Title : A Vista Alegre: apontamentos para a sua historia
Author : Marques Gomes
Release date
: November 11, 2010 [eBook #34276]
Most recently updated: January 7, 2021
Language : Portuguese
Credits : Produced by Pedro Saborano
A VISTA ALEGRE
APONTAMENTOS PARA A SUA HISTORIA
POR
J. A. M ARQUES G OMES
SOCIO CORRESPONDENTE DO INSTITUTO DE COIMBRA
E DAS SOCIEDADES
DE GEOGRAPHIA DE LISBOA E PORTO
PORTO
T
YP.
C
OMMERCIO E
I
NDUSTRIA
22, Rua do Corpo da Guarda, 22
1883
{1}
A VISTA ALEGRE
APONTAMENTOS PARA A SUA HISTORIA
POR
J. A. M ARQUES G OMES
SOCIO CORRESPONDENTE DO INSTITUTO DE COIMBRA
E DAS SOCIEDADES
DE GEOGRAPHIA DE LISBOA E PORTO
PORTO
T
YP.
C
OMMERCIO E
I
NDUSTRIA
22, Rua do Corpo da Guarda, 22
1883
{2}
{3}
AO SENHOR
Duarte Ferreira Pinto Basto Junior
{4}
{5}
A menos de dois kilometros de Ilhavo e sobranceira ao braço da ria de Aveiro, que liga a chamada Calle da Villa com o Bôcco, fica a Vista Alegre. Quadra bem este titulo á risonha povoação em que um dos homens mais prestimosos e emprehendedores que Portugal tem conhecido no presente seculo, veio fundar a fabrica de porcelanas, que do local toma o nome.
A Vista Alegre como povoação em si, tem tambem como o importante estabelecimento que a tornou conhecida tanto no paiz como no estrangeiro, uma historia sua de quem a lenda por mais d'uma vez se apossou já, deturpando-a.
Não nos cançaremos em lhe procurar a etymologia pois é fóra de duvida que o nome lhe proveio do formosissimo panorama, que a contorna, moldurando-lhe o rosto gentil. {6}
Anteriormente á fundação da fabrica, a Vista Alegre não tinha fóros de povoação, era uma quinta apenas. Um templo formosissimo e uma casa modesta que servia de habitação aos proprietarios da quinta, eram os unicos edificios, que ali existiam, e isto ainda no primeiro quartel do seculo XIX .
A fundação d'um tão bello templo, como é o de Nossa Senhora da Penha de França, n'um sitio tão ermo, como era a Vista Alegre, fez com que muitos principiassem a architectar romances mais ou menos verosimeis. Imaginaram-se desterros e deportações, e bem assim fofo ninho de criminosos amores d'um prelado illustre com uma dama de elevado nascimento e freira professa n'um dos conventos de Lisboa.
Não longe da Vista Alegre, a um kilometro para o sul, fica o antigo logar da Ermida, villa e concelho até 1834 a quem D. Manoel deu foral em 8 de junho de 1514. N'esta povoação houve um praso, cuja origem data de seculos, tendo por cabeça uma grande quinta denominada o Paço da Ermida. Este praso e quinta andava no senhorio dos Mouras Manoeis, familia muito illustre, pois trazem a sua descendencia de D. Branca de Sousa, filha de Lopo Dias de Sousa, grão-mestre da Ordem de Christo.
Alguns escriptores teem confundido a quinta da Ermida com a da Vista Alegre, e affirmado que foi seu proprietario o bispo de Miranda, D. Manoel de Moura Manoel.
Nem a quinta da Vista Alegre já foi conhecida por quinta da Ermida, nem tão pouco aquelle prelado foi dono de qualquer d'ellas.
É fóra de duvida que D. Manoel de Moura Manoel vinha frequentes vezes passar alguns dias e ás vezes, {7} mezes até, á quinta da Ermida, que conjunctamente com o praso do mesmo nome pertencia a seu irmão primogenito Ruy de Moura Manoel. Durante a sua estada aqui, travou relações com o proprietario da quinta da Vista Alegre, o Dr. Manoel Furtado Botelho, relações que se foram tornando cada vez mais intimas de sorte que passados annos edificou em terrenos dependentes da mesma quinta a Capella de Nossa Senhora da Penha de França.
Por morte de Ruy de Moura Manoel, passou a quinta da Ermida para seu filho Rodrigo de Moura Manoel, que tendo casado com D. Rosalia da Silva, filha de Luiz Lobo da Silva, governador e capitão general de Angola morreu sem successão, pelo que os seus bens passaram para suas irmãs. A Ermida pertenceu a D. Maria Maximilianna, casada com Jeronimo de Castilho. Por morte d'este, ficou sendo senhor d'ella seu filho Jeronimo Antonio de Castilho que conjunctamente com sua mulher D. Joaquina Izabel Freire de Castro, a vendeu por escriptura lavrada nas notas do tabellião da então villa de Aveiro, Manoel de Sousa Bastos em 15 de janeiro de 1727, a Zeferino Rodrigues Caudello. Em 17 de março de 1812 fez venda da mesma quinta ao snr. José Ferreira Pinto Basto, D. Bernarda Thereza Umbelina Caudello de Maviz Sarmento, néta do referido Zeferino Rodrigues Caudello.
O proprietario da quinta da Vista Alegre Dr. Manoel Furtado Botelho, tendo fallecido em 9 de setembro de 1733, dispoz dos seus bens como se vê da parte do seu testamento que passâmos a transcrever do livro dos obitos da freguezia de Ilhavo, no anno de 1733: «que seria sepultado na capella de Nossa Senhora da Penha de França, e deixava entre outras missas, {8} cincoenta pela alma do seu amigo o snr. Bispo que foi de Miranda. Instituia por sua universal herdeira D. Theodora de Castro Moura Manoel, de seus bens, e que esta poderia vender d'elles o que lhe parecesse para dividas e ser freira sem constrangimento de pessoa alguma nem justiça alguma lhe tomaria conta, nem lhe fariam inventario; e os bens que ficassem por sua morte d'ella, iriam ao usufructo do seu testamenteiro o padre licenciado Domingos Ferreira da Graça, cura de Ilhavo, e por morte d'este a Nossa Senhora da Penha de França da Vista Alegre, que entrando na posse seria obrigada a fabrica da capella a fazer uma festa á dita Senhora em 8 de setembro de cada anno, da qual o capellão daria contas ao Dr. Vizitador.»
Não foram, ao que parece, totalmente cumpridas as disposições do testador, pois é certo que os seus bens tiveram um destino muito differente do que o que lhe havia marcado.
D. Theodora de Castro Moura Manoel era como o proprio nome o indica filha do bispo de Miranda, a quem pertencia tambem o appellido Castro pois o houve de sua mãe, D. Maria de Castro. Aquella senhora, destinada segundo parece para a vida claustral, não tomou o habito, nem tão pouco chegou a casar, mas teve um filho, a quem deu o nome de seu pae, d'ella, Manoel Pereira de Moura Manoel, que ordenando-se foi abbade da freguezia de S. Romão de Guimarães.
O appellido Pereira , do mesmo modo que o de Castro era tambem pertença do bispo, pois era segundo neto de João Rodrigues da Costa e de sua mulher D. Isabel Pereira .
O abbade Manoel Pereira de Moura Manoel morreu ainda em vida de sua mãe, mas não sem deixar {9} successão, pois teve uma filha de D. Clara Maria de Barros, natural de Gondar, no concelho de Guimarães, D. Josepha Caetana de Castro, que casou em 20 de novembro de 1748 com o capitão Manoel Alvares Brandão, de Santa Marinha de Taboa, no bispado de Coimbra. D'este consorcio nasceram duas filhas e um filho que todos foram baptisados na egreja de S. Salvador de Ilhavo, a cuja parochia pertence a Vista Alegre.
D. Theodora de Castro Moura Manoel falleceu em 1767, sendo sepultada na capella de Nossa Senhora da Penha de França, quaes porém as suas disposições testamentárias se as deixou, são desconhecidas.
O testamenteiro do dr. Manoel Furtado Botelho, o padre licenciado Domingos Ferreira da Graça, para quem devia passar o usufructo da herança que aquelle havia deixado a D. Theodora de Castro Moura Manoel, sobreviveu ainda a esta, pois só falleceu em 7 de maio de 1772, mas se elle usufruiu ou não a herança é que é ponto muito duvidoso, sendo certo porém que tal herança por venda ficticia ou por outro qualquer meio, nunca chegou a pertencer á fabrica da capella de Nossa Senhora da Penha de França, pois passou para o capitão Manoel Alvares Brandão e d'este para seus filhos, um dos quaes Alexandre de Castro Brandão, que foi capitão-mór de Cantanhede, vendeu em 1815 a quinta e capella da Vista Alegre ao snr. José Ferreira Pinto Basto.
Esboçamos a historia da Vista Alegre, agora resta-nos reunir aqui alguns apontamentos biographicos do fundador da capella de Nossa Senhora da Penha de França e fazer uma descripção ainda que rapida da mesma capella.
D. Manoel de Moura Manoel nasceu em Serpa, {10} sendo seus paes, Lopo Alvares de Moura e D. Maria de Castro. Filho segundo d'uma casa vinculada como era a sua, e não querendo seguir a carreira das armas, abraçou a que lhe restava, segundo o seu nascimento—a ecclesiastica. Seguindo os estudos superiores na Universidade de Coimbra, doutorou-se em Canones, e na qualidade de oppositor a uma das cadeiras d'esta faculdade, foi eleito collegial do Real Collegio de Paulo em 28 de julho de 1638, sendo reitor do mesmo o dr. Ambrosio Trigueiros Semmedo.
Em 17 de dezembro de 1660 foi nomeado conego doutoral da Sé de Lamego, d'onde passou para a de Braga por promoção que obteve no 1.º de maio de 1666.
Nomeado deputado da Inquisição de Évora passou para Inquisidor da de Coimbra em 13 de outubro de 1663, e a deputado do Conselho Geral do Santo Officio em 13 de abril de 1674.
Eleito em lista triplice para reitor da Universidade, foi provido n'este logar por el-rei D. Pedro II , em 23 de agosto de 1683, que o nomeou por essa occasião sumilher da cortina. Havendo prestado juramento em 16 de novembro daquelle anno, governou a Universidade até o 1.º de fevereiro de 1690 em que foi eleito o seu successor D. Nuno da Silva Telles.
Durante o seu reitorado residiu por differentes vezes em Lisboa, principalmente nos annos de 1688 e 1689.
Escolhido para bispo de Miranda em 28 de abril de 1689, foi sagrado em outubro do mesmo anno na egreja parochial de Nossa Senhora dos Anjos de Lisboa, pelo cardeal D. Verissimo de Lencastre, sendo {11} assistentes D. Fr. Luiz da Silva, bispo da Guarda, e D. Simão da Gama, bispo do Algarve.
Fazendo jornada para as Caldas de S. Pedro do Sul, adoeceu gravemente nos Ferreiros, proximo a Vizeu, e ahi falleceu em 7 de setembro de 1699. Durante a doença foi-lhe enfermeiro sollicito o bispo d'aquella diocese, D. Jeronimo Soares, que assistiu tambem ao seu funeral e ordenou que fosse sepultado na capella-mór da egreja d'aquella freguezia, d'onde as suas cinzas foram trasladadas para a Vista Alegre em 1706.
Ignora-se o anno em que D. Manoel de Moura Manoel mandou edificar a capella de Nossa Senhora da Penha de França, mas ainda assim parece não haver duvida que foi já depois de estar bispo em Miranda.
É de bello aspecto a frontaria do templo, avistando-se a algumas leguas de distancia os corucheus das suas duas torres. O interior não é menos elegante. As paredes do corpo da capella são forradas d'alto a baixo de bons azulejos, todos coevos da sua fundação—fins do seculo XVII ,—é a aboboda ornatada de boas pinturas a fresco. Tem dois altares lateraes de boa talha dourada, dedicados ambos á Virgem, sob a invocação do Rosario e da Conceição. O retabulo e altar da capella-mór são trabalhos primorosos em fino marmore de Italia.
Embebido na parede da mesma capella e do lado da epistola, está o tumulo do fundador, fabricado primorosamente de granito de Ançã.
A urna funerária é sustentada por tres leões de farta juba, que parecem prestes a ser esmagados pelo seu peso.
No centro da urna, levantado em alto relevo, está {12} um escudo oval partido, com as armas dos Mouras Manoeis, tendo por timbre um chapeu episcopal.
Sobre ella está a figura do bispo, de vestes prelaticias, meia deitada, com a mão esquerda sobre o peito e a direita estendida com que a apontar para o Tempo, que está ao fundo sobraçando o panno mortuario que deve cobrir o sarcophago.
A execução é primorosa, conhecendo-se até nos mais pequenos lavores o primor do cinzel que o trabalhou.
O povo rude das aldeias visinhas, acredita que tal obra não podia ser executada por mãos de homens, e por isso attribue-a ao diabo, creando uma lenda que o snr. Brito Aranha reproduziu já no seu bello livro Memorias historico-estatisticas de algumas villas e povoações de Portugal .
O nome do esculptor Claudio de Laplada cahiu com effeito no olvido, de sorte que o forasteiro, que visitando a Vista Alegre perguntasse quem havia feito o tumulo do bispo, recebia sempre em resposta aquella lenda.
Fronteiro a este tumulo, está um outro, muito mais modesto, sem duvida, mas ainda assim digno de ser apreciado, como obra que é do mesmo artista. Sobre uma urna funeraria, onde se vê tambem um escudo, com as armas dos Castros, está sentada uma figura de mulher sustentando na mão esquerda um baixo relevo, representando uma cabeça de freira, allusão sem duvida á vida monachal que o bispo desejava que sua filha D. Theodora de Castro Moura Manoel abraçasse, pois era, como as treze arruellas dos Castros do escudo o indicam, para ella destinado o moimento. {13}
Por debaixo d'este tumulo e por tanto fronteiro ao do bispo está uma grande lapide de marmore branco, tendo gravada a seguinte inscripção latina:
Deo opt.º Max.º
Deiparae virgini
Diei ultimae
Supremo Judicio Supremus Judex:
Rectrici universi Rector universitatis:
Episcopo animarum Animosus episcopus.
In
Mortis asylum, voti titulum, gratitudinis
tropheum,
Hoc templum, hanc aram, hunc tumulum
dedicat sacrat signat
Ill.
mus
et R.
mus
Dõnus
D. Emmanuel de Moura Manuel
Qui
A B. Ferdinando Castellae Rege progenitus,
sanctorum soboles, electum genus est:
Armis et literis, ordine, et cursu manens,
stella micans, et dimicans fuit:
Aulae supernae cum Pontificibus ascriptus
simili gloria sacerdos Christi erit.
Favente natura, comite, virtute, auxiliante
gratia.
Cui
Ortum dedere Serpae ter maxime conjuges
Lupus Alvares de Moura,
commendator de Trancoso,
Trium Ecclesiarum Patronus, Trium
maioratuum Dõnus
Et D. Maria de Castro
{14}
Ex Imperiali Emmanuelium stirpe pari
nobilitate decorata.
Quem
Serenissimi Portugaliae Reges
Destinarunt caducco, Selegerunt consilio:
Sancti Officii Tribunal
Judicem habuit Deputatum Inquisitorum
dignissimum:
Academia Conimbricensis
Collegam educavit, Rectorem coluit.
Ecclesiae Luzitanae
Canonicum nutrierunt alumnum, et sponsum
receperunt Episcopum.
Tot gradus Providentia Supponente,
Ut meritis augeretur, quod sanguini
debebatur.
Cujus
Magnutudinem Integritatem Sapientiam
Multiplex fama loquitur,
Ipsa Juvidia fatetur,
Hoc opus salamonicum testatur.
Quo
Arca coronata, suffulciens, Propitiatorium,
Custodit miraculosum simulachrum
Virgae Virginis quae rupit rupem.
De cujus nativitate, quam celebrat, gaudens,
Sub cujus umbra, quam desiderat, sedens,
Zoculo fecit locum;
Munimentum construxit monumento.
Herculeas columnas, vel potius Machabaicas,
Saxeas fixit, non terreas finxil,
Ut viderentur ab omnibus navigantibus mare:
Non plus ultra.
{15}
Hujus tanti viri si effigiem quaeris,
Inspict utrumque antrum:
Franci—hispanicum scilicet, et
Bethlemiticum.
Quibus
Ut simon dormit; ut Pastor vigilat;
Immo etiam vigilat, cum dormit;
Nam illic spiritus inter vigiles associatur
Caelesti militiae,
Dum hoc corpus, virginis protectione securum
Requiescit in pace.
Hoc Epitaphium insculptum Fuit anno
Domini 1697.
TRADUCÇÃO
Ao Deus Omnipotente
Á Virgem Mãe de Deus
para o ultimo dia.
Juizo supremo
Moderador do Universo
Bispo das almas.
Supremo Juiz
Reitor da Universidade
Bispo animoso
Para
Asylo na morte, satisfação d'um voto
monumento de sua gratidão
dedica este templo, consagra este altar;
erige este tumulo
{16}
o Ill.
mo
e Rev.
mo
Snr.
D. Manoel de Moura Manoel,
a quem
O sangue do bemaventurado D. Fernando
Rei de Castella
Communicou as virtudes d'uma raça d'eleições
nunca desmentidas:
—nas armas, nas letras, na gerarchia;—
no progredir
Astro de brilho constante,
Inscripto entre os Pontifices na superna
Curia partilhara similhante
gloria no sacerdocio de Christo:
Não lh'o nega a natureza; acompanha-o
a virtude, auxilia-o a graça.
Viu a luz em Serpa
gerado dos preclarissimos esposos
—Lopo Alvares de Moura—
Commendador de Trancoso,
Padroeiro de tres Egrejas e Senhor
de tres morgados,
e—D. Maria de Castro—
descendencia não menos illustre:
da familia imperial dos Manoeis.
Os Serenissimos Reis de Portugal
destinaram-o para o Caducco, e elegeram-o
para o seu Conselho;
O Tribunal do Santo Officio
no cargo de Juiz deputado o possuiu como
lustre de inquisidores.
A Academia Conimbricense
houve-o por collega, e o recebeu
por seu Reitor.
{17}
As Egrejas de Portugal
o occuparam no tirocinio de Conego,
venerando-o depois como Bispo.
Permittiu a Providencia quando passasse por
estas provas, para que adquirisse
pelos meritos o que ao sangue era devido.
A fama sem descanço apregoou
a sua magnanimidade, inteireza, sabedoria, e
mesmo a inveja isto confessa;
e testemunha-o esta obra Salomniaca
em que
qual arca curvada, para abrigo, Propiciatorio,
se venera a miraculosa imagem
da vara da Virgem, que fende a rocha,
Em honra da sua natividade, que celebra
jubiloso levantou grande monumento
em pequeno recinto, esperando
repousar á sua sombra, porque aspira.
N'elle
Construiu para defesa do monumento
Columnas d'Hercules ou antes Machabaicas
fortes, e não frageis;
[1]
para que todos quantos correm o mar
saibam
que se não pode passar além.
Se desejas conhecer o retrato de tão
illustre varão, busca-o nas duas grutas,
na franca hispanica e na bethelemica.
Se
n'ellas como Pedro dorme, está vigilante
{18}
como pastor;
ou antes seu somno é a vigilia;
pois além se associa á celeste milicia entre
os vigilantes espiritos,
aqui o seu corpo está sob a guarda da Virgem,
Repousa em paz.
Este epitaphio foi feito no anno
de Christo de 1697.
[1] Refere-se ás torres da capella.
Um outro monumento antigo da Vista Alegre, é a fonte do Carapichel, hoje quasi soterrada, mandada construir em 1696 pelo bispo D. Manoel de Moura Manoel, e notavel pela sua fórma e excellente agua, e muito principalmente por uma inscripção em caracteres gothicos e que é a que passamos a transcrever:
«Esta fonte, ó navegante,
cuja liquida corrente
cristaes prodiga desata
attenções vistosa prende.
Esta nympha que ao Vouga
só em leguas mais de sete
adoça as aguas salgadas,
feita Nayade ou Nereide.
Esta agua que o bem commum
á vara liberal deve
de um sabio pastor sacro
militar, juiz, regente.
Esta veia cuja origem
a do Paraiso excede;
pois da casa da Senhora
mais bem nascida descende. {19}
Contém todas as virtudes
das fontes mais excellentes
e dá remedios á vida
depois de dar morte á sede
se a frequentas por agrado.
«Sendo aos narcisos enfeite
é das graças Natalis
e das musas Hippocrene
e Aratuhsa de Alpheo
mas por modo differente:
pois de um rio a outro rio
aquella foge, esta segue.
Egeria de melhor Numa
que magnifico e prudente
na arca o numero invoca
no tanque a prata dispende.
Biblis que, sem culpa, ao rio
irmão por parte de Thetis
murmurando a esquivança
vae abraçar docemente.
Fonte emfim do sol contigua
ao templo de Deus dos Deuses
contra a calma a fonte fria
para o frio fonte quente.
Se a buscas por medicina
é qual a de Circe ou Séthys.
«Fonte que as doenças cura
cristal que a vista esclarece {20}
iguala a fonte de Marsyas
com benéfica antitheses:
pois se aquella pedras cria
est'outra pedras derrete.
Não se turba com as vozes,
antes para que a celebrem,
sarando-as como a de Samos
as louva como a de Eleasis.
Ao que estuda suas margens
activa a memoria sempre
como a fonte de Beocia,
opposta ao curso de Lethes.
A quem da fonte Salmacis
bebeu as aguas ardentes
esta agua banhando as fontes
livra do amor, qual Seleno,
e quando perdido abrindes
achas no Vouga ou heyncestes
esta qual fonte de Erigon
«faz com que o vinho aborreces.
Se por devoção visitas
sua affluencia perenne
é choro com que olhos pios
na capella á Virgem servem.
É fonte de Jerichó
que as plantas da rosa vestem
e que outro Eliseu com Moura
fez suave, lenta e fertil.
É fonte prophetisada se tanto póde dizer-se {21}
pois sae do templo santo
e vae regando a torrente.
Do mar de graças Maria
o rio e fonte procedem
mas lá junto á lapa mana
cá da mesma penha desce.
Bebe, pois, bebe á vontade
acharás que é (muitas vezes)
tão util para a saude
quão para a vista alegre.»
Historiamos ainda que a largos traços a historia da Vista Alegre e fizemos a descripção dos seus monumentos antigos, agora é mister que nos occupemos da sua historia moderna e do importante estabelecimento que a fez florescer e tornou conhecida no mundo da Arte.
Os portuguezes que haviam sido os primeiros povos da Europa, que introduziram a porcelana oriental no commercio do Occidente, foram quasi que os ultimos a ensaiarem o seu fabrico. Datam apenas do ultimo quartel do seculo XVIII estes ensaios, realisados em Lisboa pelo brigadeiro Bartholomeu da Costa e no Rio de Janeiro, pelo professor regio, João Manso Pereira.
Parece que as experiencias de Bartholomeu da Costa para obter a porcelana dura, foram feitas na antiga fabrica do Rato, empregando como materia prima, differentes barros explorados nas visinhanças de Aveiro. {22}
Ignora-se hoje quaes seriam estes barros, não obstante o affirmar-se, não sabemos com que fundamento, que foi o de Talhadella, concelho de Albergaria. O que é certo porém é que no arsenal do Exercito em Lisboa, quando se estudava o melhor systema de fundir a estatua de El-Rei D. José I , se reuniu uma importante collecção de barros de differentes pontos do paiz, contando-se n'este numero o de Talhadella, que foi o preferido para a edificação do forno onde se deluiu o metal.
As qualidades refractarias d'este barro eram conhecidas já então, pois havia annos antes que um chimico francez,—Drout, o havia descoberto, fazendo até com elle magnificos tijolos refractarios, para o que estabeleceu um forno nas proximidades d'Aveiro, segundo affirma Raton.
Dos resultados obtidos por Bartholomeu da Costa para o fabrico da porcelana, são hoje apenas conhecidas uma medalha representando em relevo a estatua equestre do Terreiro do Paço, e uns camafeus com o busto de D. Maria I . Tanto aquella, como estes, são copias de medalhas abertas em 1775, por um dos nossos mais notaveis gravadores e illustre filho d'Aveiro—João de Figueiredo.
Depois d'estas tentativas para obter uma verdadeira porcelana outras se fizeram em Coimbra, mas sem melhor, ou nem mesmo igual, resultado, até que o snr. José Ferreira Pinto Basto, estabeleceu um pequeno laboratorio chimico no jardim do seu palacio do largo das Duas Egrejas em Lisboa, isto em 1820 ou 1822, afim de descobrir barros com os requisitos necessarios para fabricar porcelana.
Parece que quem incutiu no animo esclarecido {23} d'aquelle benemerito patriota esta ideia foi o general José Pedro Celestino Soares, que possuia alguns dos produtos obtidos por Bartholomeu da Costa.
Foram, segundo consta, pouco animadores os resultados agora obtidos pelo snr. José Ferreira Pinto Basto, mas como o seu animo emprehendedor não tolerava peias nem tão pouco afrouxava perante qualquer contrariedade fosse ella qual fosse, resolveu proseguir as experiencias iniciadas, fundando desde logo uma grande fabrica.
O local aprazado foi Aveiro, e isto por a tradicção indicar como sendo d'aqui o barro de que Bartholomeu da Costa obteve a sua chamada porcelana.
Apesar de possuir as duas magnificas propriedades da Ermida e da Vista Alegre, o snr. José Ferreira Pinto Basto, quiz estabelecer a nova fabrica na propria cidade, e para isso entabolou negociações com o proprietario da Quinta dos Santos Martyres, para a adquirir, o que não poude conseguir por esta propriedade fazer parte de um antigo vinculo. Attenta esta difficuldade, resolveu então estabelecer a fabrica na Vista Alegre, para o que se principiaram a fazer ali differentes edificações.
Foi em janeiro de 1824, que principiaram os trabalhos para a fabrica, a que veio presidir um dos filhos do fundador, o snr. Augusto Ferreira Pinto Basto.
Uma das obras que primeiro se concluiu foi um pequeno forno para cozer louça, feito segundo as indicações e immediata direcção de Domingos Raimão, oleiro d'uma fabrica de Coimbra.
Em abril fizeram-se as primeiras experiencias para obter a porcelana. Realisou-as Bento Fernandes, mestre de olaria na fabrica de Rato, com o barro de Util, {24} concelho de Cantanhede,—e o de Talhadella, do concelho de Albergaria a Velha. Foi pouco satisfatorio o resultado obtido, mas ainda assim a ideia da fundação da fabrica não soffreu quebra de sorte que o snr. José Ferreira Pinto Basto pediu a El-Rei D. João VI para que lhe fossem concedidos os privilegios de que gosava a fabrica de vidros da Marinha Grande, o que obteve como consta dos documentos que segue:
«D. João, por graça de Deus, rei do reino unido de Portugal, Brazil e Algarves, d'aquem e d'além mar em Africa, Senhor de Guiné, etc., etc.
Faço saber que José Ferreira Pinto Basto me representou por sua petição, que elle pretendia erigir para estabelecimento de todos os seus filhos com egual interesse, ainda mesmo os menores logo que cheguem á idade competente, uma grande fabrica de louça, porcelana, vidraria e processos chimicos, na sua quinta chamada da Vista Alegre da Ermida, freguezia de Ilhavo, comarca de Aveiro, visinha á barra, pedindo-me que eu houvesse por bem de auctorisar este estabelecimento na fórma proposta e conceder-lhe a isenção de direitos de todos os materiaes que necessarios lhe forem para a sua laboração; assim como tambem das manufacturas que exportar para o Brazil ou para qualquer parte deste reino e dos paizes estrangeiros, e todas as mais graças, privilegios e isenções de que gosam, ou gosarem de futuro as fabricas nacionaes, e particularmente a dos vidros da Marinha Grande, no que lhe forem applicaveis; e tendo em consideração, ao dito requerimento, e constando-me por informação do corregedor da comarca, a que mandei proceder, que o projectado estabelecimento deve ser de grande utilidade para os povos pela vastidão dos seus differentes {25} ramos; que é construido em edificio proprio, em que já se teem feito avultadissimas despezas; que o seu local é o mais vantajoso por ficar nas margens de um rio navegavel, rodeado de pinheiros e outras materias combustiveis, assim como de excellentes barros, areias finas e brancas, e seixo crystallisado, tudo proprio para as vidrarias e porcelanas, como se tem verificado por felizes ensaios; e finalmente que o supplicante é um dos negociantes mais ricos e grande proprietario de muitos predios, tanto n'aquella comarca, como nas do Porto e Penafiel, sendo além d'isso dotado de um genio emprehendedor, a quem as difficuldades não embaraçam, nem desanimam as despezas; por todos estes motivos: hei por bem de approvar o mesmo estabelecimento na fórma pedida, concedendo-lhe todas as graças, privilegios, e isenções de que gosam ou vierem a gosar as outras fabricas de identica natureza: e mando a todas as justiças e mais pessoas a quem o conhecimento d'esta pertencer, que assim o cumpram e façam cumprir como n'ella se contêm, sem duvida ou embaraço algum.
El-Rei nosso senhor o mandou pelos ministros abaixo assignados, deputados da real junta do commercio, agricultura, fabricas e navegação. Anselmo de Souza Machado Corrêa de Mello a fez. Lisboa, em 1 de julho de 1824.—D'esta 800 reis.—No impedimento do deputado secretario, José Antonio Gonçalves a fez escrever.—(Assignados) José Manoel Placido de Moraes e José Antonio Gonçalves ».
«Seguem-se os registos da real junta do commercio de 22 de fevereiro de 1826; da alfandega de Lisboa de 23 de fevereiro de 1826: da alfandega do Porto de 1 de maio de 1826; da alfandega de Aveiro de {26} 19 de maio de 1826; da alfandega de Villa do Conde de 9 de junho de 1825».
«D. João, por graça de Deus, imperador do Brazil, e rei de Portugal e dos Algarves, d'aquem e d'além mar em Africa, Senhor de Guiné, etc., etc.
Faço saber aos que esta provisão virem, que subindo á minha imperial e real presença, pela real junta do commercio, a consulta a que mandei proceder sobre o requerimento de José Ferreira Pinto Basto, em que pedia privilegio exclusivo por vinte annos, para o fabrico de porcelana, vidraria, e processos chimicos da sua fabrica, estabelecida e approvada por provisão de 1 de julho de 1824, na sua quinta da Vista Alegre, sita no termo e freguezia de Ilhavo, comarca de Aveiro, supplicando igualmente a prohibição absoluta de se exportarem as materias primas da mesma porcelana, para que outros emprehendedores não usem tirar commodo dos assiduos trabalhos, fadigas e grandes despezas, que empregou na descoberta das referidas materias nas visinhanças do Porto e Aveiro, sendo elle o primeiro descobridor. E constando pela mencionada consulta e averiguações que lhe precederam, estar o supplicante nas circumstancias de obter as graças que implora: fui servido conformar-me com o parecer d'ella, por minha immediata resolução de 5 de dezembro do dito anno: e hei por bem conceder ao supplicante o exclusivo que pede por tempo de vinte annos, ampliando o de quatorze, que a lei em geral permitte; em attenção á utilidade e circumstancias particulares d'este estabelecimento; ficando-lhe outrosim concedida {27} a absoluta prohibição de se exportarem as materias primas para a porcelana, descobertas pelo supplicante, e confirmados os mesmos privilegios e prorogativas de que gosam as mais fabricas do reino como se expressa, na primeira provisão. E mando ás justiças e mais pessoas a quem o conhecimento d'esta pertencer, que a cumpram e guardem conforme n'ella se contém, fazendo tranzito pela chancellaria mór do reino».
Pagou de novos direitos 540 reis, que se carregaram ao thesoureiro d'elles a fl. 165 v. do livro 40.º e se registou o conhecimento a fl. 119 v. do livro 96.º
O imperador e rei nosso senhor o mandou pelos ministros abaixo assignados deputados da real junta do commercio, agricultura, fabricas e navegação.— José Antonio Ribeiro Soares a fez em Lisboa, a 3 de março de 1826.—D'esta 800 reis.—Na ausencia do deputado secretario, a fez escrever e assignou Luiz Antonio Rebello e José Antonio Gonçalves ».
Seguem-se os mesmos registos copiados na provisão anterior.
Estava portanto fundada a fabrica de porcelana, mas restava descobrir o kaulin de que ella se obtem. Fabricava-se louça é verdade, mas esta louça era má faiança em vez de boa porcelana. Procuraram-se barros em differentes pontos do paiz, e construiram-se novos fornos, conforme plantas vindas de Sevres, mas nada disto deu o resultado que se desejava, de sorte que em 1826 o fundador contractou na Saxonia tres artistas para virem dirigir o fabrico da porcelana e ensinal-o aos operarios portuguezes.
Dos tres só vieram dois, sendo apenas verdadeiro artista um, José Scórder, pois o outro não passava de um charlatão. Scórder, que era um modelador de merito, {28} prestou importantes serviços á fabrica, creando bons discipulos que lhe perpetuaram o nome.
Como o artista contractado na Allemanha, que não chegou a partir, apesar de haver recebido já um importante subsidio para as despezas da viagem, era quem devia tomar a direcção da officina de pintura, contractou o snr. José Ferreira Pinto Basto, n'aquelle mesmo anno, dois pintores de louça, João Maria Fabri e Manoel de Moraes, discipulos da Casa-pia de Lisboa. Aquelle morreu um anno depois de ter vindo para a Vista Alegre; este conservou-se ali até 1833, não como pintor, mas sim como esculptor, produzindo n'este genero bons trabalhos.
Tudo parecia agourar um feliz resultado, mas tal resultado cada vez se ia tornando mais demorado e incerto, de sorte que a empresa teria succumbido ás innumeras difficuldades que surgiram de todos os lados, se á testa d'ella e dominando tudo não estivesse a incansavel actividade, a poderosa energia, e invencivel perseverança do snr. José Ferreira Pinto Basto.
Os operarios estrangeiros conheciam o trabalho dos materiaes a que nos seus paizes estavam habituados, e não podiam fazer obra por aquelles que na Vista Alegre se lhes offereciam; a sua aptidão sendo como era puramente pratica não podia por si só crear ou modificar processos; necessitava que o genio inventivo e a sciencia viessem em seu auxilio. O snr. Ferreira Pinto reconheceu esta verdade, de sorte que em 1830 mandou seu filho o snr. Augusto Ferreira Pinto Basto, a França, a fim de estudar na fabrica de Sevres, verdadeira escola das artes ceramicas, os melhores processos e meios de investigação.
Ali recebeu aquelle cavalheiro sabios conselhos e {29} preciosas indicações do director d'aquella importante manufactura, o illustre Brogniart, que lhe fez ver a completa impossibilidade de se fabricar porcelana, sem o kaulin, que era o que faltava na Vista Alegre.
O snr. Augusto Ferreira Pinto regressou a Portugal trazendo amostras do kaulin empregado em Sevres, e depois da sua chegada os ensaios e experiencias continuaram incessantemente na Vista Alegre, mas sempre sem melhor resultado, até que em 1834 se descobriu o verdadeiro kaulin.
O snr. Ferreira Pinto tinha mandado vir de differentes pontos do paiz, por intermedio dos administradores do contracto do tabaco, de que elle era arrematante, amostras de quantos barros havia mais ou menos conhecidos, a fim de se ver se entre elles se encontrava o desejado kaulin. Estes barros eram todos submettidos a um exame chimico, mas com resultado sempre negativo para o fim que se tinha em vista.
Ao mesmo tempo que se procedia a estes exames um aprendiz de oleiro, fazia por conta propria algumas experiencias não só com aquelles barros, mas com outros que a pedido seu lhe eram trasidos por operarios que dos concelhos de Ovar e Feira vinham trabalhar nas construcções que na Vista Alegre se estavam fazendo. Entre estes barros veio o kaulin de Val Rico, d'aquelle ultimo concelho; trouxe-o um trolha e foi reconhecido pelo aprendiz oleiro que, no meio da sua humilde obscuridade, prestou o grandiosissimo serviço á fabrica de lhe descobrir a materia prima para o fabrico da porcelana, serviço este que não tinha podido ser prestado por os administradores do contracto do tabaco, do paiz inteiro, que d'isso haviam sido encarregados. {30}
O descobridor pois do kaulin empregado hoje na Vista Alegre foi Luiz Pereira Capote, natural de Ilhavo, que falleceu em 1870.
Descoberto o kaulin, principiou desde então a fabrica a produzir porcelana dura, datando portanto de 1834 o seu fabrico, que se foi aperfeiçoando gradualmente, de fórma que em 1840 principiou a Vista Alegre, a poder competir em qualidade com fabricas estrangeiras, o que não succedeu com os preços, pois produzia só caro.
O elevado dos preços difficultou durante alguns annos a extracção de louça, tornando-a pouco conhecida. Os armazens da fabrica estavam atulhados de louça, quando em maio de 1846 rebentou no Minho a revolução popular. Os proprietarios da fabrica receiosos de que ella fosse victima da furia popular annunciaram a venda por lotes de toda a louça em deposito, venda que se realisou por preços bastante convidativos, que fez com que os productos da Vista Alegre se espalhassem, divulgando o seu bem acabado e a sua barateza. Estava aberto um novo periodo de prosperidade para a fabrica, mas este periodo só principiou a sentir-se de 1848 em diante, pois o resto do anno de 1846 e maior parte do de 1847, a fabrica nada produziu, pois estava fechada em resultado dos acontecimentos politicos d'essa epocha.
Prosperando sempre d'anno para anno, a fabrica chegou ao apuro em que hoje está, apresentando largas tendencias para progredir, tal é a activa e intelligente direcção que hoje tem. Para se avaliar dos progressos da fabrica basta dizer-se que os seus productos tem sido premiados em todas as exposições de Londres, Paris, Philadelphia, Vienna d'Austria, Rio de {31} Janeiro e Porto; do consumo que tem obtido os mesmos productos são prova irrefutavel os seguintes algarismos:
Em 1860 . . . . . 21:949$000
Em 1870 . . . . . 26:994$000
Em 1880 . . . . . 49:750$000
*
* *
Conjunctamente com a fabrica de porcelana, fundou o snr. José Ferreira Pinto, na Vista Alegre no mesmo anno de 1824 uma outra de vidro e cristal, que lhe ficou annexa. Os primeiros trabalhos foram dirigidos por um allemão, Francisco Miller, que havia annos já estava dirigindo a do Côvo, no concelho de Oliveira d'Azemeis, o qual foi substituido em 1826 por João da Cruz e Costa, de Lisboa, que esteve a dirigir o fabrico do vidro até 1834.
Foram desde logo bastante satisfatorios os resultados obtidos, de sorte que o fundador procurou pol-a logo a par das melhores do estrangeiro, mandando vir mestres experimentados para as differentes officinas de lapidação e floristagem.
Para aquella contractou em 1820 na Inglaterra Samuel Hunles, que veio para a Vista Alegre ganhar 2$400 reis diarios, e ali esteve até 1828, deixando bons discipulos.
O mestre de florista era italiano, e não passou de Lisboa, onde chegou em 1827, por alguem lhe affirmar que era muito miasmatico o clima da Vista Alegre. Para ali foram os aprendizes d'esta officina, que ao fim de tres annos de pratica foram dados por promptos, {32} affirmando o mestre que um d'elles João Ferreira Ribeiro, de Vagos, estava já mais mestre do que elle, o que não era sem fundamento, pois veio para a Vista Alegre dirigir a officina de florista o que fez com talento.
No periodo decorrido de 1836 a 1840, foi enorme a producção do vidro, e todo da melhor qualidade, pois alguns dos productos fabricados n'esta epocha são de uma perfeição inexcedivel.
Quando n'aquelle anno o fabrico da porcelana entrou na phase de aperfeiçoamento e progresso a que já nos referimos, o do vidro principiou a decahir consideravelmente até que cessou de todo em maio de 1846.
Em meados de 1848 continuou a fabricar-se mas em muito menor quantidade e esta mesma só de liso, pois os lapidarios e floristas, durante aquelle interregno, uns tinham ido para a fabrica da Marinha Grande, outros applicaram-se a outros misteres, de fórma que os tempos aureos da fabricação do vidro na Vista Alegre, passaram para nunca mais voltarem.
Em 1880 acabou de todo a fabrica de vidro, demolindo-se o respectivo forno, mas mesmo já até a esta epocha eram grandes as interrupções que se davam com o seu fabrico, estando por vezes muitos mezes sem trabalhar.
*
* *
Annexo á fabrica de porcelana e vidro, houve tambem um laboratorio chimico, e a elle se referem os reaes Alvarás de 1 de julho de 1824 e 3 de março de {33} 1826. Foi fundado como aquellas fabricas em 1824. De 1827 a 1832 teve por director D. Euzebio Roiz, official de cavallaria do exercito hespanhol e chimico muito distincto, que veio para Portugal como emigrado em 1820. Depois da sua sahida acabou o laboratorio, do qual não podemos obter mais noticias.
*
* *
De 1827 a 1835 foram os productos da fabrica marcados com um V. A. entre duas palmas rematadas por uma corôa. Esta marca era gravada, sendo o carimbo aberto por Manoel de Moraes, de quem já fizemos menção. De 1838 a 1861 não foi geralmente marcada a louça, pois só em alguns serviços d'almaço de maior preço apparece um V. A. dourado. De 1861 em diante é marcada toda a louça, tanto branca como pintada, com um V. A. em azul.
*
* *
Com o fim de crear artistas habeis para as duas fabricas de porcelana e vidro, fundou em 1826 o snr. José Ferreira Pinto Basto, na Vista Alegre um collegio com o internato, onde se ensinava, além d'um dos misteres da fabrica, instrucção primaria e musica.
A inauguração foi feita com grande solemnidade, vindo assistir a ella o fundador.
Os primeiros alumnos admittidos foram treze, e o director José Vicente Soares, de Penafiel. Esta instituição {34} acabou em 1842, chegando a ter nos ultimos annos quarenta alumnos.
*
* *
Como dependencia da fabrica, ha tambem na Vista Alegre, um pequeno mas elegante theatro, que além da galeria ou camarote destinado aos proprietarios da fabrica, tem platea com capacidade para cento e oitenta logares. Foi fundado em 1851, realisando-se a inauguração com as comedias Um duello em Campolide , O quarto de duas camas , Util e agradavel .
O panno de bocca e bem assim o tecto foi pintado pelo director da officina de pintura Chartier Rousseau. Aquelle representa a Vista da Praia Grande de Macau, e este Apollo e as nove musas.
Anteriormente á fundação do actual theatro houveram dois, datando a fundação do mais antigo de 1825 ou 1827, e que foi inaugurado com a representação da comedia O gallego lorpa .
*
* *
Como dependencia do collegio organisou-se tambem em 1826 uma phylarmonica privativa da fabrica, e composta unica e exclusivamente de operarios d'ella.
Esta phylarmonica ainda continua a existir e tem tido desde o seu principio até hoje os seguintes regentes:—José Vicente Soares, de 1820 a 1828: Prudencio Apolinario, de 1830 a 1834; Filippe Marcelino Classe, de 1834 a 1838; Antonio Dias, de 1838 a {35} 1845: João Antonio Ferreira, de 1847 a 1851; Antonio Dias, de 1852 a 1866; e Joaquim Martins Rosa, de 1867, em diante.
*
* *
Os pruductos da fabrica da Vista Alegre tem sido premiados com medalhas de cobre e prata em todas as exposições do Londres, Paris, Philadelphia, Vienna d'Austria, Rio de Janeiro e Internacional do Porto.
*
* *
A fabrica da Vista Alegre tambem tomou parte muito activa nos acontecimentos politicos de 1846 e 1847. Quando em 14 de maio d'aquelle anno a cidade de Aveiro adheriu ao pronunciamento popular iniciado no Minho, a população operaria da Vista Alegre pronunciou-se tambem e fraternisando com os que n'aquella cidade se haviam revolucionado, marchou com elles para Cantanhede e d'aqui para Coimbra, a fim de receber ordens e instrucções da junta governativa, que ali se havia installado. De Coimbra marcharam os operarios da Vista Alegre e os populares d'Aveiro para Villa Nova de Gaya, onde se conservaram até que o Porto adheriu tambem á causa que elles defendiam.
Feita a revolução no Porto em 9 d'outubro contra o golpe de Estado de 6 do mesmo mez, os operarios da Vista Alegre abraçaram logo com enthusiasmo a causa da junta, procedendo immediatamente á organisação d'um corpo de voluntarios, com o nome de Batalhão {36} Nacional do Concelho d'Ilhavo. No dia 23 de outubro marchou o batalhão para o Porto, levando por commandante um dos proprietarios e administrador da fabrica, o snr. Alberto Ferreira Pinto Basto, e por major o director da mesma fabrica, João Maria Rissoto.
No dia 28 de outubro fez o batalhão da Vista Alegre, pois era assim que era conhecido, a sua entrada no Porto, indo á sua frente o Visconde de Sá da Bandeira, que chegando n'esse mesmo dia de Lisboa, quiz honrar os valentes operarios, commandando-os n'aquelle dia.
Organisando-se a divisão com que o Visconde de Sá da Bandeira, devia operar em Traz-os-montes contra as forças do Barão do Casal, o batalhão da Vista Alegre foi um dos escolhidos para d'ella fazerem parte, e como tal entrou na acção de Valle Passos, que teve logar em 10 de novembro. São bem conhecidos os resultados d'esta acção, para que os relatemos aqui. Como o nosso proposito é só fallarmos da Vista Alegre, diremos que o batalhão d'este nome, entrou com galhardia em fogo sustentando-o com vigor até mesmo depois da deserção dos regimentos 3 e 15 de infanteria. Não podendo, porém, resistir ao choque da cavallaria e ao d'um d'aquelles regimentos, que o carregára á bayoneta, o batalhão retirou com alguma confusão para a rectaguarda, unindo-se depois ao resto das forças com que Sá da Bandeira voltou para o Porto.
Durante o resto da lucta não tomou parte em qualquer outro combate, mas guarneceu por vezes differentes pontos das linhas e alguns d'elles muito importantes, até que teve de depôr as armas como as demais forças populares, em virtude da convenção assignada em Gramido em 21 de junho de 1847. {37}
*
* *
No dia 13 de cada mez ha na Vista Alegre, um mercado muito importante, conhecido pela triplice denominação da Feira dos treze, da Ermida, e do Bispo . Este mercado foi estabelecido a requerimento do juiz, vereadores e mais povo das villas da Ermida e Ilhavo, por alvará de 15 de junho de 1693, que ordenou que o mercado mensal se tornasse em annual no dia 13 de setembro, dia da invocação da padroeira da capella da Vista Alegre—Nossa Senhora da Penha de França.
*
* *
Fizemos já a historia da fabrica, é justo que agora d'ella façamos descripção ainda que rapida, e que digamos tambem alguma cousa do systema de fabrico n'ella empregado.
DESCRIPÇÃO DA FABRICA
É modestissima a apparencia exterior da fabrica, de fórma que a impressão por ella produzida ao forasteiro que pela vez primeira a visita, nem por sombras lhe dará a conhecer que elle se acha frente a frente com um dos mais importantes estabelecimentos industriaes não só do paiz, mas até da Peninsula.
Correndo parallelos com um grande parque, pelo lado do norte, estão os armazens da louça branca e pintada, loja de vendas e escriptorio.
Entre estas duas dependencias da fabrica é que {38} fica a entrada que dá accesso a um pateo arborisado, á volta do qual estão os armazens já referidos, a casa do deposito, e officina de fórmas e moldes, e bem assim a das gazetas , deposito de material de incendios, casa onde se guardam os restos do antigo museu da fabrica, officina de carpentaria, e entrada para a estancia das lenhas.
São vastos os armazens de deposito de louça pintada e branca, especialmente o d'esta ultima, que era onde antigamente estavam os fornos de estender vidraça.
A officina de moldes e gazetas está bem montada como todas as restantes da fabrica; no deposito do material de incendios, ha duas bombas, machados, e canecos de pau para agua, em profusão, e outros objectos proprios, tudo preparado e prompto para acudir a qualquer sinistro.
É provisoria a casa onde estão os productos que compõem o chamado muzeu da fabrica, o que é deveras para lamentar, pois tornam-se dignos d'uma boa collocação, a fim de poderem ser examinados e apreciados, como merecem.
A estancia das lenhas fica ao norte do edificio e está completamente isolada d'elle. Mede 67, m 60 de comprimento e 52, m de largura. A sua superficie é rectangular, tendo á volta, os telheiros que abrigam a lenha das chuvas.
D'aquelle pateo passa-se para as officinas da olaria. São duas salas bastante espaçosas, onde ha 38 rodas d'oleiro; junta a estas está uma outra mais pequena, que é a officina de aprendisagem e deposito de modelos. Junto d'aquellas ha um terreno ajardinado onde estão os telheiros para seccar a louça.
Da officina de olaria passa-se a um longo corredor {39} ao fim do qual estão as officinas de pintura. São duas as salas destinadas para a pintura, cheias de luz e bem ventiladas. Ornam-lhe as paredes esboços de V. Rosseau, e placas de porcelana com o retrato do fundador da fabrica, brasões d'armas, quadros de costumes, fructos, etc.
Á direita d'aquelle corredor fica a lithographia. Montada, segundo todas as exigencias do fim a que é destinada, funcciona apenas de 1880 em diante. São bastante satisfatorios os resultados obtidos pelo processo lithographico, que tem a grande vantagem de ficar muito mais barato do que o geralmente seguido na pintura da porcelana, e aqui desde principio adoptado.
Em seguida á lithographia fica o deposito da louça que hade ser pintada e do lado fronteiro a casa das muflas onde ha tambem duas estufas para seccar a louça pintada.
Da sala da pintura desce-se para o deposito do barro preparado e casa da amassadura, e d'aqui para a officina de trituração, onde se acham montados as galgas e pisões a que dá movimento uma machina a vapor.
Para além da machina estão as estufas para seccar areia, alimentadas com o calor perdido das caldeiras, um torno a que ella dá movimento, e as officinas de serralheria. Parallela com esta parte do edificio, que é a mais vasta de todo elle, fica a estancia do carvão e differentes telheiros para a secca do barro. Proximo, está a officina de lavagem e escolha de materiaes empregados no fabrico da porcelana.
Os fornos, esses, tres ficam pouco acima d'estas ultimas officinas, e o outro que é o maior, junto ao deposito {40} da louça branca, ao pé do qual fica tambem a officina de vidrar.
Ao norte da casa dos tres fornos e do lado fronteiro do caminho do serviço da fabrica fica a officina de esculptura, o laboratorio em que se opera a solução do oiro e preparação de algumas tintas. Está tambem ahi junto a caldeira para a calcinação do gesso.
As materias primas empregadas no fabrico da porcelana são em toda a parte, em que ella se fabrica, as argilas kaulinicas, o quartzo e o feldspatho. Aquellas, vêem para a Vista Alegre, de Valle Rico, concelho da Feira e este de Villa Meã, Mangualde e Porto.
As argilas kaulinicas são aqui lavadas e passadas por peneiras a fim de se separarem os corpos em diversos estados de aggregação. As areias grossas que dellas ficam são depois empregadas como quartzo.
O quartzo e o feldspatho são escolhidos primeiramente tambem afim de evitar que levem grandes porções d'oxido de ferro, que ordinariamente lhe anda unido, depois calcinam-se e levam-se para as galgas.
Os differentes materiaes que hão de compôr a porcelana, depois de devidamente moidos e lavados são compostos e em seguida levados ás mós horisontaes para os moer e misturar, e em seguida guardados em depositos até adquirirem um certo grau de consistencia.
D'estes depositos vae a massa para a casa da amassadura onde é lançada em vasos de barro poroso, de fórma de pyramides conicas troncadas, a que se dá o nome de coques .
D'estes coques é a massa levada para uma larga banca de pedra, a fim de ser amassada a pés. São dois ou mais homens que amassam a porcelana na banca {41} referida; amassada ella dividem-a em muitas fracções, com a fórma de cones, e que denominam pélas .
Estas pélas são em seguida levadas para a officina das rodas de oleiro, onde são separadamente amassadas á mão sobre uma pequena banca de marmore, a fim da massa ficar mais unida e homogenea, e bem assim desapparecerem alguns veios escuros que ás vezes adquire, ficando assim apta para ser obrada.
O methodo empregado na Vista Alegre na execução das differentes peças de porcelana, é o de encher e o de moldar .
As caixas refractarias— gazetas —onde se mettem as peças para serem levadas aos fornos são fabricadas por meio de moldes de gesso, variando as suas dimensões conforme as peças que devem conter.
Bem seccas as peças que sahiram da roda do oleiro, ou dos moldes, procede-se ao seu enfornamento, collocando-se primeiramente dentro das gazetas ou sem ellas.
Levadas ao forno são collocadas no segundo pavimento, pois agora só recebem o calor brando, a que chamam— chacote .
Recebida esta primeira cosedura, vão para a officina de vidrar. O vidrado é dado por immersão das peças dentro d'uma grande tina em que se acham diluidos em agua os corpos que compõem o esmalte.
As peças mettem-se e tiram-se rapidamente ficando tambem logo seccas como se não houvessem recebido banho algum.
O vidrado é tirado dos pontos de contacto e dado nos pontos em que a peça não o poude receber na parte coberta pela mão. Os retoques são feitos com pincel. {42}
Mettidas novamente dentro das gazetas , sobre cujo fundo, se lança alguma areia, afim de que a elle ellas se não peguem, são outra vez enfornadas mas agora no outro pavimento do forno, a fim de receberem o grande calor que termina a cosedura.
As gazetas são collocadas umas sobre outras, formando pilhas em toda a altura do forno, a que se dá o nome de fios .
Feito o enfornamento, em que trabalham oito forneiros e um trabalhador, accendem-se as quatro fornalhas que tem o forno, fazendo para que a intensidade do lume, seja a mesma, e ao mesmo tempo em todas as fornalhas, a fim de estabelecer a uniformidade da temperatura.
Passadas 10 horas de lume brando, a que chamam lume de esquenta , tapam-se as boccas dos fornos com tijolos refractarios, afim de concentrar a força do calor interiormente, começando então o grande calor, a que dão o nome de lume de calda , renovando successivamente a lenha nas fornalhas em maior quantidade que para lume brando, conservando-se assim o fogo bem activo e uniforme ordinariamente por espaço de vinte e quatro horas, chegando algumas vezes a trinta e seis.
Conhecendo-se que está completa a cosedura, tira-se a lenha das fornalhas, diminuindo gradualmente d'este modo o calor dentro do forno, e conservando a louça dentro d'elle até que esteja completamente fria, para então se começar a desenfornar.
De entre as peças vidradas separam-se então as que tem de ser pintadas, para o que são conduzidas para um armazem junto ás salas da pintura.
São muitas as côres usadas na pintura da porcelana, {43} quasi todas vitreficaveis e obtidas por meio de combinações de oxidos, saes metallicos e fundentes.
Os oxidos empregados de preferencia são o oxido de choromio, o de ferro, o de uranio, de manganez, de zinco, de cobalto, de antimonio, de cobre, de estanho e de iridium.
Os principaes saes empregados são o chromato de ferro, de barita, de chumbo e algumas vezes o chloreto de prata.
Depois de pintada a louça vae á estufa para seccar as tintas e em seguida para dentro das muflas a fim de fixar em si as tintas, ganhando as respectivas côres, as quaes se vetrificam com os fundentes.
MACHINAS E FORNOS
A machina a vapor, collocada na officina de trituração, a que já nos referimos, foi feita em Lisboa por Bachelay. Tem duas caldeiras de fogo central e força de 14 cavallos. Foi assente em 1855 por Daniel Werlong, artista de raro merito com o curso de artes e officios em Paris, que durante alguns annos dirigiu a officina de serralheria da fabrica.
A chaminé que dá vasão ao fumo das caldeiras tem 14, m de altura e foi construida em 1879, por operarios do estabelecimento.
A machina communica movimento por meio d'uma correia sem fim, a um tambor fixo no veio principal o qual o transmitte por meio de engrenagens aos differentes engenhos destinados a moer e misturar os materiaes, empregados no fabrico da porcelana.
Ha quatro fornos destinados para coser a porcelana, todos com a fórma cylindrica, construidos com {44} tijolos refractarios fabricados no estabelecimento. Cada um d'elles tem quatro fornalhas e dois andares; o maior tem cinco.
No inferior colloca-se a louça que tem de ser esmaltada, elevando-se a temperatura ao rubro branco, e no superior a que tem apenas a receber o calor brando ou pequeno fogo que lhe dá o poder absorvente para ser vidrada.
No chacote a cosedura adquire o rubro cereja proximamente a temperatura da fusão de ferro. O chacote é aquecido pela chamma perdida do primeiro compartimento.
Sobre as fornalhas dos fornos ha aberturas rectangulares, chamadas vigias por onde se observa o grau de calor e se tiram as amostras, sobre as quaes se verifica directamente o estado da cosedura.
Além dos quatro grandes fornos ha outros mais pequenos destinados a fixar as tintas, que são as muflas . Estes fornos, se tal nome se lhe pode applicar, são caixas feitas de argila refractaria, separadas umas das outras por paredes de igual natureza.
Contém varios compartimentos formados por folhas de ferro, a que servem d'apoio calços tambem d'argila refractaria.
São oito as muflas , tendo cada uma d'ellas fornalha independente.
*
* *
Escripta a historia da fabrica e feita a descripção d'ella, nada mais nos resta do que apresentar uma resenha dos seus administradores, directores, mestres de {45} pintura e manufactura de porcelana, que é o que vamos fazer. Eil-a:
Administradores:—Os snrs. Augusto Ferreira Pinto Basto, de 1824 a 1828; Alberto Ferreira Pinto Basto, de 1828 a 1856; Duarte Ferreira Pinto Basto, de 1856 a 1861; Domingos Ferreira Pinto Basto, de 1861 a 1882; Duarte Ferreira Pinto Basto Junior, de 15 de maio de 1882 em diante.
Directores:—Os snrs. Antonio d'Almeida Ferreira Duque, de 1836 a 1840; João Maria Rissoto, de 1840 a 1878: Duarte Ferreira Pinto Basto Junior, de 1878 a 1882; João Antonio Ferreira, de 15 de maio de 1882 em diante.
Mestres de pintura:—Os snrs. Victor Francisco Chartier Rousseau, de 1836 a 1852; Gustavo Fortier, de 1853 a 1856; Filippe Fortier, de 1857 a 1860; Gustavo Fortier, de 1861 a 1865; Joaquim José d'Oliveira, de 1866 a 1881; Francisco da Rocha Freire, de 1881 em diante.
Mestres de porcellana:—Os snrs. João da Silva Monteiro, de 1826 a 1833; João da Silva Monteiro Junior, de 1833 a 1838; João Antonio Ferreira, de 1838 a maio de 1882. Presentemente não ha mestre de porcelana, mas sim dois contra-mestres, os snrs. Antonio Augusto Affonso, que tem a seu cargo a preparação das materias primas, fórmas e modelos, e Manoel da Silva Marianno, que dirige a manufactura.
Fim.
PREÇO 200 REIS
OBRAS DO MESMO AUCTOR
Memorias de Aveiro.
D. Duarte de Menezes —esboço biographico.
O Districto de Aveiro; noticia geographica, estatistica, seraldica, archeologica e biographica da cidade de Aveiro e todas as villas e freguezias do seu districto.
A mulher atravez dos seculos; estudo historico sobre a condição politica, civil, moral e religiosa da mulher: 1.ª parte—sociedades primitivas, China, India, Persia, Assyria, Egypto e Israel.
D. Joanna de Portugal (a princeza santa) esboço biographico.
EM VIA DE PUBLICAÇÃO
Luctas caseiras—Portugal de 1836 a 1851.
Aveiro e o seu concelho.
JOAQUIM DE VASCONCELLOS E MARQUES GOMES
Exposição districtal de Aveiro em 1882—Reliquias da arte nacional.