Title : A tentação do Mar
Author : Augusto Casimiro
Release date
: November 12, 2010 [eBook #34293]
Most recently updated: January 7, 2021
Language : Portuguese
Credits : Produced by Mike Silva
A TENTAÇÃO DO MAR
POR AUGUSTO CASIMIRO
AUGUSTO CASIMIRO
A
TENTAÇÃO DO MAR
(Poezia recitada no sarau organisado pelo Batalhão Nacional Republicano de Coimbra, no Theatro Avenida em 21 de Agosto de 1911).
COIMBRA
Typ. Auxiliar d'Escriptorio
1911
D E A UGUSTO C ASIMIRO :
Para a Vida —1906.
A Victoria do Homem —1910.
A sair breve:
Versos de Amor.
Ponho-me ás vezes a escutar, atento,
A voz do sangue, a voz da minha raça...
E em meus olhos, então, saudosos, passa
Uma visão que é um deslumbramento!
Em horas de amargura e de anciedade,
Quando os meus braços tombam de fadiga,
—Ponho-me a ouvir aquela voz antiga
Religiosamente, com saudade...
É quando a noite cai silenciosa
E uma tristeza oculta chora em nós,
Que eu oiço aquela voz misteriosa
E me esqueço a falar com meus avós!
É quando alguem me diz que tudo é morto,
Que a Patria é morta e destruido o lar...
Quando vagueio palido e absorto,
Com amargura, e sem acreditar!
É quando eu vejo a terra abandonada,
O Passado esquecido... E escuto, além,
Na escuridão da noite envergonhada,
Insultarem a Patria, a propria Mãe...
Quando oiço o Mar ao longe, embravecido,
Bolsando ao ar os negros vagalhões,
No silencio profundo e estarrecido,
A cantar as estrofes de Camões...
É quando, á luz amiga das estrelas,
O Mar saudoso e bom, o Mar profundo,
Julga, a sonhar, que embala caravelas
Que vam partir a devassar o Mundo!
Ficam-se os olhos humidos, inquietos
A interrogar em vão a noite escura...
E eu sinto em mim a tragica amargura
Dos destinos falhados, incompletos...
Mas, numa aurora esplendida e bemdita
É então, é então que em mim desperta
E no meu sangue novo ressuscita
O espirito da raça numa alérta!
E no meu sangue, em turbilhões, a ardêr,
Em orgulho e em fé e esforço altivo,
Todas as glorias do Passado vivo,
Todo o passado canta no meu sêr!...
... Sam primeiro os indómitos pastores,
Rudes, selvagens, livres, vagabundos,
Gigantescos, erguidos nos pendores
Das altas serras sob os ceus profundos!...
Vejo-os além de mim, longe, na bruma,
Pelas encostas barbaras da serra...
E olham receiosos a nevada espuma
Dos abraços do Mar cingindo a Terra...
Vejo-os cavando o solo... E o trigo cresce...
—Olha as searas de oiro, os fructos loiros!...
As enxadas ao Sol,—olhai,—parece
Que scintilam no ar como tesoiros...
Vejo-os porfim á beira-Mar, um dia,
Ouvindo as ondas cérulas cantar...
E já os tenta uma visão que erguia
Aos olhos deles a canção do Mar...
Vam-se á floresta... Brilham os machados...
E os troncos descem, mortos, sobre os rios...
Ei-los, na foz que se erguem, espantados,
Ei-los no ar, sam mastros de navios...
Depois,—ó dia grande!—eu vejo o Povo
da minha Terra á beira-mar chorando...
É o doirado romper dum tempo novo!
Sam as velas, ao longe, navegando!...
Pelo mar-fóra vão, pela aventura,
Levam sómente a graça do Senhor!
De azas abertas, pela noite escura,
Nem as detém o proprio Adamastor...
Vêde os mareantes, vêde os vagabundos,
Percorrendo as longinquas solidões...
Dam ao mundo espantado novos mundos!..
Dam ao Futuro os versos de Camões!
Abrem a Edade-nova! E o mundo inteiro
Viu-se maior, mais rico ao despertar,
Pelo esforço do Povo-marinheiro
Que atravessára e dominára o Mar...
Grita em meu sangue a fúlgida epopeia,
Céga-me a luz a arder de tantos sois,
Sóbe do Mar da Gloria a maré cheia,
O Sol aureóla as frontes dos herois!
E entam em mim renasce o velho culto,
O antigo amor, a vida vencedora...
E em meus olhos ardentes passa o vulto
Duma Patria a sorrir como uma aurora.
Pulsa irrequieto, a arder, meu sangue novo.
Rasga-se ao meu olhar um alto fim!...
E toda a alma heroica deste povo
Sinto-a sonhar e delirar em mim...
Ah! como é bela a Vida anciosa, inquieta,
Ah! como é grande e belo navegar!
—Sou marinheiro porque sou Poeta,
—Vinde comigo, vamos para o Mar!
Ah! como é bela a ancia desmedida
Que nos dilata o peito, a estremecer,
E nos exalta e nos dilata a vida,
E nos levanta e diviniza o ser!
Ó meus avós—herois da Descobérta,
Quero ir convosco pelos mares fóra...
É a vossa alma que hoje em mim desperta
É o vosso coração que eu sinto agora!
Vamos todos p'ra o Mar!... Se acaso o Mundo
Estreito fôr p'ra tanta anciedade,
Vamos ás Indias que ha no céu profundo,
Vamos cruzar, correr a Imensidade!...
Numa divina ancia erguei os braços,
Livre já das algemas, para o Céu!
—Ha muitos soes brilhando nos espaços,—
Vamos roubá-los como Prometeu!...
Ha mundos novos pra arrancar á Treva,
Muitas venturas p'ra roubar á Dôr...
—Partamos todos numa ardente léva,
Erguendo ao alto pavilhões de Amôr!
No mar profundo e vasto do Futuro
Ha muitas Indias para descobrir...
Vamos abrir á luz o Oceano escuro,
Vamos tocar ás praias do Porvir!...
É embarcar e partir, com anciedade!
—Vamos buscar aos horisontes nóvos,
Indias-nóvas de Amor e liberdade,
E mais luz e justiça para os Póvos!...
É olhar o Passado!—Olhai-o vós
Com bons olhos de Amôr... E escutai!
—E toda a Historia que se escuta em nós,
—Vêde a maré de gloria que ahi vai!
Deitai barcos ao Mar! Eh!—marinheiros!
Que esperais vós, entam?—Vá, embarcar!...
—Nós somos inda os mesmos marinheiros,
—É este ainda o mesmo antigo Mar!
O mundo é sempre novo,—ó meus amigos!
E o Futuro é imenso e o Ideal...
—Embarquemos p'ra o Mar como os antigos,
—Que este é ainda o mesmo Portugal!
S. João do Campo—12 de Agosto, 1911.