The Project Gutenberg eBook of A Verdade a Passo Lento ou Guerra do Escaravelho contra a Borboleta Constitucional do Porto This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook. Title: A Verdade a Passo Lento ou Guerra do Escaravelho contra a Borboleta Constitucional do Porto Author: Unknown Editor: João Nunes Esteves Release date: January 14, 2011 [eBook #34960] Most recently updated: January 7, 2021 Language: Portuguese Credits: Produced by Mike Silva *** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK A VERDADE A PASSO LENTO OU GUERRA DO ESCARAVELHO CONTRA A BORBOLETA CONSTITUCIONAL DO PORTO *** Produced by Mike Silva A VERDADE A PASSO LENTO, OU GUERRA DO ESCARAVELHO CONTRA _A BORBOLETA_ CONSTITUCIONAL DO PORTO OS N. N. 131 E SEGUINTES. PRIMEIRA PROPOSIÇÃO, em que se mostra a sua impiedade. DADA Á LUZ Pelo Inimigo declarado dos Impostores, e verdadeiro Constitucional. LISBOA: NA IMPRESSÃO DE JOÃO NUNES ESTEVES, Rua dos Correeiros N. 144. ANNO 1822. _Te conscintiae stimulans maleficiorum tuorum, quocumque aspexeris, ut furiae, sic tuae tibi occurrunt injuriae; quae te respirare non sinunt._ O conhecimento das tuas maldades te atormenta, e em qualquer parte que ponhas os olhos, não achas senão os teus crimes, que como furias te perseguem, e não te deixão se quer, livre o respirar. _Raf. Blut. T. 1. verb. atorm. cit. a Cic._ * * * * * «Amigo, espero me faça logo imprimir o Folhetinho, pois as Imprensas do Porto estão occupadas com Periodicos, de maneira que não ha lugar para outra cousa, [a não se darem grandes sômmas] e tenho motivos a julgar que os Periodiqueiros daquella Cidade estão casados com a Senhora Borbolêta, e por esta razão para que lhes não salte ao pelo, pois tem medo della, que se pélão, á excepção de hum, nada admittem contra, do que he para a demora deste insignificante papelinho, vai em dois mezes. Cançado de escrever Cartas, e de esperar tomo esta ultima resolução, que, supposto vai tarde, ainda virá a tempo para desenganar os crédulos, e não fanáticos. Sou como sempre seu affectivo C. _F. B. J. M.»_ BENÉVOLO LEITOR. Não soffre hum estômago debilitado muita comida, nem a impetuosa torrente, que se lhe opponhão obstaculos; em huma e outra crise he necessario muita prudencia, pois he nestes lances, que o primeiro repôem com tédio, o que devia servir-lhe d'alimento, e o segundo arrasta diante de si quanto pertende impedir o livre curso das suas agoas. Nestas mesmas circunstancias me achava eu, quando o Povo do Porto, e d'outras muitas terras deste Reino, por effeito de hum papel verdadeiramente ridiculo, intitulado «Borbolêta,» que narrando hum facto acontecido no Convento dos Padres Carmelitas Descalços, não só obteve pela soltura da sua lingua mordaz o crédito da gentalha sempre amiga de novidades, e facil em acreditar as cousas «maxime» quando vem em letra redonda, que então julga tudo tão verdade, como se fôra hum Evangelho, mas ainda o crédito de muitos homens cordátos, que se persuadirão das suas imposturas; fazendo-se geral a opinião de que os taes Padres erão «crueis, e barbaros,» pois sem piedade castigavão com tanto rigor hum seu alumno innocente. Vendo eu a calumnia, o descaramento, e a cordilheira de mentiras mais altas que o Ararat, e mais extensas que as montanhas da Persia, e ao mesmo tempo o opprobrio, que padecião os ditos Padres, tão sem razão, pois sabía a sua innocencia, quiz desaffrontalos por meio das minhas reflexões, e dar ao mundo hum monumento veridico do justificado procedimento de toda a Corporação, contra os aleives, e impiedades do tal papel, cheio de incoherencias, falsidades, e até de hum aggregado de sandices, e de hypocrisias. Apresentar tudo isto de chapada era infartar hum Povo, que, preocupado com as idêas da Borbolêta, longe de abraçar as verdades, que lhe propunha, as rejeitaria, como outras tantas quimeras; pois hé certo, que enche o cantaro primeiro, (a não ser pirguiçoso) quem primeiro chega á fonte, e custa muito a desvanecer as primeiras impressões. Como somos mais faceis em acreditar o mal do que o bem, pois temos para hum propensão natural, e para o outro certa repugnancia, tambem seria difficil o fazer mudar a todos de conceito em hum tempo, em que a bilis estava exaltada, e as cabeças em effervescencia. Não era por tanto conveniente oppor-me a hum, e a outro, e por isso determinei fazer o que os Medicos aos estômagos fracos, isto he, dar pouco a pouco, e deixar passar a tempestade, para depois formar hum dique, que atalhasse a corrente. Com estas vistas procurei inserir por partes, as minhas reflexões em algum Periodico, pois até por este meio se espalhavão melhor, e vinhão assim a dervanecer-se as idéas sinistras, de que o povo estava imbuído. Tendo chegado á minha mão o papel da Borbolêta, o N. 131 no dia 21 de Outubro, logo no dia seguinte enviei ao Redactor do Correio do Porto a primeira Carta, pedindo-lhe de mercê a publicasse no seu Periodico, e que eu iria continuando a remetter-lhe todos os correios, ou quando as minhas occupações me dessem lugar, as provas de cada huma das quatro proposições, que lhe indicava. São já passados quasi dous mezes, e nada tem apparecido, e por esta causa, rogado dos meus amigos, determino-me a dar ao Publico as ditas reflexões, em quatro folhetos separados, posto que o primeiro vai sem mudança, e do mesmo modo, que o remetti ao Redactor do Correio do Porto, por não haver tempo de o reduzir a hum novo methodo, visto ser tão urgente a necessidade de desenganar o mundo illudido com os desparates da Borbolêta, e acudir pelo credito de homens tão benemeritos, quaes os Padres Carmelitas Descalços. Adoptei o titulo de «Verdade a passo lento» não só porque ella custa a chegar a todos, mas sim porque irei pouco a pouco assoalhando as mentiras da Borbolêta, pondo-lhe guerra como Escaravelho, cujas pontas são mais agudas, e de maior poder. Alem de andar mui vagaroso, tem o Escaravelho de mais a mais huma maçã, com que lhe pode ensaboar as barbas, ou faze-la retroceder com o cheirinho. Fio dos amantes da verdade que farão justiça ao Escaravelho contra a decantada Borbolêta, os N. N. 131 e seguintes e a imparcialidade decidirá, que não só nenhum credito merece o tal papel, mas antes he digno de que todos o detestem, tornando-se por este modo defensores da innocencia opprimida, assim como eu me protesto ser sempre até á morte Inimigo declarado dos Impostores, verdadeiro Constitucional. Vale. PRIMEIRA CARTA 22 DE OUTUBRO DE 1821. _Senhor Redactor do Correio do Porto._ Por hum lance imprevisto veio ter á minha mão a folha de hum Periodico intitulado = Borbolêta Constitucional = e vem a ser o N.º 131. Fiquei suspenso, e como fóra de mim ao lêr no frontespicio desta Obra, (que deve ser d'algum máo trolha) a Epigraphe em letras maiuscuas = Serão só sepultados vivos os Frades Carmelitas Descalços? = Com esta pasmosa interrogação suspeitei logo que os taes Frades terião comettido algum crime de lesa Magestade Divina, ou lesa Nação; pois só por hum tal attentado se póde merecer hum castigo tão atróz, usado só por vezes entre as Nações barbaras. Que farião, Deos meu, estes bons Padres, dizia eu cá para mim sósinho? Que farião elles? Conheço ha tantos annos a sua bondade, e o seu porte regular, e edificante, mas no estado presente não faltão malvados, e vem tempo, em que as cousas boas tambem degenerão; certamente temos por aqui alguma corcundisse, ou hypocrisia!!! mas reparo que a Epigraphe diz = Serão sepultados vivos? Então, disse eu, o crime he maior, que o de Corcunda, e de hypocrita! Na verdade tremi de frio susto, e assim mesmo botei-me a lêr a malgamação de cousas, de que estava cheia a tal folha da Borbolêta, e confesso que do estado apathico, em que me vi, passei rapidamente ao de frenetico. E não teria eu razão bastante, Senhor Redactor? Hum papel público, que anda pelas mãos de todos, hum Periodico, que vai correndo o mundo, e que se julga apologista da verdade, critico exacto, illustrador da Nação, amante da humanidade, e da sua Patria, não ter nada disto! Quero dizer, ser hum impostor, mentiroso, injuriador maligno dos membros da Nação, sem caridade, e até sem patriotismo!!! Isto he que faz escandecer o «Caco». Li, Senhor Redactor, e reli o tal papel, e desejei ser hum Hercules verdadeiro para descobrir, e pôr ao sól o vasio craneo deste novo «Caco» mais manhoso, que o primeiro, de que falla a fabula. Tive intentos de me fazer Periodiqueiro, não pelo lucro, mas sim para dar ao Público huma desforra sobre a impiedade do tal homem «Borbolêta»: mas lembrei-me que por este meio não conseguia o meu intento. He hum Rifão de Direito, que «as cousas se desfazem pelos mesmos principios, ou causas, a que devem a origem,» e por isso julguei conveniente inserir as minhas reflexões em algumas das Folhas, que se publicão nessa Cidade, e me lembrei da sua, e assim pelo mesmo modo, e meios que se publicou a mentira, chegava a todos a noticia da verdade. Não conheço (nem me ficão desejos disso) o Author da Borbolêta, e por este motivo não atacarei sua pessoa: he verdade que o merecia bem, pois ella ataca huma Corporação inteira, tão respeitavel em Portugal pela sua decidida observancia; e, se em algum lance convinha a pena de talião, era este a meu vêr, o mais decidido; e ainda assim não ficava equibrado o castigo com a grandesa do delicto. A Borbolêta desauthorisa, e enxovalha, e tracta de ridiculo huma Corporação inteira, cheia de homens honrados, sábios, e virtuosos; e a Borbolêta he hum insecto vil, huma metamorphose nojenta, inteiramente inutil ao mundo, e que nada se perde se a lançarem ao fogo, ou a enterrarem viva. Com tudo respeitarei sua pessoa, por dar exercicio á Caridade, e esta virtude pede que assim se tracte, ainda que seja hum inimigo: pretexto faze-lo assim com este lobo disfarçado, ou raposa solapada com mais ronha, que huma cabra velha. Pelos seus escriptos penetro a bondade das suas intenções, e pureza de sentimentos, vejo a boa indole, que o aníma, e até me parece que adivinho de que he composta a sua entidade physica. Nada porém direi, torno a repetir, senão do seu escripto verdadeiramente = Impio = cheio de = Falsidades = Anti-fradesco = Anti-Christão = Darei a conhecer ao Público (este he o assumpto geral) a nenhuma fé, que merece o tal papel, ou, melhor, quanto deve ser abominado pelo seu máo animo, falta de logica, de Charidade, e de Patriotismo, pois tudo isto se acha nelle. «Abque eo, quod intrinsecus latet.» Sirva-se, Senhor Redactor, de publicar no seu Periodico esta primeira Carta, que servirá como Exordio de Sermão ás quatro proposições indicadas, que tenho de provar pouco a pouco, e, se me não engano, darão ao seu Periodico materia para muito tempo. Não me dirijo ao Author da Borbolêta, não porque lhe tenha medo, pois o tal bicho a ninguem o mete, mas sim porque o não julgo tão despido de amor proprio, (pelo seu escripto parece ter cara d'aço) para ser sincero, e fiel nesta Causa, em que elle he réo, ou parte; e he necessario ter huma alma muito boa, e huma virtude não vulgar, para que hum réo, ou parte deponha contra si, quando tem na mão os monumentos do seu crime, e que póde rasgar a seu salvo sem que alguem o possa presumir. A distancia do lugar, aonde vivo, fará retardar as minhas participações, assim como retardão os papeis, que chegão á minha mão, e os monumentos, que espero dessa Cidade. No estado presente queria ter azas de Borbolêta para voar á sua Officina, e dar-lhe ahi boas torquezadas, mas não me quiz dar o Céo o que liberalisou a este animalejo, e o remedio está na paciencia. Espero que v. m. a terá com este, que he deveras. Inimigo declarado dos Impostores, e verdadeiro Constitucional. P. S. Senhor Redactor, depois desta feita, recebo o N. 132 da Borbolêta. Veja, veja lá como, sacudindo as azas, veio a cegar a gente com tanta poeira![1] Acuda a isto, Senhor Redactor; por Deus lh'o peço, imprimindo logo esta para bem da humanidade, e até da mesma Borbolêta; pois, se lhe não cortâmos os voadouros da lingua, temo que diga mal até do SS. Sacramento. Sou, como devo, Inimigo declarado dos Impostores, e verdadeiro Constitucional. SEGUNDA CARTA. Quinta feira 25 de Outubro. «Impius odit lucem» = E a luz mata a Borbolêta. Senhor Redactor, vou principiar o meu Discurso, ou Sermão, de que já lhe remetti o Exordio. A primeira proposição, que prometti mostrar, era = O papel da Borbolêta, o N.º 131, he verdadeiramente = Impio. = Não será difficil prova-lo, attendendo á genérica accepção da palavra. Muitos Authores, diz o Abbade Bergier, dão o nome de impio só áquelle, que blasfema de hum Deos, que acredita e adora no fundo do seu coração; mas o uso ordinario he dar este nome ao desprezo formal, e affectado da Religião, dos seus Ministros, das Cousas Santas, dos actos de virtude, e devoção dos Povos: pode tambem qualquer acto de crueza chamar-se impiedade; porque neste genero, diz hum Author, he impiedade e barbaro gosto de ver padecer a outro. Deixando para tempo opportuno os outros membros do periodo, principiemos pelo ultimo = He impiedade o barbaro gosto de ver padecer o outro. = Neste ponto he mais que impio o papel da Borbolêta, pois teve o barbaro gosto de ver sepultados na ignominia, feitos objecto da mófa publica, dos insultos dos libertinos, apupadas dos rapazes, e da gentalha os respeitaveis, e até agora mui dignos de louvor, os Padres Carmelitas Descalços, enchendo-os elle mesmo nos seus Diarios, tão repetidas vezes, de baldões, affrontas, ironías, sátyras picantes, e grandes escarcéos. E isto por que? Por que tinhão preso hum Frade, cuja prisão, cárcere, e tractamento não só pintou com as mais negras côres, mas com as mais despregadas mentiras, e falsidades. Se pois o barbaro gosto de ver padecer a outro he impiedade, a que gráo não sóbe a Borbolêta, vendo padecer a tantos, sendo ella a causa, e o motivo principal do enxovalho nas Cidades, onde estes homens são conhecidos, e nos lugares aonde o não são? «Quod est causae est causa causati in eodem genere causae.» Este axioma da Philosophia antiga he ainda hoje verdadeirissimo, e assenta como chapéo de carneiro na cabeça da Borbolêta. Ainda mais: Se o barbaro gosto de ver padecer a outro, ainda que seja culpado, pois a humanidade pede a compaixão, he impiedade, que impiedade não he o ser o seu flagello, açoute, e verdugo? Por outra: se o barbaro gosto de ver padecer o culpado, ser causa e verdugo do seu padecimento, he grande impiedade, porque este mostra ter coração de fera, o ser causa de padecerem tantos innocentes, e ser elle mesmo o seu flagello, e verdugo he o «non plus ultra» da impiedade: o effeito tem necessaria connexão com a sua causa. A não ser a narração emphatica, mentirosa, e aturdidora do papel da Borbolêta, não serião os Padres enxovalhados em toda a parte, como forão. Pobres Padres! Se por impossivel o Soberano Congresso entregasse os papeis da causa á Borbolêta, e lhe cometesse a decisão aonde pararieis vós, quando, sem conhecimento de causa, sem informação, e sem exame já vos sentencea não menos que a ser enterrados vivos!!! Pela regra da moralidade cresce a enormidade do delicto á medida da pessoa ultrajada, e os crimes multiplicão-se em numero quantos são os offendidos. Não fallo ainda do escandalo, e hum escandalo tão público, que vai chegando a toda a Europa, se não he já a todo o Mundo! Quem diria que hum animal de cornitos tão pequenos havia de fazer tantos estragos..? Mas serão innocentes os Padres Carmelitas? Sim, cornigera Borbolêta, ao menos a maior parte, e isto ainda suppondo ficticio o roubo, como declaradamente apregoa a sua folha, e o que a seu tempo mostrarei falso. Ande agora comigo, Senhora Borbolêta, se he que póde, e vá discorrendo. Fr. Gabriel de Santa Thereza achava-se no carcere do Porto cumprindo huma sentença, e chama-se justa ou injusta huma sentenca, se o crime imputado he falso, ou verdadeiro: quando ella he injusta, os culpados na injustica são as testemunhas, que depozerão falso, ou o Juiz que falsificou os depoimentos, ou «contra allegata, et probata» assim mesmo sentenciou hum réo, que o não era: Suppondo por agora falso o roubo imputado a Fr. Gabriel, e a sentença injusta vem a recahir a culpa sobre os Padres existentes no Porto nesse tempo, os quaes deposerão contra elle, e os Juizes que sentencearão sem razão. Logo os que ahi não estavão, nem depozerão não entrão nesta conta; não entrão os que vivião n'outros Conventos, os do Brazil e Angolla, os empregados nas Missões, os que forão para a tal Ordem, e Professarão depois disso. Logo estes, que são os mais, são innocentes; e deverão taõbem ser enterrados vivos? Acaso este crime será o peccado original, que se transmitte a todos? Acúa Sr.ª Borbolêta! tome alento que ainda vamos no principio da carreira. Sendo, como fica demonstrado, a maior parte innocente, ainda suppondo o roubo fingido, e a sentença injusta, segue-se legitimamente que he a ultima impiedade o querer que tantos innocentes sejão sepultados vivos. Tem-se visto muitas Testemunhas falsas, muitos Tribunaes corruptos, e tem-se dado muitas Sentenças injustas: isto he frequente no mundo, e o será sempre, a não crear Deos homens de outra raça, livres de paixões e prejuizos. Supponha-se toda, e qualquer Sociedade, todo e qualquer Governo, de necessidade hãode haver falhas, quebras, padrinhos, afilhados, valídos, interessados, hãode haver descuidos, preocupações, enganos, desejos de agradar para conseguir maior fortuna, e afinal a ambição, que em toda a parte cega os homens: esta a razão de se verem tantas testemunhas falsas, e tantas Sentenças injustas; entre estas a mais impia e injusta foi a de Pilatos contra Christo, pois o entregou á mórte, receoso de perder a Dignidade: mas depois desta não sei que haja outra mais injusta que a da Borbolêta contra os Frades Mariannos, pois, para conservar o caracter de maldizente, quer que todos elles sejão enterrados vivos, e ninguem dirá que hum tal sentimento posto em papeis publicos não seja a maior das impiedades. A Borbolêta não quererá que se arrasem todos os Tribunaes, nem que sejão queimados todos os Juizes, nem enterrados vivos todos os que jurão em causas crimes, só precisamente porque tem havido Tribunaes injustos, máos Ministros, e testemunhas falsas; e hade querer acabar de todo com os Frades Carmelitas, só porque castigárão hum seu alumno, fosse elle culpado ou innocente? Soffre-se no mundo tanta injustiça, e não se hade perdoar a huma, quando appareça no Claustro? Dizem que he humanidade acudir pelo innocente castigado, e eu taõbem concordo neste principio; mas será rasoavel que, para libertar hum innocente, se condemnem, e enterrem vivos a mais de tresentos innocentes? Esta humanidade foi, he, e será sempre desconhecida no mundo, á excepção da Borbolêta. Mas deveras he innocente Fr. Grabriel, de quem tractâmos? Serão culpadas as testemunhas, e os seus Juizes? Eis-aqui a mina de carôço, onde a Borbolêta achou hum thesouro, com que enchêo a bolsa á custa de hum Povo crédulo, que devorou as suas pêtas embrulhadas em palavrinhas, bem como pirola dourada, que, contendo mortal veneno, engana os simples e pouco acautelados. A Borbolêta suppõem innocente o tal Fradepio, e não sei como o não canonisa de Santo, pois o tracta de Religioso, e Reverendissimo, sendo aliás hum Leigo com corôa aberta, e de casco mais rebelde, que o seixo ao fogo; e aos Padres suppõem todos culpados, e os tracta de machiaveis, hypocritas, tyrannos, e verdugos infernaes.... Por certo que Mafoma não fallou tão mal, nem disse tanto do toucinho! O Impio Luthero não blasfemou com mais impeto contra a Santa Igreja, e contra o Papa, a quem chamava o Anti-Christo. Pouco importa, e de nada vale o dizer a Borbolêta que refere o que sabe por differentes vias sem animo de injuriar a Corporação Carmelitana Descalça, quando diz tão mal della, ou dos seus individuos, que he o mesmo, com tanto furor e acrimonia. Hum semelhante protesto, junto com o infame relatorio, he desfazer com os pés o que tinha feito com as mãos; huma refinada hypocrisia para melhor se fazer acreditar; huma impiedade solapada para córar o seu veneno: este modo de proceder chamou-se em outro tempo «protecção á Franceza.» Injuriar publicamente hum homem, (muito mais huma Corporação inteira) imputar-lhe falsamente grandes crimes, e divulgalos por toda a parte, meter-lhe em fim a espada até aos copos, continuando a dar-lhe estocadas mortaes, e protestar ao mesmo tempo que não tem animo de o offender... quem não vê que isto he estupidez? e, se não quer que seja assim, então vem a ser o que eu já disse = o non plus ultra = da impiedade. Mas talvez que a Borbolêta admitta a existencia do peccado philosophico, e, a ser assim, eu o desculpo pela compaixão, que tenho da sua cegueira. He certo, torno a repetir, que a Borbolêta suppõe innocente o tal Fradepio, e tomo a meu cargo mostrar-lhe para o Correio, em como he culpado, e mui culpado. Na terra onde vivo tenho participações as mais veridicas sobre este ponto, e protesto, e juro a Deos (o caso pede que se jure para que o mundo conheça a verdade) ser mais fiel e sincero que a Borbolêta em relatar os factos. Antes de os expôr convem dar huma noção exacta do caracter de Fr. Gabriel de Santa Theresa. (perdoem-me os Padres Carmelitas se mostrar ao mundo os crimes de hum seu Irmão) Julgo que a sua Religião nada perde com isto, antes a meu ver se acredita por isso mesmo, que castigou como devia os seus delictos, nem offendo a caridade mostrando os crimes de hum Frade indigno até de estar na Sociedade dos homens, e que nenhum direito tem já á sua honra. Para o Correio porei este caso em toda a luz possivel, para vêr se queimamos a Borbolêta, ou ella mesma se queima na sua impiedade. Tenha paciencia Senhor Redactor em aturar este, que he sem refolho. Inimigo declarado dos Impostores, e verdadeiro Constitucional. TERCEIRA CARTA. Segunda feira 29 de Outubro. «Impius facit opus instabile» Senhor Redactor, vou continuando a primeira parte do meu Discurso, ou do meu Sermão: ficou elle substancialmente nas duas interrogações; 1.ª se Fr. Gabriel he innocente? 2.ª se as testemunhas, que deposérão na devassa, e os Juizes, que dérão a Sentença, serão culpados? Da verdade de huma destas proposições segue-se necessariamente a falsidade da outra: Logo, se o primeiro for culpado, devemos concluir de certo que os segundos são innocentes, e impio o tal papel da Borbolêta; pois a torto, e a travez quer que os Padres sejão «barbaros, crueis, tyrannos,» e por consequencia merecedores de mais alguma cousa, que serem enterrados vivos. Entremos primeiro na descripção de Fr. Gabriel, ou do seu caracter, que prometti, e eu a dou em tudo confórme ás participacões delle, nem mais, nem menos. «Agoente agora hum pouco, Sr. Borbolêta, e venha vindo a passo.» Fr. Gabriel de Santa Theresa, de idade de 53, a 54 annos, pouco depois de professo no Convento do Porto, e logo no principio do seu Coristado mostrou huma indole tal, que nunca a sua Religião se servio delle, nem o promovêo a Ordem alguma, por não dar, nem sequer, esperanças para o desempenho do menor gráo do Sacerdocio. Já no tempo de Noviço as deu bem fracas de cumprir os devêres da profissão, e foi admittido a ella, presumindo-se que com a frequencia dos Exercicios Religiosos, bons exemplos, exhortações, e com o tempo em fim se ligaria aos seus devêres; mas enganárão-se os bons Padres, porque = de pequeno verás o Boi que terás. = Suas propenções, falta d'amor á observancia, de sentimentos religiosos, e até christãos, erão taes que, por exercicio á Caridade, e respeito á sua Corporação, não os especifico. Repetidas vezes arguio, e castigado de mil infracções do que tinha professado, seu genio inquieto, seu coração endocil tudo atropelava, zombava de tudo. Seu entendimento rombo, e ao mesmo tempo manhoso, só inclinado ás cousas da terra o affoutou a pedir aos Prelados que, da profissão, que fizéra para Religioso do Côro, o passassem para a de Leigo. «Toupeira nos sentimentos quiz trocar os olhos pelo rabo, estimando mais ser bicho de cosinha, do que pegar no Breviario.» Que tal he o Rmo. da Borbolêta!!! Em varios tempos, e por varias vezes mostrou o «séstro» de rapinante, não sei porque infeliz e funesto fado! Em 1804 foi convencido de haver tirado huns cordões d'ouro, e algumas peças á tal Senhora, a quem chama a Borbolêta, como de mófa, = Rica Proprietaria; e, de mais a mais, de abrir com gasua, ou chave falsa os mealheiros, ou caixinhas, em que os Fieis devotos deitão as suas esmolas aos Santos: (talvez julgasse erradamente lhe competia este espolio, por ser elle mais santo, ao menos na razão de simples) Convencido deste crime foi então prezo, e do tempo da prizão nada nada me informão de positivo. Não se emendou com esta pena a tal «ave de rapina:» deu traças a huma chave, a que chamão mestra, a qual abre as portas das Cellas todas, e em horas, que lá sabia, hia sisando o que achava bem guardado: houve alguns queixosos, e entre elles o Comprador da Communidade, que se via afflicto, por lhe faltar muitas vezes o dinheiro da Cella, e a Cella sempre fechada. Depois de longo tempo, desconfiado do tal merlo, armou-lhe a ratoeira, e logo á primeira vez cahio nella a «Ratasana.» He galante esta historia, e mostra bem quanto são finos os taes Fradinhos. Hum dia fingio o Comprador sahir para fóra, e no tempo de Vesperas foi ao Côro tomar a benção ao Prelado; mas, em lugar de sahir, foi meter-se em huma Cella fronteira á sua, e pôz-se á espreita, tendo avisado a não sei quantos, que perto e disfarçados acudissem á primeira voz. Serião três horas pouco mais ou menos, eis que, cantando ao som de Esgueira, ou Borda-d'agoa = trai, li, la-ro, veio correndo o Dormitorio o Reverendissimo Fr. Gabriel, que suppunha fóra o Comprador, e os demais na Cerca divertindo-se: feitas as tentativas para que ninguem o visse metêo a chave, abrio a porta, e entrou affouto deixando a tal chave na fechadura; fatal descuido! Sahe depressa como galgo sobre lebre o Comprador, juntão-se os outros, que pilhárão o Reverendissimo mechendo, se não foi já embolçando algum dinheiro. Eis-aqui o innocente, que tanta piedade merece á Borbolêta! Deos por sua alta piedade lhe encha a casa dellas, ainda que [ persuado-me ] não terão muito que levar. Castigado novamente o Reverendissimo teve a soffrer o carcere, e tãobem não me dizem por quanto tempo, mas sim que o fôra por Sentença. Estes Padres tem lá suas Leis, e Judicatura particular, e por ella costumão processar os Réos; e, a fallar verdade, fazem bem; porque aonde não ha castigo ha huma tropa de levantados, e cada qual faz o que quer. O homem de honra dirige-se pela nobreza dos sentimentos, que o animão, e quem a não tem atropella tudo, e para estes he necessario aguilhão, e hum chusso. Na colisão de dous Governos hum molle, e outro rijo deve preferir-se este ao molle; porque no rijo o homem de bem nada teme, porque obra por decóro, e honra propria e o malévolo contem-se pelo temor de que o castiguem: pelo contrario no Governo molle o mesmo homem de honra muitas vezes se relaxa, e o máo que neste estado não teme o castigo, faz-se pessimo, audaz, e insolente. A vara, e o freio doma os cavallos, e para os homens máos são necessarios os castigos: mas a Borbolêta he tão boa que não quer hajão máos no mundo, nem que elles se castiguem; os bons isso sim, esses sejão sepultados vivos, e ainda alguma cousa mais. Eis-aqui huma politica estranha, ou huma piedade verdadeiramente impia; e, a valer esta regra, tem de viver muitos seculos a Borbolêta, ainda que o seu sustento sejão «acelgas, e beldroegas.» Na sua linguagem he Fr. Gabriel hum infeliz barbaramente encarcerado, e os Padres são huns hypocritas, crueis, solapados, huns verdugos, e verdugos infernaes. «Apague! Este rasgo de eloquencia pedantesca escandalisa, ainda que seja hum Fariseo. He huma verdade, pois o diz Espirito Santo [ por ser de tal author julgo o não negará a Borbolêta, ainda que tem cabedal para muito mais ] diz o Espirito Santo, que a boca falla da abundancia do coração, e quem lança taes fezes pela boca [ digo eu ] he sinal que foi meter a lingua em parte bem nojenta. Acho-me tãobem agora com vagar, e por isso contarei a minha anecdota.» Ahi vai, acredite quem quizer, e quem não quizer não acredite. Em certa terra deste Reino entrou hum homem alta noite em huma casa a não sei que pertenção; porem sentido pelo dono, e não podendo escapar-lhe d'outro modo, descêo de hum golpe por hum buraco a huma loja, onde infelizmente se enterrou até á cinta: o pobre miseravel forcejando como burro em atoleiro, pôde escapar á inundação, e aos fios da espada, com que o outro o perseguia: atravessou algumas ruas, e para mais desgraça veio dar aonde estava huma sentinella; gritou este como era de costume = quem vem lá para á guarda? = mas o tal homem fez-se mouta, e com pés de lã deu mais hum passo adiante porem o Sentinella gritou mais alto = quem vem lá para á guarda? Então o miseravel, vendo que o voltar atraz era cahir nas mãos do inimigo, e que os gritos de sentinella o descobrião, disse em voz submissa = he o diabo carregado d'esterco, = (por decencia não se diz a palavra) ao que respondêo o Sentinella, = passe de largo, que o cheiro bem o mostra. = Tornemos agora ao Reverendissimo Fr. Gabriel, [dar-lhe-hei sempre este titulo que de tão boa mente lhe concede a Borbolêta] e ao facto de 1813, que ella conta em ar dogmatico, e decisivo. Muito perdêo o Patriarcha Grego em não ter ao pé de si esta rica Borbolêta! passaria por hum homem inspirado, e a força da sua loquella faria scismatico o mais emperrado Turco. Em 1813, no dia 14 de Junho ás 5 horas da manhã, appareceo roubada a Senhora da porta, como diz a Borbolêta, mas não diz tudo; he velhaca, ou não teve informações exactas, e escrevêo ao Deos-dará: appareceo tãobem roubada a Senhora do Altar Mór, Calices, Custodia, e demais prata da Sacristia, e até a Patena dos Santos Oleos, que estava fechada n'hum cantinho.... Foi esta apparição, de menos, da fórma que vou dizer, e do modo que me informão pessoas de todo o credito, que a presenciárão ellas mesmas. Os Padres Carmelitas Descalços tem por instituto, o levantarem-se em todo o anno hum pouco antes das 5 horas da manhã; e no tempo que toca o sino juntão-se no Côro para fazerem Oração. Costumão nas terras grandes descer nesse tempo alguns Padres a dizer Missa ao Povo, que no Porto he sempre em quantidade: abrio o Porteiro a Igreja, e o Sacristão a porta da Sacristia, e eis-aqui o pasmo, e o assombro em huma e outra parte ao mesmo tempo... Os Padres não achão Calices, e o Povo vê o Nixo da Senhora aberto, o Menino aos pés da Mãi, e ambos despojados de corôas, joias, e dinheiro, e tãobem a Senhora, e Menino do Altar Mór sem as suas corôas. Armou-se tal barulho na Igreja, que os Padres, deixando a Oração, correrão á grade do Côro para saberem a causa do motim: então hum delles [dizem-me que se chama Fr. Manoel de S. Lourenço, e que ainda móra no dito Convento] perguntou ao visinho, que era o Reverendissimo Fr. Gabriel--isto que he? que succedeo?.. He disse o tal Reverendissimo, he que roubárão a Igreja, e Sacristia. Como assim, lhe replicou o Padre, se a porta da Sacristia he páo ferro, e só á força de machados, e com muito estrondo he que podia arrombar-se? Não foi por essa porta, respondeo o Reverendissimo, forão pela escada da Sacristia, arrombárão a porta do Presbyterio, e dahi forão pela Capella do Sacramento á Sacristia. N. B. Os Padres, regularmente recolhem-se ás Cellas das déz ás onze horas da noite, e levantão-se para o Côro ás cinco, como já disse: a Communidade estava então no Côro, e lá estava tãobem o Reverendissimo; os demais ignoravão o que se passava, e o que era, e o Reverendissimo Fr. Gabriel, sem sahir do Côro, já sabia não só do roubo, mas de tão miudas circunstancias como = o terem ido pela escada da Sacristia, o arrombamento da porta do Presbyterio, a passagem á Capella do Sacramento &c. &c. Se não foi elle o ladrão, parece que andou com elles; ou, aliás, advinhou. Seria isto porque estes Padres tem por brasão o ser filhos dos Profetas, e Fr. Gabriel, entrando nesta successão por artes de «berliques berloques,» consultou alguma bruxa, que tendo o espirito d'Apollo Pythio, lhe revelou de noite tantos segredos; pois dizem [valha a verdade] que os espectros costumão apparecer, e fallar huns aos outros. Conhecido o furto, (digo a verdade, e só esta he que he verdade, diga quantas mentiras quizer a Borbolêta) desconfiárão os Padres dos Soldados, pois, sendo feito o roubo pelo interior da Casa; tinhão motivos racionaveis para isto. Chamárão o Sargento, perguntárão aos Guardas da Portaria se virão entrar, ou sahir alguem em toda a noite; e, respondido que ninguem entrára nem sahíra, dous Padres com o dito Sargento derão huma busca ligeira ás Cellas, onde os Soldados estavâo aquartelados, e nada apparecêo: foi busca ligeira, por que huma grande Custodia, sete, ou oito Calices, Patenas, Corôas, &c. &c. não erão trastes, que se metessem no bolço, ou na patrona. Nessa manhã veio ao Convento o Chanceller, a quem o Prior foi rogar para isso, o qual, examinando o lugar, por onde se fez o roubo, os sitios onde as cousas estavão, e demais circunstancias, disse por fim ao Prior, e Padres, que o acompanhavão--Padre Prior, tenho experiencia porque tracto de semelhantes causas ha muitos annos; pelo que observo o furto foi feito por pessoa, que sabia muito dos escaninhos, sitios, chaves, e lugares: veja se tem em casa alguem capaz disto, e não se escandalize, porque taõbem no Apostolado houve hum Judas. Ora este sim, que foi Profeta! Nós veremos como elle advinhou. Para o Correio, Senhor Redactor, continuarei o meu aranzel, assim como continuo a ser Inimigo declarado dos Impostores, e verdadeiro Constitucional. CARTA IV. «Impietas impii erit super eum.» Senhor Redactor, já lhe remetti a descripção do caracter de Fr. Gabriel, e o modo como se fez o furto, e ficámos em ver como advinhou, sem ser bruxo, o Illustre Chanceller. A pezar do seu pronostico tão claro e decisivo, nem por isso se declárão os Padres contra o Reverendissimo, ainda que lá no coração muitos o suspeitarião: assim mesmo, apenas hum, ou dois por entre dentes disserão que desconfiavão delle; porem a perturbação, a mágoa, e o sentimento em todos era tal, que os não deixava discorrer: andavão como attónitos, e assombrados, e foi tão grande a pena, que o pobre do Prior em três dias deu á casca, isto he, morreo de apaixonado. Descobrio-se o furto nesse mesmo dia, ou no seguinte, e foi da maneira que vou contar, nem mais nem menos. Recolhidos depois de cea os Religiosos, erão pouco mais de onze horas, quando vem á Cella do Superior aquelle sujeitinho, que tinha pilhado da outra vez a «Ratasana» era o mesmo Comprador, de que acima fallámos, e lhe disse desta maneira «Padre Superior, eu já estava deitado, e não posso dormir, nem descançar com a lembrança de que o furto está em casa, e de que o ladrão de certo, ao que me parece, foi Fr. Gabriel; (perdoe que me esquecêo agora o Reverendissimo, fique para outra vez) lembro-me que por cima da abobada da Igreja ao lado da Epistola, e sobre o Altar da Santa Theresa ha hum profundo escondrijo, onde escapárão muitas cousas aos Francezes [não escapou depois disso huma mala, e parece que o Reverendissimo lhe deitou a fatexa de cinco pontas, pois me dizem anda appensa aos Autos huma carta delle a certo amigo da Cidade, em que o avisa tenha muito cuidado na mala, e a não dê a ninguem para o não perderem &c.] Certamente ahi está o roubo: venha comigo, e vamos ver.» Foi com elle outro Religioso, e mesmo, lá mesmo no tal sitio mesmo, lá estava, mas não tudo: Corrêo logo com tal alvoroço o tal Comprador, que, sendo alta noite, e tempo de silencio assim mesmo gritou nos Dormitorios em altas vozes = Padre Superior, apparecêo; cá está; venha, venha que appareceu.... Ao estrondo destas vozes levantou-se o Superior á pressa meio vestido; levantárão-se os demais como em tumultos e todos, á maneira de quem acode ao fogo, correndo cada qual mais depressa, se dirigião ao sitio para ver o tal «achado.» Todo este barulho passou pela porta do Reverendissimo, e á porta delle he que gritou o Comprador; mas deixou-se ficar quietinho, e estirado como bom cação; talvez tivesse escrúpulo de quebrantar o silencio, porque foi sempre mui observante neste ponto: póde ser que nada disto o acordasse; mas, a ser assim, hum sono tão profundo indica bem a necessidade de descanço; elle o precisava, pois tinha perdido a noite antecedente. Cumpre notar que até os Padres mais velhos, e venerandos se levantárão para assistir ao acto da «achada,» e o Reverendissimo, e venerabundo Fr. Gabriel devia ficar-se pelo pouco, ou nenhum interesse, que lhe resultava de hum roubo tão consideravel, e que tanta magoa causou aos seus Irmãos. Apparecêrão Calices, Patenas, Custodia, a pequena Alampada, e a Corôa grande, mas não as colherinhas dos Calices, joias, dinheiro, e tudo o mais que não era volumoso. Depois desta descoberta encaminhou-se o Prior, e Padres do Governo á Cella do Reverendissimo Gabriel, e o forão condusindo para outra, que tinha grades, servio, e serve algumas vezes de hospedaria: aqui o deixárão ficar em quanto elle não teve arrombados os ferros, porque então foi preciso muda-lo para outra Cella taõbem de grades, e, se vê já de forro. Metido nesta Cella deu traças a fugir, e para isto furou a abobada, o que deu motivo a fazer-se-lhe hum segundo solho, ou pavimento sobre o primeiro. Ao Religioso, que o servia, em quem achou alguma confiança, e demasiada benevolencia, deu 2400 para que lhe comprasse huma lima surda, ou serra d'asso, afim de cortar os ferros da janella, e por-se ao fresco; pedio mais ao dito Padre lhe levasse hum Gabinardo, que tinha em certo sitio, e huma corda a qual lhe disse a tinha escondida detraz dos folles do Orgão, e lá se achou. «Estes trastes denotão que elle costumava fazer suas sortidas; ou que já os tinha de prevenção para o que désse, e viesse.» Nada se achou na Cella do Reverendissimo concernente ao furto, nem era da esperar, porque já estava destro; com tudo, depois de alguns dias, lhe mandárão despisse toda a roupa, e apparecêo cosida na fralda da camisa a quantia de 12$ e tantos reis. Tãobem isto, dirá a Borbolêta, que he fingidi? Estes Padres são mui finos, e certamente por alguma nova magica forão-lhe lá coser o dinheiro, mas este remendo botado assim he mal cosido. Nada apparecêo até ao dia de hoje, de cordões, joias, dinheiro, «que foi em quantidade o que levou da gaveta da Sacristia,» e d'outras miudesas, e he crivel, que tudo enterrasse na Cerca, e ha razão de o desconfiar; por quanto, propondo o Reverendissimo ao Padre, que o servia, os intentos de fugir pela janella para a Cerca, este lhe aconselhava o não fizesse por esse lado; que de noite, arrombando a delgada taipa, que divide a Cella, podia escapar-se muito bem, pois a Portaria estava aberta, e os Soldados o deixarião ir livremente, dizendo-lhes que era Religioso; a estes e outros conselhos repugnava sempre o Reverendissimo, teimando sahir pela janella, e pela Cerca; ora isto [dizem-me] são motivos para desconfiar, de que as joias, dinheiro &c. estão na Cerca enterradas, e que elle os queria levar comsigo quando fugisse; por quanto, perdida esta occasião, não lhe ficava outra para as levar sem muito risco, e grande perigo de ser pilhado, se voltasse. Não damos porem como certo o enterramento, para sermos em tudo sinceros, e não cahir nos absurdos da Borbolêta: o facto he veridico; mas, se estes erão os seus intentos. Deos o sabe, e cada qual ajuize como quizer. Foi do modo que fica exposto o furto, e o seu achado, ao que se seguio depois huma devassa, que lá fizerão os Padres, conforme determinão seus Estatutos, e o que depozerão as testemunhas nem o sei, nem se me communica: Sei sim que foi sentenciado, e que a norma da Sentença foi dada por hum Juris-consulto Secular á vista dos Autos; homem tal que, disse ao Prior o honrado Juiz do Crime no dia 14 de Outubro, era a melhor cousa que tinha Portugal em materias criminaes: [se mentio por alma lhe preste, pois agora mente-se muito, e custa saber de que parte está a verdade.] Sendo pois testemunhas de probidade as que depozérão, porque forão Religiosos, e não se póde dizer sem blasfemea, que todos jurassem falso, e sendo a Sentença dictada por hum Ministro desinteressado, e sem suspeita, segue-se legitimamente que o Reverendissimo Fr. Gabriel foi «irté» pronunciado criminoso no furto, e por consequencia igualmente legitima, os demais Religiosos innocentes. Ora, e deverão elles, por castigarem o Reverendissimo depois de sentenciado, ir todos lá para essa Ilha dos mortos, ou dos Lagartos, e serem sepultados vivos? Admiro a grande caridade para soltar hum preso, e ao mesmo tempo o esforço, e energia em enterrar os sôltos. Quem não vê que isto he huma grande impiedade?.. Apesar de não saber o que as testemunhas deposerão; assim mesmo não sou temerario em chamar criminoso ao Reverendissimo, porque para isto basta saber que foi juridicamente sentenceado: mas, ainda quando o não fosse, appello desde já para o Juizo de todo o mundo racional, [fica excluida a Borbolêta, porquo he animal sem razão] e diga elle se tantos, e tão grandes indicios, como os expostos, não são prova prudente, ainda que não infallivel, de que Fr. Gabriel foi o auctor do roubo? Saber o modo, as circunstancias, e todos os abanicos do furto, quando os mais ignoravão ainda o que se passava! isto só quem fez o roubo, ou assistio a elle; e neste caso tão ladrão he o que furta como o que consente, e para ser de outra maneira he muito advinhar: além de que, para se fazer este roubo, era necessario estar dentro de casa, descer pela escada interior do Convento, saber da porta do Presbyterio, da passagem da porta do Sacramento para a Sacristia e ahi saber das chaves para abrir Armarios, caixões, gavetas, e saber em fim os lugares, em que paravão as cousas, e conduzilas pelo interior do Convento, e saber do escondrijo. E então não foi o Reverendissimo Fr. Gabriel quem fez o roubo? Eis-aqui o que disse hum rústico = Ladrão he elle, assim o eu fôra. = Além disto he certa a regra do Cêsteiro, «quem faz hum cesto faz hum cento;» quero dizer, tendo sido o Reverendissimo convencido de dous roubos, quasi da mesma natureza, de hum Relogio, que safou a outro, e que, depois de o negar, lhe achárão na Cella, e de outras minudencias. &c. &c. que devemos nós suppôr? A regra de Direito presume sempre máo aquelle, que o foi huma só vez, «Semel malus, semper præsumitur malus» e não devemos nós suppôr máo aquelle, que o foi tantas vezes? Não o sería; o que por huma excepção extraordinaria, e fóra de toda a regra póde acontecer; mas para que tinha elle o Gabinardo? Sería para representar na Opera? Galante figura! Mas, a não ser isto, para que era a corda? Seria para se enforcar quando se visse atacado? Ainda que he estúpido no ultimo ponto não tem semelhantes sentimentos. Agora por tudo isto... Já me esquecia o dinheiro! Sim, o dinheiro: se era delle, para que o foi cozer em parte tão secreta? Alem de que, se era inocente e tão santinho, como o suppõe a Borbolêta, para que intentou tantas vezes, e com tanto perigo a fugida? Quem não deve não teme. Para que em fim assignou voluntariamente a Sentença, acceitando-a, quando aliás diante de testemunhas lhe disse o Prelado, intimando-lha, que a aggravasse, ou appelasse para Tribunal. Superior, pois tinha este recurso, e se lhe concedia de boa mente? Se he certo o adagio = quem cala consente, muito mais certo he, quem subscreve de proprio punho sem violencia. Por tudo isto... Agora venha cá, Senhora Borbolêta, que lhe quero depennar as azas: Vê tudo isto! Olhe bem! Vê!.. esta narração desde o começo até ao fim he o facto viridico e tão certo, como he certo estar vossa mercê pintada no seu papel digo por causa de equivocação, gravada no seu papel. Ora, diga-me, não lhe mostrei que a maior parte dos Padres Carmelitas Descalços era innocente, pois só os do Porto he que entrárão na festa de Fr. Gabriel? Não vio depois que o erão todos, pois pelos factos, e provas de Direito se mostra criminoso o Reverendissimo seu apaixonado? E não será impiedadade o querer que tantos innocentes sejão enterrados vivos? Não o he ainda maior o desejar-lhes ainda maior castigo? Tanta gente sepultada viva! Póde haver pena maior? Não he o superlativo da impiedade o fazer acreditar ao Público tão grandes aleives, dos quaes veio a seguir-se huma infamia pública contra tantos, e tão bons Religiosos? Não foi o seu papel huma e outra vez impresso com as mesmas fanfarronadas, e de quando em quando certas pancadinhas a causa delles serem apupados publicamente, insultados pelos rapazes, garotos, lacaios, e regateiras; nas ruas, nas praças, e nas casas particulares; feitos a fabula não só do Povo do Porto, que sempre he Povo, ainda que vossa mercê lhe chama «comedido, pacato» &c. &c. mas de todas as terras do Reino, e fóra delle? Não está vossa mercê obrigada a restituir o credito a estes homens tão injustamente roubados, e de mais a mais o dinheiro, que levou tão mal, porca, e indevidamente pejo seu papel, cheio de mentiras, aleives, e impiedades? Olhe, dou-lhe hum conselho, se quer salvar-se vá para a Thebaida fazer penitencia, ou ao menos meta-se leigo na Cartuxa: estou certo que isto nem lhe faz móssas nem escrupulo: como v. m. metêo dinheiro na aljava, isso he o que lhe interessa, lá do mais quem sabe... Mas, fallando agora nas cousas da terra, diga-me, merecerá o seu papel algum credito de hoje em diante? Não he digno de que todos o detestem, e aborreção? Não he assim mesmo verdade, que «semel mal semper præsumitur malus;» ou, aliás, a regra do cesteiro? Será injustiça quando se lhe appliquem estas mesmas regras? Não tem o seu papel merecimentos de sobejo para isso? Vai ao chão com tanto peso, Senhora Borbolêta? Deita sangue porque lhe puxei as azas? Não o póde vedar? Pois agora morra com esta sangria, e, se não quer, não grite tão alto, ou vá esconder-se onde nunca mais appareça diante de gente, se he que lhe restão ainda sentimentos: Mas assento que o não fará, porque me lembro agora do que succedeo em caso identico a hum Gallego descarado. Vou contar-lho, porque vem aqui muito a proposito. Convencido de certo crime o tal Gallego levou, salvo seja, em tal parte hum par de açoutes, e tres voltas em roda da forca; e, sendo posto em liberdade, logo immediatamente pegou na tranca, e no chouriço e poz-se a ganhar a vida como d'antes: hum companheiro no officio, porem de melhores sentimentos, apenas o vê deste feitio lhe disse estimulado = homem de Deos, ou do diabo, e tu não tens vergonha: He possivel que, levando hontem açoutes por essas Ruas, e, costeando a forca, andes hoje em público por esse modo? Se tal me succedêra fugia para onde ninguem me conhecesse; metia a cara n'hum folle, e andaria assim mascarado toda a minha vida: por Deos: que ao menos largava o officio para não envergonhar os outros = ao que respondeo o desavergonhado = Pois bem está; tu fazias isso, e eu não: são genios, e a mim que mal me vai? Os açoutes não me dóem, aqui poucos me conhecem, e eu ganho dinheiro.... Senhor Redactor, como Escaravelho fui indo devagarinho, e a passo lento para pilhar de geito a Borbolêta: encontrei-a no meu quintal chupando as couves para depois deixar ficar a semente das lagartinhas, que destróem as hortas, e investi com ella tão animoso como o General Chixagophe com os seus Cossacos sobre os Francezes, e a primeira descarga foi huma torquezada no bandulho, que lhe fez sahir as tripas fóra, e por isso creio morrerá cedo das feridas. He verdade que este animalêjo de alado passa a bicho, e renasce depois de morto; mas eu hei de pôr sentinellas, e guardas avançadas; e, alem do Exercito que está no campo entrincheirado, tenho hum grande corpo de reserva: he por isto que estou sempre certo da victoria. Bem sei eu que para tão insignificante inimigo não era mister nem tanta gente, nem tanto barulho; porem a Borbolêta, tendo algum espirito sem ter forças, faz sempre o que os fracos nestes lances, isto he, chama para seu lado valentões basofias, que animados de hum espirito ainda mais bravo procurão despica-la. «Assumit spiritus nequiores se.» Eu irei sosinho á batalha, como S. Martinho, sem espada, nem escudo: tenho hum bom Santo Lenho, e hum Breve de boa marca, e com estas insignias lhes farei os Exorcismos. Veremos fugir estes espiritos malignos, e o seu ultimo estado será mais infeliz, que o primeiro. Por fim, Senhor Redactor, he tempo de concluir: parece-me que mostrei soffrivelmente a primeira proposição, que prometti sobre o papel da Borbolêta; isto he, a sua Impiedade, e que nella se verificão á letra os textos, 1.º «Impius facit opus instabile.» Prover. 11. v. 18. 2.º «Impietas impei erit super eum» Ezech. 18. v. 20. Ponha esta fazenda em Praça pública, que não deixará de haver bastantes compradores, e, ainda que he fabricada cá no Reino, he da ultima moda, e de que muito gostão os pataratas. Para o Correio remetterei mais, pois tenho na minha loja grandissimo sortimento. Protesto-lhe, que ainda sou devéras, e serei com a mesma efficacia «usque ad mortem.» Inimigo declarado dos Impostores, e verdadeiro Constitucional. [1] O N. 152 he huma copia fiel do que relatou no dia antecedente, ao qual accrescentou «que podéra alcançar mais huns pós de verisimilhança para credito dos que os seus raciocinios não forão destituidos de probabilidade etc. Falla de noventa dias de jejum a pão, e agua, e «afirma,» que nada derão de comer os Padres aos Soldados etc. do fracasso desastroso para quebra do verniz da Santidade do Escapulario Carmelitano etc. etc. etc.» A seu tempo mostrarei que nada tem de verisimilhança o que refere, que mente tanto nos jejuns, como na comida dos Soldados, e dar-lhe-hei com verniz gordo pelas ventas. *** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK A VERDADE A PASSO LENTO OU GUERRA DO ESCARAVELHO CONTRA A BORBOLETA CONSTITUCIONAL DO PORTO *** Updated editions will replace the previous one—the old editions will be renamed. Creating the works from print editions not protected by U.S. copyright law means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg™ electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG™ concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge for an eBook, except by following the terms of the trademark license, including paying royalties for use of the Project Gutenberg trademark. If you do not charge anything for copies of this eBook, complying with the trademark license is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as creation of derivative works, reports, performances and research. 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It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg™’s goals and ensuring that the Project Gutenberg™ collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg™ and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation information page at www.gutenberg.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non-profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation’s EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state’s laws. The Foundation’s business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation’s website and official page at www.gutenberg.org/contact Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg™ depends upon and cannot survive without widespread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine-readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit www.gutenberg.org/donate. While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. 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