por minuto, a Canna fica esmagada,
e não espremida; porque o sumo não tem
tempo da cahir, e passa em cima da Canna para
a outra parte; e como ella he hum corpo esponjoso,
e elastico, logo que cessa o aperto, torna
a beber o mesmo sumo, do qual só numa pequena
parte cahe na meza; e se em duas voltas e meia succede
isto, peior em tres, quatro, e mais. N'hum
engenho movido por bestas, não póde haver excesso
no movimento, poderia talvez prejudicar por
defeito, se houvesse quem tivesse forças para fazer
de dez a doze mil arrobas de Assucar annualmente,
o que nunca succedeo; porém havendo quem
possa fazellas, ou ainda mais, póde pôr dois
ternos
de moendas, que o mesmo rodete faz moer,
segundo o modello que se propõem. Com a roda
vertical dos engenhos de agua, he hum pouco dificultoso
regular o movimento das moendas; só se
a agua he muito alta, o que raras vezes succede;
sendo baxa, e muita, que possa dar-se-lhe
toda a força que se precisa, o rodete he muito
grande, e faz que a bolandeira dê tres, e quatro
voltas por minuto, o que retarda o serviço, como
acima se diz; só se a roda vertical tivesse de cincoenta
[24]
a sessenta palmos de diametro, o que não
póde ser sem muito incommodo. Com a roda horisontal,
vulgarmente chamada rodizio, he facil graduar
o movimento.
O maior, ou menor declivio na bica de ferir
as pennas; maior, ou menor diametro no rodete,
ou no mesmo rodizio, faz conseguir o que
se quer sem custo.
Comparação
da roda vertical
com
a horisontal.
He sabido de todos, que em qualquer máquina,
a agua obra sómente pelo seu pêso. Supponho
ter huma bolandeira com trinta e seis palmos
de diametro, movida por
hum
rodete de
oito; a
roda vertical de trinta e seis; a agua na altura de
vinte palmos, com quatro pollegadas cubicas, que
são sessenta e quatro, e pesão quasi tres libras.
Onde a vertical recebe o impulso com a maior força,
he no semidiametro, e fim da linha horisontal
do eixo, em dezoito palmos; a agua cahe com
dois palmos de ferida, e doze libras de pêso no
principal cubo; nos que se enchêrão,
pésa com tres
libras em linhas mais curtas. Se os cubos tem capacidade
para receber mais agua, e o pêso
desta
nos mesmos he preciso para o movimento, fica a
máquina vagarosa, e sem o effeito que se quer.
Tem mais o defeito de ficarem as moendas baxas;
não se poderem dar as proporções que
se precisão;
estar tudo cheio de agua, e a roda afeiando
o edificio, estorvando passagens, etc. O mesmo
diametro na bolandeira, e na horisontal, quero
dizer, trinta e seis palmos o diametro da bolandeira,
e trinta e seis o do rodizio, o rodete deve
[25]
ter a oitava parte, ou doze dentes estrelados, tendo
a bolandeira noventa e seis de coroa, e a agua
na mesma quantidade, e altura. Vinte palmos que
a agua tem de altura, são quarenta vezes tres libras,
ou cento e vinte libras, que pésão sobre as
pennas do rodizio com hum jacto de quasi vinte
palmos, se sahisse horisontalmente, porém como
deve ter quinze gráos de declivio para ferir as pennas,
fica em dezaseis.
Este jacto de quinze gráos communica hum
movimento mui veloz ao rodizio, que póde ser
moderado, segundo a necessidade, e o podemos
levar até quarenta e cinco gráos com toda a
vantagem.
Podemos augmentar o diametro do rodizio;
diminuir, ou accrescentar o do rodete; levantar,
ou abaxar as moendas á nossa vontade,
fazendo mais curto, ou mais comprido o eixo do
rodizio; cujas pennas, sendo feitas de páos firmes,
tudo cerne, com tres palmos de comprido, e hum
em quadro, as cavas em meia lua, para receber
a agua, com seis pollegadas pelo comprimento da
penna, cinco na largura, e cinco em profundidade,
tem toda a solidez, e duração possiveis; quando
pelo contrario a roda vertical, composta de
muitas taboinhas, e pequenas juntas, em poucos
tempos fica fóra de serviço.
O modello, que se propõem, para moerem
bestas, serve para o de agua com rodizio, só com
a differença do rodete ser mais pequeno, e a especie
de pôço ser cuberta de sobrado, que dá
passagem
ao eixo; reunindo esta fórma de máquina
além das mais vantagens, a de poder ser movida
por animaes, se por accidente falta a agua, o que
succede algumas vezes, e causa prejuisos.
Não fallo nos engenhos de vento para moer
[26]
Canna, porque a instabilidade, e irregularidade
deste agente no Brasil, o faz inutil. Ainda mesmo
os de agua, se esta for difficultosa, ou que faça
precisar grandes despesas; pondo-se em prática o
modello, não causará muito pesar o moer sem
ella.
A
Estampa III.
mostra o interior, o
plano,
e o exterior da casa do engenho.
Preciso sobre
a dentadura das rodas.
A falta de conhecimento de mechanica nos mestres
de engenhos do Rio de Janeiro, aos quaes com
mais propriedade se pódem chamar curiosos, á
excepção
de alguns, e bem poucos, que tem merecimento,
me faz dizer o que sei a este respeito,
por me parecer que será de alguma utilidade. Quero
fazer huma roda grande, que tenha trinta e seis
palmos de diametro, de centro de dente, a centro
de dente; sabe-se que a devo armar de oito
curvas, ou cambótas, que tenhão de testa, a testa
trinta e sete palmos; porque a dentadura devendo
estar no centro da cambóta, para esta ficar com
fortaleza, deve ter meio palmo para dentro, e meio
para fóra. Huma roda com este diametro não se
póde fazer sem oito aspas. Devo repartir o circulo
em oito partes perfeitamente iguaes, que assignallo;
e como quero pôr neste circulo noventa e seis
dentes, já se vê que pertencem doze a cada oitavo.
O sintel tem feito descrever a linha onde
devem ser postos; reparto em doze partes o oitavo,
e assignallo cada huma com seu ponto, que
serve de centro ao furo para o dente, cujos pontos
[27]
ficão distando huns dos outros nove pollegadas
e meia com pouca differença.
Deve haver o maior cuidado, em que estes
pontos fiquem perfeitamente iguaes, e que não
desmintão nem a grossura de hum cabello; e que
os furos, que se fizerem para os dentes, fiquem
perpendiculares.
O circulo deve ser fixo nas aspas por cavilhas;
quatro destas aspas o sustem, e as outras
quatro prendem-no.
Estas aspas devem assentar no circulo entre
os dentes com huma medida perfeitamente justa,
para a roda não ficar com o que se chama peito.
Se quero fazer huma roda mais pequena, que não
careça de oito aspas, e sim de seis, reparto o circulo
em seis partes iguaes, e procedo da mesma
sorte que para a antecedente; lembrando-me sempre
de não fazer os pontos para os dentes em menos
de nove pollegadas, e podem hir a dez, que
he erro fazellos mais proximos, porque fica a cambóta
fraca; e que nunca deve haver dente, onde
a aspa assentar. Regra geral, o numero das aspas,
he o das divisões, e em cada divisão hum numero
certo de dentes, o que faz ver que nenhuma roda,
tomada no todo, tem os dentes impares. He
sabido de todos, que duas rodas, tendo huma de
fazer mover a outra, ainda que as dentaduras sejão
certas, se forem perfeitamente iguaes, não
podem trabalhar; he preciso que aquella, que está
unida á potencia, tenha huma certa folga nos
dentes, que devem ficar mais largos, que os da
outra, para trabalharem suavemente; a esta folga,
ou maior distancia dos dentes de huma, respeito
aos dentes da outra, he ao que os mestres chamão
compasso. Ora para acharem este compasso
[28]
nas medidas, que fazem, usão das maiores extravagancias;
e o que tem encontrado melhor, depois
de muitos erros, encobrem-no com mysterio
até aos seus aprendizes. Depois de ter feito a roda,
e graduado os seus dentes, para compassar os
do rodete, ou roda que trabalha com a potencia,
abro o compasso (cujas pontas devem ser bem agudas)
e com toda a certeza as assento nos pontos
de dois dentes, o que me dá a distancia de dente
a dente. No centro de huma regoa comprida traço
huma linha, e por esta linha messo, ou conto
quinze compassos; a distancia destes quinze compassos
deve ser signalada por dois pontos. Abro
agora o compasso mais, e a linha descripta dos
quinze divido em quatorze; esta pequena differença
de quatorze a quinze he o apartamento, ou
folga, que devem ter de mais os dentes do rodete,
respeito aos da roda. Se tenho graduado o rodete
primeiro, faço o mesmo que na roda; mésso pelo
compasso a distancia de hum dente a outro; na
linha traçada conto quatorze compassos, aperto
o compasso hum tanto, para que a distancia dos
quatorze se reduza a quinze: esta pequena
diminuição
he, o que devem ter de menos distancia,
os dentes da roda aos do rodete.
Devo lembrar, que estas medidas devem ser
exactas, e que os pontos signalão o centro dos
dentes. Se as rodas, ou rodetes tem os dentes em
coroa, a medida, ou compasso deve ser tomado
na cambóta; se os dentes são em estrella, deve
o compasso ser tomado no centro da ponta do dente.
Segundo o destino da máquina, que se quer
fazer, póde o rodete ser pequeno, e a roda grande;
o rodete ser grande, e a roda pequena,
ou
ambos
de igual tamanho; porém he regra geral,
[29]
que a roda, onde trabalha a potencia, seja
grande, ou pequena, he a que deve ter folga nos
dentes, quero dizer, serem mais apartados, o que
vai de quatorze a quinze, que a outra roda, qualquer
que seja a grandeza.
Os dentes das rodas podem ser todos de coroa,
e todos estrelados; em humas, de coroa, e
em outras estrelados; porém observando-se as regras
dadas, he facil fazellos de qualquer sorte.
He indifferente, que os dentes de qualquer roda
sejão delgados, ou grossos, com tanto que sejão
iguaes em grossura. Hum terno de moendas com
tres palmos de diametro, e oito dentes cada huma,
graduados estes dentes pelo centro da sua ponta,
regidos pela moenda do meio, que he a motora,
e a que deve ter a folga, podem ser os dentes
de cada huma desiguaes, respeito ás outras,
sem defeito no trabalho; todos os dentes da moenda
do meio podem ser muito grossos; menos grossos
os da de hum dos lados, e mais delgados os
da outra, e assim mesmo podem trabalhar com
perfeição. Os dentes das rodas de coroa devem
ser redondos a torno; os em estrella tambem a
sua ponta deve ser redonda, acabando em semicirculo,
segundo o seu diametro. O aguilhão do
eixo, onde anda o rodete, não deve ser fixo nelle,
ha de andar junto n'huma caixa de bronze;
porque, como se ha de gastar pelo movimento, para
o recalçar, basta levantar com huma alçaprema
o mesmo eixo, e logo o aguilhão cahe,
oppõem-se-lhe
outro, que deve haver de sobrecellente. As
almanjarras hão de ficar n'huma altura tal, que os
tirantes, por onde puxão as bestas, corrão em
linha
horisontal ao seu peito; puxão mais desta sorte,
e fatigão-se menos. A besta puxa com o seu
[30]
pêso, e o esforço dos seus musculos serva para
renovar
este pêso, se os tirantes estão muito baxos,
o pêso, que devia empregar-se a puxar, perde-se
em levantar o eixo, e se estão muito altos, a besta
he levantada por diante, e as suas mãos não
achão na terra hum apoio sufficiente para renovar
o seu movimento.
Como se moe
Canna actualmente.
As moendas, de que actualmente se usa na Capitania
do Rio de Janeiro, tem de tres a quatro
palmos de diametro, e outro tanto, pouco mais
de altura.
A sua dentadura he no meio da moenda;
alguns engenhos, rarissimos, tem as moendas dentadas
na parte superior, e aguilhões inteiros de
ferro; porém o commum he terem os dentes no
meio do corpo da moenda, e meios aguilhões de
ferro, e na parte superior hum pescoço, que faz
as vezes de meio aguilhão, feito de hum páo
solido.
Saõ chapeadas de ferro meio largo: estas
chapas tem hum palmo de comprido, e são afastadas
humas das outras a quarta parte de huma
pollegada, ou tres linhas; e pregadas no madeiro
da moenda com seis pregos curtos, e grossos. A
meza, em que estão assentadas estas moendas, não
tem mais altura, que a de quatro a cinco palmos.
Qualquer que seja a potencia que as faça mover,
a Canna he sempre mettida nellas da mesma sorte.
Hum Escravo appresenta hum feixe de Canna
pela sua ponta em linha horisontal, entre a moenda
do meio, e huma das dos lados; continua a
metter segundo, terceiro, quarto, quinto, e sexto
[31]
e outro Escravo da parte opposta, á
proporção que
os feixes de Canna passaõ, depois de espremidos
na primeira, os appresenta da mesma sorte á segunda:
tornão a passar pela primeira, e repassar
pela segunda, o que faz que esta Canna seja espremida
quatro vezes, sempre em linha horisontal.
Em alguns engenhos chegão a passar cinco, e
seis vezes, porém o commum são quatro. Sobre
estas quatro passagens, e suppondõ tres palmos
de diametro nas moendas, he que eu faço o meu
cálculo; e tambem supponho, que hum carro de
Canna contém cento e cincoenta feixes; de seis
Cannas, se são grossas, de oito, se saõ delgadas,
e do comprimento de seis palmos. Tres palmos de
diametro são nove de circumferencia, dando quatro
voltas a moenda, tem passado, e repassado os
seis feixes; dando outras quatro voltas, tem feito
passar os seis feixes reduzidos a bagaço, por consequencia,
para se espremerem seis feixes de Canna,
he preciso que as moendas dem oito voltas,
as quaes n'hum engenho de bestas bem corrente
se não dão em menos de seis minutos, o que
faz
precisar duas horas e meia para se moer hum carro
de Canna, com o numero de feixes, e comprimento
acima ditos, e nove para dez carros, em
vinte e quatro horas.
[32]
Notas sobre
esta fórma de
moer
As moendas tem pouca altura da dentadura para
baxo, onde anda a chapeação, e póde
metter-se
Canna, que não deve chegar aos dentes; e para
isto se conseguir, he preciso que os feixes se appresentem
á moenda em linha horisontal. A meza
he muito baxa, e como o Escravo, curvando-se
hum pouco, chega com as mãos á moenda, onde
as costuma ter para amparar, e empurrar as partes
minimas da Canna, a que se chama bagaço, he
causa de accidentes, e de muitos Escravos ficarem
sem mãos, o que todos os annos succede em hum,
ou outro engenho.
A chapeação das moendas he grande erro;
huma moenda de tres palmos de diametro, que
fazem nove de circumferencia, precisa de vinte
chapas; a seis pregos, são cento e vinte pequenas
cunhas, que mettidas com muita força pelo comprimento
do madeiro da moenda, a faz abrir em
pequenas raxas, onde póde introduzir-se alguma
porçaõ de sumo de Canna, e não
póde chegar a
lavagem; porque he agua simplesmente lançada,
e a quem falta o aperto, que soffre o sumo da
Canna entre as moendas.
Esta pequena porção de sumo huma vez introduzida
nestas raxas, azéda, e serve de fermento
para fazer desmerecer o sumo que se espreme;
e todos sabem, que huma mui pequena porção de
acido impede o fazer Assucar, e deteriora a sua
qualidade. Ainda mesmo que o madeiro esteja perfeito,
sempre o sumo se introduz por baxo das
chapas, e a agua da lavagem não póde
lá chegar.
[33]
Esta chapeação não impede que as
moendas
sejão torneadas todos os annos, ou todos os dois
annos; he preciso arrancar as chapas, e depois de
torneado o madeiro, repregallas em outro lugar,
tapando com tornos, os buracos, onde estiverão os
pregos; por mais solido que elle seja, não póde
resistir a tres, ou quatro operações destas, sem
que fique fóra de serviço. Vinte chapas, de mais
de duas linhas de grossura, são quarenta angulos,
ou cunhas, que cortão, ou mordem as Cannas,
que á terceira passagem ficão reduzidas a partes
minimas, cujo bagaço, para passar a quarta vez, he
preciso que o Escravo o empurre, e ampare com
as mãos entre as moendas, para poder espremer-se,
e ainda nesta quarta passagem sahe humido. As
ultimas vezes, que este bagaço passa nas moendas,
faz tanta resistencia, que se são de meios
aguilhões,
succede aluirem para os lados, e se são inteiros,
quebrarem. O bagaço, quasi reduzido a pó,
só serve
para estrume depois de ter apodrecido na bagaceira,
o que infecta o ár, que se respira á roda da
fábrica, e faz sempre sentir hum máo cheiro.
Nova
fórma de moer.
As moendas devem ter tres palmos, e pouco
mais de altura, até á dentadura; devem ter tres
palmos de diametro, ser feitas de hum páo bem
firme, e bem lisas, sem chapeação. A meza deve
dar pelos peitos de hum homem, e ter cinco palmos
de largura, inclusos os taboleiros. A Canna
ha de ser appresentada á moenda em linha obliqua,
fazendo hum angulo de quarenta e cinco gráos,
com pouca differença, e perto da dentadura. Assim
[34]
que esta Canna passou, o Escravo da parte opposta
deve dobralla, e appresentalla á moenda pela
sua curvatura, tambem em linha obliqua. Com estas
duas passagens fica a Canna melhor espremida,
que com as quatro, ou mais, que actualmente se
usão.
Para que este serviço continue sem
interrupção,
he preciso que o Escravo, que mette Canna,
appresente á moenda de doze a dezaseis de
cada vez, segundo a sua grossura; o Escravo, da
parte opposta, pega em seis, ou oito destas Cannas,
dobra-as, e appresenta-as á moenda pela sua
curvatura, e faz o mesmo ás outras seis, ou oito,
e assim continua o serviço; porque tendo a Canna
seis palmos de comprido, dobrada fica em tres, e
he preciso que as moendas estejão sempre cheias.
Por mais molle que seja hum páo proprio para moendas,
sempre he muito mais duro que a Canna,
que, sendo hum corpo esponjoso, deprime-se facilmente;
o muito uso poderá gastallo, e será preciso
torneallo, porém creio certamente, que ha de
precisar muito mais tarde deste beneficio, que as
moendas chapeadas, e ha de conservar mais annos
a sua solidez. Conheço huma fábrica de Estampas,
que imprime de oito a dez mil todos os annos,
e trabalha há mais de vinte; que os dois cilindros,
que fazem a fieira, e apertão entre duas
taboas a chapa da impressão, ainda não
forão torneados,
nem o precisão; accrescendo ser isto hum
trabalho de páo contra páo, muito differente da
Canna, que he hum corpo muito mais molle. A
Canna, appresentada em linha horisontal, faz aperto
n'huma parte da moenda sómente, e, appresentada
em linha obliqua, trabalha com todo o corpo.
He certo que as moendas de páo são hum remedio;
[35]
devião ser tambores, ou cilindros de ferro, assim
como se pratica nas Antilhas, despesa que se faz
por huma vez, porém em quanto se não
põem em
prática, deve degradar-se a chapeação,
por ser
desnecessaria, e nociva.
Comparação
da moagem actual
com
a que se
propõem.
Pelo methodo usado, dando a moenda quatro
voltas; são trinta e seis palmos de superficie; tendo
os feixes seis palmos de comprido, e, appresentando-se
em linha recta, ou horisontal, passaõ, e
repassão seis feixes; dando outras quatro voltas,
passão, e repassão em bagaço,
são precisas oito
voltas para moer seis feixes de Canna, o que não
póde fazer-se em menos de seis minutos. He certo
que estes feixes de Canna só tem os seis palmos
de comprido na primeira, e segunda passagem,
ficando reduzidos a pequenas partes para a terceira,
e quarta, o que fará parecer gastarem menos
tempo nas duas ultimas; porém isto deve considerar-se
nullo, pelas paradas que nestas occasiões
fazem as bestas, por ser preciso redobrar o seu
esforço para vencer a resistencia, que o bagaço,
ou Canna, reduzida a pequenas partes, lhe offerece.
Pelo methodo proposto, appresentando-se a Canna
á moenda em linha obliqua, tendo seis palmos de
comprido, fica reduzida a quatro e meio, e he preciso
nas quatro voltas fazer oito entradas, para ganhar
a superficie das moendas, cujas entradas sendo
de doze a dezaseis Cannas, que são dois feixes,
fazem dezaseis; e como passão, e repassao simplesmente,
em quanto nos seis minutos, pelo methodo
[36]
usado se moem seis feixes; moem-se pelo
methodo proposto trinta e dois, e por consequencia
hum carro de cento e cincoenta feixes em
menos de trinta minutos, que em vinte e quatro
horas faz mais de cincoenta carros. Pelo methodo
usado, hum feixe de Canna, appresentado á moenda
em linha horisontal, o aperto que soffre faz,
que estas Cannas fiquem sobrepostas humas acima
das outras; ellas, que tem huma pollegada pouco
menos de diametro, ficão bem espremidas, passando
por huma fieira de huma a duas linhas; porém
do sumo que espremem, que tem de circumdar
a superficie de quasi todas as Cannas, sò huma
pequena parte cahe na meza, e a maior parte,
fluctuando por cima dellas, logo que cessárão de
soffrer a compressão, sendo de natureza esponjosa,
e elastica, tornão a beber o sumo espremido.
Na segunda passagem pouco aperto percebem; porque
passão por huma fieira igual á primeira, e por
consequencia he preciso que sejão reduzidas pela
chapeação a partes minimas, para se lhe
aproveitar
o sumo. Pelo methodo proposto, appresentando-se
a Canna em linha obliqua, quando recebe
o aperto, dá sahida ao sumo pela mesma Canna,
e deposita na meza todo, o que espreme.
Quando acabou de passar a Canna, e o Escravo
da parte opposta a dobra ao meio, para a
appresentar na mesma linha obliqua; pelo seu angulo,
ou curvatura, recebe na fieira da moenda
hum aperto maior que o primeiro; porque em igual
ou superior volume, tem partes mais solidas que
comprimir, faz ficar o bagaço sècco, inteiro,
apto
para se fazer em feixes, que podem servir para as
fornalhas; o que he impossivel no methodo usado,
porque fica reduzido quasi a pó. A differença
[37]
de hum a outro methodo he de nove a cincoenta,
vantagem inapreciavel em semelhantes
fábricas.
Eu não sei que haja em todo o Brasil, quem reuna
forças para moer esta quantidade de Canna de
Junho a Setembro, que he o verdadeiro tempo,
e são cem dias de serviço; talvez não
haverá meia
duzia de fábricas, que possão fazer ametade,
porque
então farião de seis a sette mil arrobas de
Assucar.
Vejo que há engenhos, que para tres, ou
quatro mil arrobas, principião em Maio, e acabão
em Dezembro, por não poderem mais, empregando
dia, e noite neste trabalho, e assim mesmo
perdem Canna, que não podem moer. Trabalhando-se
desta sorte, os homens, e os animaes se estragão,
o dia he para trabalhar, e a noite para
descançar, esta a ordem da natureza, que se não
inverte impunemente.
Adoptando-se esta fórma de moer, póde a
noite ficar salva. Principia-se das quatro horas da
manhã até ao meio dia, das duas horas da tarde
até ás dez da noite; nestas dezaseis horas de
serviço,
cada hum póde trabalhar, segundo as suas
forças. Suppondo que quer moer dezaseis carros
de Canna, faça appresentar á moenda só
seis, ou
oito Cannas (que he hum feixe) continuadamente,
na repassagem faça dobrar tres, ou quatro,
tudo como acima se diz, e desta sorte póde augmentar,
e diminuir, segundo as suas forças, e
vontade. Nestas duas horas depois do meio dia, e
ás dez da noite, basta que sejão lavadas
ás moendas,
menos que o calor não seja intenso, ou que
haja trovoadas; porque então todas as vezes que
se enche o cocho, devem ser lavadas.
Veja-se
a
Estampa IV.
[38]
Descripção
do que
contém a casa de caldeiras
actualmente.
A Casa de
caldeiras, onde se fabrica o Assucar,
he de cinco a oito palmos, mais baxa que a do engenho,
e contém o que se segue. Parois de caldo frio,
Parois de caldo quente, Rominhois, Espumadeiras,
Batedeiras, Repartideiras, Caldeira, e Coxinha,
Bangué com suas tachas, Esfriadeira, Fôrmas
para lançar a calda, de que se faz o Assucar
bruto, Carcanha, Massa de Mamono, Espatulas,
Tanque de preparar o barro, que ha de clarificar
o Assucar, Vasos com decoada, e Vasos com agua.
Parol de caldo frio, he hum cocho, ou especie de
tanque, feito de taboas, e pelo commum cavado
n'hum grosso madeiro, com maior, ou menor comprimento,
e largura, e capacidade de conter tanto
liquido, quanto encha a caldeira, sem sobejar. Há
alguns engenhos, que já os tem de cobre.
Parol de caldo quente, he o mesmo que de
caldo frio, porém maior, por ser destinado a receber
o liquido depurado da caldeira, huma, e
mais vezes, donde passa para as tachas. Rominhol
he huma especie de cassarola de cobre, que pòde
conter de quatro a seis libras de agua; quando tem
hum cabo comprido, e com elle se tira o liquido
da caldeira para o parol de caldo quente, toma o
nome de pomba. Espumadeira, todos sabem o que
he, a que serve nos engenhos, tem hum cabo até
dez palmos. Batedeïra, he huma chapa de cobre
circular, com pouco mais de hum palmo de diametro,
huma concavidade de duas pollegadas no
centro, que vai diminuindo para a circumferencia,
[39]
com hum cabo comprido. Repartideira, he huma
especie de cassarola de cobre, que póde conter
até dez libras de agua.
A Caldeira, he pelo commum de ferro, tem
de cinco a seis palmos de diametro na boca, outro
tanto de altura, sendo menos larga no fundo;
he assentada de fórma, que fica a sua boca pouco
mais alta que a superficie do terreno, sendo este
ladrilhado á roda della, com huma pequena
inclinação,
que faz correr as espumas que a Caldeira
lança a hum receptaculo, a que se chama Cochinha.
A Cochinha, he hum pequeno tanque de
taboas, que tem seu registo; o liquido que recebe,
que não são espumas, torna a passar para a
Caldeira; as espumas por huma calha coberta, vão
depositar-se ao seu receptaculo na casa da aguardente.
Bangué, he huma fornalha comprida, com
quatro palmos de altura, que contém tres, quatro,
e cinco tachas de ferro, de tres a quatro palmos
de diametro, da maior á menor, que se distinguem
com os nomes, quando são tres (o que he
o mais commum) de tacha de receber, de cozer,
e de bater. No mesmo bangué está outra tacha
encravada,
que não recebe fogo, que se distingue
com o nome de bacia, ou esfriadeira, e he de cobre,
para onde passa a calda de Assucar em ponto,
e desta bacia he que vai para as fôrmas. As
fôrmas são feitas de barro, de figura conica, de
dois palmos pouco mais de diametro na boca, acabando
para o fundo quasi agudas, com hum buraco
de meia pollegada. A Espatula, he huma especie
de pá de taboa, que serve de mexer o Assucar
nas fôrmas, e impedir a sua mui prompta
condensação.
A Carcanha, he o aparelho de fazer a
[40]
decoada, que se faz com a cinza de toda a lenha,
preferindo a de gorarema, ou páo de alho, que se
tem reconhecido ser rica em alcali; a esta cinza
misturão algumas hervas acres, para augmentar o
que chamão queimo da decoada; enchem com
esta cinza, e hervas, doze a vinte fôrmas, que
ficão
levantadas do chão alguns palmos, enfiadas em
buracos proporcionados feitos em taboas; lanção
em cima destas fôrmas agua quente, que, filtrando-se
por entre as hervas acres, e a cinza, cahe pelo
furo da fôrma gotta a gotta, n'hum recipiente,
donde se tira para o uso. A massa de Mamono,
são as sementes deste vegetal bem pizadas. O tanque
de preparar o barro, he hum cocho, no qual
se deita muita agua, e barro, que com hum rodo
se faz dissolver, ficando n'huma especie de lodo,
que se lança em cima das fôrmas de Assucar bruto.
Os vasos, onde está a decoada, e agua para o
uso, são fôrmas com algum defeito, a que se tapa
o buraco que tem no fundo.
Como se
trabalha na fàbrica do
Assucar.
Cheio que seja o parol de caldo frio, do sumo
das Cannas espremidas nas moendas (o que actualmente
se não faz em menos de quatro a seis horas)
corre por huma calha para a caldeira, que fica hum
palmo por encher.
Esta caldeira, que tem sua fornalha particular,
e hum Escravo, que a serve com lenha, principia
a receber hum fogo violento; á
proporção que
o liquido aquece, sobe á sua superficie huma especie
de gusmo, a que se chama cachassa, que
he tirada com a espumadeira pelo obreiro, que governa
[41]
a caldeira, e lançada na cochinha para por
huma calha ser conduzida á casa da aguardente.
Esta operação, a que se chama descachassar a
caldeira, dura tanto tempo, quanto tarda o ferver
o liquido, o que pelo commum, segundo o grande
calor que recebe, não chega a meia hora. Logo
que ferve, principia o uso da decoada; lanção-lhe
mais, ou menos rominhois della, segundo que o
sumo da Canna contém mais, ou menos partes oleosas,
e tem maior, ou menor densidade; e se he
muito denso, e rico em sal, interpoladamente se
lhe lança agua, e decoada. Esta decoada, combinando-se
com o oleo, faz hum sabão, que náda
na superficie do liquor em fórma de espuma, que
he tirada á proporção, que se ajunta.
Quando a violencia do fogo, dilatando o liquido,
o faz sublevar acima das bordas da caldeira, às vezes hum, e
dois palmos; huma pitada de
massa de Mamono, lançada em cima, instantaneamente
o faz abater, e reduz a mais de hum palmo
abaixo das bordas della. O signal, para se conhecer
se o liquor desta caldeira tem o cosimento
preciso, a que chamão estar limpa, ou ajudada,
he hum segredo, de que fazem mysterio os Mestres
de Assucar; ora isto he huma gente, pretos,
pardos, ou Indios, que pelo commum não sabem
lêr, e, em quanto a mim, não tem outro merito,
e sciencia, que a de serem fiéis, duros ao somno,
e terem hum pouco de cuidado, por ser preciso
nestas fábricas trabalhar de dia, e de noite. Quando
se julga limpo o liquido da caldeira, passa ao
parol de caldo quente, onde he lançado a braço,
pelo
caldeireiro, com a pomba. Continua o trabalho
com mais caldo frio; estando prompto, passa ao
parol de caldo quente, e quando neste parol há
[42]
quantidade sufficiente para passar ás tachas, e, que
depois destas trabalharem, não possão parar
á falta
delle, enche-se a primeira tacha, chamada de
receber, depois de ter aqui engrossado alguma cousa,
passa della a braço para a de coser, e desta para
a de bater. Assim que o liquido passou da tacha
de receber para a de coser, enche-se a de receber,
e assim progressivamente, de sorte que as
tachas não fiquem paradas. Todas estas tachas são
espumadas, e levão massa de Mamono. A fórma
de bater na ultima tacha, he levantar o liquido,
que já está em calda, com a batedeira, e virallo
com inclinação sobre huma parede alta, forrada de
tijolo, que borda, e circumda, mais que ao meio,
a mesma tacha, e quando suppõem ter alcançado
o ponto necessario, he, desta tacha de bater, passado
para a bacia de esfriar, e daqui com a repartideira
vai para as fôrmas, que estão no que se
chama tendal, que he huma especie de anteparo,
cheio de bagaço de Canna, em cima de cujo bagaço
estão as fôrmas, que são no numero de
sete,
a que chamão huma venda; não se enchem de huma
vez, he repartida a calda por todas; e como
a quantidade, que se apurou, não chega para as encher,
completão-se com o segundo, e terceiro cosimento.
Esta calda, lançada nas fôrmas, he mexida
com a espatula, para impedir a condensação,
e agregação mui prompta da gran do Assucar, a
que chamão coalhar.
Quando
as fôrmas ficão cheias,
e o Assucar coalha, tira-se a rolha, que tapa o
buraco do fundo, para dar sahida ao mel, ou Assucar
decomposto, cujo mel he conduzido por huma
calha ao seu receptaculo. O Assucar mui trigueiro,
que contém estas fôrmas, he o que se chama
Assucar bruto. Passão agora do tendal para a
[43]
casa de purgar. Esta casa he assobradada, e nas
taboas do soalho há muitos buracos redondos, de
seis pollegadas de diametro, onde se firmão as
fôrmas,
para serem barreadas.
A coxia, ou casa, que fica por baxo deste
sobrado, he ladrilhada com inclinação das paredes
ao centro, onde há hum canal, que recebe o mel,
que as fôrmas de si lanção, e o conduz
a hum tanque,
donde se tira para o uso. Do tanque de preparar
o barro, se tira em huma vasilha, a especie
de lodo, a que he reduzido, e se lança em cima
das fôrmas: este lodo, que conserva a agua em
si, a vai largando a pouco, e pouco, a qual, introduzindo-se
por entre o Assucar, precipita o mel,
para sahir pelo buraco do fundo da fôrma. Sêcco
que seja este barro, tira-se da fôrma, lança-se
segundo,
e ainda terceiro. Com estes tres barros,
se suppõem ficar a fôrma, como chamão,
lavada.
Succede poucas vezes ser o Assucar desta fôrma
todo branco, o commum he ser branco da superficie,
até huma terça parte da fôrma, menos
branco
a segunda terça parte, trigueiro, dos dois terços
para o fundo. Estas tres especies de Assucar,
se distinguem com os nomes de fino, ou redondo,
batido, e mascavado; este ultimo he ainda subdividido
em diversos mascavados, segundo, que he
mais, ou menos trigueiro.
O Assucar, assim trabalhado, diminue huma
terça parte, pouco mais, ou menos, em quantidade
de sorte, que, se as fôrmas contém tres arrobas
de Assucar bruto, fica reduzido a duas de todas
as qualidades. Depois que o Assucar se suppõem
purgado, passa da casa de purgar para o terreiro,
ou eira, onde he tirado das fôrmas, e com
hum facão divididas as qualidades; e depois de reduzido
[44]
a pequenas partes, he lançado em differentes
toldos, ou lençoes de panno grosso, para
que o calor do Sol lhe faça evaporar a humidade,
e desseque.
He dalli conduzido á casa do encaixe, onde
se deita em caixas, que podem conter de quarenta
a cincoenta arrobas; e socado a pilões; e pregadas
as caixas, conduzidas ao armazem, ou trapiche,
onde, depois de julgadas as qualidades pela
Meza da Inspecção, he vendido.
Notas sobre
esta fórma de fazer
Assucar.
Por não se saber moer Canna, gasta muito tempo
o parol a encher-se. Nestas quatro, e mais horas,
que o sumo da Canna, liquido mui composto,
se deixa em repouso, fermenta; o que deprava o
liquor, e diminue a quantidade de Assucar, e sua
qualidade.
Se o parol he de madeira, conserva sempre
em si hum fermento, que ajuda extraordinariamente
esta deterioração. Quando o caldo da Canna
passa do parol para a caldeira, vai frio; esta,
que he de ferro coado, e está muito quente, recebendo
repentinamente huma impressão tão
estranha,
póde rachar, o que muitas vezes succede.
Hum calor moderado, que faz subir á superficie
do liquor, as partes impuras, a que se chama cachassa,
não dura o tempo que he preciso; logo
que a caldeira levanta fervura, todas as partes são
confundidas: a decoada, que se lhe lança, tem
a propriedade de se combinar com as partes oleosas,
e acidas, e de nenhuma sorte com este gusmo,
que incorporando-se com o Assucar, o faz
[45]
trigueiro, e perder a qualidade. O obreiro, que
governa esta caldeira, ainda que o descachassalla
não dure meia hora, faz hum trabalho fatigante,
pela postura curva, em que he preciso estar; e
mais se fatiga ainda, quando, julgando-a limpa,
lança o liquido a braço com a pomba, no parol de
caldo quente. Os parois de caldo quente, tem o
mesmo defeito, que os de caldo frio, se são de
madeira; e se o liquido, que nelles se deposita,
chega a esfriar, o que quasi sempre succede. O
bangué, he proporcionado ao pouco, que se trabalha.
A construcção desta fornalha, he positivamente
má, o fogo faz o seu effeito inversamente.
A tacha, chamada de receber, que póde com
mais calor, por ser o liquido que contém, menos
denso, he a ultima proxima á chaminé; a de cozer,
está no meio, a de bater, e apurar o Assucar,
he junto á boca da fornalha.
Para que a tacha de receber tenha maior calor,
descobrem-lhe mais o fundo, menos a de cozer,
e muito pouco á de bater. Ainda que o liquido,
que contém estas tachas, esteja a ferver,
a voz do Mestre de Assucar não cessa de dizer:
Fornalheiro, deita lenha
.
Este fogo demasiado decompõem o Assucar,
transforma-o em mel, ou Assucar queimado. Em
algumas fábricas há já
bangués, em que quatro, e
cinco tachas recebem o fogo directamente; porém
os obreiros, que as fazem, gente material, e sem
principios; os Mestres de Assucar, tirados do seu
trilho, sem capacidade para moderar o fogo, que
pela fornalha direta, se augmenta muito; huma
boca mui pequena, que nellas se pôz, e faz precisar
o rachar-se lenha, ou servir-se só de lenha
[46]
miuda; hum crivo desproporcionado, a boca da
fornalha aberta, todas estas cousas fazem, com
que a maior parte use das antigas.
A bacia, ou esfriadeira, he inutil. As fôrmas
de barro tem pequena base, e muita altura; ainda
que estes defeitos não fossem bastantes, a sua
fragilidade devia fazellas desprezar. A decoada, e
fórma de a fazer, não póde ser mais
defeituosa;
as hervas acres, só servem de a tingir, e a côr,
que lhe communicão, se incorpora com o Assucar.
Tenho visto parar engenhos, e bem notaveis, por
falta de decoada; ainda que haja cinza, são precisos
dois, e tres dias para se fazer; não há regra,
humas vezes he forte, outras fraca.
A massa de Mamono, quasi sempre he podre,
ao menos conserva hum cheiro detestavel. Não há
escolha no barro para clarificar o Assucar; qualquer
serve, he sempre de hum cinzento escuro,
e quando, depois de sêcco, se tira de cima da
fôrma,
deixa encostrado sobre o Assucar, hum sedimento
negro. A fórma de seccar o Assucar no terreiro,
he pessima; além de ser preciso ter sentinela,
ainda que quem o vigia, seja hum Argos,
não impede, que se furte muita parte; a formiga,
a galinha, o cão, o porco, todos o comem; o vento
faz depositar nelle mil impuresas; se há chuvas
continuadas, o que succede muitas vezes, não podendo
as fôrmas sahir da casa de purgar, mélla o
Assucar nellas; a estufa salta aos olhos, porém
ninguem a pôz ainda em prática. O bater
a calda,
levantando-a da tacha na batedeira, com
inclinação
sobre huma parede, onde cahe muita parte
della, não sei que isto possa servir para fazer Assucar,
vejo que se faz hum encostramento na parede,
que he preciso fação para o arrancar; esta
[47]
especie de Assucar encostrado, a que se chama rapadura,
para ter algum valor, he preciso tornar á
primeira tacha, e antes que a ella vá, tem mil
descaminhos. O tanque do mel, além de ser huma
verdadeira sentina, hum aggregado de mil imundicias,
o mel faz apodrecer o tijolo, a que faz
perder pela terra muita parte, que bem acondicionada,
se aproveitaria em aguardente.
Principios,
que devem conduzir o fabricante de
Assucar.
Quando de hum todo, ou composto, se quer
extrahir huma parte, he preciso conhecer esta
parte, e as mais, que com ella fazem o mesmo
todo, e saber a fórma de as separar. O Assucar
purificado, segundo
Cartheuser
, he
hum corpo
concreto, salino, formado de huma terra soluvel,
de hum acido subtil (de que huma parte he intimamente
unida a huma base alcalina, e calcarea)
e de huma substancia oleosa inflammavel.
O sumo, ou caldo de Canna, que contém
este sal delicioso, he hum composto de agua,
mel, oleo, e acido; e das materias extractivas,
da casca, dos nós, e das fibras longitudinaes da
mesma Canna.
Deve-se buscar na fábrica do Assucar, o separar
estas tres especies de materias extractivas,
rezinosas, ou feculas (que fazem o que se chama
cachassa) o oleo, e acido superabundantes, e evaporar
a agua.
Estas operações, que são chymicas,
sendo
bem feitas, constituem o bom Mestre de Assucar.
O unico meio, até agora conhecido, para
[48]
separar as tres feculas, que fazem a cachassa, he
hum calor, que a mão não possa supportar,
porém
que de nenhuma fórma chegue ao gráo de fervura.
Para separar o oleo, e acido superabundantes, não
se sabe de outro meio mais, que os alcalis, vegetal,
e calcareo, quero dizer, as decoadas de cinza,
e de cal, combinadas.
Qualquer destas duas decoadas por si, tem
a propriedade de se unir aos oleos, e acidos, e fazer
com elles hum sabão, que se mostra na fórma
de espuma; porém Bergman observou, que o alcali
calcareo prefere o acido, e o alcali vegetal o
oleo; o que faz precisar a combinação destas duas
especies da alcalis, para a depuração do Assucar.
Se o sumo, ou caldo de Canna he muito aquoso,
oleoso, acido, pouco assucarado, quero dizer, produzido
por huma Canna taióba, ou selvagem, deve
ser servida a caldeira com decoada pura, no
ponto, em que fica, segundo a fórma de a fazer,
que logo direi.
Se, pelo contrario, he rico em sal, pouco aquoso,
muito denso, produzido por huma Canna de
boa qualidade, deve a decoada ser enfraquecida
com agua pura. Esta maior, ou menor força da
decoada, he relativa ao sumo, ou caldo de Canna,
por ser preciso ter, onde se empregue, para
deteriorar o Assucar, e communicar-lhe hum gosto
lexivial.
A evaporação da agua deve ser feita por hum
fogo graduado, e poupado; por ser fysicamente
demonstrado, que qualquer liquido, chegando a
levantar fervura, tem alcançado o maior gráo de
calor, de que he capaz, e que he em pura-perda,
toda a mais lenha, que se lança na fornalha. Este
calor demasiado, perdido para a evaporação,
decompõem
[49]
o Assucar, e o reduz a mel, ou Assucar
queimado. A evaporação de qualquer liquido, he
em rasão da sua superficie; para esta se augmentar,
he preciso levantar o liquido, e deixallo cahir
em columna; tanta he a superficie desta, quanta
a augmentação da
evaporação, respeito á que tinha
na tacha simplesmente fervendo.
Todo o liquido mucoso, doce, tendo fluidez
sufficiente, ajudado pelo calor, e influxo do ár,
entra promptamente em fermentação. Esta
fermentação
decompõem o Assucar, que tranforma em
espirito, de sorte, que certa quantidade de liquido,
que produziria vinte, se chega a fermentar,
póde dar sómente quinze, dez, e mesmo nada, e
esse menos que se fizer, ha de ser de má qualidade.
O gráo de frio, que géla a agua, impede a
fermentação, porém este meio
só a natureza o póde
dar, e no Brasil he impossivel; o que temos na
nossa mão, e facil, he darmos, e conservarmos
hum calor ao liquido, que quasi o faça ferver. A
rasão porque se diz, ser bom trabalhar em quente,
e muito máo em frio, he por este frio ser
o do ár, que no Brasil ajuda prodigiosamente a
fermentação,
e o quente, he o liquido quasi fervendo,
que a impede.
Ora, sahindo o caldo quasi fervendo da caldeira,
e passando ás tachas quasi com esta quentura,
trabalha-se bem, e apura-se o mais possivel;
esfriando no parol, assim que alcança o calor,
que favorece a fermentação, entra logo nella,
porque a natureza não pára; e quanto mais tempo
assim se conserva, tanto mais se deteriora,
perde o rendimento, e custa a trabalhar.
[50]
Preparo para
manufacturar o Assucar.
Dois parois de cobre bem estanhados, que não
tenhão mais de dois palmos de altura, com sufficiente
largura, e comprimento, para conter cada
hum tanto liquido, quanto caiba na caldeira, sem
sobejar. Devem ser cubertos de taboas, para impedir
o mui livre contacto do ár; com hum furo
na tampa, para dar entrada a hum grosso, e comprido
funil, que recebe da calha o sumo da Canna,
e o deposita no fundo do parol.
Devem ter na parte mais commoda do fundo
hum grosso furo, onde he soldado, hum curto tubo,
que hum comprido torno tapa, para, quando
for tempo, dar sahida ao liquido, que huma calha
conduz á caldeira. Devem ter sua fornalha, que
póde ser commua a ambos, e serem
assentados
nella com huma pequena inclinação, para facilitar
a sahida do liquido.
Duas caldeiras, cada huma com sua fornalha;
assentadas o mais alto possivel, bordadas de
ladrilho, com sua cochinha para receber sómente
espumas. Dois funis grandes de folha de flandres,
com altura, que possão chegar ao fundo das caldeiras.
Hum bangué de tres tachas, cuja
proporção,
e fórma adiante descreverei. Quatro esfriadores.
O esfriador, he huma especie de caixão,
com dois palmos de altura, oito de comprido, e
tres de largo, feito de cossueiras de boa madeira,
bem aplainadas.
Cem fôrmas. A fôrma tem a figura de prisma
triangular, deve ser feita de cossueiras de boa madeira,
bem aplainadas, de quatro palmos de comprido,
[51]
dois, ou mais de largura, fazendo huma
abertura de dois palmos, fechando em baxo, e deixando
aberta huma fenda de duas linhas; aplainadas
no fundo, para fazerem hum assento de tres
a quatro pollegadas; as cabeças hão de ser
malhetadas,
e feitas com toda a solidez.
A
Figura II.
da
Estampa VII.
, mostra a
fôrma vista com a boca para cima; e a
Figura
III.
mostra a mesma fôrma com o fundo para cima, e
a fenda aberta para escôo do mel.
Tres baldes de valvula em polé, hum para
servir as caldeiras, outro as duas primeiras tachas,
e o terceiro he para servir sómente a tacha, chamada
de bater. Estes baldes devem ser de estanho,
a valvula, do mesmo metal, assentada em
boa solla; a ponta desta valvula deve conter hum
pequeno aro, onde jogue hum arame grosso de dois
palmos, e meio de comprido; neste arame, que
acaba tambem em aro, prende huma delgada corda,
que, passando na polé, chegando á mão
do
obreiro, facilita-lhe o levantar a valvula, e deixar
cahir o liquido em columna, ou sobre huma calha,
segundo a necessidade. O balde tem dois palmos
de altura, e palmo e meio por cada face, e
póde conter noventa libras de agua; a valvula tem
pouco mais de hum palmo quadrado, e a columna
de liquido, que descarrega, he de hum palmo. O
apoio da polé está em tres palmos, a alavanca he
de seis, e como pésa mais, o obreiro balanceia
o pêso do balde cheio, com trinta e tantas libras.
A
Estampa VI.
mostra o trabalho do
balde. Huma
estufa. Esta casa tão util, absolutamente precisa,
que a negligencia, a ignorancia, a falta de
economia tem despresado, deve ter até vinte palmos
em quadro, feita de paredes mestras, cuberta
[52]
de abobada reforçada; com duas aberturas da
altura de hum homem, e cada huma com duas
portas, feitas de cossueiras; huma destas aberturas
communica com a casa de purgar, e a outra
com a casa de encaixe. Deve ter tambem huma
janella alta com dobradas portas, para se abrirem
defóra, quando for preciso refrescar o ár da
estufa.
Todas estas portas devem ter boas chaves. Dentro
desta casa, sobre pontaletes, se fazem tres taboleiros,
com taboas bem sêccas, bem desempenadas,
bem lisas, unidas com meio fio, que fiquem
acima huns dos outros, de seis a oito palmos. O
soalho desta casa, deve ser feito sobre abobada,
ou aterrado sobre ella. Na parte exterior, que
communica com a varanda, tem esta abobada huma
abertura, que dá passagem ao calor, communicado
por huma fornalha, a huma chapa de cobre
circular bem grossa, de tres palmos de diametro.
Esta fornalha tem seu cinzeiro, e he servida com
lenha pelo fornalheiro do Bangué. Quatro ensinhos
para os esfriadores. Este ensinho tem vinte dentes,
dezoito em prisma quadrangular, e os dois
dos lados, em prisma triangular, afastados huns
dos outros, duas linhas, e cada dente tem dois
palmos de altura. A
Figura II.
da
Estampa V.
,
mostra os dentes vistos de topo, com a
disposição,
figura, e distancia, que devem ter no seu estado
natural; o escuro da Figura, he a espiga, que se
introduz no taboão, onde se firma o cabo porque
puxa o obreiro.
Alguns pannos, para servir de coadores. Espumadeiras,
Rominhois, Repartideiras, Manteiga
de cacáo, ou qualquer oleo doce, para impedir a
sublevação do liquido. Vasilhas de barro para
decoada,
porque as de madeira communicão-lhe côr.
[53]
Quatro raspas de ferro, que tenhão a fórma de
enchós
de martello.
Fórma
de fazer a decoada.
Peneira-se meio alqueire de cal, para separar
todas as partes não calcinadas; deita-se em huma
fôrma, ou qualquer vasilha de bom barro, eleva-se
a hum forno de telha, ou tijolo, ou a qualquer
parte, onde receba grande fogo; o calor, que aqui
recebe, faz evaporar a agua da sua extincção, e
a reduz a cal viva, ou virgem.
Deita-se esta cal virgem n'huma caldeira,
que contenha doze vezes o seu volume de agua;
depois de se demorar hum quarto de hora, tira-se
esta agua com hum rominhol, e se côa para outra
caldeira. Tomão-se duas partes de cinza, que
he hum alqueire (porque a cinza deve ter dobrada
porção da cal) e deita-se tambem n'huma caldeira,
que contenha doze vezes o seu volume de
agua, mexe-se bem com huma espatula, deixa-se
assentar, tira-se esta agua impregnada do sal da
cinza, e côa-se para a mesma caldeira, onde está
a agua de cal. Faz-se fogo a esta agua; a
evaporação
concentra os alcalis da cinza, e cal, faz-se de
vez em quando a prova, tirando n'hum rominhol
huma pouca desta decoada, deitando-lhe hum ovo
fresco em cima; quando este ovo não vai ao fundo,
que sobrenada huma parte delle, e descobre
meia pollegada, pouco mais, ou menos, está feita
a decoada no seu ponto. A cinza que ficou, tambem
não he perdida; deitada, e espalhada debaxo
Deita-se esta cal virgem n'huma caldeira,
que contenha doze vezes o seu volume de agua;
depois de se demorar hum quarto de hora, tira-se
esta agua com hum rominhol, e se côa para outra
caldeira. Tomão-se duas partes de cinza, que
he hum alqueire (porque a cinza deve ter dobrada
porção da cal) e deita-se tambem n'huma caldeira,
que contenha doze vezes o seu volume de
agua, mexe-se bem com huma espatula, deixa-se
assentar, tira-se esta agua impregnada do sal da
cinza, e côa-se para a mesma caldeira, onde está
a agua de cal. Faz-se fogo a esta agua; a
evaporação
concentra os alcalis da cinza, e cal, faz-se de
vez em quando a prova, tirando n'hum rominhol
huma pouca desta decoada, deitando-lhe hum ovo
fresco em cima; quando este ovo não vai ao fundo,
que sobrenada huma parte delle, e descobre
meia pollegada, pouco mais, ou menos, está feita
a decoada no seu ponto. A cinza que ficou, tambem
não he perdida; deitada, e espalhada debaxo
de hum alpendre, ou telheiro, o ár, em poucos
mezes, communica-lhe novos saes, e queimada de
novo, produz mais alcali.
[54]
Descripção,
e
proporções do
Bangué.
O Bangue deve conter tres tachas, a primeira,
a que chamão de receber, tem quatro palmos de
diametro na boca, a segunda tres e meio, e a terceira
tres. A primeira tacha, tem a boca quatro
palmos acima da superficie da casa, chamada de
caldeiras; a segunda tacha, seis palmos, e meio,
e a terceira oito palmos, e meio; o que faz precisar
haver degráos da primeira para a segunda, e
desta para a terceira; e huma rampa da ultima,
para a conducção da calda. A
disposição das tachas
desta fórma, he para a columna do fogo arrastar
pelo seu fundo, por huma linha de trinta gráos.
A boca da fornalha tem palmo, e meio, ou hum
pé quadrado, deve ser feita de ferro vergalháo
bem
grosso, e ter huma porta de ferro, que só deve
abrir-se, quando se servir com lenha. Da porta desta
fornalha, pela abobada, que cobre o cinzeiro,
se descreve huma linha de quinze gráos, até dez
palmos do interior della, onde fórma hum resalto
de dois palmos, e dahi se descreve outra linha de
trinta e cinco gráos, que tambem tem dez palmos
de comprido, e acaba na parede, que fórma a
chaminé.
Esta chaminé he hum quadrado de oito
pollegadas por cada face, que corresponde ao centro
da fornalha.
Na abobada, que cobre o cinzeiro, há hum
buraco de seis pollegadas em quadro, que corresponde
ao centro do fundo da primeira tacha, e
deve ser formado por huma barra de ferro vergalháo
grosso, quadrilaterado.
A boca deste cinzeiro, deve ter dois palmos
[55]
quadrados, e elle ser ladrilhado. A
Estampa
V.
Fig. I.
mostra o bangué com as paredes
dos
lados
abatidas, para se ver facilmente todo o seu interior,
e proporções.
Num. 1, 2, e 3, as tres tachas; 4, a boca
da fornalha; 5, o vão da fornalha; 6, o resalto
de dois palmos; 7, a boca da chaminé; 8, a boca
do cinzeiro; 9, o vão do cinzeiro; 10, a
communicação
do cinzeiro, com a fornalha.
A linha de 4 a 7, he de 30 gráos: A linha de
6 a 7, he de 35 gráos: A linha de 4 a 6, he de
15 gráos: O cheio, são paredes de tijolo: O
ponteado
he o aterro.
Esta fornalha he a de Macquer, adoptada no
modo possivel á fábrica do Assucar. Servida com
lenha, o fogo accêso, a boca tapada, o ár
rarificado
dentro pelo calor, com tão prompta sahida
pela chaminé, absorve, pelo canal do cinzeiro, huma
columna de ár, com maior, ou menor rapidez,
segundo a sahida que tem.
Este ár, alimentando o fogo, o faz subir tambem
em columna ao centro do fundo da primeira
tacha, e daqui corre, arrastando o fundo da segunda,
e terceira, para sahir pela chaminé. Esta
sahida, que he de sessenta e quatro pollegadas
quadradas, respeito á da entrada, pelo cinzeiro,
que he de trinta e seis, augmenta extraordinariamente
o movimento, e por consequencia, a intensidade
do calor. Este calor, com dois tijolos na boca
da chaminé, modera-se, segundo a precisão.
Estando todo o vacuo da chaminé aberto, e a fornalha
com lenha sufficiente, he o maior calor possivel;
e com a mesma quantidade de lenha, tapando-se
mais, ou menos, a boca da chaminé,
diminue proporcionalmente. A fórma de alimentar
[56]
o fogo desta fornalha, he lançar-lhe dentro hum
páo, que tenha até seis pollegadas de diametro,
pouco mais, ou menos, com oito palmos de comprido,
cuja ponta se faz chegar até ao resalto, e
alguns feixes de bagaço; este páo se puxa com hum
gancho de ferro, a chegar a ponta a cobrir a
communicação
do cinzeiro, com a fornalha, á
proporção,
que o fogo a devora; e assim se continua,
A Estampa mostra tambem o fogo.
Preparo do
barro para clarificar o
Assucar.
O tanque de preparar o lodo, com que se ha de
clarificar o Assucar, he o actualmente praticado;
porém em lugar de barro cinzento escuro, deve,
usar-se de barro branco, de que há abundancia
em todas as partes, com o cuidado de o depurar
da arêa, e pirites. Piza-se, que fique em pó, huma
porção de barro branco bem sêcco,
deita-se
este pó n'hum cocho cheio de agua, agita-se com
hum rodo, e dá-se tempo a que as pirites, e arêas
como mais pesadas, se precipitem ao fundo. Esta
agua impregnada das particulas barrentas, tira-se
com hum rominhol para o tanque de preparar o
lodo. Continua-se o mesmo serviço, torna-se a
passar a agua impregnada do barro; e quando há
sufficiente quantidade, deixa-se assentar, e tira-se
a agua superabundante; e deste barro assim purificado,
he que se fórma o lodo, para clarificar o
Assucar. Se a agua, depois de precipitado o barro,
conserva alguma côr, deve-se tirar, e lanç
O tanque de preparar o lodo, com que se ha de
clarificar o Assucar, he o actualmente praticado;
porém em lugar de barro cinzento escuro, deve,
usar-se de barro branco, de que há abundancia
em todas as partes, com o cuidado de o depurar
da arêa, e pirites. Piza-se, que fique em pó, huma
porção de barro branco bem sêcco,
deita-se
este pó n'hum cocho cheio de agua, agita-se com
hum rodo, e dá-se tempo a que as pirites, e arêas
como mais pesadas, se precipitem ao fundo. Esta
agua impregnada das particulas barrentas, tira-se
com hum rominhol para o tanque de preparar o
lodo. Continua-se o mesmo serviço, torna-se a
passar a agua impregnada do barro; e quando há
sufficiente quantidade, deixa-se assentar, e tira-se
a agua superabundante; e deste barro assim purificado,
he que se fórma o lodo, para clarificar o
Assucar. Se a agua, depois de precipitado o barro,
conserva alguma côr, deve-se tirar, e lançar
outra, e agitar com o barro precipitado, até que
fique cristallina, para que não vá incorporar,
com
o Assucar, a côr, que o barro póde communicar-lhe.
[57]
Isto he trabalho, que se faz por huma vez,
porque este barro póde durar sempre.
Methodo para
trabalhar na fábrica do
Assucar.
Assim que o caldo da Canna espremida nas moendas
cahe da bica no funil, que o conduz ao fundo
do parol, accende-se logo fogo na sua fornalha,
cujo fogo se entretem gradualmente, de sorte,
que o liquido nunca chegue a levantar fervura;
porém que a mão não possa supportar o
seu
calor, o qual se conserva, em quanto os parois
contiverem liquido. Quando, depois de cheio o
primeiro, passa a bica para encher o segundo,
trata-se este segundo da mesma sorte que o primeiro.
Cheio o segundo parol, passa o liquido para
a primeira caldeira, por huma calha, que se
ajusta ao seu fundo, na parte, onde está o tubo
de descarga; e antes do torno se tirar, põem-se
hum coador sobre a calha, para não passar á
caldeira
mais que o liquido; devendo haver o maior
cuidado, quando se aproximar ao fundo o gusmo,
a que se chama cachassa, que o calor fez subir á
superficie, de tapar logo, para que á caldeira
não
vá parte alguma delle. Deita-se então agua neste
parol, e lava-se, cuja agua se mistura com o gusmo,
e o ajuda a correr por huma calha, ao seu receptaculo,
na casa da aguardente. Depois de cheio
segunda vez o primeiro parol, passa o liquido do
segundo para a segunda caldeira, com as mesmas
precauções do primeiro, e assim continua o
trabalho,
não se despejando nunca hum, sem que o
outro esteja cheio. Ficando a caldeira quasi hum
[58]
palmo por encher, lança-se fogo na fornalha, para
fazer ferver o liquido, havendo sempre a lembrança,
que, chegando a levantar fervura, he escusado
deitar mais lenha, porque he perdida; porém
esta fervura deve-se entreter. Principia agora
o uso da decoada. Introduz-se na caldeira hum dos
dois grandes funis, e por elle he que se lança a decoada,
para os alcalis fazerem subir do fundo á
superficie, o oleo, e acido superabundantes, em
fórma de espuma, que se separa, assim que aparece.
Quando se não vem mais espumas escuras,
julga-se limpa a caldeira, e principia a simples
evaporação;
porém o liquido desta caldeira não passa
ás tachas, sem que a outra caldeira esteja tambem
com o seu liquido depurado. Estando o liquido de
ambas as caldeiras prompto, passa ás tachas o da
primeira, para renovar o trabalho com o segundo
liquido do primeiro parol, e assim vai continuando;
de sorte, que as caldeiras tem tres usos: são
vasos depuratorios, vasos evaporatorios, e parois
de caldo quente. O liquido da caldeira, sobe no
balde de valvula, que por huma calha o conduz á
primeira, e segunda tacha; este balde serve tambem
de augmentar a evaporação, levantando o liquido,
e deixando-o cahir em columna, se há necessidade
de accelerar este serviço nas caldeiras.
As tres tachas do Bangué, devem ser consideradas,
como vasos evaporatorios. A primeira, chamada
de receber, e a segunda de coser, recebem
o liquido da caldeira; depois de engrossar nellas
hum pouco, passa para a tacha, chamada de bater;
nesta ultima he, que o liquor alcança a sua
perfeição; para o concentrar, deve ser levantado
no balde muitas vezes, e deixallo cahir em columna.
[59]
Quando desta fórma tem alcançado o ponto,
passa para o esfriador. Estas tres tachas podem
ser todas, de receber, de coser, e de bater,
tendo cada huma seu balde, e passar a calda de
cada huma dellas para o esfriador; porém, como a
primeira tacha recebe mais fogo, que a segunda,
e esta, que a terceira, e o fogo, se he violento,
queima o Assucar, que reduz a mel, he melhor
fazer a concentração na terceira tacha, sempre
com o cuidado, de que a fornalha não tenha mais
fogo, que o preciso para levantar fervura.
Distingue-se o ponto da calda de Assucar em
tres estados, que são ponto fraco, ponte forte, e
ponto muito forte. Conhece-se o ponto fraco, quando,
tomando huma pouca de calda com o dedo
indes, e unindo esta calda ao pollegar, e apartando
estes dedos, a calda não faz fios.
O ponto muito forte he, quando, tomando
a calda da mesma sorte, e ella se estende em fios
por todo o apartamento dos dedos, sem quebrar.
O ponto forte, ou bom ponto he, quando se
fórmão estes fios, e, antes de chegarem a todo o
apartamento dos dedos, quebrão a duas, tres, ou
quatro pollegadas. A grossura dos olhos, que fórma
a calda, fervendo na tacha, mais, ou menos
grossos, indica a sufficiente concentração. Isto
he
huma cousa conhecida, e facil, porém que o uso
ensina mais, que todos os discursos. Estando a
calda no ponto forte, passa em repartideiras para
o esfriador.
O ár, que bate na superficie desta calda, e
refresca continuadamente as paredes do esfriador,
faz coalhar o Assucar n'huma especie de costra, a
qual se engrossa cada vez mais, até incorporar tudo
o que he Assucar, deixando apartada a parte
[60]
melosa; porém este Assucar, coalhado tão
promptamente,
alcança tanta dureza, e a sua gran he
tão unida á outra, que faz impossivel a passagem
da agua para a sua clarificação. A espatula, de
que
se usa, para o remexer nas fôrmas conicas, não
sendo sufficiente, he indispensavel o uso do ensinho
já descripto; hum obreiro com este util instrumento,
em huma das cabaças do esfriador, puxando-o
a si, e impulsando-o para a outra cabeça;
encostando-o no puxar, a huma das paredes, no
impulsar á outra, impede a aggregação
mui prompta
da gran do Assucar, para a agua, que o barro
largar, fazer o seu effeito. Este esfriador, segundo
a sua grandeza, não póde encher-se com o primeiro
cosimento, e carece, que se lhe ajuntem outros;
porém o uso do ensinho principia desde o primeiro,
até se encher, e sahir o Assucar para as fôrmas.
Não há necessidade, de que o obreiro esteja
sempre com o ensinho na mão; deve trabalhar de
vez em quando, porém sem descuido. He essencial,
que o Assucar não vá para as fôrmas
frio, e
sim n'hum gráo de quentura, que permitta o meter-lhe
o dedo.
As fôrmas molhadas, assentadas n'huma taboa
desempenada, podem receber o Assucar, sem
que pela fenda de duas linhas, que tem no seu
fundo, elle possa cahir. O Assucar deve ser deitado
nellas com espumadeiras grandes; esta operação
deve ser prompta, e ao mesmo tempo vagarosa;
prompta, em que he preciso varias espumadeiras,
sem descuido no trabalho; e vagarosa, porque
tirando as espumadeiras o Assucar, carece demorado
algum tempo sobre o esfriador, para deixar
cahir dentro muita parte do mel, de sorte que
para as fôrmas vá o menos possivel.
[61]
A fôrma deve ficar meia pollegada, por encher,
e depois de esfriar nella o Assucar, tirada
da sua taboa, e esgotado o mel, que ajuntou no
seu fundo, passa para a casa de purgar, em paviola.
Esta casa basta que tenha quarenta e dois
palmos de largura, e sessenta de comprido; o seu
sobrado na altura de doze palmos; as vigas de hum
palmo de grossura, afastadas humas das outras,
quatro palmos, e meio; as taboas do soalho, da
largura de dois palmos, ou mais, com o vão entre
taboa, e taboa, de duas pollegadas.
A coxia desta casa póde ser ladrilhada, para
mais aceio. Se parecer fraco o vigamento, pontaletes
o fazem firme. Esta coxia deve estar bem
munida de calhas, para cahir o mel das fôrmas.
As calhas são mui simples, e podem ser feitas
de taboas de seis pollegadas de largura, e duas
de grossura, cavado o centro na profundeza de huma
pollegada a diminuir para os lados; são firmadas
na viga, defronte da abertura de duas pollegadas
do apartamento das taboas do soalho, com
declivio a acabar na altura de hum barril, que recebe
o mel que nellas cahe, e o leva a huma pipa,
que o guarda.
Cada barril, que deve ter seu funil de folha
com rallo, recebe o de duas calhas, e estas, o de
muitas fôrmas.
As calhas assim dispostas, fazem a vista de
zigzag vertical. Chegando a fôrma á casa de
purgar,
he assentada entre viga, e viga, que fique a
fenda de duas linhas do seu fundo, no meio do
apartamento de duas pollegadas, que tem as taboas
do soalho.
Raspa-se a superficie desta fôrma, para igualar
o Assucar; enche-se do lodo branco, que está
[62]
preparado; e quando este lodo sécca, tira-se, para
diluido tornar a servir. Com huma raspa se tira
desta fôrma o Assucar embranquecido, e quando
vai ficando trigueiro, sobre este mais escuro se
lança novo lodo; raspa-se outra vez, e torna-se
a lançar mais lodo, e assim até ficar o Assucar
desta
fórma todo branco.
O fim desta operação he impedir, que ao
Assucar já branco não passe mais agua; porque,
não tendo partes melosas, que precipitar, dissolve
o Assucar, que confunde com o mel, e o faz
esvaido, ou sem força, e ainda que fique muito
alvo, não indemniza a perda.
O Assucar raspado passa á estufa, e he lançado
nos taboleiros della, para seccar. O calor
desta estufa deve ser mais forte que, o que communica
o Sol, que não excede a quarenta e cinco
gráos do thermometro de Reaumur; e na estufa
se póde levar até sessenta gráos,
porém não
mais, porque então o fará trigueiro. Se
não houver
thermometro, deve regular, o poder-se entrar
dentro, e demorar algum tempo; porém se
não se puder entrar, ou parar, he preciso moderar
o calor, porque he forte. Quando o Assucar
está sêcco, o que succede em oito a doze horas,
segundo o calor que recebeo, cessa o fogo; abre-se
a janella, tira-se para a casa de encaixe, sóca-se,
etc.
[63]
Como se
trabalha na fábrica da
aguardente.
Todos os Mestres de aguardente sabem, que
hum liquido doce fermenta, que esta fermentação
o faz vinhoso, e que este vinho destilado, produz
aguardente, em maior, ou menor quantidade, segundo
o gráo de doçura, que em si contém
este
liquido. Segundo este principio, a cachassa, ou
fezes do caldo da Canna; as espumas da caldeira,
e tachas, que são materias por si bastantemente
doces, são recebidas em parois; e como levão
comsigo
muito caldo de Canna puro, tem bastante fluidez,
para que, cheio o parol, entre logo em
fermentação.
Estes parois, ou especies de tanques são cavados
n'hum grosso madeiro, e ficão quasi hum,
palmo por encher.
Geralmente são descubertos; e alguma
excepção
que há, com esteiras he, que lhe tirão a
maior communicação com o ár. Assim que
a fermentação
se estabelece, o movimento, que em si
faz o liquido, com hum certo zunido, faz subir
á superficie, huma côdea de materias impuras,
que vai engrossando cada vez mais; porém abre-se
de vez em quando, para dar passagem ao gás,
ou ár fixo, que se desprende, e foge do mesmo
liquido em fermentação. Quando o zunido cessa,
e que a costra se desfaz, e mistura com o vinho,
que neste estado toma o nome de guarápa, he o
ponto, para passar ao alambique.
Alguns esperão ainda, que huma luz se não
apague no vão, que occupa o gás, da superficie
do liquido á borda do parol. Não havendo mais
cachassa,
[64]
misturão huma terça parte de mel com
duas de agua, para se seguir o mesmo effeito; ou
misturão mel, cachassa, e agua, porque estas cousas
em si são indifferentes, e seguem-se os mesmos
effeitos. Se succede algumas vezes estar a guarápa
em ponto, e o alambique occupado, deitão
agua na guarápa, para não passar, segundo dizem,
e quando há occasião, vai para o alambique.
Nestes alambiques não há regra, cada hum
tem os seus; porém nas fábricas mais modernas,
o commum he, sèrem os chamados,
tromba de
elephante
. Recebem o fogo pelo fundo, até
huma
terça parte da altura da cucurbita, ou caldeira;
outros recebem pelo fundo, e pelas paredes, onde
se pratica huma espiral, que acaba na chaminé.
Todos tem serpentina de cobre, e já vi alguma
de estanho, e nada de refrigerante. O primeiro liquido,
que sahe pela serpentina, que he fleuma,
he lançado fóra; e assim que principia a correr o
espirito, vai para o recipiente, a que chamão balsa;
esta cheia, he levada para a pipa, ou tonel.
A serpentina, que he huma espiral de quatro,
cinco voltas, está firme n'huma grande tina
cheia de agua, sempre quente, devendo ser bem
fria.
Todo este trabalho he feito sem principios;
se alguns se gabão de fazer muita aguardente, não
he, porque saibão aproveitar, sim porque he feita
á custa do Assucar.
[65]
Principios,
que devem conduzir o Mestre
Aguardenteiro.
He efficazmente demonstrado, que só a parte
doce, ou assucarada de qualquer liquido, he que
pela fermentação se póde mudar em
vinho, de
que se tira o espirito ardente. Esta mudança, que
a fermentação faz, he em mais, ou menos tempo,
segundo a densidade do liquido, quero dizer
mais, ou menos assucarado.
Se he pouco doce, fermenta mais depréssa,
e assim relativamente; de sorte que se chega a
ter a consistencia de mel, não há
fermentação, ou
ao menos não he sensivel. Há tres especies de
fermentação;
fermentação espirituosa,
fermentação
acida, e fermentação podre, ou alcalina; ou
antes,
só há a fermentação podre,
que passa pelos
dois primeiros estados, de espirituosa, e acida.
Quando hum liquido mucoso doce, pela fermentação
se faz vinhoso, toda a parte assucarada he
decomposta, e mudada em espirito.
Se não se aproveita no alambique, e passa
á fermentação acida, he decomposto
este vinho,
e mudado em vinagre; se então vai ao alambique,
sahe hum acido.
Se se deixa continuar a fermentação, e passa
á alcalina, alcança o liquido hum cheiro
detestavel,
e pelo alambique sahe sómente alcali volatil,
ou o producto das materias podres. Estas mudanças,
ou decomposições, accelerão-se, ou
retardão-se,
segundo o maior, ou menor calor do ár,
que he o principal agente da fermentação.
No gráo de frio, que géla a agua, não
há
[66]
fermentação, ou ao menos não he
sensivel; e o
mesmo succede n'hum gráo de calor de sessenta
gráos para cima, do thermometro de Reaumur,
quero dizer, que a mão não póde
supportar. Quando
o calor da atmosphera, ou do lugar, onde se
faz a fermentação, chega a dez gráos
do mesmo
thermometro, ella se estabelece, e se augmenta
cada vez mais até aos trinta e cinco, que he o maximum;
de trinta e cinco para cima, entra a enfraquecer
proporcionalmente, até aos sessenta em
que pára. Estes sessenta gráos para a
fermentação
são iguaes ao zero, ou gèlo de Reaumur. Nunca
o gráo do frio no Rio de Janeiro póde impedir a
fermentação, por ser o calor da atmosphera, de
vinte a trinta gráos; e são raros os dias no
Inverno,
onde chega a quatorze, e nunca menos. Quando
hum liquido entra em fermentação espirituosa,
não a soffre ao mesmo tempo em toda a sua massa;
já algumas partes tem fermentado, e vão passando
a acidas, quando outras ainda não
principiárão;
o que faz precisar hum fermento, que excite
o movimento em todas as suas partes, ao mesmo
tempo.
Este fermento, a natureza o dá na espuma,
e costra, que se fórma sobre hum primeiro liquido,
que fermentou, que mesmo se póde desseccar
para o uso.
Ajudando o calor da atmosphera tão poderosamente
a fermentação, deve o Mestre Aguardenteiro
impedir, quanto lhe for possivel, que com o
gás, que se desprende do liquido, se não dissipem
partes espirituosas; para o que ha de conservar os
vasos, onde ella se faz, com pouca communicação
com o ár; e em lugar de cochos, e abertos, sirva-se
de pipas, e ainda melhor de dornas, com o
[67]
fundo largo, a boca estreita, com sua tampa, e
nella hum pequeno furo, e de grandeza proporcionada
aos alambiques. Deve ter tambem o maior cuidado,
em determinar o seu trabalho de sorte, que
não tenha mais guarápa que destilar, que os
alambiques
não possão vencer; e que he melhor, que
estes esperem, que aquella, por não haver meio
de impedir a sua depravação.
O ponto principal, donde depende toda a felicidade,
ou o maior producto possivel da fermentação
espirituosa, he, o saber conhecer precisamente
o instante, em que a guarápa deve passar
ao alambique. O signal infallivel, que designa este
instante, foi descuberto por M. Gentil, Prior de
Fontenet, e membro de muitas Academias, «O
sabor, diz este grande homem, he huma qualidade,
que he o objecto do gosto, e este sentido
não póde enganar-se entre o sabor vinhoso,
e o sabor assucarado; e como o cheiro vinhoso
acompanha sempre o sabor vinhoso, he impossivel
errar sobre a relação destes dois sentidos.
Não he preciso suppôr estes sentidos bem
delicados,
e bem exquisitos, nem hum grande discernimento
para fazer a distincção; todo o homem
organisado, como o commum dos homens,
distinguirá o sabor vinhoso, do sabor assucarado,
com tanta facilidade, quanta poderia distinguir
a côr vermelha, da côr verde.... O signal
determinado, e infallivel, que designa de huma
maneira invariavel, o momento, em o qual, a
fermentação tem chegado ao gráo
preciso, e a
que he unida a maior perfeição de vinho; o
momento,
no qual o vinho não he assàs feito, e
depois do qual vem a ser aspero, grosseiro; he
o momento mesmo, onde, depois de muitas
degustações
[68]
successivas, nas quaes temos sentido
a diminuição do sabor assucarado. Este sabor,
depois
de se ter enfraquecido gradualmente, desaparece
subitamente; então he o signal preciso,
fixo, e seguro para se tirar o vinho da dorna:
isto he huma ordem irrevogavel, que a natureza
prescreve á arte, e que signala o momento fatal,
a que he unida a perfeição deste liquor....
Fura-se a dorna no meio da altura, que occupa
o liquor, e tapa-se com hum pequeno torno; logo,
que a fermentação se estabelece, tira-se o
torno, e deixa-se correr o liquor n'hum pequeno
copo para o provar. Assim, que se percebe huma
diminuição, marcada no sabor assucarado, e
huma augmentação no sabor vinhoso, que
são inseparaveis,
deve haver cuidado na dorna, fazer
a prova com frequencia, ter os vasos promptos
para receber o liquor; e se o signal aparece no
meio da noite, não differir para o outro dia o aproveitallo;
esta noite segura huma recompensa, que
deve fazer esquecer a necessidade do repouso.
Este signal commum, he proporcionado á intelligencia
de todos; he ainda identico, e invariavel,
para hum mosto de excellente qualidade, como
da mais mediocre; para huma grande quantidade
de liquido, como para huma pequena; para
huma fermentação viva, forte, tumultuosa,
e prompta, como para huma fraca, lenta, etc.
Ou seja o calor do ár proporcionado, ou intenso,
sempre he o mesmo; he preciso sómente,
se a fermentação tem sido mui rapida, ter mais
cuidado na dorna, porque chega mais depréssa
ao ponto, e he de maior prejuiso á passagem.»
Até aqui M. Gentil. Quando a guarápa indica
este ponto, a costra, que a fermentação produzio,
[69]
está sobre ella; no tempo que gasta a desfazer-se,
misturar-se com o vinho, dissipar-se o
gás, que a sobrenadava para não apagar a luz,
tem-se evaporado muito espirito, e outro tem passado
a acido, pela fermentação acetosa, que
immediatamente
segue a espirituosa, porque a natureza
não pára hum instante; e daqui se póde
inferir,
o quanto se perde, pela fórma de tomar o
ponto, no estado actual.
Depois da boa fermentação com o seu ponto
tomado a tempo, nada concorre tanto para huma
boa distilação, como a abundancia de agua,
na casa d'aguardente.
Se no refrigerante não corre sempre agua
fria, para a condensação do vapor, e na tina da
serpentina, para fazer cahir frio o liquor no recipiente,
há huma diminuição incalculavel, na
quantidade,
e qualidade d'aguardente.
A falta de principios, nos fabricantes deste
genero, não lhe deixa conhecer esta perda, porque
lhe não he sensivel á simples vista. Olha-se
com tanta indifferença para este objecto, que eu
já vi n'huma fábrica, cujo dono não
passa por
ignorante, querer hum individuo tomar banho com
a agua da tina da serpentina, suppondo-a fria, ou
ao menos tepida; e, tirando a torneira, para lhe
cahir no corpo, estava tão quente, que quasi levantou
vessiculas. Considere-se, quanto espirito se
dissiparia, sendo refrescado com agua neste estado.
Se o engenho he de agua, tem a tina da serpentina
sua bica, porém tão pequena, que eu nunca
vi, que a aguardente deixasse de correr com
quentura. Á excepção de alguns
engenhos, que
tem ao pé huma pequena fonte, o commum he,
[70]
o ser a agua carregada ás costas, e ás vezes de
bem longe. Era natural a lembrança de mandar
abrir hum pôço, e com huma bomba tirar a agua
que se precisasse, principalmente neste paiz, onde
em menos de vinte palmos se acha a quantidade
que se quer, porém só tenho visto hum; quando
a despesa, que com elle se fizesse, bem paga
ficava na primeira safra.
O que se vai dizer sobre o gráo de calor para
a distilação, he theoria de Macquer, sobre a
dos espiritos ardentes.
He huma verdade chymica, que a quantidade
de fogo para a distilação, deve ser em
razão da
coherencia, ou apêgo das partes, que se querem
fazer evaporar, aquellas, que são compostas de
principios mais fixos.
Se se expõem á acção do
fogo, compostos,
que contenhão principios volateis, e principios
fixos;
os primeiros, rarificados pelo calor, procurárão
separar-se dos segundos; e se o esforço que
para isto fizerem, for superior ao seu apêgo, a
separação terá lugar, e a
evaporação se fará. Se
se querem distilar substancias mui compostas, mui
capazes de ser alteradas pelo calor, e que contenhão
principios da maior volatilidade, taes como
são muitas plantas cheirosas, os liquores espirituosos,
e outros desta natureza, he preciso usar
do alambique guarnecido de hum banho de maria,
quero dizer, que o alambique não receba mais calor,
que o que póde communicar-lhe hum vaso
com agua fervendo, sobre a qual se assenta o mesmo
alambique. Como na distilação que se faz no
alambique, os vapores dos corpos volateis sobem
verticalmente, e se condensão na sua parte superior,
ou capello, esta sorte de distilação tem sido
[71]
chamada
per ascensum
. Podem
fazer-se distilar
mui commodamente desta sorte, todas as materias
bem volateis, que possão subir ao gráo de
calor, que não exceda o da agua fervendo; taes
são os espiritos rectores, o espirito ardente, a agua,
e todos os oleos essenciaes, etc.
O que se passa na distilação em geral, he
mui simples, e mui facil de conceber. As substancias
volateis, se fazem especificamente mais ligeiras,
quando soffrem hum gráo de calor conveniente,
reduzem-se em vapores, e se dissiparião
debaxo desta fórma, se não fossem retidas, e
determinadas
a passar a lugares mais frios, onde se
condensão, e tomão a fórma de
liquores, se são
dessa natureza. Como a distilação se faz sempre
em vasos fechados, falta o concurso do ár exterior
ás materias, que se levantão nesta
operação,
o qual he com tudo muito proprio para augmentar,
e accelerar a subida dos corpos volateis. Mas
póde-se dizer, que esta lentura, occasionada pelo
defeito do ár, he antes util, que desavantajosa;
porque em geral, quanto mais huma substancia
volatil, que se separa da outra substancia mais fixa,
se separa com lentura, tanto mais esta separação
he exacta.
Por esta razão, quando se quer distilar, segundo
as regras d'Arte, se he obrigado a conduzir
a distilação de sorte, que a substancia volatil
soffra
só o gráo de calor necessario para a separar;
e isto he sobre tudo indispensavel; quando não há
grande differença no gráo de volatilidade dos
principios
dos corpos, que se querem decompôr pela
distilação. Póde-se estabelecer, como
regras geraes,
e essenciaes á distilação; que se deve
sómente
applicar o gráo de calor necessario, para fazer
[72]
subir as substancias, que se devem destilar; e
que a lentura he tão vantajosa, quanto a
precipitação
he prejudicial nesta operação, etc.
Comparando o que diz este grande Chymico,
com a quantidade de fogo, que se atêa na fornalha
do alambique, para distilar aguardente, parece
impossivel, que entre tantos distiladores no Brasil,
não houvesse ainda hum, que, abrindo os
olhos da rasão, e guiando-se por ella, se afastasse
da trilha dos mais, o que augmentaria consideravelmente
a quantidade, e qualidade deste genero,
sem ser á custa do Assucar, nem com a perda
de huma immensidade de lenha. A fornalha,
que se propõem desenhada na
Estampa
VII.
, he
a do mesmo Macquer, adoptada a esta manufactura.
Communica-se ao cinzeiro, por hum buraco
de seis pollegadas de comprido, e duas de largo.
O vão da chaminé, he de quatro pollegadas em
quadro; a boca da fornalha tem hum palmo em
quadro, e sua porta de ferro.
Na Estampa tem as paredes dos lados abatidas,
para se ver a construcção por dentro, e
o petipé faz conhecer as suas dimensões. O fogo
se entretem, e modera da mesma sorte, que no
bangué do Assucar.
[73]
Discurso
sobre o alambique
Naõ há instrumento chymico, em que se tenha
tanto trabalhado, como no alambique. Grandes
homens tem buscado em todos os tempos a sua
perfeição, e continuar-se ainda hoje este
trabalho,
prova que ainda não se achou. Parecerá
temeridade,
o arriscar eu as minhas idéas, depois dos
maiores Chymicos terem fallado; porém lembra-me,
que hum grande homem póde procurar huma
cousa, e não a achar, e hum rustico, ou outro
de intelligencia mui limitada, vêla. Tem-se usado
de refrigerantes, e vio-se, que quando a agua desta
bacia era fria, parava a distilação, e que
só
se restabelecia, quando alcançava huma certa quentura.
A rasão convincente deste facto he, que os
vapores subindo á superficie interna do capello, e
condensando-se repentinamente pela frieza, engrossavão
muito, e pelo seu pêso cahião em gottas
na superficie do liquido; e que a agua hum tanto
quente, impedindo esta condensação tão
prompta,
permittia, que os vapores menos engrossados,
se encaminhassem ao canal praticado na circumferencia
do mesmo capello, para sahirem pelo seu
bico.
Daqui se concluio, que os refrigerantes erão
inuteis. Entrão agora as theorias. Huns, crendo,
que a condensação se fazia na serpentina, fazem
subir a ella o vapor por hum gargalo, em fórma
de
tromba de elephante
; outros
modificão esta especie
de tromba, e dão hum grande diametro á
caldeira do alambique, com mui pouca altura; e
[74]
fazem principiar a serpentina com hum grande
diametro, e acabar n'hum mui pequeno; outros,
em fim, augmentão a superficie do capello; porém
he geral em todos, o fazerem hum pescoço á
caldeira,
maior, ou menor, segundo a sua fantazia,
e só Chaptal quer, que a caldeira seja hum cilindro
perfeito, porém nada de refrigerante. Todos
estes alambiques obrão com maior, ou menor
proveito; e eu tenho visto distilar sem refrigerante,
nem serpentina, o que me prova, que o contacto
do ár no capello do alambique, tem bastante
força para condensar o vapor; não se aproveita
tanto, como com a serpentina, porém he pela
dissipação do liquor, por sahir mui quente do
bico
do alambique. Sendo a evaporação em
razão da
superficie, e subindo os vapores perpendiculares,
de que ninguem duvida, só Chaptal acertou,
tirando o pescoço á sua caldeira, e fazendo-a
cilindrica;
porque a abobada abatida, que nasce das
paredes da caldeira, até onde fórma o
pescoço,
exposta ao contacto do ár, condensa o vapor que
nella toca, e a unica sahida que tem, he tornar
para a caldeira; he por consequencia preciso mais
tempo, e maior fogo, para que o vapor se enfie
por este pescoço, segundo a maior, ou menor superficie
que o ár toca, e o maior, ou menor diametro
do pescoço, mais, ou menos longitude da
superficie, onde se faz a evaporação,
á parte onde,
condensando-se, póde encaminhar-se á serpentina.
O refrigerante he preciso, e indispensavel
para huma boa distilação. Se a frieza da agua
condensa
mui promptamente o vapor, e as gôttas engrossadas
são precipitadas na caldeira pelo seu pêso,
he porque a abobada do capello, sendo muito
abatida, não lhe dá huma facil correntesa; a que
[75]
eu tenho visto mais levantada, he a do capello de
Baumé, que faz hum angulo de cincoenta gráos;
ora hum angulo de cincoenta gráos facilita tanto
a cahida, como a correntesa; ha de correr, e cahir
indistinctamente; porém se este angulo for de
sessenta e cinco gráos, por mais grossas que
sejão
as gôttas, tem mais facilidade para correr, que
para cahir, e por consequencia, quanto vapor subir,
tanto se aproveitará.
A caldeira do alambique, que se propoem,
he hum cilindro de quatro palmos de altura, e quatro
de diametro. O capello, que he de figura conica,
deve ter de altura o diametro da sua base,
tirado da superficie externa do canal, ou goteira,
que acaba no bico, para fazer hum angulo de sessenta
e cinco gráos.
Este capello deve ser de estanho puro, porque
o espirito come o cobre; e para ficar mais
barato, e mais duravel, póde ser o estanho ligado
em partes iguaes com o zinco. Proximo á sua
base, tem hum tubo de pollegada e meia de diametro,
que huma tampa do mesmo metal fecha
em rosca, pelo qual se introduz na caldeira o vinho
para distilar; e he cercado de huma chapa
de cobre, soldada na circumferencia, na parte,
onde principia o calor, que se ha de introduzir na
caldeira; cuja chapa fórma hum cilindro da altura
do cone, e serve de bacia, para conter a agua que
esfria o capello, onde se condensa o vapor, e o
canal, que o conduz ao bico. Esta bacia, ou refrigerante,
tem n'huma das paredes, proximo á
sua base, hum pequeno tubo de pollegada de diametro,
para dar sahida á agua, que continuadamente
deve correr sobre a ponta do cone; e tambem
dá passagem ao tubo, por onde se carrega de
[76]
vinho a caldeira do alambique. A caldeira tem seu
tubo de descarga, para sahirem as fézes depois da
distilação, cujo tubo deve fechar em rosca na
caldeira,
para, no caso de ser preciso tiralla, não desmanchar
a parede da fornalha; porém que o tape
hum simples torno. A.
Veja-se a
Estampa VII.
Fig. I.
A serpentina de oito linhas de diametro,
em espiral de oito voltas. Eu não posso comprehender
as rasões que se dão, para ella principiar
com hum grande diametro, e acabar n'hum tão pequeno;
creio, que a condensação do vapor se faz
no capello, que a frieza d'agua, batendo nelle, a
favorece prodigiosamente, e que a serpentina serve
só de refrescar o liquor, para cahir frio no recipiente;
ora este effeito consegue-se melhor com
o pequeno, que com o grande diametro; porque
a agua tem huma pequena columna de ár que esfriar,
e toca o liquor de mais perto em todas as
partes do canal. Se dou quatro palmos de diametro
á caldeira do alambique, he para que o seu fundo
seja de huma chapa de cobre inteira, e sem
emendas; a altura, qualquer que seja o diametro,
nunca deve passar de quatro palmos. Tambem,
se o diametro for muito grande, fica incommodo
o capello, por ser preciso levantar o cone em
proporção:
e eu não conheço fábrica, que,
trabalhando
bem, possa occupar sempre dois alambiques
assim construidos.
Os alambiques, que contém pipa e meia, e
duas pipas de guarápa, servem mais de
ostentação,
que de utilidade; o seu rendimento em espirito,
não equivale, proporção guardada, ao
dos
mais pequenos. A materia da serpentina, merece
a maior attenção, não deve ser de
cobre, nem de
metal com elle ligado; o espirito corroe o cobre,
[77]
dissolve o zinabre, e com a aguardente se engole
hum veneno; eu bem sei, que o espirito o disfarça
alguma cousa, e que he em pequena quantidade
respeito á sua massa; porém o ser pouco,
e sem os terriveis effeitos, que causa dissolvido
pelos acidos, não impede, que ataque a economia
animal, e pouco a pouco a destrua. Desejava que fosse
de prata pura, sem liga alguma de cobre.
Os Artistas, que trabalhão em prata, tem
mais pericia que os caldeireiros; podem fazer as
chapas de prata com a grossura da folha de Flandres,
reforçada; e, se lhe for mais cómodo, formar
a espiral em poligono de cinco, ou mais angulos;
o effeito he o mesmo. Esta despesa não he
tão grande, que qualquer Senhor de engenho não
possa com ella, e a duração excederá
á da sua vida.
Talvez haverá, quem tenha esta idéa por
extravagancia,
que a escarneça, e teime em usar de
serpentina de cobre; porém o miseravel que isto
fizer, se não for por ignorancia, merece a maior
compaixão, por ter huma alma gangrenada pela
avareza, que lhe faz olhar com despreso, para a
saude, e vida dos homens. Quizera tambem, que
o recipiente fosse hum garrafão, e nada de
complicações,
nem torneiras de chave, faceis de desmanchar,
e difficultosas de concertar, porque me
lembro das pessoas, que lidão nestas fábricas.
[78]
Ordem do
trabalho para fazer
aguardente.
Tres quartas partes de agua, huma quarta parte
de mel, são lançados na dórna, a qual
deve
conter sómente, tanto desta especie de mosto,
quanto caiba em dois alambiques, ficando elles
hum palmo por encher. Deita-se neste mosto bastantes
fézes de huma fermentação antecedente,
que
se mistura bem com todo o liquido; tapa-se a dorna,
deixando aberto o pequeno furo da tampa,
para a communicação do ár, e que a
mesma dórna
fique ao menos dois palmos por encher. Assim
que principia a fermentação, prova-se o liquor, e
continua-se a prova, até chegar ao ponto determinado
por M. Gentil.
Ainda que o vinho neste ponto se considere
claro, e se tire por huma torneira, que a dorna
tem no fundo, não deve passar ao alambique, sem
que seja por hum coador, para que não vão nelle
partes grosseiras; porque estas, hindo ao fundo da
caldeira, e recebendo o fogo immediatamente,
queimão-se, e communicão ao espirito, o
empireuma,
ou gosto de queimado, que he indistructivel.
Já se vê, que esta dorna deve estar n'huma
altura tal, que o seu vinho possa correr por huma
calha, que o lança no alambique pelo tubo da sua
carga; em cujo tubo está hum funil de folha proporcionado,
e neste funil he, que se deve pôr o coador.
Como a fermentação se fez com pouca
communicação
com o ár, e o gás, que se soltou, e
fugio do mosto, se conserva na mesma dorna, e
causa promptamente a morte a todo o animal, que
o inspirar, não, porque elle em si seja veneno,
[79]
mas porque, sendo incompressivel, e inelastico, o
afoga, assim como a agua; deve haver todo o cuidado,
para prevenir qualquer funesto effeito. Antes
do vinho hir para o alambique, já o refrigerante
deste está cheio de agua, assim como a tina da serpentina;
cuja agua continúa sempre a correr n'huma,
e outra parte, e a sahir pelos seus respectivos
tubos, em quanto dura a distilação. Principia
esta, lançando logo bastante fogo debaxo do alambique,
para sahir a fleuma, que se despreza; e assim
que entra a correr o espirito, modera-se o fogo,
e entretem-se sòmente o que he preciso; havendo
sempre a lembrança de perder antes por
menos, que por mais, e que a lentura he tão proveitosa
para a quantidade, e qualidade, quanto a
precipitação he prejudicial. Assim que cessa de
correr
o espirito, ou corre sòmente, o que se chama
agua fraca, tira-se o fogo ao alambique, e descarrega-se
das suas fézes pelo tubo de descarga; muda-se
a bica do refrigerante, e a da tina para cahirem
dentro delle, e desta sorte ser lavado; e
de dia, tira-se-lhe o capello, para se fazer este
beneficio mais individualmente. Não fallo nas qualidades,
que deve ter a aguardente para ser perfeita,
porque he desconhecido neste paiz o areometro.
A forma de a escolher, he agitalla n'hum pequeno
copo, e a maior, ou menor demora da espuma,
que faz, he, o que lhe mostra a bondade;
e qualquer que ella seja, toda tem sahida.
[80]
Sobre o
tratamento do gado, e
bestas.
Todos os animaes de serviço no Brasil comem
no pasto; ainda se tivessem pastos abundantes,
como há muito gado, e bestas baratos (porque estas
nunca excedem a dezaseis, e os bois a oito
mil reis) poderia supprir a quantidade, á qualidade,
e força; porém não succede assim.
Qualquer
engenho tem cem bois, e quarenta bestas;
como a moagem he no tempo da secca, e não há
divisão de pastos, e estes forão feitos
á trinta,
cincoenta, e mais annos, e nunca renovados, a
herva, ou capim, que nelles nasce, não tem substancia,
o Sol a dessécca; e os animaes cançados,
e inanidos vão aos brejos, onde vem alguma
verdura, e com o capim, que póde ser-lhe util,
engolem plantas venenosas, que os matão. Dizem
que isto he peste, porém a fome he, que lhe faz
comer, o que lhe he nocivo. Há annos, em que
a mortandade he tal, que parão engenhos de moer.
A este respeito, assim como de outros, a abundancia
he que faz a miseria. Se hum boi custasse
cincoenta mil reis, huma besta oitenta; vinte de
huns, doze de outras, farião melhor serviço,
sustentados
com o cará, batata, mandioca, guandu,
abobora, e outras muitas cousas, de que com curiosidade
póde haver abundancia, sem contar a
mansidão, que alcanção estes animaes
assim tratados,
podendo-se fazer delles, o que se quizer a
qualquer hora. Ainda não vi hum curral calçado,
nem cuberto; enterrados os bois até á barriga he
o commum. Depois de passarem assim a noite,
vão para o carro em jejum; trabalhão muitas
horas,
[81]
sahem esfalfados, e a fome faz-lhe devorar
o que encontrão. Tenho visto gastar horas a meter
bois em carros, e bestas nas almanjarras dos
engenhos; se estes animaes sahissem da estrebaria
com a barriga cheia, hirião para o serviço
mansamente,
não haverião marradas, nem coices, o
que evitaria accidentes que sempre há, além do
adiantamento do trabalho, que a sua braveza estorva.
Ao menos devera ser o campo dividido em
quatro partes, passando o gado de humas para outras,
não se demorar mais de dez dias em cada
huma, e não entrar na ultima, de que sahio,
senão depois de trinta, ou mais dias. Desta sorte
teria tempo de crescer a herva, seria o seu succo
melhor digerido, e por consequencia mais nutritivo
para o animal. Se em lugar do pasto estar dividido
em quatro, fosse dividido em oito partes,
e que o gado se demorasse em cada huma só quatro,
ou cinco dias, ainda seria melhor.
Talvez parecerá, á simples vista, esta
multiplicidade
de pastos divididos, superfluidade, porém
he hum ganho real, porque, além de prosperar o
gado extraordinariamente assim tratado, sendo as
divisões com cèrcas vivas, podem servir os seus
galhos para o fogo das fornalhas; e os mesmos pequenos
pastos, reduzidos a terras lavradas, plantar-se
nelles Canna. Os curraes serem calçados, e
cubertos, e recolhidos nelles os animaes, que devessem
trabalhar de noite, ou de madrugada, os
quaes terião sua ração, não
de olhos de Canna,
sim dos fructos acima mencionados.
[82]
Cêrcas
vivas, e mortas.
He notavel o serviço, que se perde em cêrcas,
quasi continuado, e sempre insufficiente. Os
moirões são da madeira, que se encontra, o mesmo
as varas, amarradas a cipó, que antes de seis
mezes apodrece. Se aparece algum bocado de cêrca
viva, he para fazer conhecer a facilidade de se
naturalisar em todas as partes, onde o seu uso póde
ser util. Não há paiz, como o Brasil com tantas
arvores, e arbustos, de que se possão fazer
cêrcas vivas. As de limão, e cidra, são
conhecidas,
porém aparecem como amostra. Todos os páos
brancos de casca leitosa, e grande miolo, pegão
bem de estaca, e são de prompto crescimento. Todas
as especies de figueiras bravas, são excellentes;
com ellas em dois, ou tres annos, podem ficar
as cêrcas impenetraveis, e o decóte annual,
servir de lenha para as fornalhas. Plantem-se as
estacas alinhadas na distancia de dez palmos, que
fiquem na altura de seis. Cortem-se os pimpolhos,
ou brotas, que nascerem para a parte de fora, ou
de dentro, conservando as dos lados, ou comprimento
da cêrca, nas quaes se prenderá algum
pêso,
para as fazer dobrar brandamente; quando cruzarem,
faz-se huma ferida na casca das duas brotas,
enxertão-se, e fazem-se firmes com hum pequeno
espeque, assim como mostra a
Figura
I.
da
Estampa VIII.
Mergulhão-se
os galhos na terra,
onde tomão raiz, e fazem a vista, que se mostra
na
Figura II.
;
haja hum pouco de
cuidado, e
em poucos tempos se verá o effeito. As cêrcas
assim
feitas, hão de ser de arvores da mesma especie;
[83]
e de qualquer que sejão mesmo das fructiferas,
podem servir, ainda que com mais demora.
Como há partes, onde as cêrcas vivas se
faráõ
impraticaveis; para se fazerem as cêrcas mortas
com aceio, solidez, e sem perder muito tempo,
quando se fizer alguma derrubada, devem torrar-se
os páos de madeira firme, taes como de gorauna,
ipé, e brasil, etc. no comprimento de doze
palmos para moirões; e os páos de boa qualidade
proprios para varas, no de onze. Quando os
trabalhadores se recolhem do serviço, trazem estes
páos, que depositão n'hum armazem. Em tempo
de chuva, parte dos escravos falquejão estes
moirões dos dois lados, ou os quadrejão; outros
lhe fazem buracos, distantes por huma bitola de
dois palmos, que passem de parte a parte, e cada
moirão deve levar quatro, principiando de meio
palmo da cabeça para baxo; e outros escravos
proporcionão
as pontas das varas, a caber nos buracos
dos moirões até meio páo; cujos
buracos não
devem ter menos de duas pollegadas em quadro.
Depois de haver huma boa provisão de moirões,
e varas, querendo-se fazer qualquer cêrca,
mandão-se
fazer os buracos na terra alinhados, e na
distancia de dez palmos livres, com dois e meio
de fundo. Quando estiverem feitos, no acto de
hirem os trabalhadores para o serviço, carregão
as
varas, e moirões, lançando estes cada hum em seu
buraco; ficão só dois escravos endireitando-os, e
firmando-os na terra. He visivel, que desta sorte
tem as cêrcas outra duração. A
Figura III.
mostra
os moirões, e varas.
[84]
Lenhas.
He quasi geral a falta da lenha nos engenhos dos
suburbios do Rio de Janeiro; alguns já a comprão,
e outros não tardaráõ a fazello. Nos
campos dos
Goitacazes, antes de dez annos pararáõ mais de
ametade das fábricas á falta della. Se
há paiz, onde
isto se não devêra temer, he todo o Brasil, pela
immensidade de arvores, que pegão bem de estaca,
e em poucos annos alcanção a maior grandeza.
O cajá, o cabui, a mangueira, as figueiras,
geralmente todos os páos brancos pegão com a
maior
facilidade.
Os pinheiros, que são espontaneos de serra
acima, nascem bem de serra abaxo, semeando-se
os pinhões de vez, e em poucos annos se fazem
grandes arvores, que podem servir a infinitos usos.
O guandu, ou hervilha de Angóla, arbusto, que
tem a propriedade de nascer, e prosperar em toda
a qualidade de terreno, mesmo no que se suppõem
peior; depois de colhido o fructo, de Junho até
Agosto, que he excellente legume, póde decotar-se
pelo pé, operação de que carece, para
a reproducção
de outro; de cujas folhas são avidos todos
os animaes herbivoros, e cujos troncos, e ramos,
podem servir para as fornalhas.
Deve haver o cuidado de tirar as estacas para
plantar, de hum terreno analogo áquelle, onde
se devem plantar; se o terreno for sêcco, devem
ser tiradas de sequeiro, e o mesmo, se for humido.
Ainda que haja mattos virgens, sempre as lenhas
[85]
se devem plantar; os páos de matto virgem
fazem só brazas, e para as caldeiras, onde se precisa
hum fogo activo, os ramos, os galhos são melhores;
çapé mesmo feito em
feixes, o bagaço da
Canna, dão hum calor mais forte, que madeira
dura, principalmente se he em grossos tóros, como
se usa commummente. Talvez parecerá isto
paradoxo a quem não tem idéa do como se queima
em Portugal o tijolo, a telha, a cal, onde se
emprega sómente tojo, carqueja, rama de pinho,
e mattos carrasqueiros. As estacas, para plantar,
tambem podem ser tiradas das raizes das arvores,
fazendo-as de hum palmo de comprido, havendo
o cuïdado de não ferir a sua casca, e de as plantar
n'hum terreno bem estrumado; desta sorte não
falhão.
Carros.
Ainda não lembrou a ninguem na Capitania do
Rio de Janeiro, o fazer uso da carreta, em lugar
do carro, sendo a vantagem tão visivel. As rodas
do carro, tem o trilho de huma a duas pollegadas,
com cinco a seis palmos de altura; o trilho
das da Carreta, he de quatro a cinco pollegadas,
com nove a dez palmos de altura. Ora n'hum paiz
de caminhos não calçados, pantanosos, he
infinitamente
melhor a carreta, cujas dão tanta folga
aos animaes, além de não se enterrarem tanto, e
facilitarem o virar de hum para outro lado, sem
forcejar no cabeçalho; custando menos na sua
construcção,
por haver maior quantidade de madeiras
que lhe sirvão, não precisar tanto ferro, e mesmo
se póde fazer sem elle; e onde dois bois puxão
mais
[86]
sem tanta fadiga, que os seis do Carro. Devo lembrar,
que os raios da roda da Carreta, não devem
ser inclinados para fóra, como os das rodas de
sege; hão de ser perpendiculares ao cubo, o que
lhe conserva toda a fortaleza.
Capinas.
Hum dos objectos, que merece toda a atenção,
e que dá grande trabalho aos Lavradores do Brasil,
são as capinas, ou limpas das hervas gulosas,
que pullulão extraordinariamente, e roubão a
substancia
destinada ás plantas, de que pretendem
utilidade. A fórma de fazer esta limpa, he muito
defeituosa; a enxada, de que se usa, não dá
bastante
expedição; o seu ferro fere a terra, formando
hum angulo de mais de sessenta gráos, e não
tem a propriedade de arrancar as pequenas raizes,
sem a perda de muito tempo.
Em lugar da enxada, deve-se adoptar hum
raspador, cujo ferro tenha seis pollegadas de alto,
e doze de comprido, temperado de aço, e cortante;
que tenha o cabo reforçado, e encavado de
sorte, que na mão do obreiro faça formar ao corte
hum angulo até quinze gráos. O trabalhador pega
com a mão esquerda na ponta do cabo, e com
a direita na altura a que chega, carrega sobre o
mesmo; e tendo o corpo de perfil, com inclinação
para a direita, balancêa-o para a esquerda, forcejando
sobre o raspador, e faz arrastar o seu corte
quasi dois palmos, e assim continua, sem nunca
o levantar; parece, que desta sorte cortará mais
capim, que dez enxadas. Para arrancar as pequenas
raizes, se há precisão de o fazer, tem mais
propriedade
[87]
hum ensinho, com seis dentes de ferro
curvos, firmados n'hum grosso madeiro, onde prenda
hum cabo reforçado; cujos dentes devem sobresahir
até tres pollegadas, e serem afastados,
huns dos outros, duas; he visivel, que arrancará
mais raizes, que muitas enxadas. A
Figura
II.
da
Estampa VI.
mostra o raspador. A
Figura III.
,
o
mesmo raspador visto de perfil com o seu cabo.
A
Figura IV.
,
he o ensinho com
dentes de
ferro curvos para arrancar pequenas raizes.
[88]
NOTAS
QUE PERTENCEM A ESTA OBRA.
Na Provincia do Minho, e em outras partes, há muita
uva, que não pode amadurecer, porque as cêpas
são encostadas
a arvores, cujas folhas impedindo, que a luz toque
nos cachos, não se pode aperfeiçoar o seu succo,
nem alcançar
doçura, condição, sem a qual se
não pode fazer vinho
generoso.
Estas uvas são sempre azêdas, e o seu vinho quasi
não
tem valor, por aspero, e inexportavel. He enriquecer aos
seus habitantes, e por consequencia ao Estado, o dizer a forma,
porque podem fazer vinho generoso, e com todas as
qualidades, que lhe adquirem grande valor, e
exportação.
O meio simples, innocente, e infallivel, para conseguir esta
perfeição, he ajuntar ao mosto máo,
antes da fermentação,
huma certa quantidade de Assucar, maior, ou menor,
segundo a qualidade do mosto; porém que nunca
poderá exceder
a huma arroba por pipa, por mais verde, que elle
possa ser; e governar-se a fermentação, assim
como se diz
nos principios para fazer aguardente. Esta despeza ha de ser
compensada com usura na venda do vinho, pelo excesso de
verde, a maduro, e bom. Macquer chegou a fazer vinho
de verjus, que he huma uva, que nunca amadurece, e se
servem della em França para tempero acido, assim como nos
nos servimos do limão. Fez tambem, com uva muito
má, vinho
liquoroso, vinho como o de Tockay, que he feito de
uva muito doce, quasi em passa, simplesmente com a
addicção
do Assucar. Não he preciso, que o Assucar seja branco,
basta o mascavado, e mesmo o mel, se houver em abundancia.
[89]
Boyle pesou huma pouca de terra vegetal, de que encheo
hum caixão; depositou nesta terra huma semente de buxo,
e a regava, quando era preciso.
Passados annos, pesando este buxo, achou, que tinha cento
e tantas libras, e a terra só tinha diminuido algumas
onças.
A luz depura as emanações dos vegetaes, prepara
com
ellas o elemento, que respirão os animaes, e rehabilita o
que a sua respiração tem corrompido; porque o
animal inspira
ár, e expira gás: o vegetal, pelo contrario,
absorve
gás, e transpira ár puro; porem este
ár á sombra, e de
noite, corrompe-se, se a luz o não purifica. A materia, que
vive nos animaes, e nos vegetaes, tem huma dependencia
absoluta da luz; ella tem a faculdade de penetrar os corpos
que toca, produzir nelles calor, desenvolver o que tem no
seu seio, e aperfeiçoar os seus succos. As plantas, que
são
privadas da luz, por muito juntas, ficão delgadas, as
folhas,
e as hastes de hum verde desmaiado, por consequencia enfermas,
e sem darem o producto, que se devia esperar.
O ar he absolutamente preciso para entreter a vida animal,
e vegetal. Se he corrompido, se não se renova, os
animaes, e os vegetaes padecem, deperigão, e morrem.
Já
se disse em a nota antecedente, que os animaes inspiravão
ár, e expiravão gás; e que os vegetaes
absorvião gás, e transpiravão
ár puro. Esta troca reciproca, estabelecida pelo Author
da natureza, he a que faz ser o ár, que se respira no
campo, tão saudavel, e nocivo, o das grandes
povoações.
[90]
No campo há toda a facilidade para se fazer esta troca,
que tanto se difficulta nas Cidades.
O gás, ou ár fixo, que os animaes
expirão, e os vegetaes
absorvem, he hum liquido incompressivel, que, não
sendo misturado com sufficiente quantidade de ár puro, mata
os animaes, que o inspirão, afogando-os, assim como faz
a agua, ou qualquer liquido que nos seja visivel; porém elle
se conhece so pelos effeitos, nas victimas que faz perecer,
e não á simples vista.
Franklin navegando em frota na America do Norte, vio
serem maltratados por huma tempestade, todos os Navios, e
so dois novamente concertados, e alcatroados, sentirão muito
pouco os seus effeitos. Vio tambem algumas gôttas de azeite
lançado no mar, cuja reunião encheria apenas huma
colher,
temperar as ondas a mais de cem toezas, com huma
celeridade de expanção tão
maravilhosa, como a sua divisão;
e que este effeito do azeite, ou qualquer oleo, principalmente
do vegetal, era sobre tudo efficaz, para evitar o perigo
dos mares encapelados. Todas as pessoas, que tem sentido
no mar grandes tormentas, sabem, que os mares encapelados
procedem de huma grande serra de mar, que agitado
pelos ventos, forma huma horrorosa columna, a qual
dobrando, ou encapelando, se por desgraça encontra alguma
embarcação, seja ella a maior Náo,
lançando-lhe dentro milhares
de toneis de agua, a faz sossobrar. A pezar de ser
Franklin quem isto diz, eu, que sabia o que erão mares
encapellados,
suspendi a minha crença, parecendo-me impossivel,
que huma tão pequena quantidade de materia, fizesse
cessar hum tão terrivel effeito: porém a primeira
vez,
que vi fazer Assucar, e que hum grande fogo lançado debaxo
de huma caldeira, fazendo sublevar acima das bordas della
alguns palmos o liquido, que continha, e que huma pitada
de massa de Mamono, reduzia repentinamente este liquido
á sua altura natural, lembrei-me logo da
observação
de Franklin, e ainda que eu não possa conceber o porque
isto se faz; se huma pitada de massa de Mamono, que poderá
conter apenas meio grão de azeite, e azeite crasso, he
capaz de impedir a sublevação, e fuga do liquido
de huma
[91]
caldeira abrazada, creio certamente, que algumas oitavas de
azeite bem expansivel, tal como o de amendobi, de que há
abundancia em Angola, lançado por huma seringa de delgado
canudo, contra o maior mar encapelado, o reduzirá a
onda simples, que não tem perigo de consequencias para os
Navios.
O ponto indicado por M. Gentil, he para se fazer o vinho
da uva; porém como todos os mostos são compostos
dos mesmos principios, com mui pequenas
modificações, o
que succede no mosto da uva, he commum ao da maçan para
a cidra, ao da cevada para a cerveja, ao sumo, e productos
da Canna de Assucar, para se fazer aguardente. A passagem
da dorna, ou cuba para a pipa, com os acidos mineraes,
para impedir a fermentação ulterior; como do
vinho
de Canna, ou guarápa, o que se pretende he aguardente,
tambem he o ponto desta guarápa, passar ao alambique para
a distilação.
[92]
EXPLICAÇÃO
DAS ESTAMPAS.
FIG. I.
Forma dos partidos para a Canna, com
doze braças em quadro, e o mesmo de intervallo
entre cada partido.
FIG. II.
Quadrados longos, que fórmão tambem
partidos, com menos intervallo.
FIG. III.
Quadrados longos, com outra direcção.
A agulha, que está no centro, he para mostrar o
alinhamento, que devem ter os pequenos partidos,
para a Canna ser plantada de Norte a Sul,
e de Leste a Oeste.
FIG. I.
A
folha da enxada sem cabo.
FIG. II.
A
mesma enxada encavada.
FIG. III.
O
trabalhador com a enxada prompto a
trabalhar.
FIG. IV.
O
mesmo trabalhador, trabalhando.
FIG. I.
He
a vista exterior da casa do engenho,
tomada ao longo.
FIG. II.
He
a vista plana da mesma casa.
FIG. III.
He
a vista exterior da entrada da casa
do engenho, que mostra tambem as varandas para
picadeiros, e outras serventias.
[93]
Mostra a fórma de moer Canna, pelo methodo que
se propõem.
FIG. I.
Mostra o bangué de tres tachas,
com as
paredes dos lados abatidas, para se ver o interior;
e o fogo fazendo o seu effeito.
FIG. II.
Mostra os dentes em prisma para o ensinho,
vistos de topo, com a grossura, e fórma,
que devem ter, e distancia de huns a outros; o
mais escuro he a espiga, que deve entrar no madeiro,
onde prende o cabo. A. e B. figura dos dezoito
dentes do centro do mesmo ensinho. C. figura
dos dois dentes, que devem fazer os lados.
FIG. I.
Mostra hum trabalhador, cavando com a
enxada,
como se pratica em França, Inglaterra, etc.
FIG. II.
Fórma do raspador para as
limpas, ou capinas.
FIG. III.
O mesmo raspador de perfil, para mostrar
a direcção, que deve ter encavado.
FIG. IV.
Figura do ensinho, para arrancar pequenas
raizes.
FIG. V.
Mostra o balde de valvula trabalhando; a
polé póde ser feita de taboas, assim como o sexto
circulo, onde se vem os sinaes dos fuzelos,
que sustem as duas cordas que prendem o balde,
e tambem a corda, que levanta a valvula.
O apoio da balança está em tres palmos, e o
trabalhador
puxa por huma alavanca de seis.
[94]
FIG. VI.
Pessa onde joga a polé, e que
facilita
o seu movimento para todas as partes.
FIG. I.
He o alambique na sua fornalha com o fogo
acêzo. O refrigerante deixa ver a figura do
capello, fazendo hum angulo de 65 gráos, e o
petipé mostra as dimensões do alambique, e
fornalha.
FIG. II.
He a fôrma de Assucar, vista com
a boca
para cima.
FIG. III. He a mesma fôrma, deixando ver a abertura
do seu fundo.
FIG. I.
Faz ver como se fazem cêrcas
vivas.
FIG. II.
Mostra os ramos entrelaçados, e
mergulhados
na terra.
FIG. III.
Mostra os moirões, e varas para
as
cêrcas
mortas.
FIG. IV.
He hum quarto circulo, para dar a conhecer,
o que são gráos de
elevação. Na linha
horisontal do mesmo, se vem duas pollegadas,
repartidas em linhas. Huma pollegada tem doze
linhas, hum palmo tem oito pollegadas, hum pé
tem doze pollegadas.
[95]
INDICE
DO QUE CONTEM ESTA MEMORIA.
Descripção da Canna de
Assucar,
segundo
a vista que
appresenta.
|
Pag.
1
|
|
Como se cultiva actualmente a Canna de
Assucar.
|
2
|
|
Notas sobre esta fôrma de
plantação.
|
4
|
|
Theoria para a cultura da Canna de
Assucar.
|
5
|
|
Como se deve cultivar a Canna de
Assucar.
|
10
|
|
Vantagens desta fôrma de
plantação.
|
16
|
|
Córte das
Cannas.
|
Ib.
|
|
Construcção dos
engenhos
actuaes.
|
17
|
|
Notas sobre esta fórma de
construcção.
|
19
|
|
Nova construcção de
engenhos
|
20
|
|
Sobre o movimento das
moendas.
|
22
|
|
Comparação da roda
vertical com
a
horisontal.
|
24
|
|
Preciso sobre a dentadura das
rodas.
|
26
|
|
Como se moe Canna
actualmente.
|
30
|
|
Notas sobre esta fórma de
moer.
|
32
|
|
Nova fórma de
moer.
|
33
|
|
Comparação da moagem
actual com
a que se
propõem.
|
35
|
|
Descripção do que
contém a casa de caldeiras
actualmente.
|
38
|
|
Como se trabalha na fábrica do
Assucar.
|
40
|
|
Notas sobre esta fórma de fazer
Assucar.
|
44
|
|
Principios, que devem conduzir o fabricante
de
Assucar.
|
47
|
|
Preparo para manufacturar o
Assucar.
|
50
|
|
[96]
Fórma
de fazer a
decoada.
|
53
|
|
Descripção,
e
proporções do
Bangué.
|
54
|
|
Preparo do barro
para clarificar o
Assucar.
|
56
|
|
Methodo para
trabalhar na fábrica do
Assucar.
|
57
|
|
Como se trabalha
na fábrica da
aguardente.
|
63
|
|
Principios, que devem conduzir o Mestre
Aguardenteiro.
|
65
|
|
Discurso sobre o
alambique.
|
73
|
|
Ordem do trabalho para fazer
aguardente.
|
78
|
|
Sobre o tratamento do gado, e
bestas.
|
80
|
|
Cêrcas vivas, e
mortas.
|
82
|
|
Lenhas.
|
84
|
|
Carros.
|
85
|
|
Capinas.
|
86
|
|
Notas.
|
88
|
|
Explicação das
Estampas.
|
92
|
|
FIM.
Lista de erros corrigidos
Aqui encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
A numeração das páginas foi alterada
no índice de forma a corresponder à
numeração real das páginas do livro
original.