The Project Gutenberg eBook of Memoria sobre a cultura, e productos da cana de assucar

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Title : Memoria sobre a cultura, e productos da cana de assucar

Author : José Caetano Gomes

Contributor : José Mariano da Conceição Velloso

Release date : April 23, 2008 [eBook #25148]

Language : Portuguese

Credits : Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
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*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIA SOBRE A CULTURA, E PRODUCTOS DA CANA DE ASSUCAR ***

  
Nota de editor: Devido à quantidade de erros tipográficos existentes neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos.

Rita Farinha (Abr. 2008)



MEMORIA
SOBRE A CULTURA, E PRODUCTOS
DA
CANA DE ASSUCAR

OFFERECIDA

A S. ALTEZA REAL.

O PRINCIPE REGENTE
NOSSO SENHOR.
PELA
MESA DA INSPECÇAÕ DO RIO DE JANEIRO.

APRESENTADA POR
JOZE CAETANO GOMES,
E DE ORDEM DO MESMO SENHOR PUBLICADA
POR Fr. JOZE MARIANO VELLOSO.




LISBOA:
Na Offic. da casa litteraria do arco do cego.


Anno M. D CCC.




SENHOR.



A Mesa da Inspecção do Rio de Janeiro, desejando conformar-se com os ardentes desejos, que V. A. R. tem de fazer felices os Habitadores do Brasil, por huma bem entendida Agricultura, e desta sorte satisfazer tambem as suas Reaes Ordens, recomendou a Jose Caetano Gomes, que lhe apresentasse as reflexões, que os seus vastos conhecimentos lhe tivessem subministrado, sobre a factura do Assucar nos Engenhos do Rio de Janeiro, a que elle satisfez no dia 16 de Março do anno proxime passado de 1799., lendo perante ella a presente Memoria, que, sendo dirigida a V. A. R., se dignou ordenar-me, que houvesse de a fazer imprimir, em beneficio de seus fieis vasallos dos vastos dominios, naquelle Continente.

Como pois André João Antonil no seu livro da Cultura, e opulencia do Brasil, não faz mais, que dar huma simples relação do modo de cultivar a Canna, extrahir Assucar no Brasil, creio, SENHOR, ou talvez posso assegurar, que, sobre este objecto, esta he a primeira cousa, ou a unica melhor escripta em nossa linguagem pelas sabias, e luminosas reflexões, com que a enriquece, e que seu Author he digno das Soberanas vistas de V. A. R., a cujos pés se prostra

O mais humilde vassallo

Fr. Jose Mariano da Conceição.



PROEMIO.



Sendo a Provincia do Brasil considerada como melhor Colonia do Mundo, não se sentindo em toda ella nenhum dos flagellos da natureza, pois não há terremotos, furacões, volcões, fomes, nem pestes; gozando de hum clima benigno, e, á excepção de poucas trovoadas, que servem de depurar o seu ár, e concorrendo todas as causas fysicas, com huma vegetação sempre activa, para fazerem a felicidade dos seus habitantes, não se poderia comprehender, o não ter chegado este bello paiz ao maior gráo de prosperidade possivel, se se não soubesse, que as causas moraes, podem tanto, ou mais que as fysicas, para deteriorar o melhor terreno.

A Agricultura, a primeira, a mais util das Artes, que nutre a todas, e faz a base da prosperidade, e força dos Estados, não sahio ainda da infancia no Brasil; todas as plantas são cultivadas por costume, e sem principios; as luzes da Europa culta chegão cá tão fracas, que não podem aclarar-nos; as couzas mais triviaes, de que podíamos ter abundancia, não se sabem trabalhar. A Canna de Assucar sendo o vegetal mais precioso, comparado o seu producto, com o que tirão os Estrangeiros das Antilhas, he menos de ametade. Entregue a sua cultura á escravos conduzidos por hum feitor, sem mais talentos que, os que lhe suggere [II] a sua ferocidade; a manufactura do Assucar, e da aguardente, executada por ignorantes, que não sabem a razão dos factos, nem conhecem a natureza das differentes partes, que constituem os liquidos, sobre que trabalhão; os donos das fábricas olhando com indifferença para todos estes objectos, julgando-os indignos da sua applicação; não he de admirar, que desta sorte haja o atrazamento, que se vê na cultura, e producto da Cana de Assucar.

Conheço alguns Senhores de engenho, que se distinguem pela sua instrucção; para estes não he que escrevo; a minha obra he dirigida sómente, aos que sabem ainda menos do que eu, e que estão inteiramente entregues á disposição dos seus obreiros. A cultura actual, respeito á que se propõem, faz huma grande differença. Quem está costumado a plantar Cana na distancia de hum, a dois palmos, e que assim se dá bem, difficilmente poderá conceber, que, plantando na de seis, lucrará mais. Ainda que a razão, e a experiencia fação conhecer, que as plantas devem ser afastadas humas das outras, segundo a sua grandeza, e a quantidade de succos, de que carecem, não pertendo que se adopte o novo methodo, sem que cada hum se convença por si mesmo da sua efficacia. Plante-se hum quadrado de doze braças, que deve conter quatrocentas covas de Cana, segundo o methodo que se propoem; plante-se outro quadrado igual, na mesma qualidade de terra, segundo o methodo que se pratica; faça-se assento da despeza de huma, e outra cultura separadamente; apure-se o producto destas duas especies de plantação; deduzão-se-lhe as respectivas despezas e a resulta que se achar he o que se deve [III] seguir. As experiencias em pequeno não arruinão a alguem, e podem ser seguidas de grandes utilidades. O que digo sobre a cultura da Cana, e lembro a respeito ás suas dependencias, manufactura do Assucar, e aguardente; he o que me parece melhor; porém cada hum deve ver por si mesmo, e fazer tudo o que a experiencia lhe mostrar mais util.


DESCRIPÇAÕ
DA
CANNA DE ASSUCAR,

SEGUNDO A VISTA
QUE APPRESENTA.



A canna de Assucar, tem a apparencia das outras cannas destituidas de medulla; he huma planta da familia das gramineas; como ellas, he cheia de articulações, ou nós, que distão huns dos outros, de meia até quatro pollegadas, segundo a bondade do terreno, produzindo huma folha em cada articulação, ou nó, cercada de pequenas raizes, onde há hum botão, ou olho, destinado a ser canna, se se deposita na terra. Estes espaços entre cada articulação, a que se chama gomos, são cheios de huma medulla esponjosa, elastica, succosa, doce, cuberta de huma casca pouco dura, lenhosa, que se deixa penetrar pela unha; destinada a se extrahir della hum sal essencial, que se chama Assucar. O seu comprimento, ou altura, he de seis, a doze palmos, segundo o terreno, na Cappitania do Rio de Janeiro, e de oito, a doze linhas de diametro. Succede adquirir algumas braças de comprido, se cahe, e as raizes, que circundão os nós, introduzindo-se na terra, fazem collos; porém só o que sobe ao ár depois da ultima raiz, he [2] que tem doçura, tudo o mais he perdido. A Natureza tem destinado dezoito mezes a esta planta para chegar á sua perfeição; se he colhida antes, ou depois deste termo, o rendimento he menor em proporção que delle se afastão; porém com maior prejuizo depois, que antes da madureza. Isto he relativo á Estação; grandes sêccas, ou grandes chuvas, accelerão, ou retardão esta colheita.

Ainda que, como outra qualquer planta, a Canna de Assucar floreça, e dê semente, a fórma de se multiplicar, he lançar na terra pequenas estacas tiradas da parte superior da Canna, onde não tem doçura; porém isto só póde fazer-se, quando a plantação he ao mesmo tempo, que a colheita, fóra disto toda a Cana desde a raiz he empregada em estacas.

Como se cultiva actualmente a Canna de Assucar.


Cada plantador de Canna, segundo as suas faculdades, vai com dez, vinte, quarenta, ou mais escravos com enxadas, limpar de todas as hervas huma certa porção de terra, onde quer fazer aquillo a que se chama partido.

As plantas, ervas, ou capins arrancados, ou cortados com a enxada, são sacudidos da terra pelos mesmos escravos, que trabalhão enfileirados, juntos em pequenos monticulos, para no caso de sobrevir chuva, não pegarem as raizes na terra. Depois da terra capinada, ou limpa de plantas, vão os escravos abrir covas com a mesma enxada; cujas covas são huma especie de regos, de duas, a tres pollegadas de profundidade, na distancia [3] huns dos outros, de hum palmo, a palmo e meio; e se suppõem a terra muito boa, chegão a dois palmos. São lançadas nestes regos duas estacas de Canna, de palmo e meio de comprido, e se cobrem com a mesma terra, que se tirou da cova. Faz-se esta plantação em dois tempos; hum quando se moe para aproveitar os olhos da Canna, que he a parte superior della, de Junho até Setembro; o outro em Março, que se tem pela melhor plantação, a qual se faz então com as estacas tiradas de toda a Canna, que se não moeo, com o fim mesmo de se plantar neste tempo. He de costume a qualquer das duas plantações dar duas capinas, ou limpas. A Canna plantada de Junho a Setembro, he moida no anno seguinte com doze a quatorze mezes; a plantada em Março, de dezoito a vinte mezes; huma, e outra se deixa ficar por não se poder moer, para Canna velha; planta-se, ou moe-se na safra subsequente. Da Canna, que se cortou, colhe-se a sócca no anno seguinte, e dahi todos os annos as ressócas, em quanto no terreno brotão Cannas. Ainda que se conheça, que estas ressócas rendem progressivamente ametade, as ultimas em respeito ás antecedentes, todos as aproveitão quanto podem. Alguns lavradores, rarissimos, se tem servido do arado para fazer os regos, e de algum estrume nas terras já cançadas, porém o numero he tão diminuto, que não merece entrar em linha de conta; o geral he limpar a terra a braço, ajuntar o capim, fazer covas com a enxada sem ali huns dos outros, de hum palmo, a palmo e meio; e se suppõem a terra muito boa, chegão a dois palmos. São lançadas nestes regos duas estacas de Canna, de palmo e meio de comprido, e se cobrem com a mesma terra, que se tirou da cova. Faz-se esta plantação em dois tempos; hum quando se moe para aproveitar os olhos da Canna, que he a parte superior della, de Junho até Setembro; o outro em Março, que se tem pela melhor plantação, a qual se faz então com as estacas tiradas de toda a Canna, que se não moeo, com o fim mesmo de se plantar neste tempo. He de costume a qualquer das duas plantações dar duas capinas, ou limpas. A Canna plantada de Junho a Setembro, he moida no anno seguinte com doze a quatorze mezes; a plantada em Março, de dezoito a vinte mezes; huma, e outra se deixa ficar por não se poder moer, para Canna velha; planta-se, ou moe-se na safra subsequente. Da Canna, que se cortou, colhe-se a sócca no anno seguinte, e dahi todos os annos as ressócas, em quanto no terreno brotão Cannas. Ainda que se conheça, que estas ressócas rendem progressivamente ametade, as ultimas em respeito ás antecedentes, todos as aproveitão quanto podem. Alguns lavradores, rarissimos, se tem servido do arado para fazer os regos, e de algum estrume nas terras já cançadas, porém o numero he tão diminuto, que não merece entrar em linha de conta; o geral he limpar a terra a braço, ajuntar o capim, fazer covas com a enxada sem alinhamento, plantar sem estercar, fazer toda a plantação em hum, ou dois partidos, fugindo de terras virgens, porque, assim como as muito estercadas, ou estrumadas, fazem a Canna, a que se chama taioba, quero dizer, muito aquosa, muito oleosa, e pouco assucarada.

[4]

Notas sobre esta fórma de plantação.


Sendo a Canna de Assucar huma planta, destinada pela Natureza a alcançar doze, dezaseis, vinte, e mais palmos de altura, segundo o terreno, e até pollegada e meia de diametro, não he possivel que possa prosperar plantando-se tão junta; porque rouba huma a substancia da outra. Tambem as covas, ou regos, em que se planta, não tem bastante profundidade; duas, ou tres pollegadas não bastão para a suster.

Plantando-se sem alinhamento, em confusão, nunca o sol, e o vento podem aperfeiçoar o seu succo. Fazendo-se a plantação em hum, ou dois partidos, póde pegar o fogo em ambos, o que succede algumas vezes, e fica seu dono empobrecido. A experiencia tem feito conhecer, que todos os fructos doces carecem do Sol, e ár para alcançar a sua perfeição, e que o mesmo sol bata a nu sobre a terra, que cobre as suas raizes; não se reunindo estas circumstancias, os fructos se deteriorão á proporção. Em Portugal as uvas, a que chamão de forcado, são sempre imperfeitas, porque as arvores, que as cobrem, lhes roubão a luz. As larangeiras no Brasil, cubertas de erva de passarinho, dão, pela mesma causa, laranjas pouco doces.

Ainda que estas larangeiras estejão limpas da mesma herva, ainda que estejão n'hum campo solitarias; se a terra, por onde estão permeadas as suas raizes, está cuberta de herva, ou capim, que impeça a luz de bater sobre ella, os fructos são sempre azedos.

[5] Nenhum author, que trate da Canna de Assucar, manda plantalla em menos distancia, que a de tres pés, e alguns querem seis, e sete, que são nove, e dez palmos e meio de cova a cova: isto ha de parecer hum paradoxo aos nossos lavradores, que até tem hum ditado: quero canna mil, e não gentil. Porém da perfeição, com que nas Colonias estrangeiras se faz esta cultura, a mais preciosa d'America, he que tem procedido o gráo de prosperidade, a que se tem elevado, e de que somos privados, por seguirmos sómente hum trilho cégo, e sem reflexão.

Theoria para a cultura da Canna de Assucar.


O Que vou dizer he hum extracto do que tenho visto sobre esta materia. Os principios para a cultura da terra, segundo os Antigos, que suppunhão as raizes das plantas, como os unicos orgãos para receber a sua nutrição, consistião em lavrar a terra com diversos instrumentos para a pôr bem movel, estrumalla, e depois de hum certo numero de colheitas, dar-lhe descanço, quero dizer, conservalla limpa sem nutrir planta alguma. Os estercos, e estrumes de que se servião, era toda a especie de excrementos de animaes, e vegetaes podres. Os modernos adoptando os mesmos principios, instão por mais lavras; dão o descanço nos grandes intervallos, que deixão entre planta e planta; estes intervallos são lavrados durante a vegetação; além dos estrumes de que se servião os Antigos, accrescentárão o dos marnes, ou terras saponaceas, e o dos rebanhos nas terras que se propõem cultivar; e alguns Authores não querem esterco, [6] que substituem com lavras, e mais lavras, origem da immensidade de instrumentos, que se tem inventado a este fim. Estes principios são certos em parte, e em parte diametralmente oppostos ao fim que se busca. A quem ignorar os descobrimentos mais modernos, ha de parecer paradoxo o dizer-se, que a terra natural não concorre para a vegetação das plantas; que estas não tirão della alimento algum, e que só serve de alicerce para suster a sua corporeïdade. Há terra vitrescivel, terra calcarea, terra argillosa, ou barro, marne, e humus.

A terra vitrescivel absolutamente esteril, he aquella de que foi composto, e faz a solidez do nosso Planeta. A terra calcarea he o residuo da decomposição dos corpos animaes. A terra argillosa he o residuo da decomposição dos vegetaes.

O marne, ou terra saponacea, he a combinação destas duas especies de terra, variado a infinito com a arêa, ou terra vitrescivel, segundo as proporções da sua mistura. O humus, materia tão preciosa para a vegetação, he a combinação da decomposição dos corpos organisados, vegetaes, e animaes de recente data, que tem a propriedade de dissolver-se n'agua, pelo oleo animal, e sal do vegetal, e com este liquido formar hum sabão, que se transforma em seiba, que he o sangue da planta.

A argilla, ou barro de todas as especies, e as terras calcareas, são humus envelhecido, a quem a decomposição dos animaes phlogisticou, e com o seu gluten, fez tão tenazes as suas partes, que são impermeaveis ás raizes das plantas; porém combinadas com a arêa, ou terra vitrescivel, ficão terras proprias á vegetação. As plantas são viventes, [7] que tem a faculdade de se reproduzir pela semente, pelo tronco, e pela raiz. A experiencia de Boyle, milhares de vezes repetida, e sempre confirmada, prova com evidencia, que tirão a maior parte da sua nutrição do ár; ellas tem vasos absorventes para receberem o alimento, e vasos exhalantes para se alliviarem do superfluo; ainda que estes orgãos se não percebão á simples vista, a existencia delles he huma verdade. Assim como os animaes dão pasto a differentes especies de insectos, tambem os vegetaes sustentão huma innumeridade delles; cada hum tem os seus. Huma folha que cahe de qualquer planta, causa a morte a milhares de entes invisiveis. O fogo, o ár, a agua, o humus, e a terra concorrem para a vegetação. O fogo he o motor, o ár o agente, a agua o vehiculo, o humus o que faz a seiba.

O fogo como calor, e como luz, faz subir os fluidos nas plantas desde a raiz; a frescura da noite os faz descer, fazendo assim huma especie de circulação, e desta sorte capazes de receber pelos vasos absorventes das suas folhas, do seu tronco, da sua raiz, as partes que os meteoros atmosphericos lhe communicão. A agua muito composta, como elemento, faz com o gáz, ou ár fixo, a parte mais consideravel da planta. O ár como atmospherico, e o receptaculo onde se combinão todas as emanações da natureza, serve de todas as sortes á planta; e o humus faz as partes fixas della. A terra he a matriz da semente, ou planta, que serve de cadêa, ou alicerce para esta se desenvolver, e suster; e a fertilidade que se lhe suppõem, he devida sómente ás partes do humus, que em si contém, boa, ou má, segundo a maior, ou menor quantidade, que encerra desta preciosa materia, [8] segundo a planta; que deve nutrir; deve ser trabalhada, dividida, ter toda a facilidade para receber as aguas das chuvas, dos orvalhos, dos outros meteoros aquosos, todos os principios fecundantes espalhados na atmosphera, e deixar-se penetrar das raizes, que se vão estendendo á proporção que a planta cresce. A abundancia do humus nos terrenos cubertos de mato virgem, quando este mato se derruba, e se põem a terra em cultura, faz prosperar extraordinariamente os vegetaes nella cultivados. Este humus, convertendo-se nas partes solidas das plantas, vai diminuindo a pouco, e pouco; e passados annos fica a terra exhaurida desta preciosa materia, e por consequencia esteril. A experiencia fez conhecer em todos os tempos, que os estrumes, e materias estercoraes reparavão de alguma sorte esta falta, e se usou delles com bom successo; porém que não bastando, era preciso dar descanço a esta terra, descobrindo-a de todas as plantas, lavrando-a muitas vezes, esperando que a atmosphera a fecundasse. Isto he hum grande erro, porque o calor do Sol batendo a nu sobre esta terra, a faz arida, e vindo depois huma chuva, a pequena porção do humus, que em si contém, he levado a outra parte, e por consequencia fica ainda mais empobrecido o mesmo terreno, que com este methodo se quer enriquecer. He evidentemente demonstrado, que para a terra não cançar, adquirir, e conservar o seu humus, e fertilidade, he preciso que esteja sempre cuberta de plantas. Devem cultivar-se aquellas de que se pertende utilidade; quando estas se colherem, lançar a semente de outras de prompto crescimento, que tenhão grandes, e brandas raizes, que cubrão bem a terra, taes como [9] nabos, rabãos, cenouras, batatas, aboboras, etc. e antes de chegarem ao seu total crescimento, serem lavradas, enterradas; e quando tiverem apodrecido, ou estiverem reduzidas a humus, plantarem-se, ou semearem-se aquellas, de que se pertende redito.

Trabalhando-se continuada, e alternativamente desta sorte, podem evitar-se todos os estrumes, e estercos; estes são inventados pelos homens, e o humus he o da natureza. As vargens que estão cercadas de serras, collinas, montes, se estas eminencias se conservão coroadas de matto, são sempre ferteis, porque o humus, que estes mattos estão continuadamente depositando na terra, dissolvido pelas chuvas, vai enriquecer as vargens. As fraldas destas eminencias podem ser cultivadas para pequenos vegetaes, se o angulo, que fizerem, não passar de quarenta, e cinco gráos porque então só grandes arvores lhes convém.

Os proprietarios destas eminencias, que as descoroão de mattos, empobrecem o Estado a perpetuidade; a coroa sendo descuberta, apresenta huma superficie nua aos raios do Sol, e passados poucos tempos ficão reduzidas a escalvados; porém a perda que não se repara mais, he a das chuvas, que os grandes vegetaes tem a propriedade de chamar.

O humus não basta só para conduzir as plantas á sua perfeição; ellas carecem ainda da luz, 3, do ár renovado, 4, de ter a superficie da terra até onde podem extender-se as suas raizes, despida de plantas; esta mesma terra revolvida, bem dividida, e haver entre planta, e planta huma certa distancia, proporcionada aos succos, de que carecem, segundo a sua natureza; haver huma escolha [10] escrupulosa na semente, ou planta, e conhecer qual he o tempo proprio para se lançar na terra, etc. etc.

Como se deve cultivar a Cana de Assucar.


A Experiencia tem feito conhecer, que o melhor tempo de plantar a Canna na Capitania do Rio de Janeiro, he de Dezembro a Março, para ser moida de Junho a Septembro do anno subsequente, com dezoito mezes de idade. Como nestes mezes não há olhos de Canna, usa-se cortar da Canna, que se deixou para velha, pequenas estacas; porém esta Canna velha, que está deteriorada por ter passado do ponto da sua madureza, tem sim bastante doçura, porém os botões, ou olhos dos seus nós, ou articulações, que he o que deve ser Canna, huns estão já murchos, outros podres, e por consequencia perdidos; e só a parte superior da Canna, que sempre conserva verdura, pouca doçura, e mesmo acidez, he o que nasce facilmente.

Ainda que os botões estejão em bom estado, devem desprezar-se as Cannas velhas, porque em quanto tem doçura, não nascem, e he preciso hum mez, e mais tempo para a perderem. Para se fazer huma plantação perfeita, he preciso fazer a planta. No principio da moagem, devem plantar-se os olhos, ou parte superior da Canna, n'huma terra de muita substancia, lodosa mesmo, em terreno virgem, que tenha bem humus, ou seja bem estercado, para a Canna, que nascer, ser bem ataiobada, ou selvagem. Desta Canna sem doçura, e bravia, he que se tirão as estacas para fazer a plantação; cujas estacas devem ter o comprimento, [11] que alcancem quatro nós, que segundo a distancia de nó a nó, serão mais compridas, ou mais curtas. Esta Canna plantada n'hum terreno tão pouco proprio para se lhe extrahir o Assucar, não he perdida; além da utilidade da boa planta, no fim de dois, ou tres cortes, póde servir para Assucar; porém deve haver o cuidado de renovar a Canna para a planta. A Canna de Assucar cresce em todas as especies de terra; porém as que são gordas, fortes, baixas, lodosas, novamente roteadas, quero dizer, donde se derrubou matto virgem, a pezar do comprimento, ou altura, que alcanção, tem o succo aquoso, oleoso, pouco assucarado, difficil de cozer, de purificar, sem rendimento. Hum terreno ligeiro, poroso, profundo, inclinado até quinze gráos, he aquelle que a natureza tem destinado a este rico vegetal. Deve-se dividir o terreno destinado para a Canna em tres partes, e cada huma destas partes, subdividir-se em pequenos quadrados de doze braças cada hum; qualquer que seja a exposição do terreno, sempre estes pequenos quadrados hão de ser alinhados de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Veja-se a Estampa I. Cultivão-se estes pequenos quadrados, deixando os lados de cada hum delles para todas as partes, livres da planta da Canna; porém podem occupar-se em mandioca, carás, batatas, feijão, milho, aboboras, ervilhas, etc. Cada hum dos quadrados, se tiver doze braças de frente, e doze de fundo, deve conter quatrocentas covas, na distancia humas das outras de seis palmos. Para se fazerem estas còvas, não he preciso que todo o quadrado esteja descuberto de capim, basta que seja limpo pouco mais que o tamanho dellas, que devem ter dois palmos de comprido, hum palmo de largo, [12] e seis pollegadas de fundo. Comparadas estas covas com as que se fazem actualmente, hão de parecer muito grandes, e muitos fundas; e na realidade o não são, respeito ás que fazem os Colonos das Antilhas, e o mesmo digo sobre a distancia dellas; pois elles chegão a afastallas humas das outras, até dez palmos e meio, e a dar-lhe dezoito pollegadas de comprido, doze de largo, e oito de fundo. O milho para prosperar de serra acima, para os seus cultores colherem duzentos por hum, he preciso fazerem as covas na distancia de cinco a seis palmos, nas quaes lanção quatro, ou cinco grãos; ora este vegetal não tem o corpo da Canna de Assucar, nem como ella carece de tanta substancia, e alimento; a cova de milho he para quatro, ou cinco pés, a da Cana para oito, ou dez, que tantas são as que devem nascer, dos olhos, os botões das duas pequenas estacas, que se deitão nas covas, e se devem conservar, cortando todas as que demais nascerem, porque como ladrões lhe roubão a substancia.

He certo que com a enxada, que se usa no Brasil, que he talvez a primeira que se inventou, e onde não chegou ainda a enxada de Luca, Franceza, ou Ingleza, he hum pouco difficil fazer esta especie de covas; são precisas de vinte a trinta golpes, quando com qualquer das mencionadas, bastão tres, ou quatro. A nossa enxada he fatigante, o trabalhador anda curvado; e tendo o ferro de cinco a seis libras, elle carrega com vinte, ou mais nas cadeiras; nesta especie de serviço o homem baxo tem vantagem ao homem alto, a quem he preciso maior curvatura, e por consequencia dobrado esforço. Na Republica de Luca, e em algumas Provincias de França, não se usa de arado, [13] nem de charrua, porque a sua enxada equivale ao trabalho destes instrumentos, e fica a terra mais bem trabalhada.

No Brasil onde os mesmos instrumentos pouco uso podem ter, he de huma grande vantagem o adoptarmos a enxada Luqueza, ou outra com pouca differença, que he huma especie de pá, com dez pollegadas de altura, nove de largura em cima, oito em baxo, com a grossura de meia pollegada, a acabar em huma linha, bem temperada de aço, com hum alvado de seis pollegadas, quatro a meio ferro, e duas sobresahindo, e com a vacuidade de pollegada e meia de diametro, que vai diminuindo insensivelmente, com dois furos no alvado, para com huma cavilha se fazer firme o cabo, que deve ter oito palmos de comprido. Veja-se a Estampa II. Fig. I. e II. O trabalhador com este instrumento tem o corpo direito, virado para o Norte, os calcanhares afastados pouco mais de meio palmo; a enxada afastada quasi hum palmo do pé esquerdo; a mão esquerda por todo o comprimento do braço, pegando no cabo; e a mão direita pegando no mesmo cabo, quasi no hombro direito Fig. III. A mão esquerda levanta a enxada até onde póde hir, sem que o antebraço se desuna do corpo. Fig. IV. A mão direita da altura, a que chegou, impelle a enxada com toda a força, e a esquerda deixa escorregar o cabo, segundo a ferida que a enxada fez na terra. Para se tirar esta terra, serve de apoio a mão esquerda, e a direita carregando no cabo, levanta a pá, e ambas a guião para lançar a terra a qualquer parte; porém deve ser regularmente para Oeste, ou Leste. No segundo movimento, deve chegar-se o calcanhar do pé esquerdo ao do direito, e este ladear para a direita [14] tanto quanto a enxada cava, e assim progressivamente.

Designados os quadrados para a plantação da Canna, vão a cada hum vinte trabalhadores; o seu feitor os deve pôr enfileirados olhando para Oeste, na distancia de seis palmos huns dos outros; manda-os andar á direita para ficarem virados para o Norte; manda-lhe passar o pé direito a perfilar com o esquerdo, na distancia pouco mais que meio palmo; e desta sorte principião o trabalho, abrindo as covas de Oeste para Leste, de manhã até ao meio dia, servindo de guia a sombra do corpo; e do meio dia para a noite virados para o Sul fazem o mesmo; ou tambem podem trocar as mãos, porque se trabalha para o lado direito, assim como para o esquerdo; devendo buscar-se de qualquer sorte o alinhamento perfeito das covas de Norte a Sul, e de Leste a Oeste, o que he essencial para a perfeição da cultura deste rico vegetal.

Feitas as covas, devem lançar-se nellas duas estacas de Canna, que não tenhão menos de quatro, nem mais de cinco botões, para quando nascerem, fazerem huma soqueira de oito, ou dez Cannas. Cobrem-se estas estacas com duas pollegadas de terra, e quando tem nascido a Canna, e alcançado dois palmos pouco mais de altura, enchem-se as covas com o resto da terra. Limpão-se as Cannas de todas as hervas que podem roubar-lhe a substancia, á proporção que forem nascendo. Esta plantação deve fazer-se de Janeiro até Março, e não antes, nem depois. Qualquer que seja a qualidade da terra, não deve pretender-se mais, que dois cortes; o primeiro dahi a dezoito mezes, o segundo a que se chama sóca, dahi a quinze, ou dezaseis mezes. Depois deste segundo [15] córte, deve occupar-se o terreno em que esteve a Canna, com aboboras de todas as especies, que tem a propriedade de cubrir bem a terra, para que as raizes da Canna apodreção, e depois de convertidas em humus, ficar a terra apta para receber nova Canna, que dahi a mais de hum anno se lhe póde confiar. De Janeiro a Março do segundo anno, cultiva-se a segunda divisão, e no anno seguinte a terceira. A quarta plantação faz-se nos mesmos quadrados da primeira; a quinta, nos segundos, a sexta nos terceiros, a setima nos primeiros da primeira, a oitava nos da segunda, a nona nos da terceira, e assim alternativamente; de sorte que a Canna de cada quadrado tenha intervallo bastante, que a livre de plantas, que lhe roubem a luz. Esta fórma de plantação póde variar-se a infinito, segundo a quantidade de terreno, e intelligencia do cultor.

Em lugar de quadrados perfeitos, podem ser quadrados longos etc., com tanto que se busque sempre o dar á Canna, a maior quantidade de ár, e luz possivel; porque a experiencia faz ver com evidencia, que só a dos aceiros, que recebe continuadamente a influencia destes dois agentes, he que alcança perfeição no seu succo; a que está para dentro, fica sempre esverdeada, o seu succo mal digerido, difficil de cozer, e de purificar; por consequencia o fim do lavrador deve ser quanto lhe for possivel, fazer todo o Canaveal em aceiro.

[16]

Vantagens desta fórma de plantação.


Se há fogos por accidente, he moralmente impossivel, que passem de huns a outros partidos, tendo tão grande separação entre si. Nunca os carros, nem animaes pizão o Cannaveal, quando se conduz a Canna á fábrica. Há facilidade para se verem as Cannas de todos os pequenos partidos, para se cortarem os filhos que brotão, que como ladrões lhe roubão a substancia.

Quasi todo o Cannaveal está em aceiro, quero dizer, está apto para receber a influencia, e nutrição, que lhe communica a atmosphera. A renovação, e correnteza do ár impede a geração, e propagação de insectos, taes como baratas, e outros, que a sua corrupção tem a propriedade de chamar. Pelo alinhamento de Norte a Sul, de Leste a Oeste, recebem as Cannas os raios da luz, que o Sol póde communicar-lhes, e que lhes são tão precisos para a depuração do seu succo.

Facilita o tarefar o trabalho, etc. etc.

Córte das Cannas.


A Canna de Assucar gasta dezoito mezes a chegar ao seu ponto de perfeição, porém se há seccas, anticipa-se; o gosto, e a vista he que decidem a colheita; quando está bem doce, e tem a côr amarellada, he tempo de cortar. He sabido de todos, que principia a ser doce do pé, e que esta doçura vai diminuindo gradualmente para a parte superior, e que junto á bandeira, ou olho, não [17] só não tem doçura, porém mesmo tem acidez, e he por consequencia hum erro, o aproveitalla até ás folhas. Deve sim cortar-se bem rente á terra sem ferir as raizes, porém o palmo junto ás folhas, deve-se desprezar. Segundo a sua grandeza, se ha de cortar em huma, duas, e talvez tres partes, servindo de ballisa, o não ter mais de cinco, ou seis palmos, para se appresentar á moenda. Usa-se, quando se corta, fazer feixes de seis, ou oito Cannas, segundo a sua grossura, cujos feixes são amarrados com os olhos das Cannas que se cortárão. Esta especie de atilhos he tirada dos feixes de Canna, quando se appresentão á moenda, porém escapão muitos, que se espremem com a Canna; ora, tendo elles acidez, vão deteriorar o sumo, de que se ha de fazer Assucar, gastar mais decoada, e lenha, além do tempo, e serviço que se perde; porque no acto de cortar a Canna, são precisas quasi tantas pessoas para amarrar, como para cortar; e para a conducção tanto importa estar em feixes, como solta, e o mesmo para se meter na moenda, onde o trabalhador póde regular o pegar em seis, ou oito, doze, ou dezaseis, para as appresentar. Deve haver cuidado de não se cortar mais Canna, que a que póde moer-se em vinte e quatro horas, principalmente se o calor he intenso, porque o sumo fermenta na mesma Canna, o que arruina a sua qualidade.

Construcção dos engenhos actuaes.


Todos os engenhos de fazer Assucar na Capitania do Rio de Janeiro, qualquer que seja a potencia, agua, bestas, ou bois, tem a mesma construcção, [18] á excepção de tres modernamente feitos, que reunem algumas vantagens, todos os mais he hum grande pião, que faz fazer huma casa de sessenta palmos livres, acabando em varandas á roda, algumas subdivididas; cujas varandas são maiores, ou menores, segundo o destino, que se lhes dá, de picadeiro, casa de caldeiras, casa de purgar, casa de encaixe, casa de aguardente, fornalhas, e varandas de carros; com algumas trapeiras para dar sahida ao fumo, e luz. No centro desta grande casa de sessenta palmos, se o engenho he moido por animaes, está a meza com as moendas; na moenda do meio, vulgarmente chamada a moenda grande, que pela sua dentadura faz moer as dos lados, há quatro aspas, ou almanjarras, a cada huma das quaes puxão dois animaes, formando hum circulo á roda da meza, de cincoenta e seis palmos de diametro, vindo a ter as almanjarras por onde puxão os oito animaes, vinte e oito palmos de comprido; os dois palmos que faltão para os trinta, ou quatro para sessenta da capacidade da casa, he folga para os animaes, que não devem roçar pelas paredes.

Se o engenho he de agua, na moenda do meio há huma grande roda, de trinta e seis a quarenta palmos de diametro, a qual está n'hum eixo horisontal, e nelle huma roda vertical, de trinta a trinta e seis palmos, que nos cubos da sua circumferencia recebe a agua, que he a potencia. Há hum engenho de agua com rodizio, ou roda horisontal, que reunindo a vantagem de tocar dois ternos de moendas, e ser obra tão perfeita neste genero, não tem tido imitadores, por parecer á primeira vista, ser a roda vertical de maior força que a horisontal, o que he engano, como farei ver.

[19]

Notas sobre esta fórma de construcção.



Para se fazer huma casa de sessenta palmos livres, são precisas vigas de sessenta e quatro palmos de comprido, que ficão fracas, se não tiverem dois palmos por cada face; he custoso achar estes madeiros, difficultosa a sua conducção, perigoso o levallos acima do edificio, que fica sobrecarregado com este desmarcado pêso, e por consequencia fraco. As trapeiras, de que usão para dar sahida ao fumo, e entrada á luz, são insufficientes, e há occasiões, em que quasi se he suffocado pela fumaça, e sempre he precisa a candêa para se verem os objectos. Os animaes no seu giro, circulando as moendas, estorvão a passagem, aos conductores da Canna, que algumas vezes succede serem atropellados; os picadeiros de sobrado, que se fizerão n'hum engenho, para evitar estes accidentes, não tiverão imitadores; e o mesmo engenho os abolio por incommodos. O sumo, que sahe das Cannas pela expressão das moendas, he conduzido por huma calha ao parol, a que chamão de caldo frio; no circulo, que fazem as bestas, atravessão esta calha, o que fórça pôlla junto á terra, e o dormente dos moendas com pouca altura, e por consequencia o não se poder moer Canna, como deve ser. Ainda que o engenho seja de agua, como estas fábricas forão feitas por imitação de humas a outras, o prospecto he o mesmo, e não tem os commodos, que se devião buscar; multiplica-se serviço, por ser preciso usar de pótes, e barris para levantarem os liquidos, que devião ser conduzidos por bicas, ou calhas, até cahirem nos alambiques.

[20]

Nova construcção de engenhos.


Em mechanica o ser senhor da potencia, para augmentar, diminuir, e modificar a força ao seu arbitrio; ajuntar a estas vantagens a da elegancia, commodo, e economia, parece que he tudo, quanto se póde desejar.

O engenho, que se propõem para modello, não tem hum páo de maior comprimento, que o de quarenta e quatro palmos, com huma face de palmo e meio, e outra de hum palmo, e estes são os tirantes; todos os mais páos são de hum palmo, tres quartos, meio palmo, com menos comprimento, á excepção dos esteios, com palmo e meio de face, e de quarenta para cima de comprido.

O edificio por dentro, debaxo de huma cumieira, tem cento e sessenta palmos de comprido, quarenta e dois palmos de largura, e trinta e tres de altura em pé direito.

Na altura de trinta palmos está hum segundo frechal, que cinge todo o edificio, e serve sômente, para encabeçar os caibros das varandas, e deixar hum claro de tres palmos, para dar luz, e sahida ao fumo.

Este engenho he para o trabalho de bestas, ou bois, porém a sua construcção he, como se fosse para agua, girando tudo sobre pião. Na moenda do meio tem huma roda com oito aspas, a que se chama bolandeira, com trinta e seis palmos de diametro de centro de dente, a centro de dente, e noventa e seis dentes na sua circumferencia, que ficão na distancia de pouco mais de palmo [21] huns dos outros; os dentes desta roda são de coroa. Esta roda he movida por hum rodete estrellado de trinta e dois dentes, cujo eixo em pião tem duas almanjarras; da ponta de cada huma das quaes ao centro do eixo, são quatorze palmos. Os animaes trabalhão nesta máquina, em huma especie de pôço calçado, com oito palmos de profundidade (póde ser mais, ou menos) cercado com huma varanda. Esta especie de pôço he formada pelo aterro da casa, onde gira a máquina, e estão as moendas. Já se vê que, tendo o rodete a terça parte da bolandeira, he preciso que dê tres voltas para a bolandeira dar huma; e, como os animaes puxão na distancia de quatorze palmos do centro, devem fazer tres circulos de vinte e oito palmos de diametro, que fazem oitenta e quatro palmos, para as moendas darem huma volta, o que faz puxar por huma almanjarra, ou alavanca de quarenta e dois palmos. He certo que oitenta e quatro palmos de diametro fazem oitenta e quatro passos de circumferencia; e, tendo os engenhos communs as suas almanjarras em cincoenta e seis palmos de diametro, que fazem cincoenta e seis passos de circumferencia, parece que farão em menos tempo virar as moendas; porém não he assim; porque a pezar de serem oito os animaes, que puxão estas almanjarras, e poderem só quatro, e menos puxar as outras, por ter a sua alavanca mais quatorze palmos de comprido; attendendo ás paradas, que os oito animaes fazem a cada passo, para vencer a resistencia, e á suavidade, com que os quatro andaráõ, sem nunca achar obstaculo, que faça retardar o seu passo natural, fica igualado o serviço, e talvez superior o dos quatro: além disto, ainda que eu não conheça [22] no Rio de Janeiro, quem possa occupar sempre, e no seu devido tempo, esta máquina trabalhando assim, mettendo Canna como deve metter-se; quem quizer andar mais veloz, encurte as almanjarras, e augmente o numero de bestas, e póde levar isto ao ponto, que lhe parecer; vantagem de que são privados os engenhos actuaes, que hão de restringir-se ao numero de oito sómente.

Por esta nova fórma cada hum póde trabalhar, segundo as suas forças: se em lugar do rodete pela terça parte, o fizer pela quarta, conservando as almanjarras no seu comprimento, faz puxar as bestas por huma alavanca de cincoenta e seis palmos, e se ha de moer com quatro, póde fazello com duas, e mesmo huma. Assim como póde diminuir; se fizer o rodete por ametade, augmenta o movimento, e fica a almanjarra de vinte e oito palmos, e tem a vantagem de meter oito, dez, doze, dezaseis bestas, o que não póde fazer na construcção actual; porque então não terião passagem os carregadores de Canna para as moendas, que estão sempre desembaraçadas na construcção, que se propõem; porém a proporção da terça parte, he, segundo o meu cálculo, a mais ajustada.

Veja-se a Estampa III.

Sobre o movimento das moendas.


Eu não tenho noticia de que houvesse ainda quem regulasse o movimento das moendas, para fazerem o maior effeito possivel n'hum termo dado, sendo isto hum objecto, que merece toda a ponderação. Vendo que em hum engenho movido por [23] bois, dão as moendas huma volta por minuto; n'hum por bestas quasi volta e meia; nos de agua duas, tres, quatro, e mais voltas; pensando todos geralmente, que quanto maior numero de voltas der em menos tempo, mais moerá, fiz exame a este respeito, e achei que o movimento de duas voltas por minuto, he o ponto de perfeição; e que tanto menos se moerá, quanto se afastarem delle para mais, ou para menos. Quando boas bestas, e descançadas, excitadas pelo açoite puxão pelas almanjarras a trote, e fazem dar ás moendas duas voltas e meia por minuto, a Canna fica esmagada, e não espremida; porque o sumo não tem tempo da cahir, e passa em cima da Canna para a outra parte; e como ella he hum corpo esponjoso, e elastico, logo que cessa o aperto, torna a beber o mesmo sumo, do qual só numa pequena parte cahe na meza; e se em duas voltas e meia succede isto, peior em tres, quatro, e mais. N'hum engenho movido por bestas, não póde haver excesso no movimento, poderia talvez prejudicar por defeito, se houvesse quem tivesse forças para fazer de dez a doze mil arrobas de Assucar annualmente, o que nunca succedeo; porém havendo quem possa fazellas, ou ainda mais, póde pôr dois ternos de moendas, que o mesmo rodete faz moer, segundo o modello que se propõem. Com a roda vertical dos engenhos de agua, he hum pouco dificultoso regular o movimento das moendas; só se a agua he muito alta, o que raras vezes succede; sendo baxa, e muita, que possa dar-se-lhe toda a força que se precisa, o rodete he muito grande, e faz que a bolandeira dê tres, e quatro voltas por minuto, o que retarda o serviço, como acima se diz; só se a roda vertical tivesse de cincoenta [24] a sessenta palmos de diametro, o que não póde ser sem muito incommodo. Com a roda horisontal, vulgarmente chamada rodizio, he facil graduar o movimento.

O maior, ou menor declivio na bica de ferir as pennas; maior, ou menor diametro no rodete, ou no mesmo rodizio, faz conseguir o que se quer sem custo.

Comparação da roda vertical com a horisontal.


He sabido de todos, que em qualquer máquina, a agua obra sómente pelo seu pêso. Supponho ter huma bolandeira com trinta e seis palmos de diametro, movida por hum rodete de oito; a roda vertical de trinta e seis; a agua na altura de vinte palmos, com quatro pollegadas cubicas, que são sessenta e quatro, e pesão quasi tres libras. Onde a vertical recebe o impulso com a maior força, he no semidiametro, e fim da linha horisontal do eixo, em dezoito palmos; a agua cahe com dois palmos de ferida, e doze libras de pêso no principal cubo; nos que se enchêrão, pésa com tres libras em linhas mais curtas. Se os cubos tem capacidade para receber mais agua, e o pêso desta nos mesmos he preciso para o movimento, fica a máquina vagarosa, e sem o effeito que se quer. Tem mais o defeito de ficarem as moendas baxas; não se poderem dar as proporções que se precisão; estar tudo cheio de agua, e a roda afeiando o edificio, estorvando passagens, etc. O mesmo diametro na bolandeira, e na horisontal, quero dizer, trinta e seis palmos o diametro da bolandeira, e trinta e seis o do rodizio, o rodete deve [25] ter a oitava parte, ou doze dentes estrelados, tendo a bolandeira noventa e seis de coroa, e a agua na mesma quantidade, e altura. Vinte palmos que a agua tem de altura, são quarenta vezes tres libras, ou cento e vinte libras, que pésão sobre as pennas do rodizio com hum jacto de quasi vinte palmos, se sahisse horisontalmente, porém como deve ter quinze gráos de declivio para ferir as pennas, fica em dezaseis.

Este jacto de quinze gráos communica hum movimento mui veloz ao rodizio, que póde ser moderado, segundo a necessidade, e o podemos levar até quarenta e cinco gráos com toda a vantagem. Podemos augmentar o diametro do rodizio; diminuir, ou accrescentar o do rodete; levantar, ou abaxar as moendas á nossa vontade, fazendo mais curto, ou mais comprido o eixo do rodizio; cujas pennas, sendo feitas de páos firmes, tudo cerne, com tres palmos de comprido, e hum em quadro, as cavas em meia lua, para receber a agua, com seis pollegadas pelo comprimento da penna, cinco na largura, e cinco em profundidade, tem toda a solidez, e duração possiveis; quando pelo contrario a roda vertical, composta de muitas taboinhas, e pequenas juntas, em poucos tempos fica fóra de serviço.

O modello, que se propõem, para moerem bestas, serve para o de agua com rodizio, só com a differença do rodete ser mais pequeno, e a especie de pôço ser cuberta de sobrado, que dá passagem ao eixo; reunindo esta fórma de máquina além das mais vantagens, a de poder ser movida por animaes, se por accidente falta a agua, o que succede algumas vezes, e causa prejuisos.

Não fallo nos engenhos de vento para moer [26] Canna, porque a instabilidade, e irregularidade deste agente no Brasil, o faz inutil. Ainda mesmo os de agua, se esta for difficultosa, ou que faça precisar grandes despesas; pondo-se em prática o modello, não causará muito pesar o moer sem ella.

A Estampa III. mostra o interior, o plano, e o exterior da casa do engenho.

Preciso sobre a dentadura das rodas.


A falta de conhecimento de mechanica nos mestres de engenhos do Rio de Janeiro, aos quaes com mais propriedade se pódem chamar curiosos, á excepção de alguns, e bem poucos, que tem merecimento, me faz dizer o que sei a este respeito, por me parecer que será de alguma utilidade. Quero fazer huma roda grande, que tenha trinta e seis palmos de diametro, de centro de dente, a centro de dente; sabe-se que a devo armar de oito curvas, ou cambótas, que tenhão de testa, a testa trinta e sete palmos; porque a dentadura devendo estar no centro da cambóta, para esta ficar com fortaleza, deve ter meio palmo para dentro, e meio para fóra. Huma roda com este diametro não se póde fazer sem oito aspas. Devo repartir o circulo em oito partes perfeitamente iguaes, que assignallo; e como quero pôr neste circulo noventa e seis dentes, já se vê que pertencem doze a cada oitavo.

O sintel tem feito descrever a linha onde devem ser postos; reparto em doze partes o oitavo, e assignallo cada huma com seu ponto, que serve de centro ao furo para o dente, cujos pontos [27] ficão distando huns dos outros nove pollegadas e meia com pouca differença.

Deve haver o maior cuidado, em que estes pontos fiquem perfeitamente iguaes, e que não desmintão nem a grossura de hum cabello; e que os furos, que se fizerem para os dentes, fiquem perpendiculares.

O circulo deve ser fixo nas aspas por cavilhas; quatro destas aspas o sustem, e as outras quatro prendem-no.

Estas aspas devem assentar no circulo entre os dentes com huma medida perfeitamente justa, para a roda não ficar com o que se chama peito. Se quero fazer huma roda mais pequena, que não careça de oito aspas, e sim de seis, reparto o circulo em seis partes iguaes, e procedo da mesma sorte que para a antecedente; lembrando-me sempre de não fazer os pontos para os dentes em menos de nove pollegadas, e podem hir a dez, que he erro fazellos mais proximos, porque fica a cambóta fraca; e que nunca deve haver dente, onde a aspa assentar. Regra geral, o numero das aspas, he o das divisões, e em cada divisão hum numero certo de dentes, o que faz ver que nenhuma roda, tomada no todo, tem os dentes impares. He sabido de todos, que duas rodas, tendo huma de fazer mover a outra, ainda que as dentaduras sejão certas, se forem perfeitamente iguaes, não podem trabalhar; he preciso que aquella, que está unida á potencia, tenha huma certa folga nos dentes, que devem ficar mais largos, que os da outra, para trabalharem suavemente; a esta folga, ou maior distancia dos dentes de huma, respeito aos dentes da outra, he ao que os mestres chamão compasso. Ora para acharem este compasso [28] nas medidas, que fazem, usão das maiores extravagancias; e o que tem encontrado melhor, depois de muitos erros, encobrem-no com mysterio até aos seus aprendizes. Depois de ter feito a roda, e graduado os seus dentes, para compassar os do rodete, ou roda que trabalha com a potencia, abro o compasso (cujas pontas devem ser bem agudas) e com toda a certeza as assento nos pontos de dois dentes, o que me dá a distancia de dente a dente. No centro de huma regoa comprida traço huma linha, e por esta linha messo, ou conto quinze compassos; a distancia destes quinze compassos deve ser signalada por dois pontos. Abro agora o compasso mais, e a linha descripta dos quinze divido em quatorze; esta pequena differença de quatorze a quinze he o apartamento, ou folga, que devem ter de mais os dentes do rodete, respeito aos da roda. Se tenho graduado o rodete primeiro, faço o mesmo que na roda; mésso pelo compasso a distancia de hum dente a outro; na linha traçada conto quatorze compassos, aperto o compasso hum tanto, para que a distancia dos quatorze se reduza a quinze: esta pequena diminuição he, o que devem ter de menos distancia, os dentes da roda aos do rodete.

Devo lembrar, que estas medidas devem ser exactas, e que os pontos signalão o centro dos dentes. Se as rodas, ou rodetes tem os dentes em coroa, a medida, ou compasso deve ser tomado na cambóta; se os dentes são em estrella, deve o compasso ser tomado no centro da ponta do dente. Segundo o destino da máquina, que se quer fazer, póde o rodete ser pequeno, e a roda grande; o rodete ser grande, e a roda pequena, ou ambos de igual tamanho; porém he regra geral, [29] que a roda, onde trabalha a potencia, seja grande, ou pequena, he a que deve ter folga nos dentes, quero dizer, serem mais apartados, o que vai de quatorze a quinze, que a outra roda, qualquer que seja a grandeza.

Os dentes das rodas podem ser todos de coroa, e todos estrelados; em humas, de coroa, e em outras estrelados; porém observando-se as regras dadas, he facil fazellos de qualquer sorte. He indifferente, que os dentes de qualquer roda sejão delgados, ou grossos, com tanto que sejão iguaes em grossura. Hum terno de moendas com tres palmos de diametro, e oito dentes cada huma, graduados estes dentes pelo centro da sua ponta, regidos pela moenda do meio, que he a motora, e a que deve ter a folga, podem ser os dentes de cada huma desiguaes, respeito ás outras, sem defeito no trabalho; todos os dentes da moenda do meio podem ser muito grossos; menos grossos os da de hum dos lados, e mais delgados os da outra, e assim mesmo podem trabalhar com perfeição. Os dentes das rodas de coroa devem ser redondos a torno; os em estrella tambem a sua ponta deve ser redonda, acabando em semicirculo, segundo o seu diametro. O aguilhão do eixo, onde anda o rodete, não deve ser fixo nelle, ha de andar junto n'huma caixa de bronze; porque, como se ha de gastar pelo movimento, para o recalçar, basta levantar com huma alçaprema o mesmo eixo, e logo o aguilhão cahe, oppõem-se-lhe outro, que deve haver de sobrecellente. As almanjarras hão de ficar n'huma altura tal, que os tirantes, por onde puxão as bestas, corrão em linha horisontal ao seu peito; puxão mais desta sorte, e fatigão-se menos. A besta puxa com o seu [30] pêso, e o esforço dos seus musculos serva para renovar este pêso, se os tirantes estão muito baxos, o pêso, que devia empregar-se a puxar, perde-se em levantar o eixo, e se estão muito altos, a besta he levantada por diante, e as suas mãos não achão na terra hum apoio sufficiente para renovar o seu movimento.

Como se moe Canna actualmente.


As moendas, de que actualmente se usa na Capitania do Rio de Janeiro, tem de tres a quatro palmos de diametro, e outro tanto, pouco mais de altura.

A sua dentadura he no meio da moenda; alguns engenhos, rarissimos, tem as moendas dentadas na parte superior, e aguilhões inteiros de ferro; porém o commum he terem os dentes no meio do corpo da moenda, e meios aguilhões de ferro, e na parte superior hum pescoço, que faz as vezes de meio aguilhão, feito de hum páo solido. Saõ chapeadas de ferro meio largo: estas chapas tem hum palmo de comprido, e são afastadas humas das outras a quarta parte de huma pollegada, ou tres linhas; e pregadas no madeiro da moenda com seis pregos curtos, e grossos. A meza, em que estão assentadas estas moendas, não tem mais altura, que a de quatro a cinco palmos. Qualquer que seja a potencia que as faça mover, a Canna he sempre mettida nellas da mesma sorte. Hum Escravo appresenta hum feixe de Canna pela sua ponta em linha horisontal, entre a moenda do meio, e huma das dos lados; continua a metter segundo, terceiro, quarto, quinto, e sexto [31] e outro Escravo da parte opposta, á proporção que os feixes de Canna passaõ, depois de espremidos na primeira, os appresenta da mesma sorte á segunda: tornão a passar pela primeira, e repassar pela segunda, o que faz que esta Canna seja espremida quatro vezes, sempre em linha horisontal. Em alguns engenhos chegão a passar cinco, e seis vezes, porém o commum são quatro. Sobre estas quatro passagens, e suppondõ tres palmos de diametro nas moendas, he que eu faço o meu cálculo; e tambem supponho, que hum carro de Canna contém cento e cincoenta feixes; de seis Cannas, se são grossas, de oito, se saõ delgadas, e do comprimento de seis palmos. Tres palmos de diametro são nove de circumferencia, dando quatro voltas a moenda, tem passado, e repassado os seis feixes; dando outras quatro voltas, tem feito passar os seis feixes reduzidos a bagaço, por consequencia, para se espremerem seis feixes de Canna, he preciso que as moendas dem oito voltas, as quaes n'hum engenho de bestas bem corrente se não dão em menos de seis minutos, o que faz precisar duas horas e meia para se moer hum carro de Canna, com o numero de feixes, e comprimento acima ditos, e nove para dez carros, em vinte e quatro horas.

[32]

Notas sobre esta fórma de moer


As moendas tem pouca altura da dentadura para baxo, onde anda a chapeação, e póde metter-se Canna, que não deve chegar aos dentes; e para isto se conseguir, he preciso que os feixes se appresentem á moenda em linha horisontal. A meza he muito baxa, e como o Escravo, curvando-se hum pouco, chega com as mãos á moenda, onde as costuma ter para amparar, e empurrar as partes minimas da Canna, a que se chama bagaço, he causa de accidentes, e de muitos Escravos ficarem sem mãos, o que todos os annos succede em hum, ou outro engenho.

A chapeação das moendas he grande erro; huma moenda de tres palmos de diametro, que fazem nove de circumferencia, precisa de vinte chapas; a seis pregos, são cento e vinte pequenas cunhas, que mettidas com muita força pelo comprimento do madeiro da moenda, a faz abrir em pequenas raxas, onde póde introduzir-se alguma porçaõ de sumo de Canna, e não póde chegar a lavagem; porque he agua simplesmente lançada, e a quem falta o aperto, que soffre o sumo da Canna entre as moendas.

Esta pequena porção de sumo huma vez introduzida nestas raxas, azéda, e serve de fermento para fazer desmerecer o sumo que se espreme; e todos sabem, que huma mui pequena porção de acido impede o fazer Assucar, e deteriora a sua qualidade. Ainda mesmo que o madeiro esteja perfeito, sempre o sumo se introduz por baxo das chapas, e a agua da lavagem não póde lá chegar.

[33] Esta chapeação não impede que as moendas sejão torneadas todos os annos, ou todos os dois annos; he preciso arrancar as chapas, e depois de torneado o madeiro, repregallas em outro lugar, tapando com tornos, os buracos, onde estiverão os pregos; por mais solido que elle seja, não póde resistir a tres, ou quatro operações destas, sem que fique fóra de serviço. Vinte chapas, de mais de duas linhas de grossura, são quarenta angulos, ou cunhas, que cortão, ou mordem as Cannas, que á terceira passagem ficão reduzidas a partes minimas, cujo bagaço, para passar a quarta vez, he preciso que o Escravo o empurre, e ampare com as mãos entre as moendas, para poder espremer-se, e ainda nesta quarta passagem sahe humido. As ultimas vezes, que este bagaço passa nas moendas, faz tanta resistencia, que se são de meios aguilhões, succede aluirem para os lados, e se são inteiros, quebrarem. O bagaço, quasi reduzido a pó, só serve para estrume depois de ter apodrecido na bagaceira, o que infecta o ár, que se respira á roda da fábrica, e faz sempre sentir hum máo cheiro.

Nova fórma de moer.


As moendas devem ter tres palmos, e pouco mais de altura, até á dentadura; devem ter tres palmos de diametro, ser feitas de hum páo bem firme, e bem lisas, sem chapeação. A meza deve dar pelos peitos de hum homem, e ter cinco palmos de largura, inclusos os taboleiros. A Canna ha de ser appresentada á moenda em linha obliqua, fazendo hum angulo de quarenta e cinco gráos, com pouca differença, e perto da dentadura. Assim [34] que esta Canna passou, o Escravo da parte opposta deve dobralla, e appresentalla á moenda pela sua curvatura, tambem em linha obliqua. Com estas duas passagens fica a Canna melhor espremida, que com as quatro, ou mais, que actualmente se usão.

Para que este serviço continue sem interrupção, he preciso que o Escravo, que mette Canna, appresente á moenda de doze a dezaseis de cada vez, segundo a sua grossura; o Escravo, da parte opposta, pega em seis, ou oito destas Cannas, dobra-as, e appresenta-as á moenda pela sua curvatura, e faz o mesmo ás outras seis, ou oito, e assim continua o serviço; porque tendo a Canna seis palmos de comprido, dobrada fica em tres, e he preciso que as moendas estejão sempre cheias. Por mais molle que seja hum páo proprio para moendas, sempre he muito mais duro que a Canna, que, sendo hum corpo esponjoso, deprime-se facilmente; o muito uso poderá gastallo, e será preciso torneallo, porém creio certamente, que ha de precisar muito mais tarde deste beneficio, que as moendas chapeadas, e ha de conservar mais annos a sua solidez. Conheço huma fábrica de Estampas, que imprime de oito a dez mil todos os annos, e trabalha há mais de vinte; que os dois cilindros, que fazem a fieira, e apertão entre duas taboas a chapa da impressão, ainda não forão torneados, nem o precisão; accrescendo ser isto hum trabalho de páo contra páo, muito differente da Canna, que he hum corpo muito mais molle. A Canna, appresentada em linha horisontal, faz aperto n'huma parte da moenda sómente, e, appresentada em linha obliqua, trabalha com todo o corpo. He certo que as moendas de páo são hum remedio; [35] devião ser tambores, ou cilindros de ferro, assim como se pratica nas Antilhas, despesa que se faz por huma vez, porém em quanto se não põem em prática, deve degradar-se a chapeação, por ser desnecessaria, e nociva.

Comparação da moagem actual com a que se propõem.


Pelo methodo usado, dando a moenda quatro voltas; são trinta e seis palmos de superficie; tendo os feixes seis palmos de comprido, e, appresentando-se em linha recta, ou horisontal, passaõ, e repassão seis feixes; dando outras quatro voltas, passão, e repassão em bagaço, são precisas oito voltas para moer seis feixes de Canna, o que não póde fazer-se em menos de seis minutos. He certo que estes feixes de Canna só tem os seis palmos de comprido na primeira, e segunda passagem, ficando reduzidos a pequenas partes para a terceira, e quarta, o que fará parecer gastarem menos tempo nas duas ultimas; porém isto deve considerar-se nullo, pelas paradas que nestas occasiões fazem as bestas, por ser preciso redobrar o seu esforço para vencer a resistencia, que o bagaço, ou Canna, reduzida a pequenas partes, lhe offerece. Pelo methodo proposto, appresentando-se a Canna á moenda em linha obliqua, tendo seis palmos de comprido, fica reduzida a quatro e meio, e he preciso nas quatro voltas fazer oito entradas, para ganhar a superficie das moendas, cujas entradas sendo de doze a dezaseis Cannas, que são dois feixes, fazem dezaseis; e como passão, e repassao simplesmente, em quanto nos seis minutos, pelo methodo [36] usado se moem seis feixes; moem-se pelo methodo proposto trinta e dois, e por consequencia hum carro de cento e cincoenta feixes em menos de trinta minutos, que em vinte e quatro horas faz mais de cincoenta carros. Pelo methodo usado, hum feixe de Canna, appresentado á moenda em linha horisontal, o aperto que soffre faz, que estas Cannas fiquem sobrepostas humas acima das outras; ellas, que tem huma pollegada pouco menos de diametro, ficão bem espremidas, passando por huma fieira de huma a duas linhas; porém do sumo que espremem, que tem de circumdar a superficie de quasi todas as Cannas, sò huma pequena parte cahe na meza, e a maior parte, fluctuando por cima dellas, logo que cessárão de soffrer a compressão, sendo de natureza esponjosa, e elastica, tornão a beber o sumo espremido. Na segunda passagem pouco aperto percebem; porque passão por huma fieira igual á primeira, e por consequencia he preciso que sejão reduzidas pela chapeação a partes minimas, para se lhe aproveitar o sumo. Pelo methodo proposto, appresentando-se a Canna em linha obliqua, quando recebe o aperto, dá sahida ao sumo pela mesma Canna, e deposita na meza todo, o que espreme.

Quando acabou de passar a Canna, e o Escravo da parte opposta a dobra ao meio, para a appresentar na mesma linha obliqua; pelo seu angulo, ou curvatura, recebe na fieira da moenda hum aperto maior que o primeiro; porque em igual ou superior volume, tem partes mais solidas que comprimir, faz ficar o bagaço sècco, inteiro, apto para se fazer em feixes, que podem servir para as fornalhas; o que he impossivel no methodo usado, porque fica reduzido quasi a pó. A differença [37] de hum a outro methodo he de nove a cincoenta, vantagem inapreciavel em semelhantes fábricas. Eu não sei que haja em todo o Brasil, quem reuna forças para moer esta quantidade de Canna de Junho a Setembro, que he o verdadeiro tempo, e são cem dias de serviço; talvez não haverá meia duzia de fábricas, que possão fazer ametade, porque então farião de seis a sette mil arrobas de Assucar. Vejo que há engenhos, que para tres, ou quatro mil arrobas, principião em Maio, e acabão em Dezembro, por não poderem mais, empregando dia, e noite neste trabalho, e assim mesmo perdem Canna, que não podem moer. Trabalhando-se desta sorte, os homens, e os animaes se estragão, o dia he para trabalhar, e a noite para descançar, esta a ordem da natureza, que se não inverte impunemente.

Adoptando-se esta fórma de moer, póde a noite ficar salva. Principia-se das quatro horas da manhã até ao meio dia, das duas horas da tarde até ás dez da noite; nestas dezaseis horas de serviço, cada hum póde trabalhar, segundo as suas forças. Suppondo que quer moer dezaseis carros de Canna, faça appresentar á moenda só seis, ou oito Cannas (que he hum feixe) continuadamente, na repassagem faça dobrar tres, ou quatro, tudo como acima se diz, e desta sorte póde augmentar, e diminuir, segundo as suas forças, e vontade. Nestas duas horas depois do meio dia, e ás dez da noite, basta que sejão lavadas ás moendas, menos que o calor não seja intenso, ou que haja trovoadas; porque então todas as vezes que se enche o cocho, devem ser lavadas. Veja-se a Estampa IV.

[38]

Descripção do que contém a casa de caldeiras actualmente.


A Casa de caldeiras, onde se fabrica o Assucar, he de cinco a oito palmos, mais baxa que a do engenho, e contém o que se segue. Parois de caldo frio, Parois de caldo quente, Rominhois, Espumadeiras, Batedeiras, Repartideiras, Caldeira, e Coxinha, Bangué com suas tachas, Esfriadeira, Fôrmas para lançar a calda, de que se faz o Assucar bruto, Carcanha, Massa de Mamono, Espatulas, Tanque de preparar o barro, que ha de clarificar o Assucar, Vasos com decoada, e Vasos com agua. Parol de caldo frio, he hum cocho, ou especie de tanque, feito de taboas, e pelo commum cavado n'hum grosso madeiro, com maior, ou menor comprimento, e largura, e capacidade de conter tanto liquido, quanto encha a caldeira, sem sobejar. Há alguns engenhos, que já os tem de cobre.

Parol de caldo quente, he o mesmo que de caldo frio, porém maior, por ser destinado a receber o liquido depurado da caldeira, huma, e mais vezes, donde passa para as tachas. Rominhol he huma especie de cassarola de cobre, que pòde conter de quatro a seis libras de agua; quando tem hum cabo comprido, e com elle se tira o liquido da caldeira para o parol de caldo quente, toma o nome de pomba. Espumadeira, todos sabem o que he, a que serve nos engenhos, tem hum cabo até dez palmos. Batedeïra, he huma chapa de cobre circular, com pouco mais de hum palmo de diametro, huma concavidade de duas pollegadas no centro, que vai diminuindo para a circumferencia, [39] com hum cabo comprido. Repartideira, he huma especie de cassarola de cobre, que póde conter até dez libras de agua.

A Caldeira, he pelo commum de ferro, tem de cinco a seis palmos de diametro na boca, outro tanto de altura, sendo menos larga no fundo; he assentada de fórma, que fica a sua boca pouco mais alta que a superficie do terreno, sendo este ladrilhado á roda della, com huma pequena inclinação, que faz correr as espumas que a Caldeira lança a hum receptaculo, a que se chama Cochinha. A Cochinha, he hum pequeno tanque de taboas, que tem seu registo; o liquido que recebe, que não são espumas, torna a passar para a Caldeira; as espumas por huma calha coberta, vão depositar-se ao seu receptaculo na casa da aguardente.

Bangué, he huma fornalha comprida, com quatro palmos de altura, que contém tres, quatro, e cinco tachas de ferro, de tres a quatro palmos de diametro, da maior á menor, que se distinguem com os nomes, quando são tres (o que he o mais commum) de tacha de receber, de cozer, e de bater. No mesmo bangué está outra tacha encravada, que não recebe fogo, que se distingue com o nome de bacia, ou esfriadeira, e he de cobre, para onde passa a calda de Assucar em ponto, e desta bacia he que vai para as fôrmas. As fôrmas são feitas de barro, de figura conica, de dois palmos pouco mais de diametro na boca, acabando para o fundo quasi agudas, com hum buraco de meia pollegada. A Espatula, he huma especie de pá de taboa, que serve de mexer o Assucar nas fôrmas, e impedir a sua mui prompta condensação. A Carcanha, he o aparelho de fazer a [40] decoada, que se faz com a cinza de toda a lenha, preferindo a de gorarema, ou páo de alho, que se tem reconhecido ser rica em alcali; a esta cinza misturão algumas hervas acres, para augmentar o que chamão queimo da decoada; enchem com esta cinza, e hervas, doze a vinte fôrmas, que ficão levantadas do chão alguns palmos, enfiadas em buracos proporcionados feitos em taboas; lanção em cima destas fôrmas agua quente, que, filtrando-se por entre as hervas acres, e a cinza, cahe pelo furo da fôrma gotta a gotta, n'hum recipiente, donde se tira para o uso. A massa de Mamono, são as sementes deste vegetal bem pizadas. O tanque de preparar o barro, he hum cocho, no qual se deita muita agua, e barro, que com hum rodo se faz dissolver, ficando n'huma especie de lodo, que se lança em cima das fôrmas de Assucar bruto. Os vasos, onde está a decoada, e agua para o uso, são fôrmas com algum defeito, a que se tapa o buraco que tem no fundo.

Como se trabalha na fàbrica do Assucar.


Cheio que seja o parol de caldo frio, do sumo das Cannas espremidas nas moendas (o que actualmente se não faz em menos de quatro a seis horas) corre por huma calha para a caldeira, que fica hum palmo por encher.

Esta caldeira, que tem sua fornalha particular, e hum Escravo, que a serve com lenha, principia a receber hum fogo violento; á proporção que o liquido aquece, sobe á sua superficie huma especie de gusmo, a que se chama cachassa, que he tirada com a espumadeira pelo obreiro, que governa [41] a caldeira, e lançada na cochinha para por huma calha ser conduzida á casa da aguardente. Esta operação, a que se chama descachassar a caldeira, dura tanto tempo, quanto tarda o ferver o liquido, o que pelo commum, segundo o grande calor que recebe, não chega a meia hora. Logo que ferve, principia o uso da decoada; lanção-lhe mais, ou menos rominhois della, segundo que o sumo da Canna contém mais, ou menos partes oleosas, e tem maior, ou menor densidade; e se he muito denso, e rico em sal, interpoladamente se lhe lança agua, e decoada. Esta decoada, combinando-se com o oleo, faz hum sabão, que náda na superficie do liquor em fórma de espuma, que he tirada á proporção, que se ajunta.

Quando a violencia do fogo, dilatando o liquido, o faz sublevar acima das bordas da caldeira, às vezes hum, e dois palmos; huma pitada de massa de Mamono, lançada em cima, instantaneamente o faz abater, e reduz a mais de hum palmo abaixo das bordas della. O signal, para se conhecer se o liquor desta caldeira tem o cosimento preciso, a que chamão estar limpa, ou ajudada, he hum segredo, de que fazem mysterio os Mestres de Assucar; ora isto he huma gente, pretos, pardos, ou Indios, que pelo commum não sabem lêr, e, em quanto a mim, não tem outro merito, e sciencia, que a de serem fiéis, duros ao somno, e terem hum pouco de cuidado, por ser preciso nestas fábricas trabalhar de dia, e de noite. Quando se julga limpo o liquido da caldeira, passa ao parol de caldo quente, onde he lançado a braço, pelo caldeireiro, com a pomba. Continua o trabalho com mais caldo frio; estando prompto, passa ao parol de caldo quente, e quando neste parol há [42] quantidade sufficiente para passar ás tachas, e, que depois destas trabalharem, não possão parar á falta delle, enche-se a primeira tacha, chamada de receber, depois de ter aqui engrossado alguma cousa, passa della a braço para a de coser, e desta para a de bater. Assim que o liquido passou da tacha de receber para a de coser, enche-se a de receber, e assim progressivamente, de sorte que as tachas não fiquem paradas. Todas estas tachas são espumadas, e levão massa de Mamono. A fórma de bater na ultima tacha, he levantar o liquido, que já está em calda, com a batedeira, e virallo com inclinação sobre huma parede alta, forrada de tijolo, que borda, e circumda, mais que ao meio, a mesma tacha, e quando suppõem ter alcançado o ponto necessario, he, desta tacha de bater, passado para a bacia de esfriar, e daqui com a repartideira vai para as fôrmas, que estão no que se chama tendal, que he huma especie de anteparo, cheio de bagaço de Canna, em cima de cujo bagaço estão as fôrmas, que são no numero de sete, a que chamão huma venda; não se enchem de huma vez, he repartida a calda por todas; e como a quantidade, que se apurou, não chega para as encher, completão-se com o segundo, e terceiro cosimento. Esta calda, lançada nas fôrmas, he mexida com a espatula, para impedir a condensação, e agregação mui prompta da gran do Assucar, a que chamão coalhar. Quando as fôrmas ficão cheias, e o Assucar coalha, tira-se a rolha, que tapa o buraco do fundo, para dar sahida ao mel, ou Assucar decomposto, cujo mel he conduzido por huma calha ao seu receptaculo. O Assucar mui trigueiro, que contém estas fôrmas, he o que se chama Assucar bruto. Passão agora do tendal para a [43] casa de purgar. Esta casa he assobradada, e nas taboas do soalho há muitos buracos redondos, de seis pollegadas de diametro, onde se firmão as fôrmas, para serem barreadas.

A coxia, ou casa, que fica por baxo deste sobrado, he ladrilhada com inclinação das paredes ao centro, onde há hum canal, que recebe o mel, que as fôrmas de si lanção, e o conduz a hum tanque, donde se tira para o uso. Do tanque de preparar o barro, se tira em huma vasilha, a especie de lodo, a que he reduzido, e se lança em cima das fôrmas: este lodo, que conserva a agua em si, a vai largando a pouco, e pouco, a qual, introduzindo-se por entre o Assucar, precipita o mel, para sahir pelo buraco do fundo da fôrma. Sêcco que seja este barro, tira-se da fôrma, lança-se segundo, e ainda terceiro. Com estes tres barros, se suppõem ficar a fôrma, como chamão, lavada. Succede poucas vezes ser o Assucar desta fôrma todo branco, o commum he ser branco da superficie, até huma terça parte da fôrma, menos branco a segunda terça parte, trigueiro, dos dois terços para o fundo. Estas tres especies de Assucar, se distinguem com os nomes de fino, ou redondo, batido, e mascavado; este ultimo he ainda subdividido em diversos mascavados, segundo, que he mais, ou menos trigueiro.

O Assucar, assim trabalhado, diminue huma terça parte, pouco mais, ou menos, em quantidade de sorte, que, se as fôrmas contém tres arrobas de Assucar bruto, fica reduzido a duas de todas as qualidades. Depois que o Assucar se suppõem purgado, passa da casa de purgar para o terreiro, ou eira, onde he tirado das fôrmas, e com hum facão divididas as qualidades; e depois de reduzido [44] a pequenas partes, he lançado em differentes toldos, ou lençoes de panno grosso, para que o calor do Sol lhe faça evaporar a humidade, e desseque.

He dalli conduzido á casa do encaixe, onde se deita em caixas, que podem conter de quarenta a cincoenta arrobas; e socado a pilões; e pregadas as caixas, conduzidas ao armazem, ou trapiche, onde, depois de julgadas as qualidades pela Meza da Inspecção, he vendido.

Notas sobre esta fórma de fazer Assucar.


Por não se saber moer Canna, gasta muito tempo o parol a encher-se. Nestas quatro, e mais horas, que o sumo da Canna, liquido mui composto, se deixa em repouso, fermenta; o que deprava o liquor, e diminue a quantidade de Assucar, e sua qualidade.

Se o parol he de madeira, conserva sempre em si hum fermento, que ajuda extraordinariamente esta deterioração. Quando o caldo da Canna passa do parol para a caldeira, vai frio; esta, que he de ferro coado, e está muito quente, recebendo repentinamente huma impressão tão estranha, póde rachar, o que muitas vezes succede. Hum calor moderado, que faz subir á superficie do liquor, as partes impuras, a que se chama cachassa, não dura o tempo que he preciso; logo que a caldeira levanta fervura, todas as partes são confundidas: a decoada, que se lhe lança, tem a propriedade de se combinar com as partes oleosas, e acidas, e de nenhuma sorte com este gusmo, que incorporando-se com o Assucar, o faz [45] trigueiro, e perder a qualidade. O obreiro, que governa esta caldeira, ainda que o descachassalla não dure meia hora, faz hum trabalho fatigante, pela postura curva, em que he preciso estar; e mais se fatiga ainda, quando, julgando-a limpa, lança o liquido a braço com a pomba, no parol de caldo quente. Os parois de caldo quente, tem o mesmo defeito, que os de caldo frio, se são de madeira; e se o liquido, que nelles se deposita, chega a esfriar, o que quasi sempre succede. O bangué, he proporcionado ao pouco, que se trabalha.

A construcção desta fornalha, he positivamente má, o fogo faz o seu effeito inversamente. A tacha, chamada de receber, que póde com mais calor, por ser o liquido que contém, menos denso, he a ultima proxima á chaminé; a de cozer, está no meio, a de bater, e apurar o Assucar, he junto á boca da fornalha.

Para que a tacha de receber tenha maior calor, descobrem-lhe mais o fundo, menos a de cozer, e muito pouco á de bater. Ainda que o liquido, que contém estas tachas, esteja a ferver, a voz do Mestre de Assucar não cessa de dizer: Fornalheiro, deita lenha .

Este fogo demasiado decompõem o Assucar, transforma-o em mel, ou Assucar queimado. Em algumas fábricas há já bangués, em que quatro, e cinco tachas recebem o fogo directamente; porém os obreiros, que as fazem, gente material, e sem principios; os Mestres de Assucar, tirados do seu trilho, sem capacidade para moderar o fogo, que pela fornalha direta, se augmenta muito; huma boca mui pequena, que nellas se pôz, e faz precisar o rachar-se lenha, ou servir-se só de lenha [46] miuda; hum crivo desproporcionado, a boca da fornalha aberta, todas estas cousas fazem, com que a maior parte use das antigas.

A bacia, ou esfriadeira, he inutil. As fôrmas de barro tem pequena base, e muita altura; ainda que estes defeitos não fossem bastantes, a sua fragilidade devia fazellas desprezar. A decoada, e fórma de a fazer, não póde ser mais defeituosa; as hervas acres, só servem de a tingir, e a côr, que lhe communicão, se incorpora com o Assucar. Tenho visto parar engenhos, e bem notaveis, por falta de decoada; ainda que haja cinza, são precisos dois, e tres dias para se fazer; não há regra, humas vezes he forte, outras fraca.

A massa de Mamono, quasi sempre he podre, ao menos conserva hum cheiro detestavel. Não há escolha no barro para clarificar o Assucar; qualquer serve, he sempre de hum cinzento escuro, e quando, depois de sêcco, se tira de cima da fôrma, deixa encostrado sobre o Assucar, hum sedimento negro. A fórma de seccar o Assucar no terreiro, he pessima; além de ser preciso ter sentinela, ainda que quem o vigia, seja hum Argos, não impede, que se furte muita parte; a formiga, a galinha, o cão, o porco, todos o comem; o vento faz depositar nelle mil impuresas; se há chuvas continuadas, o que succede muitas vezes, não podendo as fôrmas sahir da casa de purgar, mélla o Assucar nellas; a estufa salta aos olhos, porém ninguem a pôz ainda em prática. O bater a calda, levantando-a da tacha na batedeira, com inclinação sobre huma parede, onde cahe muita parte della, não sei que isto possa servir para fazer Assucar, vejo que se faz hum encostramento na parede, que he preciso fação para o arrancar; esta [47] especie de Assucar encostrado, a que se chama rapadura, para ter algum valor, he preciso tornar á primeira tacha, e antes que a ella vá, tem mil descaminhos. O tanque do mel, além de ser huma verdadeira sentina, hum aggregado de mil imundicias, o mel faz apodrecer o tijolo, a que faz perder pela terra muita parte, que bem acondicionada, se aproveitaria em aguardente.

Principios, que devem conduzir o fabricante de Assucar.


Quando de hum todo, ou composto, se quer extrahir huma parte, he preciso conhecer esta parte, e as mais, que com ella fazem o mesmo todo, e saber a fórma de as separar. O Assucar purificado, segundo Cartheuser , he hum corpo concreto, salino, formado de huma terra soluvel, de hum acido subtil (de que huma parte he intimamente unida a huma base alcalina, e calcarea) e de huma substancia oleosa inflammavel.

O sumo, ou caldo de Canna, que contém este sal delicioso, he hum composto de agua, mel, oleo, e acido; e das materias extractivas, da casca, dos nós, e das fibras longitudinaes da mesma Canna.

Deve-se buscar na fábrica do Assucar, o separar estas tres especies de materias extractivas, rezinosas, ou feculas (que fazem o que se chama cachassa) o oleo, e acido superabundantes, e evaporar a agua.

Estas operações, que são chymicas, sendo bem feitas, constituem o bom Mestre de Assucar.

O unico meio, até agora conhecido, para [48] separar as tres feculas, que fazem a cachassa, he hum calor, que a mão não possa supportar, porém que de nenhuma fórma chegue ao gráo de fervura. Para separar o oleo, e acido superabundantes, não se sabe de outro meio mais, que os alcalis, vegetal, e calcareo, quero dizer, as decoadas de cinza, e de cal, combinadas.

Qualquer destas duas decoadas por si, tem a propriedade de se unir aos oleos, e acidos, e fazer com elles hum sabão, que se mostra na fórma de espuma; porém Bergman observou, que o alcali calcareo prefere o acido, e o alcali vegetal o oleo; o que faz precisar a combinação destas duas especies da alcalis, para a depuração do Assucar. Se o sumo, ou caldo de Canna he muito aquoso, oleoso, acido, pouco assucarado, quero dizer, produzido por huma Canna taióba, ou selvagem, deve ser servida a caldeira com decoada pura, no ponto, em que fica, segundo a fórma de a fazer, que logo direi.

Se, pelo contrario, he rico em sal, pouco aquoso, muito denso, produzido por huma Canna de boa qualidade, deve a decoada ser enfraquecida com agua pura. Esta maior, ou menor força da decoada, he relativa ao sumo, ou caldo de Canna, por ser preciso ter, onde se empregue, para deteriorar o Assucar, e communicar-lhe hum gosto lexivial.

A evaporação da agua deve ser feita por hum fogo graduado, e poupado; por ser fysicamente demonstrado, que qualquer liquido, chegando a levantar fervura, tem alcançado o maior gráo de calor, de que he capaz, e que he em pura-perda, toda a mais lenha, que se lança na fornalha. Este calor demasiado, perdido para a evaporação, decompõem [49] o Assucar, e o reduz a mel, ou Assucar queimado. A evaporação de qualquer liquido, he em rasão da sua superficie; para esta se augmentar, he preciso levantar o liquido, e deixallo cahir em columna; tanta he a superficie desta, quanta a augmentação da evaporação, respeito á que tinha na tacha simplesmente fervendo.

Todo o liquido mucoso, doce, tendo fluidez sufficiente, ajudado pelo calor, e influxo do ár, entra promptamente em fermentação. Esta fermentação decompõem o Assucar, que tranforma em espirito, de sorte, que certa quantidade de liquido, que produziria vinte, se chega a fermentar, póde dar sómente quinze, dez, e mesmo nada, e esse menos que se fizer, ha de ser de má qualidade. O gráo de frio, que géla a agua, impede a fermentação, porém este meio só a natureza o póde dar, e no Brasil he impossivel; o que temos na nossa mão, e facil, he darmos, e conservarmos hum calor ao liquido, que quasi o faça ferver. A rasão porque se diz, ser bom trabalhar em quente, e muito máo em frio, he por este frio ser o do ár, que no Brasil ajuda prodigiosamente a fermentação, e o quente, he o liquido quasi fervendo, que a impede.

Ora, sahindo o caldo quasi fervendo da caldeira, e passando ás tachas quasi com esta quentura, trabalha-se bem, e apura-se o mais possivel; esfriando no parol, assim que alcança o calor, que favorece a fermentação, entra logo nella, porque a natureza não pára; e quanto mais tempo assim se conserva, tanto mais se deteriora, perde o rendimento, e custa a trabalhar.

[50]

Preparo para manufacturar o Assucar.


Dois parois de cobre bem estanhados, que não tenhão mais de dois palmos de altura, com sufficiente largura, e comprimento, para conter cada hum tanto liquido, quanto caiba na caldeira, sem sobejar. Devem ser cubertos de taboas, para impedir o mui livre contacto do ár; com hum furo na tampa, para dar entrada a hum grosso, e comprido funil, que recebe da calha o sumo da Canna, e o deposita no fundo do parol.

Devem ter na parte mais commoda do fundo hum grosso furo, onde he soldado, hum curto tubo, que hum comprido torno tapa, para, quando for tempo, dar sahida ao liquido, que huma calha conduz á caldeira. Devem ter sua fornalha, que póde ser commua a ambos, e serem assentados nella com huma pequena inclinação, para facilitar a sahida do liquido.

Duas caldeiras, cada huma com sua fornalha; assentadas o mais alto possivel, bordadas de ladrilho, com sua cochinha para receber sómente espumas. Dois funis grandes de folha de flandres, com altura, que possão chegar ao fundo das caldeiras. Hum bangué de tres tachas, cuja proporção, e fórma adiante descreverei. Quatro esfriadores. O esfriador, he huma especie de caixão, com dois palmos de altura, oito de comprido, e tres de largo, feito de cossueiras de boa madeira, bem aplainadas.

Cem fôrmas. A fôrma tem a figura de prisma triangular, deve ser feita de cossueiras de boa madeira, bem aplainadas, de quatro palmos de comprido, [51] dois, ou mais de largura, fazendo huma abertura de dois palmos, fechando em baxo, e deixando aberta huma fenda de duas linhas; aplainadas no fundo, para fazerem hum assento de tres a quatro pollegadas; as cabeças hão de ser malhetadas, e feitas com toda a solidez.

A Figura II. da Estampa VII. , mostra a fôrma vista com a boca para cima; e a Figura III. mostra a mesma fôrma com o fundo para cima, e a fenda aberta para escôo do mel.

Tres baldes de valvula em polé, hum para servir as caldeiras, outro as duas primeiras tachas, e o terceiro he para servir sómente a tacha, chamada de bater. Estes baldes devem ser de estanho, a valvula, do mesmo metal, assentada em boa solla; a ponta desta valvula deve conter hum pequeno aro, onde jogue hum arame grosso de dois palmos, e meio de comprido; neste arame, que acaba tambem em aro, prende huma delgada corda, que, passando na polé, chegando á mão do obreiro, facilita-lhe o levantar a valvula, e deixar cahir o liquido em columna, ou sobre huma calha, segundo a necessidade. O balde tem dois palmos de altura, e palmo e meio por cada face, e póde conter noventa libras de agua; a valvula tem pouco mais de hum palmo quadrado, e a columna de liquido, que descarrega, he de hum palmo. O apoio da polé está em tres palmos, a alavanca he de seis, e como pésa mais, o obreiro balanceia o pêso do balde cheio, com trinta e tantas libras. A Estampa VI. mostra o trabalho do balde. Huma estufa. Esta casa tão util, absolutamente precisa, que a negligencia, a ignorancia, a falta de economia tem despresado, deve ter até vinte palmos em quadro, feita de paredes mestras, cuberta [52] de abobada reforçada; com duas aberturas da altura de hum homem, e cada huma com duas portas, feitas de cossueiras; huma destas aberturas communica com a casa de purgar, e a outra com a casa de encaixe. Deve ter tambem huma janella alta com dobradas portas, para se abrirem defóra, quando for preciso refrescar o ár da estufa. Todas estas portas devem ter boas chaves. Dentro desta casa, sobre pontaletes, se fazem tres taboleiros, com taboas bem sêccas, bem desempenadas, bem lisas, unidas com meio fio, que fiquem acima huns dos outros, de seis a oito palmos. O soalho desta casa, deve ser feito sobre abobada, ou aterrado sobre ella. Na parte exterior, que communica com a varanda, tem esta abobada huma abertura, que dá passagem ao calor, communicado por huma fornalha, a huma chapa de cobre circular bem grossa, de tres palmos de diametro. Esta fornalha tem seu cinzeiro, e he servida com lenha pelo fornalheiro do Bangué. Quatro ensinhos para os esfriadores. Este ensinho tem vinte dentes, dezoito em prisma quadrangular, e os dois dos lados, em prisma triangular, afastados huns dos outros, duas linhas, e cada dente tem dois palmos de altura. A Figura II. da Estampa V. , mostra os dentes vistos de topo, com a disposição, figura, e distancia, que devem ter no seu estado natural; o escuro da Figura, he a espiga, que se introduz no taboão, onde se firma o cabo porque puxa o obreiro.

Alguns pannos, para servir de coadores. Espumadeiras, Rominhois, Repartideiras, Manteiga de cacáo, ou qualquer oleo doce, para impedir a sublevação do liquido. Vasilhas de barro para decoada, porque as de madeira communicão-lhe côr. [53] Quatro raspas de ferro, que tenhão a fórma de enchós de martello.

Fórma de fazer a decoada.


Peneira-se meio alqueire de cal, para separar todas as partes não calcinadas; deita-se em huma fôrma, ou qualquer vasilha de bom barro, eleva-se a hum forno de telha, ou tijolo, ou a qualquer parte, onde receba grande fogo; o calor, que aqui recebe, faz evaporar a agua da sua extincção, e a reduz a cal viva, ou virgem.

Deita-se esta cal virgem n'huma caldeira, que contenha doze vezes o seu volume de agua; depois de se demorar hum quarto de hora, tira-se esta agua com hum rominhol, e se côa para outra caldeira. Tomão-se duas partes de cinza, que he hum alqueire (porque a cinza deve ter dobrada porção da cal) e deita-se tambem n'huma caldeira, que contenha doze vezes o seu volume de agua, mexe-se bem com huma espatula, deixa-se assentar, tira-se esta agua impregnada do sal da cinza, e côa-se para a mesma caldeira, onde está a agua de cal. Faz-se fogo a esta agua; a evaporação concentra os alcalis da cinza, e cal, faz-se de vez em quando a prova, tirando n'hum rominhol huma pouca desta decoada, deitando-lhe hum ovo fresco em cima; quando este ovo não vai ao fundo, que sobrenada huma parte delle, e descobre meia pollegada, pouco mais, ou menos, está feita a decoada no seu ponto. A cinza que ficou, tambem não he perdida; deitada, e espalhada debaxo Deita-se esta cal virgem n'huma caldeira, que contenha doze vezes o seu volume de agua; depois de se demorar hum quarto de hora, tira-se esta agua com hum rominhol, e se côa para outra caldeira. Tomão-se duas partes de cinza, que he hum alqueire (porque a cinza deve ter dobrada porção da cal) e deita-se tambem n'huma caldeira, que contenha doze vezes o seu volume de agua, mexe-se bem com huma espatula, deixa-se assentar, tira-se esta agua impregnada do sal da cinza, e côa-se para a mesma caldeira, onde está a agua de cal. Faz-se fogo a esta agua; a evaporação concentra os alcalis da cinza, e cal, faz-se de vez em quando a prova, tirando n'hum rominhol huma pouca desta decoada, deitando-lhe hum ovo fresco em cima; quando este ovo não vai ao fundo, que sobrenada huma parte delle, e descobre meia pollegada, pouco mais, ou menos, está feita a decoada no seu ponto. A cinza que ficou, tambem não he perdida; deitada, e espalhada debaxo de hum alpendre, ou telheiro, o ár, em poucos mezes, communica-lhe novos saes, e queimada de novo, produz mais alcali.

[54]

Descripção, e proporções do Bangué.


O Bangue deve conter tres tachas, a primeira, a que chamão de receber, tem quatro palmos de diametro na boca, a segunda tres e meio, e a terceira tres. A primeira tacha, tem a boca quatro palmos acima da superficie da casa, chamada de caldeiras; a segunda tacha, seis palmos, e meio, e a terceira oito palmos, e meio; o que faz precisar haver degráos da primeira para a segunda, e desta para a terceira; e huma rampa da ultima, para a conducção da calda. A disposição das tachas desta fórma, he para a columna do fogo arrastar pelo seu fundo, por huma linha de trinta gráos. A boca da fornalha tem palmo, e meio, ou hum pé quadrado, deve ser feita de ferro vergalháo bem grosso, e ter huma porta de ferro, que só deve abrir-se, quando se servir com lenha. Da porta desta fornalha, pela abobada, que cobre o cinzeiro, se descreve huma linha de quinze gráos, até dez palmos do interior della, onde fórma hum resalto de dois palmos, e dahi se descreve outra linha de trinta e cinco gráos, que tambem tem dez palmos de comprido, e acaba na parede, que fórma a chaminé. Esta chaminé he hum quadrado de oito pollegadas por cada face, que corresponde ao centro da fornalha.

Na abobada, que cobre o cinzeiro, há hum buraco de seis pollegadas em quadro, que corresponde ao centro do fundo da primeira tacha, e deve ser formado por huma barra de ferro vergalháo grosso, quadrilaterado.

A boca deste cinzeiro, deve ter dois palmos [55] quadrados, e elle ser ladrilhado. A Estampa V. Fig. I. mostra o bangué com as paredes dos lados abatidas, para se ver facilmente todo o seu interior, e proporções.

Num. 1, 2, e 3, as tres tachas; 4, a boca da fornalha; 5, o vão da fornalha; 6, o resalto de dois palmos; 7, a boca da chaminé; 8, a boca do cinzeiro; 9, o vão do cinzeiro; 10, a communicação do cinzeiro, com a fornalha.

A linha de 4 a 7, he de 30 gráos: A linha de 6 a 7, he de 35 gráos: A linha de 4 a 6, he de 15 gráos: O cheio, são paredes de tijolo: O ponteado he o aterro.

Esta fornalha he a de Macquer, adoptada no modo possivel á fábrica do Assucar. Servida com lenha, o fogo accêso, a boca tapada, o ár rarificado dentro pelo calor, com tão prompta sahida pela chaminé, absorve, pelo canal do cinzeiro, huma columna de ár, com maior, ou menor rapidez, segundo a sahida que tem.

Este ár, alimentando o fogo, o faz subir tambem em columna ao centro do fundo da primeira tacha, e daqui corre, arrastando o fundo da segunda, e terceira, para sahir pela chaminé. Esta sahida, que he de sessenta e quatro pollegadas quadradas, respeito á da entrada, pelo cinzeiro, que he de trinta e seis, augmenta extraordinariamente o movimento, e por consequencia, a intensidade do calor. Este calor, com dois tijolos na boca da chaminé, modera-se, segundo a precisão. Estando todo o vacuo da chaminé aberto, e a fornalha com lenha sufficiente, he o maior calor possivel; e com a mesma quantidade de lenha, tapando-se mais, ou menos, a boca da chaminé, diminue proporcionalmente. A fórma de alimentar [56] o fogo desta fornalha, he lançar-lhe dentro hum páo, que tenha até seis pollegadas de diametro, pouco mais, ou menos, com oito palmos de comprido, cuja ponta se faz chegar até ao resalto, e alguns feixes de bagaço; este páo se puxa com hum gancho de ferro, a chegar a ponta a cobrir a communicação do cinzeiro, com a fornalha, á proporção, que o fogo a devora; e assim se continua, A Estampa mostra tambem o fogo.

Preparo do barro para clarificar o Assucar.


O tanque de preparar o lodo, com que se ha de clarificar o Assucar, he o actualmente praticado; porém em lugar de barro cinzento escuro, deve, usar-se de barro branco, de que há abundancia em todas as partes, com o cuidado de o depurar da arêa, e pirites. Piza-se, que fique em pó, huma porção de barro branco bem sêcco, deita-se este pó n'hum cocho cheio de agua, agita-se com hum rodo, e dá-se tempo a que as pirites, e arêas como mais pesadas, se precipitem ao fundo. Esta agua impregnada das particulas barrentas, tira-se com hum rominhol para o tanque de preparar o lodo. Continua-se o mesmo serviço, torna-se a passar a agua impregnada do barro; e quando há sufficiente quantidade, deixa-se assentar, e tira-se a agua superabundante; e deste barro assim purificado, he que se fórma o lodo, para clarificar o Assucar. Se a agua, depois de precipitado o barro, conserva alguma côr, deve-se tirar, e lanç O tanque de preparar o lodo, com que se ha de clarificar o Assucar, he o actualmente praticado; porém em lugar de barro cinzento escuro, deve, usar-se de barro branco, de que há abundancia em todas as partes, com o cuidado de o depurar da arêa, e pirites. Piza-se, que fique em pó, huma porção de barro branco bem sêcco, deita-se este pó n'hum cocho cheio de agua, agita-se com hum rodo, e dá-se tempo a que as pirites, e arêas como mais pesadas, se precipitem ao fundo. Esta agua impregnada das particulas barrentas, tira-se com hum rominhol para o tanque de preparar o lodo. Continua-se o mesmo serviço, torna-se a passar a agua impregnada do barro; e quando há sufficiente quantidade, deixa-se assentar, e tira-se a agua superabundante; e deste barro assim purificado, he que se fórma o lodo, para clarificar o Assucar. Se a agua, depois de precipitado o barro, conserva alguma côr, deve-se tirar, e lançar outra, e agitar com o barro precipitado, até que fique cristallina, para que não vá incorporar, com o Assucar, a côr, que o barro póde communicar-lhe. [57] Isto he trabalho, que se faz por huma vez, porque este barro póde durar sempre.

Methodo para trabalhar na fábrica do Assucar.


Assim que o caldo da Canna espremida nas moendas cahe da bica no funil, que o conduz ao fundo do parol, accende-se logo fogo na sua fornalha, cujo fogo se entretem gradualmente, de sorte, que o liquido nunca chegue a levantar fervura; porém que a mão não possa supportar o seu calor, o qual se conserva, em quanto os parois contiverem liquido. Quando, depois de cheio o primeiro, passa a bica para encher o segundo, trata-se este segundo da mesma sorte que o primeiro. Cheio o segundo parol, passa o liquido para a primeira caldeira, por huma calha, que se ajusta ao seu fundo, na parte, onde está o tubo de descarga; e antes do torno se tirar, põem-se hum coador sobre a calha, para não passar á caldeira mais que o liquido; devendo haver o maior cuidado, quando se aproximar ao fundo o gusmo, a que se chama cachassa, que o calor fez subir á superficie, de tapar logo, para que á caldeira não vá parte alguma delle. Deita-se então agua neste parol, e lava-se, cuja agua se mistura com o gusmo, e o ajuda a correr por huma calha, ao seu receptaculo, na casa da aguardente. Depois de cheio segunda vez o primeiro parol, passa o liquido do segundo para a segunda caldeira, com as mesmas precauções do primeiro, e assim continua o trabalho, não se despejando nunca hum, sem que o outro esteja cheio. Ficando a caldeira quasi hum [58] palmo por encher, lança-se fogo na fornalha, para fazer ferver o liquido, havendo sempre a lembrança, que, chegando a levantar fervura, he escusado deitar mais lenha, porque he perdida; porém esta fervura deve-se entreter. Principia agora o uso da decoada. Introduz-se na caldeira hum dos dois grandes funis, e por elle he que se lança a decoada, para os alcalis fazerem subir do fundo á superficie, o oleo, e acido superabundantes, em fórma de espuma, que se separa, assim que aparece. Quando se não vem mais espumas escuras, julga-se limpa a caldeira, e principia a simples evaporação; porém o liquido desta caldeira não passa ás tachas, sem que a outra caldeira esteja tambem com o seu liquido depurado. Estando o liquido de ambas as caldeiras prompto, passa ás tachas o da primeira, para renovar o trabalho com o segundo liquido do primeiro parol, e assim vai continuando; de sorte, que as caldeiras tem tres usos: são vasos depuratorios, vasos evaporatorios, e parois de caldo quente. O liquido da caldeira, sobe no balde de valvula, que por huma calha o conduz á primeira, e segunda tacha; este balde serve tambem de augmentar a evaporação, levantando o liquido, e deixando-o cahir em columna, se há necessidade de accelerar este serviço nas caldeiras. As tres tachas do Bangué, devem ser consideradas, como vasos evaporatorios. A primeira, chamada de receber, e a segunda de coser, recebem o liquido da caldeira; depois de engrossar nellas hum pouco, passa para a tacha, chamada de bater; nesta ultima he, que o liquor alcança a sua perfeição; para o concentrar, deve ser levantado no balde muitas vezes, e deixallo cahir em columna.

[59] Quando desta fórma tem alcançado o ponto, passa para o esfriador. Estas tres tachas podem ser todas, de receber, de coser, e de bater, tendo cada huma seu balde, e passar a calda de cada huma dellas para o esfriador; porém, como a primeira tacha recebe mais fogo, que a segunda, e esta, que a terceira, e o fogo, se he violento, queima o Assucar, que reduz a mel, he melhor fazer a concentração na terceira tacha, sempre com o cuidado, de que a fornalha não tenha mais fogo, que o preciso para levantar fervura.

Distingue-se o ponto da calda de Assucar em tres estados, que são ponto fraco, ponte forte, e ponto muito forte. Conhece-se o ponto fraco, quando, tomando huma pouca de calda com o dedo indes, e unindo esta calda ao pollegar, e apartando estes dedos, a calda não faz fios.

O ponto muito forte he, quando, tomando a calda da mesma sorte, e ella se estende em fios por todo o apartamento dos dedos, sem quebrar.

O ponto forte, ou bom ponto he, quando se fórmão estes fios, e, antes de chegarem a todo o apartamento dos dedos, quebrão a duas, tres, ou quatro pollegadas. A grossura dos olhos, que fórma a calda, fervendo na tacha, mais, ou menos grossos, indica a sufficiente concentração. Isto he huma cousa conhecida, e facil, porém que o uso ensina mais, que todos os discursos. Estando a calda no ponto forte, passa em repartideiras para o esfriador.

O ár, que bate na superficie desta calda, e refresca continuadamente as paredes do esfriador, faz coalhar o Assucar n'huma especie de costra, a qual se engrossa cada vez mais, até incorporar tudo o que he Assucar, deixando apartada a parte [60] melosa; porém este Assucar, coalhado tão promptamente, alcança tanta dureza, e a sua gran he tão unida á outra, que faz impossivel a passagem da agua para a sua clarificação. A espatula, de que se usa, para o remexer nas fôrmas conicas, não sendo sufficiente, he indispensavel o uso do ensinho já descripto; hum obreiro com este util instrumento, em huma das cabaças do esfriador, puxando-o a si, e impulsando-o para a outra cabeça; encostando-o no puxar, a huma das paredes, no impulsar á outra, impede a aggregação mui prompta da gran do Assucar, para a agua, que o barro largar, fazer o seu effeito. Este esfriador, segundo a sua grandeza, não póde encher-se com o primeiro cosimento, e carece, que se lhe ajuntem outros; porém o uso do ensinho principia desde o primeiro, até se encher, e sahir o Assucar para as fôrmas. Não há necessidade, de que o obreiro esteja sempre com o ensinho na mão; deve trabalhar de vez em quando, porém sem descuido. He essencial, que o Assucar não vá para as fôrmas frio, e sim n'hum gráo de quentura, que permitta o meter-lhe o dedo.

As fôrmas molhadas, assentadas n'huma taboa desempenada, podem receber o Assucar, sem que pela fenda de duas linhas, que tem no seu fundo, elle possa cahir. O Assucar deve ser deitado nellas com espumadeiras grandes; esta operação deve ser prompta, e ao mesmo tempo vagarosa; prompta, em que he preciso varias espumadeiras, sem descuido no trabalho; e vagarosa, porque tirando as espumadeiras o Assucar, carece demorado algum tempo sobre o esfriador, para deixar cahir dentro muita parte do mel, de sorte que para as fôrmas vá o menos possivel.

[61] A fôrma deve ficar meia pollegada, por encher, e depois de esfriar nella o Assucar, tirada da sua taboa, e esgotado o mel, que ajuntou no seu fundo, passa para a casa de purgar, em paviola. Esta casa basta que tenha quarenta e dois palmos de largura, e sessenta de comprido; o seu sobrado na altura de doze palmos; as vigas de hum palmo de grossura, afastadas humas das outras, quatro palmos, e meio; as taboas do soalho, da largura de dois palmos, ou mais, com o vão entre taboa, e taboa, de duas pollegadas.

A coxia desta casa póde ser ladrilhada, para mais aceio. Se parecer fraco o vigamento, pontaletes o fazem firme. Esta coxia deve estar bem munida de calhas, para cahir o mel das fôrmas.

As calhas são mui simples, e podem ser feitas de taboas de seis pollegadas de largura, e duas de grossura, cavado o centro na profundeza de huma pollegada a diminuir para os lados; são firmadas na viga, defronte da abertura de duas pollegadas do apartamento das taboas do soalho, com declivio a acabar na altura de hum barril, que recebe o mel que nellas cahe, e o leva a huma pipa, que o guarda.

Cada barril, que deve ter seu funil de folha com rallo, recebe o de duas calhas, e estas, o de muitas fôrmas.

As calhas assim dispostas, fazem a vista de zigzag vertical. Chegando a fôrma á casa de purgar, he assentada entre viga, e viga, que fique a fenda de duas linhas do seu fundo, no meio do apartamento de duas pollegadas, que tem as taboas do soalho.

Raspa-se a superficie desta fôrma, para igualar o Assucar; enche-se do lodo branco, que está [62] preparado; e quando este lodo sécca, tira-se, para diluido tornar a servir. Com huma raspa se tira desta fôrma o Assucar embranquecido, e quando vai ficando trigueiro, sobre este mais escuro se lança novo lodo; raspa-se outra vez, e torna-se a lançar mais lodo, e assim até ficar o Assucar desta fórma todo branco.

O fim desta operação he impedir, que ao Assucar já branco não passe mais agua; porque, não tendo partes melosas, que precipitar, dissolve o Assucar, que confunde com o mel, e o faz esvaido, ou sem força, e ainda que fique muito alvo, não indemniza a perda.

O Assucar raspado passa á estufa, e he lançado nos taboleiros della, para seccar. O calor desta estufa deve ser mais forte que, o que communica o Sol, que não excede a quarenta e cinco gráos do thermometro de Reaumur; e na estufa se póde levar até sessenta gráos, porém não mais, porque então o fará trigueiro. Se não houver thermometro, deve regular, o poder-se entrar dentro, e demorar algum tempo; porém se não se puder entrar, ou parar, he preciso moderar o calor, porque he forte. Quando o Assucar está sêcco, o que succede em oito a doze horas, segundo o calor que recebeo, cessa o fogo; abre-se a janella, tira-se para a casa de encaixe, sóca-se, etc.

[63]

Como se trabalha na fábrica da aguardente.


Todos os Mestres de aguardente sabem, que hum liquido doce fermenta, que esta fermentação o faz vinhoso, e que este vinho destilado, produz aguardente, em maior, ou menor quantidade, segundo o gráo de doçura, que em si contém este liquido. Segundo este principio, a cachassa, ou fezes do caldo da Canna; as espumas da caldeira, e tachas, que são materias por si bastantemente doces, são recebidas em parois; e como levão comsigo muito caldo de Canna puro, tem bastante fluidez, para que, cheio o parol, entre logo em fermentação.

Estes parois, ou especies de tanques são cavados n'hum grosso madeiro, e ficão quasi hum, palmo por encher.

Geralmente são descubertos; e alguma excepção que há, com esteiras he, que lhe tirão a maior communicação com o ár. Assim que a fermentação se estabelece, o movimento, que em si faz o liquido, com hum certo zunido, faz subir á superficie, huma côdea de materias impuras, que vai engrossando cada vez mais; porém abre-se de vez em quando, para dar passagem ao gás, ou ár fixo, que se desprende, e foge do mesmo liquido em fermentação. Quando o zunido cessa, e que a costra se desfaz, e mistura com o vinho, que neste estado toma o nome de guarápa, he o ponto, para passar ao alambique.

Alguns esperão ainda, que huma luz se não apague no vão, que occupa o gás, da superficie do liquido á borda do parol. Não havendo mais cachassa, [64] misturão huma terça parte de mel com duas de agua, para se seguir o mesmo effeito; ou misturão mel, cachassa, e agua, porque estas cousas em si são indifferentes, e seguem-se os mesmos effeitos. Se succede algumas vezes estar a guarápa em ponto, e o alambique occupado, deitão agua na guarápa, para não passar, segundo dizem, e quando há occasião, vai para o alambique.

Nestes alambiques não há regra, cada hum tem os seus; porém nas fábricas mais modernas, o commum he, sèrem os chamados, tromba de elephante . Recebem o fogo pelo fundo, até huma terça parte da altura da cucurbita, ou caldeira; outros recebem pelo fundo, e pelas paredes, onde se pratica huma espiral, que acaba na chaminé. Todos tem serpentina de cobre, e já vi alguma de estanho, e nada de refrigerante. O primeiro liquido, que sahe pela serpentina, que he fleuma, he lançado fóra; e assim que principia a correr o espirito, vai para o recipiente, a que chamão balsa; esta cheia, he levada para a pipa, ou tonel.

A serpentina, que he huma espiral de quatro, cinco voltas, está firme n'huma grande tina cheia de agua, sempre quente, devendo ser bem fria.

Todo este trabalho he feito sem principios; se alguns se gabão de fazer muita aguardente, não he, porque saibão aproveitar, sim porque he feita á custa do Assucar.

[65]

Principios, que devem conduzir o Mestre Aguardenteiro.


He efficazmente demonstrado, que só a parte doce, ou assucarada de qualquer liquido, he que pela fermentação se póde mudar em vinho, de que se tira o espirito ardente. Esta mudança, que a fermentação faz, he em mais, ou menos tempo, segundo a densidade do liquido, quero dizer mais, ou menos assucarado.

Se he pouco doce, fermenta mais depréssa, e assim relativamente; de sorte que se chega a ter a consistencia de mel, não há fermentação, ou ao menos não he sensivel. Há tres especies de fermentação; fermentação espirituosa, fermentação acida, e fermentação podre, ou alcalina; ou antes, só há a fermentação podre, que passa pelos dois primeiros estados, de espirituosa, e acida. Quando hum liquido mucoso doce, pela fermentação se faz vinhoso, toda a parte assucarada he decomposta, e mudada em espirito.

Se não se aproveita no alambique, e passa á fermentação acida, he decomposto este vinho, e mudado em vinagre; se então vai ao alambique, sahe hum acido.

Se se deixa continuar a fermentação, e passa á alcalina, alcança o liquido hum cheiro detestavel, e pelo alambique sahe sómente alcali volatil, ou o producto das materias podres. Estas mudanças, ou decomposições, accelerão-se, ou retardão-se, segundo o maior, ou menor calor do ár, que he o principal agente da fermentação.

No gráo de frio, que géla a agua, não há [66] fermentação, ou ao menos não he sensivel; e o mesmo succede n'hum gráo de calor de sessenta gráos para cima, do thermometro de Reaumur, quero dizer, que a mão não póde supportar. Quando o calor da atmosphera, ou do lugar, onde se faz a fermentação, chega a dez gráos do mesmo thermometro, ella se estabelece, e se augmenta cada vez mais até aos trinta e cinco, que he o maximum; de trinta e cinco para cima, entra a enfraquecer proporcionalmente, até aos sessenta em que pára. Estes sessenta gráos para a fermentação são iguaes ao zero, ou gèlo de Reaumur. Nunca o gráo do frio no Rio de Janeiro póde impedir a fermentação, por ser o calor da atmosphera, de vinte a trinta gráos; e são raros os dias no Inverno, onde chega a quatorze, e nunca menos. Quando hum liquido entra em fermentação espirituosa, não a soffre ao mesmo tempo em toda a sua massa; já algumas partes tem fermentado, e vão passando a acidas, quando outras ainda não principiárão; o que faz precisar hum fermento, que excite o movimento em todas as suas partes, ao mesmo tempo.

Este fermento, a natureza o dá na espuma, e costra, que se fórma sobre hum primeiro liquido, que fermentou, que mesmo se póde desseccar para o uso.

Ajudando o calor da atmosphera tão poderosamente a fermentação, deve o Mestre Aguardenteiro impedir, quanto lhe for possivel, que com o gás, que se desprende do liquido, se não dissipem partes espirituosas; para o que ha de conservar os vasos, onde ella se faz, com pouca communicação com o ár; e em lugar de cochos, e abertos, sirva-se de pipas, e ainda melhor de dornas, com o [67] fundo largo, a boca estreita, com sua tampa, e nella hum pequeno furo, e de grandeza proporcionada aos alambiques. Deve ter tambem o maior cuidado, em determinar o seu trabalho de sorte, que não tenha mais guarápa que destilar, que os alambiques não possão vencer; e que he melhor, que estes esperem, que aquella, por não haver meio de impedir a sua depravação.

O ponto principal, donde depende toda a felicidade, ou o maior producto possivel da fermentação espirituosa, he, o saber conhecer precisamente o instante, em que a guarápa deve passar ao alambique. O signal infallivel, que designa este instante, foi descuberto por M. Gentil, Prior de Fontenet, e membro de muitas Academias, «O sabor, diz este grande homem, he huma qualidade, que he o objecto do gosto, e este sentido não póde enganar-se entre o sabor vinhoso, e o sabor assucarado; e como o cheiro vinhoso acompanha sempre o sabor vinhoso, he impossivel errar sobre a relação destes dois sentidos. Não he preciso suppôr estes sentidos bem delicados, e bem exquisitos, nem hum grande discernimento para fazer a distincção; todo o homem organisado, como o commum dos homens, distinguirá o sabor vinhoso, do sabor assucarado, com tanta facilidade, quanta poderia distinguir a côr vermelha, da côr verde.... O signal determinado, e infallivel, que designa de huma maneira invariavel, o momento, em o qual, a fermentação tem chegado ao gráo preciso, e a que he unida a maior perfeição de vinho; o momento, no qual o vinho não he assàs feito, e depois do qual vem a ser aspero, grosseiro; he o momento mesmo, onde, depois de muitas degustações [68] successivas, nas quaes temos sentido a diminuição do sabor assucarado. Este sabor, depois de se ter enfraquecido gradualmente, desaparece subitamente; então he o signal preciso, fixo, e seguro para se tirar o vinho da dorna: isto he huma ordem irrevogavel, que a natureza prescreve á arte, e que signala o momento fatal, a que he unida a perfeição deste liquor.... Fura-se a dorna no meio da altura, que occupa o liquor, e tapa-se com hum pequeno torno; logo, que a fermentação se estabelece, tira-se o torno, e deixa-se correr o liquor n'hum pequeno copo para o provar. Assim, que se percebe huma diminuição, marcada no sabor assucarado, e huma augmentação no sabor vinhoso, que são inseparaveis, deve haver cuidado na dorna, fazer a prova com frequencia, ter os vasos promptos para receber o liquor; e se o signal aparece no meio da noite, não differir para o outro dia o aproveitallo; esta noite segura huma recompensa, que deve fazer esquecer a necessidade do repouso. Este signal commum, he proporcionado á intelligencia de todos; he ainda identico, e invariavel, para hum mosto de excellente qualidade, como da mais mediocre; para huma grande quantidade de liquido, como para huma pequena; para huma fermentação viva, forte, tumultuosa, e prompta, como para huma fraca, lenta, etc. Ou seja o calor do ár proporcionado, ou intenso, sempre he o mesmo; he preciso sómente, se a fermentação tem sido mui rapida, ter mais cuidado na dorna, porque chega mais depréssa ao ponto, e he de maior prejuiso á passagem.»

Até aqui M. Gentil. Quando a guarápa indica este ponto, a costra, que a fermentação produzio, [69] está sobre ella; no tempo que gasta a desfazer-se, misturar-se com o vinho, dissipar-se o gás, que a sobrenadava para não apagar a luz, tem-se evaporado muito espirito, e outro tem passado a acido, pela fermentação acetosa, que immediatamente segue a espirituosa, porque a natureza não pára hum instante; e daqui se póde inferir, o quanto se perde, pela fórma de tomar o ponto, no estado actual.

Depois da boa fermentação com o seu ponto tomado a tempo, nada concorre tanto para huma boa distilação, como a abundancia de agua, na casa d'aguardente.

Se no refrigerante não corre sempre agua fria, para a condensação do vapor, e na tina da serpentina, para fazer cahir frio o liquor no recipiente, há huma diminuição incalculavel, na quantidade, e qualidade d'aguardente.

A falta de principios, nos fabricantes deste genero, não lhe deixa conhecer esta perda, porque lhe não he sensivel á simples vista. Olha-se com tanta indifferença para este objecto, que eu já vi n'huma fábrica, cujo dono não passa por ignorante, querer hum individuo tomar banho com a agua da tina da serpentina, suppondo-a fria, ou ao menos tepida; e, tirando a torneira, para lhe cahir no corpo, estava tão quente, que quasi levantou vessiculas. Considere-se, quanto espirito se dissiparia, sendo refrescado com agua neste estado.

Se o engenho he de agua, tem a tina da serpentina sua bica, porém tão pequena, que eu nunca vi, que a aguardente deixasse de correr com quentura. Á excepção de alguns engenhos, que tem ao pé huma pequena fonte, o commum he, [70] o ser a agua carregada ás costas, e ás vezes de bem longe. Era natural a lembrança de mandar abrir hum pôço, e com huma bomba tirar a agua que se precisasse, principalmente neste paiz, onde em menos de vinte palmos se acha a quantidade que se quer, porém só tenho visto hum; quando a despesa, que com elle se fizesse, bem paga ficava na primeira safra.

O que se vai dizer sobre o gráo de calor para a distilação, he theoria de Macquer, sobre a dos espiritos ardentes.

He huma verdade chymica, que a quantidade de fogo para a distilação, deve ser em razão da coherencia, ou apêgo das partes, que se querem fazer evaporar, aquellas, que são compostas de principios mais fixos.

Se se expõem á acção do fogo, compostos, que contenhão principios volateis, e principios fixos; os primeiros, rarificados pelo calor, procurárão separar-se dos segundos; e se o esforço que para isto fizerem, for superior ao seu apêgo, a separação terá lugar, e a evaporação se fará. Se se querem distilar substancias mui compostas, mui capazes de ser alteradas pelo calor, e que contenhão principios da maior volatilidade, taes como são muitas plantas cheirosas, os liquores espirituosos, e outros desta natureza, he preciso usar do alambique guarnecido de hum banho de maria, quero dizer, que o alambique não receba mais calor, que o que póde communicar-lhe hum vaso com agua fervendo, sobre a qual se assenta o mesmo alambique. Como na distilação que se faz no alambique, os vapores dos corpos volateis sobem verticalmente, e se condensão na sua parte superior, ou capello, esta sorte de distilação tem sido [71] chamada per ascensum . Podem fazer-se distilar mui commodamente desta sorte, todas as materias bem volateis, que possão subir ao gráo de calor, que não exceda o da agua fervendo; taes são os espiritos rectores, o espirito ardente, a agua, e todos os oleos essenciaes, etc.

O que se passa na distilação em geral, he mui simples, e mui facil de conceber. As substancias volateis, se fazem especificamente mais ligeiras, quando soffrem hum gráo de calor conveniente, reduzem-se em vapores, e se dissiparião debaxo desta fórma, se não fossem retidas, e determinadas a passar a lugares mais frios, onde se condensão, e tomão a fórma de liquores, se são dessa natureza. Como a distilação se faz sempre em vasos fechados, falta o concurso do ár exterior ás materias, que se levantão nesta operação, o qual he com tudo muito proprio para augmentar, e accelerar a subida dos corpos volateis. Mas póde-se dizer, que esta lentura, occasionada pelo defeito do ár, he antes util, que desavantajosa; porque em geral, quanto mais huma substancia volatil, que se separa da outra substancia mais fixa, se separa com lentura, tanto mais esta separação he exacta.

Por esta razão, quando se quer distilar, segundo as regras d'Arte, se he obrigado a conduzir a distilação de sorte, que a substancia volatil soffra só o gráo de calor necessario para a separar; e isto he sobre tudo indispensavel; quando não há grande differença no gráo de volatilidade dos principios dos corpos, que se querem decompôr pela distilação. Póde-se estabelecer, como regras geraes, e essenciaes á distilação; que se deve sómente applicar o gráo de calor necessario, para fazer [72] subir as substancias, que se devem destilar; e que a lentura he tão vantajosa, quanto a precipitação he prejudicial nesta operação, etc.

Comparando o que diz este grande Chymico, com a quantidade de fogo, que se atêa na fornalha do alambique, para distilar aguardente, parece impossivel, que entre tantos distiladores no Brasil, não houvesse ainda hum, que, abrindo os olhos da rasão, e guiando-se por ella, se afastasse da trilha dos mais, o que augmentaria consideravelmente a quantidade, e qualidade deste genero, sem ser á custa do Assucar, nem com a perda de huma immensidade de lenha. A fornalha, que se propõem desenhada na Estampa VII. , he a do mesmo Macquer, adoptada a esta manufactura.

Communica-se ao cinzeiro, por hum buraco de seis pollegadas de comprido, e duas de largo. O vão da chaminé, he de quatro pollegadas em quadro; a boca da fornalha tem hum palmo em quadro, e sua porta de ferro.

Na Estampa tem as paredes dos lados abatidas, para se ver a construcção por dentro, e o petipé faz conhecer as suas dimensões. O fogo se entretem, e modera da mesma sorte, que no bangué do Assucar.

[73]

Discurso sobre o alambique


Naõ há instrumento chymico, em que se tenha tanto trabalhado, como no alambique. Grandes homens tem buscado em todos os tempos a sua perfeição, e continuar-se ainda hoje este trabalho, prova que ainda não se achou. Parecerá temeridade, o arriscar eu as minhas idéas, depois dos maiores Chymicos terem fallado; porém lembra-me, que hum grande homem póde procurar huma cousa, e não a achar, e hum rustico, ou outro de intelligencia mui limitada, vêla. Tem-se usado de refrigerantes, e vio-se, que quando a agua desta bacia era fria, parava a distilação, e que só se restabelecia, quando alcançava huma certa quentura.

A rasão convincente deste facto he, que os vapores subindo á superficie interna do capello, e condensando-se repentinamente pela frieza, engrossavão muito, e pelo seu pêso cahião em gottas na superficie do liquido; e que a agua hum tanto quente, impedindo esta condensação tão prompta, permittia, que os vapores menos engrossados, se encaminhassem ao canal praticado na circumferencia do mesmo capello, para sahirem pelo seu bico.

Daqui se concluio, que os refrigerantes erão inuteis. Entrão agora as theorias. Huns, crendo, que a condensação se fazia na serpentina, fazem subir a ella o vapor por hum gargalo, em fórma de tromba de elephante ; outros modificão esta especie de tromba, e dão hum grande diametro á caldeira do alambique, com mui pouca altura; e [74] fazem principiar a serpentina com hum grande diametro, e acabar n'hum mui pequeno; outros, em fim, augmentão a superficie do capello; porém he geral em todos, o fazerem hum pescoço á caldeira, maior, ou menor, segundo a sua fantazia, e só Chaptal quer, que a caldeira seja hum cilindro perfeito, porém nada de refrigerante. Todos estes alambiques obrão com maior, ou menor proveito; e eu tenho visto distilar sem refrigerante, nem serpentina, o que me prova, que o contacto do ár no capello do alambique, tem bastante força para condensar o vapor; não se aproveita tanto, como com a serpentina, porém he pela dissipação do liquor, por sahir mui quente do bico do alambique. Sendo a evaporação em razão da superficie, e subindo os vapores perpendiculares, de que ninguem duvida, só Chaptal acertou, tirando o pescoço á sua caldeira, e fazendo-a cilindrica; porque a abobada abatida, que nasce das paredes da caldeira, até onde fórma o pescoço, exposta ao contacto do ár, condensa o vapor que nella toca, e a unica sahida que tem, he tornar para a caldeira; he por consequencia preciso mais tempo, e maior fogo, para que o vapor se enfie por este pescoço, segundo a maior, ou menor superficie que o ár toca, e o maior, ou menor diametro do pescoço, mais, ou menos longitude da superficie, onde se faz a evaporação, á parte onde, condensando-se, póde encaminhar-se á serpentina. O refrigerante he preciso, e indispensavel para huma boa distilação. Se a frieza da agua condensa mui promptamente o vapor, e as gôttas engrossadas são precipitadas na caldeira pelo seu pêso, he porque a abobada do capello, sendo muito abatida, não lhe dá huma facil correntesa; a que [75] eu tenho visto mais levantada, he a do capello de Baumé, que faz hum angulo de cincoenta gráos; ora hum angulo de cincoenta gráos facilita tanto a cahida, como a correntesa; ha de correr, e cahir indistinctamente; porém se este angulo for de sessenta e cinco gráos, por mais grossas que sejão as gôttas, tem mais facilidade para correr, que para cahir, e por consequencia, quanto vapor subir, tanto se aproveitará.

A caldeira do alambique, que se propoem, he hum cilindro de quatro palmos de altura, e quatro de diametro. O capello, que he de figura conica, deve ter de altura o diametro da sua base, tirado da superficie externa do canal, ou goteira, que acaba no bico, para fazer hum angulo de sessenta e cinco gráos.

Este capello deve ser de estanho puro, porque o espirito come o cobre; e para ficar mais barato, e mais duravel, póde ser o estanho ligado em partes iguaes com o zinco. Proximo á sua base, tem hum tubo de pollegada e meia de diametro, que huma tampa do mesmo metal fecha em rosca, pelo qual se introduz na caldeira o vinho para distilar; e he cercado de huma chapa de cobre, soldada na circumferencia, na parte, onde principia o calor, que se ha de introduzir na caldeira; cuja chapa fórma hum cilindro da altura do cone, e serve de bacia, para conter a agua que esfria o capello, onde se condensa o vapor, e o canal, que o conduz ao bico. Esta bacia, ou refrigerante, tem n'huma das paredes, proximo á sua base, hum pequeno tubo de pollegada de diametro, para dar sahida á agua, que continuadamente deve correr sobre a ponta do cone; e tambem dá passagem ao tubo, por onde se carrega de [76] vinho a caldeira do alambique. A caldeira tem seu tubo de descarga, para sahirem as fézes depois da distilação, cujo tubo deve fechar em rosca na caldeira, para, no caso de ser preciso tiralla, não desmanchar a parede da fornalha; porém que o tape hum simples torno. A. Veja-se a Estampa VII. Fig. I. A serpentina de oito linhas de diametro, em espiral de oito voltas. Eu não posso comprehender as rasões que se dão, para ella principiar com hum grande diametro, e acabar n'hum tão pequeno; creio, que a condensação do vapor se faz no capello, que a frieza d'agua, batendo nelle, a favorece prodigiosamente, e que a serpentina serve só de refrescar o liquor, para cahir frio no recipiente; ora este effeito consegue-se melhor com o pequeno, que com o grande diametro; porque a agua tem huma pequena columna de ár que esfriar, e toca o liquor de mais perto em todas as partes do canal. Se dou quatro palmos de diametro á caldeira do alambique, he para que o seu fundo seja de huma chapa de cobre inteira, e sem emendas; a altura, qualquer que seja o diametro, nunca deve passar de quatro palmos. Tambem, se o diametro for muito grande, fica incommodo o capello, por ser preciso levantar o cone em proporção: e eu não conheço fábrica, que, trabalhando bem, possa occupar sempre dois alambiques assim construidos.

Os alambiques, que contém pipa e meia, e duas pipas de guarápa, servem mais de ostentação, que de utilidade; o seu rendimento em espirito, não equivale, proporção guardada, ao dos mais pequenos. A materia da serpentina, merece a maior attenção, não deve ser de cobre, nem de metal com elle ligado; o espirito corroe o cobre, [77] dissolve o zinabre, e com a aguardente se engole hum veneno; eu bem sei, que o espirito o disfarça alguma cousa, e que he em pequena quantidade respeito á sua massa; porém o ser pouco, e sem os terriveis effeitos, que causa dissolvido pelos acidos, não impede, que ataque a economia animal, e pouco a pouco a destrua. Desejava que fosse de prata pura, sem liga alguma de cobre.

Os Artistas, que trabalhão em prata, tem mais pericia que os caldeireiros; podem fazer as chapas de prata com a grossura da folha de Flandres, reforçada; e, se lhe for mais cómodo, formar a espiral em poligono de cinco, ou mais angulos; o effeito he o mesmo. Esta despesa não he tão grande, que qualquer Senhor de engenho não possa com ella, e a duração excederá á da sua vida. Talvez haverá, quem tenha esta idéa por extravagancia, que a escarneça, e teime em usar de serpentina de cobre; porém o miseravel que isto fizer, se não for por ignorancia, merece a maior compaixão, por ter huma alma gangrenada pela avareza, que lhe faz olhar com despreso, para a saude, e vida dos homens. Quizera tambem, que o recipiente fosse hum garrafão, e nada de complicações, nem torneiras de chave, faceis de desmanchar, e difficultosas de concertar, porque me lembro das pessoas, que lidão nestas fábricas.

[78]

Ordem do trabalho para fazer aguardente.


Tres quartas partes de agua, huma quarta parte de mel, são lançados na dórna, a qual deve conter sómente, tanto desta especie de mosto, quanto caiba em dois alambiques, ficando elles hum palmo por encher. Deita-se neste mosto bastantes fézes de huma fermentação antecedente, que se mistura bem com todo o liquido; tapa-se a dorna, deixando aberto o pequeno furo da tampa, para a communicação do ár, e que a mesma dórna fique ao menos dois palmos por encher. Assim que principia a fermentação, prova-se o liquor, e continua-se a prova, até chegar ao ponto determinado por M. Gentil.

Ainda que o vinho neste ponto se considere claro, e se tire por huma torneira, que a dorna tem no fundo, não deve passar ao alambique, sem que seja por hum coador, para que não vão nelle partes grosseiras; porque estas, hindo ao fundo da caldeira, e recebendo o fogo immediatamente, queimão-se, e communicão ao espirito, o empireuma, ou gosto de queimado, que he indistructivel. Já se vê, que esta dorna deve estar n'huma altura tal, que o seu vinho possa correr por huma calha, que o lança no alambique pelo tubo da sua carga; em cujo tubo está hum funil de folha proporcionado, e neste funil he, que se deve pôr o coador. Como a fermentação se fez com pouca communicação com o ár, e o gás, que se soltou, e fugio do mosto, se conserva na mesma dorna, e causa promptamente a morte a todo o animal, que o inspirar, não, porque elle em si seja veneno, [79] mas porque, sendo incompressivel, e inelastico, o afoga, assim como a agua; deve haver todo o cuidado, para prevenir qualquer funesto effeito. Antes do vinho hir para o alambique, já o refrigerante deste está cheio de agua, assim como a tina da serpentina; cuja agua continúa sempre a correr n'huma, e outra parte, e a sahir pelos seus respectivos tubos, em quanto dura a distilação. Principia esta, lançando logo bastante fogo debaxo do alambique, para sahir a fleuma, que se despreza; e assim que entra a correr o espirito, modera-se o fogo, e entretem-se sòmente o que he preciso; havendo sempre a lembrança de perder antes por menos, que por mais, e que a lentura he tão proveitosa para a quantidade, e qualidade, quanto a precipitação he prejudicial. Assim que cessa de correr o espirito, ou corre sòmente, o que se chama agua fraca, tira-se o fogo ao alambique, e descarrega-se das suas fézes pelo tubo de descarga; muda-se a bica do refrigerante, e a da tina para cahirem dentro delle, e desta sorte ser lavado; e de dia, tira-se-lhe o capello, para se fazer este beneficio mais individualmente. Não fallo nas qualidades, que deve ter a aguardente para ser perfeita, porque he desconhecido neste paiz o areometro.

A forma de a escolher, he agitalla n'hum pequeno copo, e a maior, ou menor demora da espuma, que faz, he, o que lhe mostra a bondade; e qualquer que ella seja, toda tem sahida.

[80]

Sobre o tratamento do gado, e bestas.


Todos os animaes de serviço no Brasil comem no pasto; ainda se tivessem pastos abundantes, como há muito gado, e bestas baratos (porque estas nunca excedem a dezaseis, e os bois a oito mil reis) poderia supprir a quantidade, á qualidade, e força; porém não succede assim. Qualquer engenho tem cem bois, e quarenta bestas; como a moagem he no tempo da secca, e não há divisão de pastos, e estes forão feitos á trinta, cincoenta, e mais annos, e nunca renovados, a herva, ou capim, que nelles nasce, não tem substancia, o Sol a dessécca; e os animaes cançados, e inanidos vão aos brejos, onde vem alguma verdura, e com o capim, que póde ser-lhe util, engolem plantas venenosas, que os matão. Dizem que isto he peste, porém a fome he, que lhe faz comer, o que lhe he nocivo. Há annos, em que a mortandade he tal, que parão engenhos de moer. A este respeito, assim como de outros, a abundancia he que faz a miseria. Se hum boi custasse cincoenta mil reis, huma besta oitenta; vinte de huns, doze de outras, farião melhor serviço, sustentados com o cará, batata, mandioca, guandu, abobora, e outras muitas cousas, de que com curiosidade póde haver abundancia, sem contar a mansidão, que alcanção estes animaes assim tratados, podendo-se fazer delles, o que se quizer a qualquer hora. Ainda não vi hum curral calçado, nem cuberto; enterrados os bois até á barriga he o commum. Depois de passarem assim a noite, vão para o carro em jejum; trabalhão muitas horas, [81] sahem esfalfados, e a fome faz-lhe devorar o que encontrão. Tenho visto gastar horas a meter bois em carros, e bestas nas almanjarras dos engenhos; se estes animaes sahissem da estrebaria com a barriga cheia, hirião para o serviço mansamente, não haverião marradas, nem coices, o que evitaria accidentes que sempre há, além do adiantamento do trabalho, que a sua braveza estorva. Ao menos devera ser o campo dividido em quatro partes, passando o gado de humas para outras, não se demorar mais de dez dias em cada huma, e não entrar na ultima, de que sahio, senão depois de trinta, ou mais dias. Desta sorte teria tempo de crescer a herva, seria o seu succo melhor digerido, e por consequencia mais nutritivo para o animal. Se em lugar do pasto estar dividido em quatro, fosse dividido em oito partes, e que o gado se demorasse em cada huma só quatro, ou cinco dias, ainda seria melhor.

Talvez parecerá, á simples vista, esta multiplicidade de pastos divididos, superfluidade, porém he hum ganho real, porque, além de prosperar o gado extraordinariamente assim tratado, sendo as divisões com cèrcas vivas, podem servir os seus galhos para o fogo das fornalhas; e os mesmos pequenos pastos, reduzidos a terras lavradas, plantar-se nelles Canna. Os curraes serem calçados, e cubertos, e recolhidos nelles os animaes, que devessem trabalhar de noite, ou de madrugada, os quaes terião sua ração, não de olhos de Canna, sim dos fructos acima mencionados.

[82]

Cêrcas vivas, e mortas.


He notavel o serviço, que se perde em cêrcas, quasi continuado, e sempre insufficiente. Os moirões são da madeira, que se encontra, o mesmo as varas, amarradas a cipó, que antes de seis mezes apodrece. Se aparece algum bocado de cêrca viva, he para fazer conhecer a facilidade de se naturalisar em todas as partes, onde o seu uso póde ser util. Não há paiz, como o Brasil com tantas arvores, e arbustos, de que se possão fazer cêrcas vivas. As de limão, e cidra, são conhecidas, porém aparecem como amostra. Todos os páos brancos de casca leitosa, e grande miolo, pegão bem de estaca, e são de prompto crescimento. Todas as especies de figueiras bravas, são excellentes; com ellas em dois, ou tres annos, podem ficar as cêrcas impenetraveis, e o decóte annual, servir de lenha para as fornalhas. Plantem-se as estacas alinhadas na distancia de dez palmos, que fiquem na altura de seis. Cortem-se os pimpolhos, ou brotas, que nascerem para a parte de fora, ou de dentro, conservando as dos lados, ou comprimento da cêrca, nas quaes se prenderá algum pêso, para as fazer dobrar brandamente; quando cruzarem, faz-se huma ferida na casca das duas brotas, enxertão-se, e fazem-se firmes com hum pequeno espeque, assim como mostra a Figura I. da Estampa VIII. Mergulhão-se os galhos na terra, onde tomão raiz, e fazem a vista, que se mostra na Figura II. ; haja hum pouco de cuidado, e em poucos tempos se verá o effeito. As cêrcas assim feitas, hão de ser de arvores da mesma especie; [83] e de qualquer que sejão mesmo das fructiferas, podem servir, ainda que com mais demora.

Como há partes, onde as cêrcas vivas se faráõ impraticaveis; para se fazerem as cêrcas mortas com aceio, solidez, e sem perder muito tempo, quando se fizer alguma derrubada, devem torrar-se os páos de madeira firme, taes como de gorauna, ipé, e brasil, etc. no comprimento de doze palmos para moirões; e os páos de boa qualidade proprios para varas, no de onze. Quando os trabalhadores se recolhem do serviço, trazem estes páos, que depositão n'hum armazem. Em tempo de chuva, parte dos escravos falquejão estes moirões dos dois lados, ou os quadrejão; outros lhe fazem buracos, distantes por huma bitola de dois palmos, que passem de parte a parte, e cada moirão deve levar quatro, principiando de meio palmo da cabeça para baxo; e outros escravos proporcionão as pontas das varas, a caber nos buracos dos moirões até meio páo; cujos buracos não devem ter menos de duas pollegadas em quadro. Depois de haver huma boa provisão de moirões, e varas, querendo-se fazer qualquer cêrca, mandão-se fazer os buracos na terra alinhados, e na distancia de dez palmos livres, com dois e meio de fundo. Quando estiverem feitos, no acto de hirem os trabalhadores para o serviço, carregão as varas, e moirões, lançando estes cada hum em seu buraco; ficão só dois escravos endireitando-os, e firmando-os na terra. He visivel, que desta sorte tem as cêrcas outra duração. A Figura III. mostra os moirões, e varas.

[84]

Lenhas.


He quasi geral a falta da lenha nos engenhos dos suburbios do Rio de Janeiro; alguns já a comprão, e outros não tardaráõ a fazello. Nos campos dos Goitacazes, antes de dez annos pararáõ mais de ametade das fábricas á falta della. Se há paiz, onde isto se não devêra temer, he todo o Brasil, pela immensidade de arvores, que pegão bem de estaca, e em poucos annos alcanção a maior grandeza.

O cajá, o cabui, a mangueira, as figueiras, geralmente todos os páos brancos pegão com a maior facilidade.

Os pinheiros, que são espontaneos de serra acima, nascem bem de serra abaxo, semeando-se os pinhões de vez, e em poucos annos se fazem grandes arvores, que podem servir a infinitos usos. O guandu, ou hervilha de Angóla, arbusto, que tem a propriedade de nascer, e prosperar em toda a qualidade de terreno, mesmo no que se suppõem peior; depois de colhido o fructo, de Junho até Agosto, que he excellente legume, póde decotar-se pelo pé, operação de que carece, para a reproducção de outro; de cujas folhas são avidos todos os animaes herbivoros, e cujos troncos, e ramos, podem servir para as fornalhas.

Deve haver o cuidado de tirar as estacas para plantar, de hum terreno analogo áquelle, onde se devem plantar; se o terreno for sêcco, devem ser tiradas de sequeiro, e o mesmo, se for humido.

Ainda que haja mattos virgens, sempre as lenhas [85] se devem plantar; os páos de matto virgem fazem só brazas, e para as caldeiras, onde se precisa hum fogo activo, os ramos, os galhos são melhores; çapé mesmo feito em feixes, o bagaço da Canna, dão hum calor mais forte, que madeira dura, principalmente se he em grossos tóros, como se usa commummente. Talvez parecerá isto paradoxo a quem não tem idéa do como se queima em Portugal o tijolo, a telha, a cal, onde se emprega sómente tojo, carqueja, rama de pinho, e mattos carrasqueiros. As estacas, para plantar, tambem podem ser tiradas das raizes das arvores, fazendo-as de hum palmo de comprido, havendo o cuïdado de não ferir a sua casca, e de as plantar n'hum terreno bem estrumado; desta sorte não falhão.

Carros.


Ainda não lembrou a ninguem na Capitania do Rio de Janeiro, o fazer uso da carreta, em lugar do carro, sendo a vantagem tão visivel. As rodas do carro, tem o trilho de huma a duas pollegadas, com cinco a seis palmos de altura; o trilho das da Carreta, he de quatro a cinco pollegadas, com nove a dez palmos de altura. Ora n'hum paiz de caminhos não calçados, pantanosos, he infinitamente melhor a carreta, cujas dão tanta folga aos animaes, além de não se enterrarem tanto, e facilitarem o virar de hum para outro lado, sem forcejar no cabeçalho; custando menos na sua construcção, por haver maior quantidade de madeiras que lhe sirvão, não precisar tanto ferro, e mesmo se póde fazer sem elle; e onde dois bois puxão mais [86] sem tanta fadiga, que os seis do Carro. Devo lembrar, que os raios da roda da Carreta, não devem ser inclinados para fóra, como os das rodas de sege; hão de ser perpendiculares ao cubo, o que lhe conserva toda a fortaleza.

Capinas.


Hum dos objectos, que merece toda a atenção, e que dá grande trabalho aos Lavradores do Brasil, são as capinas, ou limpas das hervas gulosas, que pullulão extraordinariamente, e roubão a substancia destinada ás plantas, de que pretendem utilidade. A fórma de fazer esta limpa, he muito defeituosa; a enxada, de que se usa, não dá bastante expedição; o seu ferro fere a terra, formando hum angulo de mais de sessenta gráos, e não tem a propriedade de arrancar as pequenas raizes, sem a perda de muito tempo.

Em lugar da enxada, deve-se adoptar hum raspador, cujo ferro tenha seis pollegadas de alto, e doze de comprido, temperado de aço, e cortante; que tenha o cabo reforçado, e encavado de sorte, que na mão do obreiro faça formar ao corte hum angulo até quinze gráos. O trabalhador pega com a mão esquerda na ponta do cabo, e com a direita na altura a que chega, carrega sobre o mesmo; e tendo o corpo de perfil, com inclinação para a direita, balancêa-o para a esquerda, forcejando sobre o raspador, e faz arrastar o seu corte quasi dois palmos, e assim continua, sem nunca o levantar; parece, que desta sorte cortará mais capim, que dez enxadas. Para arrancar as pequenas raizes, se há precisão de o fazer, tem mais propriedade [87] hum ensinho, com seis dentes de ferro curvos, firmados n'hum grosso madeiro, onde prenda hum cabo reforçado; cujos dentes devem sobresahir até tres pollegadas, e serem afastados, huns dos outros, duas; he visivel, que arrancará mais raizes, que muitas enxadas. A Figura II. da Estampa VI. mostra o raspador. A Figura III. , o mesmo raspador visto de perfil com o seu cabo.

A Figura IV. , he o ensinho com dentes de ferro curvos para arrancar pequenas raizes.


[88]

NOTAS
QUE PERTENCEM A ESTA OBRA.




NOTA I. Pag. 4.


Na Provincia do Minho, e em outras partes, há muita uva, que não pode amadurecer, porque as cêpas são encostadas a arvores, cujas folhas impedindo, que a luz toque nos cachos, não se pode aperfeiçoar o seu succo, nem alcançar doçura, condição, sem a qual se não pode fazer vinho generoso.

Estas uvas são sempre azêdas, e o seu vinho quasi não tem valor, por aspero, e inexportavel. He enriquecer aos seus habitantes, e por consequencia ao Estado, o dizer a forma, porque podem fazer vinho generoso, e com todas as qualidades, que lhe adquirem grande valor, e exportação. O meio simples, innocente, e infallivel, para conseguir esta perfeição, he ajuntar ao mosto máo, antes da fermentação, huma certa quantidade de Assucar, maior, ou menor, segundo a qualidade do mosto; porém que nunca poderá exceder a huma arroba por pipa, por mais verde, que elle possa ser; e governar-se a fermentação, assim como se diz nos principios para fazer aguardente. Esta despeza ha de ser compensada com usura na venda do vinho, pelo excesso de verde, a maduro, e bom. Macquer chegou a fazer vinho de verjus, que he huma uva, que nunca amadurece, e se servem della em França para tempero acido, assim como nos nos servimos do limão. Fez tambem, com uva muito má, vinho liquoroso, vinho como o de Tockay, que he feito de uva muito doce, quasi em passa, simplesmente com a addicção do Assucar. Não he preciso, que o Assucar seja branco, basta o mascavado, e mesmo o mel, se houver em abundancia.




[89]

NOTA II. Pag. 7.


Boyle pesou huma pouca de terra vegetal, de que encheo hum caixão; depositou nesta terra huma semente de buxo, e a regava, quando era preciso.

Passados annos, pesando este buxo, achou, que tinha cento e tantas libras, e a terra só tinha diminuido algumas onças.




NOTA III. Pag. 9


A luz depura as emanações dos vegetaes, prepara com ellas o elemento, que respirão os animaes, e rehabilita o que a sua respiração tem corrompido; porque o animal inspira ár, e expira gás: o vegetal, pelo contrario, absorve gás, e transpira ár puro; porem este ár á sombra, e de noite, corrompe-se, se a luz o não purifica. A materia, que vive nos animaes, e nos vegetaes, tem huma dependencia absoluta da luz; ella tem a faculdade de penetrar os corpos que toca, produzir nelles calor, desenvolver o que tem no seu seio, e aperfeiçoar os seus succos. As plantas, que são privadas da luz, por muito juntas, ficão delgadas, as folhas, e as hastes de hum verde desmaiado, por consequencia enfermas, e sem darem o producto, que se devia esperar.




NOTA IV. Ibid.


O ar he absolutamente preciso para entreter a vida animal, e vegetal. Se he corrompido, se não se renova, os animaes, e os vegetaes padecem, deperigão, e morrem. Já se disse em a nota antecedente, que os animaes inspiravão ár, e expiravão gás; e que os vegetaes absorvião gás, e transpiravão ár puro. Esta troca reciproca, estabelecida pelo Author da natureza, he a que faz ser o ár, que se respira no campo, tão saudavel, e nocivo, o das grandes povoações.

[90] No campo há toda a facilidade para se fazer esta troca, que tanto se difficulta nas Cidades.

O gás, ou ár fixo, que os animaes expirão, e os vegetaes absorvem, he hum liquido incompressivel, que, não sendo misturado com sufficiente quantidade de ár puro, mata os animaes, que o inspirão, afogando-os, assim como faz a agua, ou qualquer liquido que nos seja visivel; porém elle se conhece so pelos effeitos, nas victimas que faz perecer, e não á simples vista.




NOTA V. Pag. 41.


Franklin navegando em frota na America do Norte, vio serem maltratados por huma tempestade, todos os Navios, e so dois novamente concertados, e alcatroados, sentirão muito pouco os seus effeitos. Vio tambem algumas gôttas de azeite lançado no mar, cuja reunião encheria apenas huma colher, temperar as ondas a mais de cem toezas, com huma celeridade de expanção tão maravilhosa, como a sua divisão; e que este effeito do azeite, ou qualquer oleo, principalmente do vegetal, era sobre tudo efficaz, para evitar o perigo dos mares encapelados. Todas as pessoas, que tem sentido no mar grandes tormentas, sabem, que os mares encapelados procedem de huma grande serra de mar, que agitado pelos ventos, forma huma horrorosa columna, a qual dobrando, ou encapelando, se por desgraça encontra alguma embarcação, seja ella a maior Náo, lançando-lhe dentro milhares de toneis de agua, a faz sossobrar. A pezar de ser Franklin quem isto diz, eu, que sabia o que erão mares encapellados, suspendi a minha crença, parecendo-me impossivel, que huma tão pequena quantidade de materia, fizesse cessar hum tão terrivel effeito: porém a primeira vez, que vi fazer Assucar, e que hum grande fogo lançado debaxo de huma caldeira, fazendo sublevar acima das bordas della alguns palmos o liquido, que continha, e que huma pitada de massa de Mamono, reduzia repentinamente este liquido á sua altura natural, lembrei-me logo da observação de Franklin, e ainda que eu não possa conceber o porque isto se faz; se huma pitada de massa de Mamono, que poderá conter apenas meio grão de azeite, e azeite crasso, he capaz de impedir a sublevação, e fuga do liquido de huma [91] caldeira abrazada, creio certamente, que algumas oitavas de azeite bem expansivel, tal como o de amendobi, de que há abundancia em Angola, lançado por huma seringa de delgado canudo, contra o maior mar encapelado, o reduzirá a onda simples, que não tem perigo de consequencias para os Navios.




NOTA VI. Pag. 69.



O ponto indicado por M. Gentil, he para se fazer o vinho da uva; porém como todos os mostos são compostos dos mesmos principios, com mui pequenas modificações, o que succede no mosto da uva, he commum ao da maçan para a cidra, ao da cevada para a cerveja, ao sumo, e productos da Canna de Assucar, para se fazer aguardente. A passagem da dorna, ou cuba para a pipa, com os acidos mineraes, para impedir a fermentação ulterior; como do vinho de Canna, ou guarápa, o que se pretende he aguardente, tambem he o ponto desta guarápa, passar ao alambique para a distilação.



[92]

EXPLICAÇÃO DAS ESTAMPAS.



ESTAMPA I.


FIG. I. Forma dos partidos para a Canna, com doze braças em quadro, e o mesmo de intervallo entre cada partido.

FIG. II. Quadrados longos, que fórmão tambem partidos, com menos intervallo.

FIG. III. Quadrados longos, com outra direcção. A agulha, que está no centro, he para mostrar o alinhamento, que devem ter os pequenos partidos, para a Canna ser plantada de Norte a Sul, e de Leste a Oeste.


ESTAMPA II.


FIG. I. A folha da enxada sem cabo.

FIG. II. A mesma enxada encavada.

FIG. III. O trabalhador com a enxada prompto a trabalhar.

FIG. IV. O mesmo trabalhador, trabalhando.


ESTAMPA III.


FIG. I. He a vista exterior da casa do engenho, tomada ao longo.

FIG. II. He a vista plana da mesma casa.

FIG. III. He a vista exterior da entrada da casa do engenho, que mostra tambem as varandas para picadeiros, e outras serventias.


[93]

ESTAMPA IV.


Mostra a fórma de moer Canna, pelo methodo que se propõem.


ESTAMPA V.


FIG. I. Mostra o bangué de tres tachas, com as paredes dos lados abatidas, para se ver o interior; e o fogo fazendo o seu effeito.

FIG. II. Mostra os dentes em prisma para o ensinho, vistos de topo, com a grossura, e fórma, que devem ter, e distancia de huns a outros; o mais escuro he a espiga, que deve entrar no madeiro, onde prende o cabo. A. e B. figura dos dezoito dentes do centro do mesmo ensinho. C. figura dos dois dentes, que devem fazer os lados.


ESTAMPA VI.


FIG. I. Mostra hum trabalhador, cavando com a enxada, como se pratica em França, Inglaterra, etc.

FIG. II. Fórma do raspador para as limpas, ou capinas.

FIG. III. O mesmo raspador de perfil, para mostrar a direcção, que deve ter encavado.

FIG. IV. Figura do ensinho, para arrancar pequenas raizes.

FIG. V. Mostra o balde de valvula trabalhando; a polé póde ser feita de taboas, assim como o sexto circulo, onde se vem os sinaes dos fuzelos, que sustem as duas cordas que prendem o balde, e tambem a corda, que levanta a valvula. O apoio da balança está em tres palmos, e o trabalhador puxa por huma alavanca de seis.

[94] FIG. VI. Pessa onde joga a polé, e que facilita o seu movimento para todas as partes.


ESTAMPA VII.


FIG. I. He o alambique na sua fornalha com o fogo acêzo. O refrigerante deixa ver a figura do capello, fazendo hum angulo de 65 gráos, e o petipé mostra as dimensões do alambique, e fornalha.

FIG. II. He a fôrma de Assucar, vista com a boca para cima.

FIG. III. He a mesma fôrma, deixando ver a abertura do seu fundo.


ESTAMPA VIII.


FIG. I. Faz ver como se fazem cêrcas vivas.

FIG. II. Mostra os ramos entrelaçados, e mergulhados na terra.

FIG. III. Mostra os moirões, e varas para as cêrcas mortas.

FIG. IV. He hum quarto circulo, para dar a conhecer, o que são gráos de elevação. Na linha horisontal do mesmo, se vem duas pollegadas, repartidas em linhas. Huma pollegada tem doze linhas, hum palmo tem oito pollegadas, hum pé tem doze pollegadas.



[95]

INDICE

DO QUE CONTEM ESTA MEMORIA.


Descripção da Canna de Assucar, segundo a vista que appresenta. Pag. 1
Como se cultiva actualmente a Canna de Assucar. 2
Notas sobre esta fôrma de plantação. 4
Theoria para a cultura da Canna de Assucar. 5
Como se deve cultivar a Canna de Assucar. 10
Vantagens desta fôrma de plantação. 16
Córte das Cannas. Ib.
Construcção dos engenhos actuaes. 17
Notas sobre esta fórma de construcção. 19
Nova construcção de engenhos 20
Sobre o movimento das moendas. 22
Comparação da roda vertical com a horisontal. 24
Preciso sobre a dentadura das rodas. 26
Como se moe Canna actualmente. 30
Notas sobre esta fórma de moer. 32
Nova fórma de moer. 33
Comparação da moagem actual com a que se propõem. 35
Descripção do que contém a casa de caldeiras actualmente. 38
Como se trabalha na fábrica do Assucar. 40
Notas sobre esta fórma de fazer Assucar. 44
Principios, que devem conduzir o fabricante de Assucar. 47
Preparo para manufacturar o Assucar. 50
[96]
Fórma de fazer a decoada. 53
Descripção, e proporções do Bangué. 54
Preparo do barro para clarificar o Assucar. 56
Methodo para trabalhar na fábrica do Assucar. 57
Como se trabalha na fábrica da aguardente. 63
Principios, que devem conduzir o Mestre Aguardenteiro. 65
Discurso sobre o alambique. 73
Ordem do trabalho para fazer aguardente. 78
Sobre o tratamento do gado, e bestas. 80
Cêrcas vivas, e mortas. 82
Lenhas. 84
Carros. 85
Capinas. 86
Notas. 88
Explicação das Estampas. 92

FIM.



Est. 1







Est. 3



Est. 4






Est. 6





Est. 8




Lista de erros corrigidos

Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:


Original Correcção
#pág. 24 hnm ... hum
#pág. 28 ou ou ambos ... ou ambos
#pág. 42 Quaudo ... Quando


A numeração das páginas foi alterada no índice de forma a corresponder à numeração real das páginas do livro original.