The Project Gutenberg eBook of Liga Patriotica do Norte

This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org . If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook.

Title : Liga Patriotica do Norte

Author : Antero de Quental

Release date : June 18, 2010 [eBook #32872]
Most recently updated: January 6, 2021

Language : Portuguese

Credits : Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
of public domain material from Google Book Search)

*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK LIGA PATRIOTICA DO NORTE ***

  

ANTHERO DE QUENTAL

ANTHERO DE QUENTAL

LIGA PATRIOTICA DO NORTE

BARCELLOS
Typographia da Aurora do Cavado
Editor— R. V.
1896

Tiragem apenas de 100 exemplares:

20 em papel de linho.

80 em papel d'algodão.

N.º___

O torpe e prepotente ultimatum de 11 de janeiro de 1890, apresentado ao nosso paiz pela Inglaterra, «a nossa fiel alliada» de tantissimos annos, medrada e engrandecida por essa alliança e desde que ella em má hora para nós começou, á custa de nossas riquezas, sob qualquer fórma que ellas constituidas e manifestadas, de modo que ao passo que com estas ella, a ilha ingrata, se foi opulentando, a passo igual foi o nosso paiz decahindo e resvalando do mais preeminente lugar, do zenith, entre as nações no inicio dos tempos modernos, para o mais infimo e humilde lugar, para o nadir, nos tempos presentes, esse torpe e prepotente ultimatum , terrivel guante de ferro levantado pela mais poderosa das nações, formidanda por suas riquezas, por seu poderio, por seus nenhuns escrupulos, sobre a cabeça da mais empobrecida e enfraquecida d'ellas, não tanto pela idade, como pelas depradações e traições de seus proprios filhos e de estranhos, abriu motivo apparente—e só apparente, para o maior numero, ai de nós!—para uma como reviviscencia e rejuvenescimento do nosso paiz, que, ferido em sua justiça e em seus brios, de um extremo ao outro de seus dominios, pareceu levantar-se, galvanisado pela dureza e brutalidade da affronta, decidido a conquistar no convivio e conceito das nações o posto a que o passado lhe dá incontestado direito, e a que a sua situação na Europa, e seus ainda vastos dominios em tres outras partes do mundo, lhe garantem jus .

Foi d'esse movimento vivo e unisono, e que se afigurara firme e duradouro, e por certo o seria, se não fosse trahido e contrariado pelos mais mesquinhos interesses, pelo mais miseravel egoismo, pelas mais feias e negregadas traições, que rebentaram espontaneas e vividas, entre outras muitas manifestações patrioticas, a subscripção Nacional e a Liga Patriotica do Norte, para presidir a cujos destinos, assumindo sua direcção, ninguem foi julgado mais competente e mais no caso de bem o fazer, pelos predicados de seu passado, de seu talento e de seu amor patrio e pela austeridade de caracter, do que Anthero de Quental.

Convidado para essa presidencia e direcção acceitou-as, e superintendendo na organisação dos Estatutos da Liga, chegou a crer e confiar nos destinos d'esta e em sua influencia benefica e decisiva para o levantamento do paiz, como bem o testemunhou no discurso que proferio em 7 de março d'esse anno de 1880 em sessão publica da Liga.

É esse discurso o transcripto em seguida.

Rodrigo Velloso

LIGA PATRIOTICA DO NORTE

Meus senhores: —Em primeiro logar, cumpre-me agradecer á assembleia geral da «Liga Patriotica do Norte» a honra que me fez, nomeando-me seu presidente. Esta honra considero-a no momento actual como a maior que um cidadão póde receber dos seus concidadãos. Espero fazer da minha parte para que a «Liga» me ache sempre á altura da confiança que o meu nome e os meus antecedentes lhe inspiraram.

Meus senhores, creio firmemente que a fundação da «Liga Patriotica do Norte» será a primeira pedra do edificio da restauração das forças nacionaes. Não será esta porém uma obra de momentaneo enthusiasmo, mas de aturada paciencia, de patriotica e esclarecida perseverança.

O protesto contra o insulto e a villania da Inglaterra, e o proposito de nos libertarmos da sua aviltante dependencia, implica um esforço viril e persistente para sermos de facto independentes, o que hoje não somos nem politica, nem economicamente. A subscripção nacional, brilhante movimento d'uma paixão nobilissima, será apenas o inicio d'essa obra de resurreição do brio e das forças do povo portuguez. Se precisamos de armamentos, precisamos todavia de mais alguma cousa do que simples armamentos.

A vida actual, para ser automona e independente, tem de ser remodelada. A nação tem de emendar erros profundos e numerosos, accumulados durante muitos annos de imprevidencia, de egoismo, de maus governos e de corrompidos costumes publicos. Esta situação é tanto mais grave, quanto gradualmente se foi estabelecendo entre a nação e os governantes um verdadeiro divorcio, divorcio ha muito latente e que a crise actual veio apenas patentear em toda a sua cruel realidade. Os governos, em Portugal, deixaram ha muito de representar genuinamente os interesses e o sentir da nação. Nem por isso, porém, a acção da «Liga» será revolucionaria. Pelo contrario, a «Liga» considera um tal divorcio como uma calamidade, e a sua acção tenderá a restabelecer a natural harmonia entre o pensamento nacional e o seu orgão, o Estado. Fóra das competições da falsa politica, que nos tem dividido e enfraquecido, mas por isso mesmo no terreno da verdadeira politica, que é a dos grandes interesses nacionaes, fóra dos partidos, porque superior a elles, a «Liga» fará ouvir aos poderes publicos a voz da nação: e essa voz persistente, firme e cheia de auctoridade obrigal-os-ha, por muito inveterado que seja o seu endurecimento, a converterem-se á sua verdadeira missão, que é a dos representantes e zeladores dos interesses da nação, e não só dos interesses materiaes, mas dos mais elevados, os interesses moraes, e entre estes preeminentemente o da dignidade nacional. A moralisação dos poderes publicos, tal é a primeira condição do renascimento e integridade da vida social portugueza.

Por outro lado a «Liga», filha da opinião publica, e inspirando-se n'ella, devolverá á sua inspiradora o seu proprio pensamento refundido, tornado claro, consciente e pratico. Todos os alvitres, que a opinião popular suggira, serão aqui estudados, revestidos, completados. D'elles sahirá um plano de emancipação economica, de restauração das forças productoras, de levantamento do nivel intellectual e de garantia e defeza da integridade nacional, plano de ordem, justiça e moralidade sociaes, que significará, ao mesmo tempo, a emenda dos passados erros e a esperança d'um futuro em que Portugal retome entre as nações civilisadas um logar digno das suas nobres tradições. Esse plano terá por certo a adhesão do paiz, que verá n'elle a expressão consciente do seu pensamento e das suas necessidades. A nação fal-o-ha seu e saberá impol-o aos governantes. Contra a vontade unanime do paiz não prevalecerão as artes corruptoras, com que uma oligarchia das menos escrupulosas, aproveitando-se do indifferentismo e desleixada tolerancia a que a nação se entregara, (reconheçamol-o com contricta sinceridade) como quem abdica do seu direito e dignidade, conseguiu apossar-se da alta administração e do governo, para nos conduzir, no fim de 30 annos de materialismo politico, á beira de um abismo onde nos encontramos.

Taes são, senhores, os altos intuitos da «Liga Patriotica do Norte». Resumindo-os, como acabo de fazer, cuido ter interpretado fielmente os vossos unanimes sentimentos. Sahida do vehemente movimento de indignação popular contra uma affronta que revelou á nação a sua propria fraqueza em face da arrogancia dos fortes, a «Liga» propõe-se dar a esse movimento um caracter permanente, disciplinal-o e alargal-o até ás proporções d'um programma de reforma nacional.

As garantias efficazes de defeza da sua integridade e de respeito da sua dignidade não póde a nação encontral-as senão n'uma profunda reforma da legislação e costumes. Radicou fundo no animo de todos este pensamento. Á «Liga Patriotica do Norte», assim como ás Associações congeneres, que sem duvida se vão formar por todo o paiz, cumpre agora tornal-o effectivo, dar-lhe fórma pratica e impol-o como a ideia directora d'uma era de renovação nacional. Por arduo e trabalhoso que seja este grande encargo, o patriotismo de todos os membros da «Liga» estará á altura d'elle.

Por amor d'este fim supremo, sacrificaremos todos no altar da patria intuitos e providencias particulares dissidencias, azedumes e suspeições, triste legado d'um tempo de mesquinhas luctas, que entibiaram ainda os melhores, e unidos n'um commum ideal, seremos fortes por essa união indissoluvel, tão indissoluvel, como a unidade da patria, cujo sentimento nos inspira a todos, sem distincções.

Terminarei, senhores, dando-vos conta dos meus actos, como presidente da «Liga Patriotica do Norte.»

Em primeiro logar, como presidente da vossa commissão encarregada de elaborar as bases do estatuto da Liga, esforcei-me por que esta nossa lei fundamental exprimisse com a maior clareza e da maneira a mais pratica o pensamento systematico e essencialmente popular e patriotico da Liga. Foi-me esse esforço tanto menos custoso, quanto encontrei na vossa commissão e em cada um dos seus membros luzes, dedicação e unidade de pensamento, posso bem dizel-o, completas. Reconhecereis tambem, que, apesar do nosso ardor, nos não era possivel desempenhar-nos do nosso encargo n'um periodo de tempo mais curto, se considerardes que a obra que nos incumbistes, além da sua complexidade, apresentava certos problemas delicados de organisação que precisavam ser attentamente estudados. Ella vos foi já apresentada, e ides julgal-a. Nada mais devo accrescentar a este respeito; senão que ella representa o melhor não só da nossa intelligencia como dos nossos sentimentos.

Em segundo logar, entendi do meu dever representar ao governo de sua magestade, em nome da «Liga Patriotica do Norte», e pelos motivos que todos conheceis, sobre a necessidade de ser retirado o exequatur ao consul inglez n'esta cidade. A vossa commissão installadora, por um voto unanime, adheriu a esta minha iniciativa. Não vos encobrirei, senhores, que redigindo aquelle documento a minha confiança na firmeza patriotica dos membros do actual governo, confiança que a todos os portuguezes deve, em principio, merecer qualquer governo portuguez, não podia ainda assim destruir completamente no meu animo certas apprehensões e como que um presentimento de que a nossa representação não seria coroada do bom exito. Eram-me bem conhecidas as circumstancias, umas mais antigas, outras actuaes, que reduzem quasi fatalmente os governos de Portugal a um estado de timida dependencia perante o governo inglez. Entretanto, além de que sempre se deve tentar o que é justo, animava-me um tanto a consideração da attitude energica e que eu não tinha rasões para não suppor patriotica, assumida pelo actual presidente do conselho de ministros, tanto no conselho de estado como na imprensa, logo ao rebentar do conflito anglo-portuguez.

Desgraçadamente, não eram mentirosos aquelles meus tristes presentimentos. A resposta do Presidente do Conselho á nossa representação, se attesta o empenho e bons desejos de S. Exc.ª em obter algum desaggravo para a dignidade nacional, dá ao mesmo tempo testemunho das insuperaveis difficuldades que rodeiam o assumpto, e é, para quem bem ler aquelle papel, uma lamentosa confissão da impotencia do Governo portuguez em face das arrogantes imposições do Governo inglez.

O Governo portuguez está inerme e coacto. É esta a cruel verdade. Convém que se diga bem alto e que todos d'ella se compenetrem. É tal actualmente a nossa fraqueza e dependencia, que o Governo portuguez não póde sequer conseguir esta cousa simplissima: a liberdade no uso do seu direito e a reparação, ainda moderada, d'um aggravo á dignidade nacional. O Governo inglez entende impôr-nos o seu consul insultador, e a nação portugueza tem de acceitar esta odiosa imposição. O governo portuguez, embora gemendo, nol-o dá sufficientemente a entender!

Ah, Senhores! quanto custa a um coração portuguez ter de reconhecer esta odiosa fatalidade! Mas devo reprimir os impetos da indignação, para só attender á voz austera e salvadora da razão. Sim, tenhamos a coragem de reconhecer essa cruel fatalidade, porque este reconhecimento será para nós salutar. Não recriminemos, não augmentemos ainda mais as funestas divisões que tanto nos têm enfraquecido. Saibamos antes tirar d'este facto desolador o ensinamento que elle contém. Comprehendamos por elle que o abysmo de fraqueza e humilhação, em que cahimos, é ainda mais fundo do que suppunhamos, e que para sahir d'elle precisamos redobrar de energia e patriotica dedicação. A desforra de tamanhas affrontas vem longe ainda mas será segura, se soubermos preparal-a com firmeza, união e perseverança.

A attitude que nos convém não é a do protesto violento e esteril: é a da concentração da vontade, applicando-se indefessa até conseguir, pela força e independencia reconquistadas, a desafronta, o socego e a dignidade. Se ainda fossem necessarias provas, esta ultima humilhação nos provaria quanto o pensamento da «Liga Patriotica» é único e salvador; quanto é necessario e inadiavel que unidos n'esse só pensamento, todos os Portuguezes trabalhem sem descanso pelo levantamento da nossa infeliz patria, hoje ludibriada e sem defeza. Coragem, paciencia e esforço: tal deve ser d'ora avante a nossa divisa. Se a seguirmos á risca, o futuro, um nobre futuro, digno do nosso nobre passado, nos recompensará amplamente pelos sacrificios do presente.