The Project Gutenberg eBook of Romanceiro geral This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook. Title: Romanceiro geral Compiler: Teófilo Braga Release date: July 12, 2023 [eBook #71173] Language: Portuguese Original publication: Portugal: Imp. da Universidade Credits: Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net *** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK ROMANCEIRO GERAL *** ROMANCEIRO GERAL COLLIGIDO DA TRADIÇÃO POR THEOPHILO BRAGA Procuré con mi sudor Y con inmenso trabajo Juntar diversos romances Que andavan discarriados.... ROM. GENERAL, de 1594. COIMBRA IMPRENSA DA UNIVERSIDADE 1867 DO COLLECTOR As primeiras poesias portuguezas, conservadas casualmente nos Chronicons, não são de origem popular, e o seu valor litterario acha-se destituido pela auctoridade de João Pedro Ribeiro. Depois do Concilio de Trento a musa do povo foi banida da egreja, aonde tomava parte na liturgia, participando tambem da inspiração hymnica. Os latinistas ecclesiasticos e o cultismo provençal excluiram-na das côrtes. Dom Diniz, apprendendo a fazer versos na lingua provençal, desprezou o verso octosyllabico, inteiramente popular e do genio rythmico da lingua, pelo endecasyllabo _de diez syllabas a la manera de los limosis_, como diz o Marquez de Santillana. Os nossos Cancioneiros são aristocraticos. No tempo de Dom Fernando começa a sentir-se a influencia normanda, isto é, a implantação das tradições do norte e dos diversos povos, trazidas pelos aventureiros que divagavam então pela Europa vivendo d’este seu mister. O cyclo da Tavola Redonda é imitado nas aventuras dos passos d’armas, na _Ala dos Namorados_ e da _Madre Sylva_, nos _Doze de Inglaterra_, desenvolvendo-se a ponto de crear um typo messianico em Dom Sebastião, em tudo similhante a el-rei Arthur. No maravilhoso popular encontram-se vestigios das superstições germanicas, e o cyclo carolino toma o sentimento cavalheiresco da _fidelidade_ allemã como principio de unidade, em vez da _independencia_ altiva do genio franko. No seculo XVI a eschola italiana absorveu a attenção dos espiritos a ponto de sacrificarmos o genio nacional ás exagerações classicas. Foi Gil Vicente o unico que não desprezou o sentimento popular, decidindo-se abertamente por elle, com mais franqueza do que o douto Sá de Miranda, que tergiversa entre a seducção estrangeira e a indole do nosso povo. Emquanto o endecasyllabo novo se expraia nas eclogas enfadonhas do gosto siciliano, a redondilha popular salva-se com a facilidade chistosa de Gil Vicente. O povo ia elaborando a sua poesia maritima, inspirado pelo sentimento profundo da aventura, a que o proprio Camões, classico do fundo d’alma, não se eximiu de modo que a influencia que recebeu não fosse o caracteristico por onde é hoje admirado na Europa. A _Historia tragico-maritima_ era o nucleo das narrações em prosa d’onde havia de sahir já feito o verso octosyllabico, verso por assim dizer falado, da mesma sorte que das Chronicas hespanholas saiu a maior parte e a mais celebre dos Romanceiros antigos. A perda de Alcacer Kibir foi o termo da edade heroica de Portugal; o povo, no desalento, nas extorsões de uma dominação extranha, volveu-se ás suas esperanças imaginarias, atou as tradições do campo de Ourique aos destinos da patria, fel-a o Quinto Imperio do mundo. De facto as prophecias nacionaes são a unica poesia popular do seculo XVII. As reminiscencias do cyclo de Arthur e as esperanças do genio celtico vêm coadjuvar a mente popular na formação de um ideal messianico. Dom Sebastião tornou-se o Encoberto que hade vir soltar o sonho em que Portugal succederá na gerarchia das grandes nações. De todos os povos da Europa, nós fômos o ultimo que deu importancia á poesia popular. As discussões dos philologos allemães sobre o Niebelungen, a publicação das epopeas francezas dos seculos XII o XIII, a polemica sobre a originalidade dos poemas de Ossian e a critica homerica encetada por Vico, concorreram bastante para o esclarecimento da grande these das creações anonymas, renovando o amor pela restauração d’estes thesouros perdidos. Entre nós os que primeiro recolheram algumas poesias primitivas, por mera curiosidade erudita, foram Fr. Bernardo de Brito, Miguel Leitão e Manuel de Faria e Sousa, que mutuamente reproduziram essas quatro duvidosas reliquias dos seculos XII e XIII. Sobre todos, Garrett foi quem descubriu a poesia popular das nossas provincias. Que delicadissimo artista para perceber a alma do povo! Não lhe comprehenderam o alcance do trabalho entre nós; em um prologo se queixa elle com pesar d’esta insufficiencia. A chamada geração nova atirou-se ao verso octosyllabico, pondo-se a rimar solaos e baladas, superfetações ridiculas, sem imaginação, nem arte. Muitos dos romances que formam a presente collecção, já andavam na lição de Garrett melhor dramatisados, e com um colorido encantador. Desanimámos por vezes, quando confrontavamos as versões que recolhiamos com as d’elle, sempre mais primorosas e extensas. Por fim vimos, e as palavras de Garrett o confirmam, que elle por vezes de muitas variantes formava um só romance, supprindo versos, ou completando-os pelos manuscriptos do Cavalleiro de Oliveira. Assim apresentou um trabalho excellente sob o ponto de vista artistico, pelo gosto de Percy, mas que não merece a absoluta confiança dos que quizerem surprehender a alma do povo na elaboração da sua poesia. Esses sessenta romances, que a todo o custo alcançámos de pessoas que não sabem _dizer_ sem _cantar_, e que logo que as interrompem perdem o fio da cantilena, de outras supersticiosas e que temem de ser escarnecidas, todos estes romances foram, por assim dizer, apanhados em flagrante delicto do enthusiasmo popular. Comparámo-los com as versões de Garrett, e creio que aonde lhes são inferiores assenta a sua valia. A classificação adoptada não é a de Duran: é tirada da natureza da poesia popular, que por si mesmo se divide e aconselha as partes em que se deve agrupar. A poesia do povo não é uma habil curiosidade; como um facto profundo do espirito, não deve de ser estudada somente pelo lado artístico; é principalmente pelo lado psychologico que a sua rudeza e ingenuidade pittoresca tem valor. A presente collecção, pode sem orgulho nacional dizer-se, é composta do que ha de mais bello e antigo na poesia popular da Peninsula; quasi todos estes sessenta romances que andam na tradição, se encontram nas velhas recopilações hespanholas, mas aqui melhor dramatisados, mais breves e simples, e tal vez mais puros, porque passaram directamente da versão oral para a lição escripta. Quando a observação nos confirmou a grande verdade que ha na poesia do povo e fez vêr n’ella a sua principal belleza, para de logo um sentimento de respeito venerando obrigou a conservar sempre na sua rudeza as coplas e narrativas que iamos recolhendo. E assim, para os homens que se dedicam a este genero de trabalhos, para os psychologos que procuram surprehender as manifestações da alma na sua verdade, diante d’esses protesto, em nome da probidade do homem e da intuição de artista, que todos os romances populares que da tradição recolhi são estremes e genuinos. ROMANCEIRO GERAL FLOR DOS ROMANCES ANONYMOS DO CYCLO CARLINGIANO E DA TAVOLA-REDONDA I--ROMANCES COMMUNS AOS POVOS DO MEIO DIA DA EUROPA 1 Romances da Dona Infanta (_Versão da Beira-Baixa_) Andando a Dona Infanta No seu jardim passeava; Deitou os olhos ao mar, Viu vir uma grande armada: «Dizei-me, oh meu capitão, Dizei-me por vossa alma, Marido que Deos me deu Se ahi vem na vossa armada? --Diga-me minha senhora Que signaes é que levava? «Levava cavallo branco, Cavallo branco levava, Levava cella amarella, Por cima sobredourada; E adiante de si levava A cruz de Christo pregada. --Eu o lá vi, oh senhora, Elle na guerra ficava, Com tres chagas bem abertas E todas eram mortaes. Por uma se via o sol, Por outra o bello luar; Por outra tambem se via Rica bola de jogar. «Ai triste de mim viuva, Ai triste do mim coitada! Ir-me-hei por esse mundo Chamando-me desgraçada. Ai triste da só viuva, De mim que nemja de si. --Quanto dereis vós senhora A quem o trouxera aqui? «Dera-lhe ouro e prata, Fôra mais rico que mim. --O vosso ouro e a vossa prata Não me servem para mim. Eu sou soldado de el-rei, E não posso estar aqui; Mas quanto davas, senhora, A quem o trouxera aqui? «Tres laranjaes que tenho Todos tres os dera assim. --Não quero os seus laranjaes Não me servem para mim; Que sou soldado de el-rei E não posso estar aqui. «Os tres moinhos que tenho Todos tres os dera a si; Um que móe pau de canella, Outro móe pau do Brazil; Outro móe rica farinha Que el-rei me manda pedir. --Eu não quero os seus moinhos, Não me servem para mim; O que dereis vós, senhora, A quem o trouxera aqui? «Essas tres filhas que tenho, Todas tres quizera dar, Uma para vos vestir, Outra para vos calçar, A mais linda d’ellas todas Para comsigo casar. --Eu não quero as vossas filhas, Não me servem para mim. O que dereis mais, senhora A quem o trouxera aqui? «Não tenho mais que lhe dar, Nem você mais que pedir. --Inda tem mais que me dar, E eu tambem que lhe pedir: Esse corpo delicado Para commigo dormir. «Merece ser arrastado O maroto que tal diz Ao rabo do meu cavallo, Á roda do meu jardim. --Não se amofine, senhora, Que eu consigo já dormi. O anel de cinco pedras Que eu comvosco reparti. Que é da vossa metade, Pois a minha eil-a aqui? «Pois a minha ametade Esqueceu-me no jardim. Vão-me já chamar meus manos, Que o venham conhecer; Se elle o meu marido for Eu o quero receber; E se algum maroto fôr Veja como se hade haver.» 2 Dona Catherina (_Variante da Beira-Baixa_) ’Stando Dona Catherina No seu jardim assentada, Com um pente de ouro na mão Seu cabello penteava. Deitou os olhos ao largo Viu vir uma grande armada; Capitão que ’nella vinha Trazia-a mui bem guiada. --Catherina, Catherina, Catherina de Menezes, Sabbado vou para França, Catherina que quereis? «Saúdai-me o meu marido, Que por lá o achareis. --Diga-me minha senhora Que signaes levava elle? «Levava cavallo branco, E espada de Marquez; Capote de camellão Forrado de setim verde. --Pelos signaes que me daes Não o vi senão uma vez; Vi-o morrer em França, Enterral-o em Santa Inez. Já Catherina chorava Lagrimas de tres a tres. --Calai-vos oh Catherina, Casae commigo outra vez. «Senhoras da minha laia Não casam mais que uma vez. --Quanto déreis vós, senhora, A quem vol-o traga, aqui? «Dera-lhe armas e cavallos, Que cresceram de Dom Luiz. --Suas armas, seus cavallos Não me servem para mim; Que eu sou capitão da armada, Já me vou para o Brazil. Quanto déreis mais, senhora, A quem vol-o traga aqui? «Dera ouro, dera prata, Fôra mais rico que mim. --O seu ouro e sua prata Não me servem para mim; Eu sou capitão da armada Já me vou para o Brazil. Quanto déreis mais, senhora, A quem vol-o traga aqui? «As tres azenhas que tenho Todas tres te dera a ti; Uma móe cravo e canella, A outra móe serzelim, Outra móe rica farinha Para el-rei, mais para mim. --Vossas azenhas, senhora, Não me servem para mim, Sou capitão das armadas, Já me vou para o Brazil. Quanto dereis mais, senhora, A quem vol-o traga aqui? «Uma pereira que eu tenho No meio do meu jardim, Pois quando ella dá pêras O rei m’as manda pedir. --Eu sou capitão da armada, Já me vou para o Brazil; Quanto déreis mais, senhora, A quem vol-o traga aqui? «Essas tres filhas que eu tenho Todas tres te dera a ti, Uma para te calçar, Outra para te vestir, A mais linda d’ellas todas Para comtigo dormir. --As suas filhas, senhora. Não me servem para mim, Sou capitão das armadas Já me vou para o Brazil. Quanto dereis mais, senhora, A quem vol-o traga aqui? «Não tenho mais que vos dar, Nem vós mais que me pedir. --Ainda não me offereceu Esse seu corpo gentil. «Cavalleiro que tal fala, Cavalleiro que tal diz, Merece a lingua arrancada, Cortada pelo nariz. Levantai-vos meus criados, Vinde-lh’o fazer assim, Ao rabo do meu cavallo, Ao redor do meu jardim. --Os criados que a servem Já me serviram a mim, As suas filhas, senhora, Tambem são filhas de mim. Suas azenhas, senhora, Tambem pertencem a mim; Sua pereira, senhora, Tambem me pertence a mim. Suas armas e cavallos Tambem pertencem a mim; Seu ouro e a sua prata Tambem pertencem a mim. O anel que vos eu dei Quando eu d’aquí sahi, Mostrai-me a vossa metade, Pois a minha eil-a aqui! O anel que vos eu dei Que se nos partiu no chão, Mostrai-me a vossa metade, Aqui está o meu quinhão. 3 Romances de D. Martinho de Avizado (_Versão da Beira-Baixa_) --Grandes guerras ’stão armadas Entre França e Aragão! Mal o hajas tu mulher, Mais a tua criação; Sete filhas que tiveste Sem nenhuma ser varão! Respondeu logo a mais velha Com todo o seu coração: «Dê-me armas e cavallo Que eu irei por capitão. --Tendes o cabello louro, Filha, conhecer-vos-hão! «Dê-me cá uma thezoura, Verei-o cahir no chão. --Tendes os olhos fagueiros, Filha, conhecer-vos-hão. «Quando passar pelos hombres Eu os ferrarei no chão. --Tendes os peitos crescidos, Filha, conhecer-vos-hão. «Mande fazer um justilho Que me aperte o coração. --Tendes as mãos mui mimosas, Filha, conhecer-vos-hão. «Lá virá vento e chuva, Que ellas se callejarão. --Tendes o pé pequenino, Filha, conhecer-vos-hão. «Dê-me cá as suas botas Encherei-as de algodão. --Tendes o passo miudo, Filha, conhecer-vos-hão. «Quando passar pelos hombres Farei passo de ganhão. --Filha, se fores á guerra Como te lá chamarão? «Dom Martinho do Avizado, Filho do Rei Dom João.» --Ai minha mãi que me morro, Morro-me do coração; Os olhos de Dom Martinho, Mi madre, matar-me-hão, O corpo tiene de hombre, Os olhos de mulher são. --«Convidai-o vós, meu filho, Que vá comvosco jantar, Se então elle fôr mulher Em baixo se hade assentar. Dom Martinho de Avizado Cadeira mandou chegar, Com o seu capote em cima Para mais alto ficar. --Ai minha mãi que me morro, Morro-me do coração, Os olhos de Dom Martinho, Madre minha, matar-me-hão. O corpo tenia de hombre, Os olhos de mulher são. --«Convidai-o vós, meu filho, Que vá comvosco enfeirar, Elle então se for mulher Ás fitas se hade pegar. «Oh que espadas finas estas Para hombre guerrear! Oh que fitas para damas, Quem lh’as pudera mandar. --Ai minha mãi, que me morro, Morro-me do coração, Os olhos de Dom Martinho, Madre minha, matar-me-hão! O corpo tenia de hombre, Os olhos de mulher são. --«Convidai-o vós, meu filho, Que vá comvosco dormir, Que se elle for mulher Não se hade querer despir. «Tenho feito juramento, Espero de o cumprir, De emquanto eu andar na guerra As ceroulas não despir. --«Convidai-o vós, meu filho, Que vá comvosco nadar; Que se elle for mulher Certo, se hade acovardar. Dom Martinho de Avizado Primeiro o mandou entrar: «Ide vós mais adiante Para me ires ensinar! Cartas me vêm da terra, Cartas de muito pezar; Meu pai que já é morto, Minha mãi está a acabar. Tenho seis irmãs mais novas, Quero-as ir amparar; Venha a casa de meu pai Se commigo quer casar. Sete annos andei na guerra, Sete annos por capitão, Sem ninguem me conhecer Se eu era mulher ou não. * * * * * 4 Dom Martinho (_Variante da Beira-Baixa_) --Oh que guerras vão armadas Entre França e Aragão! Ai de mim, que já estou velho, Não as posso vencer, não. De sete filhas que tenho Sem nenhuma ser varão! Respondeu-lhe uma mais nova, Respondeu-lhe com rasão: «Venha uma espada e cavallo, Eu serei já capitão. --Tendes os olhos grandes, Filha, conhecer-vos-hão. «Quando passar pelos homens, Abatel-os-hei ao chão. --Tendes o cabello longo, Filha, conhecer-vos-hão. «Venha uma thezoura d’oiro, Vel-o-heis cahir ao chão. --Tendes as mãos muito brancas, Filha, conhecer-vos-hão. «Virão calmas e geadas, Que ellas negras se farão. --Tendes o pé pequenino, Filha, conhecer-vos-hão. «Venham uns sapatos grandes, Que os pés n’elles crescerão. --Tendes o passo miudo, Filha, conhecer-vos-hão. «Quando passar pelos homens Darei passo de malhão.» --Os olhos de Dom Martinho, Minha mãi, matar-me-hão. Elle o corpo será de homem, Os olhos de mulher são. --«Convida-o tu, meu filho, Um dia para o pomar, Que se elle mulher fôr Ao agro se hade apegar. Dom Martinho de avisado Ao doce se foi lançar. --Os olhos de Dom Martinho, Minha mãi, me hãode matar! --«Convida-o tu, meu filho, Um dia para o jantar, Que se elle mulher for Aos bancos se hade assentar. Dom Martinho de avisado Cadeira mandou chegar: «Oh que cadeira tam baixa Para um homem se assentar. --«Convida-o tu, meu filho, Um dia para feirar, Que se elle mulher for Ás fitas se hade apegar. Dom Martinho de avisado Ás espadas se foi lançar: «Oh que espadas tam pezadas Para um homem guerrear; Oh que fitas para damas, Quem lh’as pudera levar. --Os olhos de Dom Martinho, Minha mãi, me hão de matar. --«Convida-o tu, meu filho, Um dia para dormir, Que se elle mulher for Não se hade querer despir. Dom Martinho de avisado Se foi logo descalçar: «Tenho feito juramento, Espero de o não quebrar, Em quanto eu andar na guerra As ceroulas não tirar. Tenho feito juramento Protesto de o cumprir, Em quanto eu andar na guerra A camisa não despir; E a espada de meu pae Entre nós hade dormir. --Os olhos de Dom Martinho, Minha mãi, me hãode matar! --«Convida-o, tu, meu filho. Um dia para nadar, Que se elle mulher for Logo se hade acovardar. Dom Martinho de avisado Se foi logo descalçar: «Entre, entre o cavalleiro, Já o vou acompanhar; Os sinos da minha terra Aqui os ouço tocar! A minha mãi já morreu, Meu pai se está a finar; De sete manas que tenho Aqui as ouço gritar. «Abra-me as portas, meu pai, De todo o seu coração; Sete annos andei na guerra Sem me conhecer varão; Mas só no fim dos sete annos Conheceu-me o capitão, Conheceu-me pelo riso, Que por outra cousa não.» 5 Dom Barão (_Variante da Foz_) Já se começam as guerras No campo de Dom Barão: --Triste de mim que sou velho As guerras me acabarão! «Dê-me armas e cavallo Serei seu filho varão. --Tendes o cabello loiro, Filha, conhecer-vos-hão. «Dae-me cá uma thesoura, Que eu já o deito ao chão. --Tendes as mãos pequeninas, Filha, conhecer-vos-hão. «Metel-as-hei n’umas luvas, Nunca d’ellas sairão. --Tendes o pé pequenino, Filha, conhecer-vos-hão. «Metel-os-hei n’umas botas, Nunca d’ellas sairão. Dae-me armas e cavallo, Serei seu filho varão. --Tendes os peitos mui altos, Filha, conhecer-vos-hão. «Incolherei os meus peitos Dentro do meu coração.» O capitão dos soldados Um grande amor lhe tomou; Dom Barão como discreto De nada se receiou. --Oh mi padre, oh mi madre, Grande dor do coração, Os olhos do soldadinho São de mulher, de homem não. --«Convida-o tu, meu filho, Que comtigo vá cear, Porque no partir do pão Se virá a delatar, Que se elle o partir ao peito Por mulher se hade mostrar. Dom Barão como discreto De nada se receiou; Pegou na faca de ponta, Pão e queijo estransinhou. --«Bota-lhe cadeiras altas, Cadeiras baixas a par; Porque elle se mulher for Nas baixas se hade assentar. A donzella por discreta Na mais alta quiz estar. --Minha mãi, minha mãesinha, Eu morro do coração; Os olhos do soldadinho São de mulher, de homem não. --«Convidae-o vós, meu filho, Que comvosco vá feirar, Que se elle mulher fôr, Ás fitas se hade apegar. Dom Barão como discreto Foi uma espada apreçar: «Oh que bellas fitas estas Para damas adornar. --«Convida-o tu meu filho Que comtigo vá dormir; Que se elle mulher fôr Então se hade descobrir. Dom Barão como discreto De nada se receiou; Vestiu camisa e ceroulas E com elle se deitou. --Oh mi padre, oh mi madre, Grande dor do coração; Os olhos de Dom Barão São de mulher, de homem não. --«Convida-o tu, oh meu filho, Que comtigo vá nadar; Que se elle mulher fôr Desculpa vos hade dar. Dom Barão como discreto De nada se receiou; Chamou pelo seu creado Uma carta lhe entregou: «Novas me chegam agora, Novas de negro pezar; E os sinos da minha terra Já ouço repinicar, Ou meu pae que já é morto, Ou está para enterrar. --Montae-vos oh Dom Barão, Que eu vos vou acompanhar. Lá chegando á sua terra Viu seu pae a passear. --Que foi isso Dom Barão, Quem vos vem acompanhar? «Um genro de vocemecê Se o quizer acceitar. 6 Romance de Gerinaldo (_Versão de Traz-os-Montes_) «Gerinaldo, Gerinaldo, Pagem de el-rei mais querido, Queres tu oh Gerinaldo Tomar amores commigo? --Vós como sois ama minha Senhora zombais commigo? «Eu não mango Gerinaldo, Que eu bem deveras t’o digo. --Diga-me minha senhora Quando heide ir no promettido? «Lá da uma para as duas, Que meu pae esteja dormindo. Inda bem não era a uma Gerinaldo ao postigo, Descalço de pé e perna Para não fazer trupido. «Oh quem bate á minha porta, Oh quem é o atrevido? --É Gerinaldo, senhora, Que aqui vem ao promettido, Descalço de pé e perna Para não fazer trupido. «Pousa ahi as tuas armas, E deita-te aqui commigo. El-rei sonhava um sonho Que bem certo lhe sabia: Ou deshonram a Infanta, Ou me roubam o castillo. Levantou-se el-rei da cama Com desgraçado sentido, Pegou em a sua espada E foi dar volta ao castillo; Achou-os ambos na cama Como mulher e marido: --«Eu se mato a Gerinaldo Criei-o de pequechinho! Eu se mato a dona Infanta Fica o reinado perdido. Meto-lhe a espada no meio Para que sirva de aviso. Acordou o Gerinaldo, Ficou mais morto que vivo. «Não te assustes Gerinaldo Que meu pai o tem sabido, Se nos quizera matar Poder estava comsigo. Não te assustes Gerinaldo Vem ter com o rei ao castillo. --«D’onde vens oh Gerinaldo, D’onde vens espulverido? -- Venho de matar caça, Senhor, da borda do rio. --«Não me mintas Gerinaldo, Que nunca me tens mentido. -- Venho de regar as flores Que ellas o estavam pedindo! --«Pois toma-a por tua mulher, E ella, a ti por marido. 7 Romance da Noiva roubada (_Versão de Almeida_) --Deos vos salve minha tia, Na vossa roca a fiar! «Venha embora o cavalleiro Tam cortez no seu falar. --Má hora se elle foi, tia, Ma hora torna a voltar! Que já ninguem o conhece De mudado que hade estar. Por lá o matassem mouros, Se assim tinha de tornar. «Ai sobrinho de minha alma, Que és tu pelo teu falar! Não vês estes olhos, filho, Que cegaram de chorar? --E meu pai e minha mãi, Tia que os quero abraçar? «Teu pai é morto, sobrinho, Tua mãi foi a enterrar. --Que é da minha armada, tia, Que eu aqui mandei estar? «A tua armada, sobrinho, Mandou-a o fronteiro ao mar. --Que é do meu cavallo, tia, Que eu aqui deixei ficar? «O teu cavallo, sobrinho, El-rei o mandou tomar! --Que é da minha dama, tia, Que aqui ficou a chorar? «Tua dama faz hoje a boda, Amanhã se vae casar. --Dizei-me onde é minha tia, Que me quero lá chegar. «Sobrinho não digo, não, Que te podem lá matar. --Não me matam, minha tia, Cortezia eu sei uzar. E onde faltar cortezia Esta espada hade chegar. --Salve Deos, oh la da boda, Em bem seja o seu folgar! --«Venha embora o cavalleiro, E que se chegue ao jantar. --Eu não pertendo da boda, Nem tam pouco do jantar; Pretendo falar á noiva, Que é minha prima carnal. Vindo ella lá de dentro Toda lavada em chorar, Mal que viu o cavalleiro, Quiz morrer, quiz desmaiar. --Se tu choras por me veres, Já me quero retirar; Se é os teus gastos que choras, Aqui estou para os pagar. «--Pagar devia com a vida Quem me queria enganar, Quando te deram por morto Nessas terras d’alem-mar. Mas que fiquem com a boda, E bem lhes preste o jantar, Que os meus primeiros amores Ninguem m’os hade quitar. --Venha juiz de Castella, Alcaide de Portugal; Que, se aqui não ha justiça Co’ esta espada a heide tomar. 8 Romance do Alferes matador (_Versão da Covilhã_) --Indo eu por quelha abaixo, Topando por quelha acima, Olhei para uma janella, Onde vi ’star trez donzillas. Aquella de azul claro É linda em demasia, Tenho de a ir buscar Inda que me custe a vida. As dez horas eram dadas E elle á porta batia. «Quem bate á minha porta Deshoras á porta minha? --É um grande cavalleiro Que vem buscar sua filha, «Minha filha não ’stá em casa, Foi para a de sua tia, Que a mandou cá buscar Para uma função que havia. Deitou os hombros á porta, Não uzou mais cortezia; Entrou pela casa dentro Com toda a sua ousadia, E foi direito a um quarto Aonde a filha dormia. «Oh filha faz, pela honra Antes que te custe a vida; Honra as barbas a teu pae, Que brancas na cara as tinha. Pegou-lhe pelos cabellos Foi-a arrastar pela villa, E depois de a ver morta A sua mãi a trazia. --Aqui tendes oh D. Anna, Oh Dona Anna vossa filha, Honrada e virtuosa, Mas porem custou-lhe a vida. «Antes a quero ver morta Que a sua honra perdida, Justiça venha do céo Que na terra não a havia, E caia sobre um Alferes, Matador da minha filha. 9 Romance da Romeirinha (_Versão de Traz-os-Montes_) Por aquelles montes verdes Uma romeira descia; Tão honesta e formosinha Não vae outra á romaria. Sua saia leva baixa, Que nas hervas lhe prendia; Seu chapellinho cahido Que os lindos olhos cobria. Cavalleiro vae traz d’ella, Alcançal-a não podia; Alcançou-a descançando Debaixo da verde oliva, Á sombra da arvore benta. Que está no adro da ermida: «Eu te rogo, cavalleiro, Por Deos e Santa Maria, Que me deixes ir honrada Para a santa romaria. Cavalleiro de malvado De amores a accomettia; Pegaram de braço a braço, Qual de baixo, qual de cima. A romeira por mais fraca Logo debaixo cahia. No cahir lhe viu á cinta Um punhal que elle trazia, Com toda a força o arranca, No coração lh’o mettia. --Da vingança que tomaste Eu te peço romeirinha, Que o não digas em tua terra, Nem te vás gabar á minha. «Heide dizel-o em tua terra, Heide-me ir gabar á minha Da vingança que tomei Da affronta que me fazias; Que matei um vil cobarde Com as armas que elle trazia. Tocou a campa da ermida A campa que retinia: «Eu te peço, ermitão, Por Deos e Santa Maria, Que enterres esse traidor Lá na tua santa ermida. 10 Romances da Infanta de França (_Versão da Covilhã_) Dom João foi para caça, Foi á caça á porfia, Anoiteceu-lhe n’um bosque, Era o que elle mais temia; Seus cavallos por ferrar, Era o que elle mais sentia! Lá pela noite adiante Um lindo cantar ouvia, Deitem os olhos ao largo Viu lá estar uma donzilla, Penteando o seu cabello Em um tanque de agua fria. --Que fazeis aqui, senhora, Que fazeis aqui donzilla? «Sete fadas me fadaram No collo de madre minha, Fadaram-me por sete annos, Por sete annos e um dia. Hoje se acabam os annos, Á manhã por noute o dia; Bem podera o cavalleiro Levar-me na companhia. --Desde, já minha senhora, Eu tudo isso lhe faria; Dizei-me, oh minha senhora, Se ides de anca ou de silha? «Eu vou de anca, oh cavalleiro Que isso é da honra minha. Lá pelo caminho adiante Ella se pôz a sorrir. --Do que vos rides, senhora, Do que rides vós donzilla? «Eu rio-me do cavalleiro E da sua cobardia, Achar donzilla no campo E guardar-lhe cortezia. --Tornemos atraz senhora, Tornemos a traz donzilla, Que deixei a minha espora No tanque da agua fria. «Adiante, oh cavalleiro, Eu atraz não tornaria, Se a espóra era de prata Meu pai de ouro lh’a daria. --Dizei-me, oh minha senhora, De quem é que vós sois filha? «Sou filha do rei de França, Neta do rei de Castilla. --Pelos signaes que me daes Vós sois uma mana minha! Mal hajam todos os homens, E quem em mulheres se fia; Cuidando que levo esposa Levo a uma irmã minha! Abram-se esses palacios, Venha toda a fidalguia, Trago aqui uma mana Ha sete annos que a não viram. Venha cá, senhora mãi, Ande vêr a sua filha, Cuidei trazer nóra sua E trago uma mana minha. Levantou-se a sua mãi Da cadeira aonde estava: --«Se tu és a minha filha Anda cá para os meus braços, Se tu és a minha nóra Ai tens os teus palacios. 11 A Encantada (_Variante da Foz_) Indo um cavalleiro á caça Á caça de altanaria, Lá chegando ao alvoredo Viu estar uma donzilla. --Que fazeis ahi senhora? Que fazeis aqui donzilla? «Sete fadas me fadaram No ventre d’uma mãi minha: De eu aqui estar sete annos, Sete annos e mais um dia. Sete annos são acabados Hoje se acaba o dia; Se quereis oh cavalleiro Levai-me por companhia, Não me leveis por senhora, Não me leveis por donzilla; Levai-me por estrangeira Que achaes na terra perdida. --Montai-vos aqui, senhora, Montai-vos aqui, donzilla, Ou nas ancas ou na sella, Onde fôr mais honra minha. Montou-se logo a donzella Foi seguindo o seu caminho, Lá chegando á estrada De risos o accommettia: --De que se ri oh menina? De que se ri oh donzilla? «Rio-me do cavalleiro E da sua cobardia, De achar menina na serra E lhe guardar cortezia. --Deixai-me agora chorar Olhae a minha mofina! Oh quem perdeu o que eu perco Grande pena merecia. II--ROMANCES DE SUPOSTA ORIGEM PORTUGUEZA 12 Romance da Sylvana (_Versão de Lisboa_) Passeava-se Sylvana Pelo corredor acima; Viola de ouro levava, Oh que bem que a tangia! E se ella bem a tangia, Melhor romance fazia. A cada passo que dava, Seu padre a accommettia: --Atreves-te tu, Sylvana, Uma noite a seres minha? «Fôra uma, fôra duas, Fôra, meu pae, cada dia; Ma’las penas do inferno Quem por mim las penaria? --Penal-as-hei eu, Sylvana, Que las peno cada dia. Foi-se d’ali a Sylvana, Mui agastada que ia; Foi-se encontrar com sua madre Lá no adro da ermida: --«Que tens tu, minha Sylvana, Que tens tu, oh filha minha? «Oh, quem tal pae não tivera, Quem não fôra sua filha! Que me accommette de amores Oh minha mãi, cada dia. --«Vae, filha, vae para casa, Veste uma alva camisa, Que o cabeção seja de ouro, As mangas de prata fina: Deitar-te-has no meu leito, Eu no teu me deitaria... E hade valer-nos a Virgem, A Virgem Santa Maria. Lá junto da meia-noite Seu padre que a accomettia: --Se eu soubera, Sylvana, Que estavas tão corrompida, Oh! las penas do inferno Por ti las não penaria... --«Esta não é a Sylvana, É a mãe que a paria; Tambem pariu Dom Alardos, Senhor da cavalleria, Tambem pariu a Dom Pedro, Principe da infanteria, Tambem pariu a Sylvana Que seu pae a accomettia. --Oh mal haja, que haja a filha. Que seu padre descobria! --«Oh mal haja, que haja o padre Que sua filha commettia. Manda-a metter n’uma torre Que nem sol, nem lua via; Dão-lhe a comida por onça, E a agua por medida. Ao cabo de sete annos Eis a torre que se abria... Assomou-se a Sylvana A uma ventana mui alta, Foi-se encontrar com su madre Lavrando n’uma almofada: «Estejaes emb’ora, madre, Oh madre da minha alma; Peco-vos por Deos do céo, Que me deis um jarro d’agua; Que se me aparta a vida, Que se me arranca a alma! --«Dera-t’a eu, filha minha, Se a tivera salgada, Que ha sette para outo annos Que por ti sou malcasada. Se teu padre tem jurado Pela cruz da sua espada, Quem primeiro te desse agua Tinha a cabeça cortada. Assomou-se a Sylvana A outra ventana mais alta; Foi-se encontrar com os irmãos, Que estavam jogando as cannas: «Estejaes emb’ora irmãos, Meus irmãos já da minha alma, Peço-vos por Deos do céo Que me deis um jarro d’agua, Que se me aparta a vida, Que se me arranca a alma. --Dera-t’a eu, irmã minha, Se a tivera empeçonhada: Que nosso pae tem jurado Pela cruz da sua espada, Quem primeiro te desse agua Tinha a cabeça cortada. Assomou-se a Sylvana A outra ventana mais alta, Foi-se encontrar com seu pae A jogar a embocada: «Estejaes emb’ora, padre, Padre meu já da minha alma: Peço-vos por Deos do céo Que me deis um jarro d’agua, Que se me aparta a vida, Que se me arranca a alma... E de hoje por diante Serei vossa namorada. --Alevantem-se, meus pagens, Criados da minha casa, Uns venham com jarros de ouro, Outros com jarros de prata: O primeiro que chegar Tem a commenda ganhada, O segundo que chegar Tem a cabeça cortada. Os criados que chegavam Sylvaninha que finava, Nos braços da Virgem santa Dos anjos amortalhada. --Vai-te emb’ora, Sylvaninha, Sylvaninha da minha alma, Tua alma vae para o céo, A minha fica culpada. 13 Romance de Bernal-Francez (_Versão da Foz_) «Oh quem bate á minha porta, Quem bate, oh quem está ahi? --São cravos minha senhora, Flores lhe trago aqui! «Eu não abro a minha porta A taes horas de dormir. --Se me não abres a porta Morto me acharás aqui. «Ai se é Bernal-Francez A porta lhe vou abrir..... Ao abrir a minha porta Se apagou o meu candil! Ao subir a minha escada Me cahiu o meu chapim. Peguei n’elle nos meus braços Levei-o pelo jardim, Mandei lavar pés e mãos Em aguinha de alecrim; Vestir camiza lavada, Deital-o ao par de mim. Era meia noite dada: «Não te viras para mim? Se tu temes a meu pae Elle longe está de ti; Se temes os meus criados Elles estão a dormir; Se temes o meu marido Más novas venham aqui. --Eu não temo a teu pae Que elle sogro é de mim; Não me temo dos criados Que mais me querem que a ti; Não me temo da justiça Que a justiça é por mim. A teu marido não temo E d’elle nunca temi... Teme tu falsa traidora Pois o tens ao par de ti. Deixa tu vir a manhã Que eu te darei de vestir, Te darei saia de gala, Roupinha de cramesi; Gargantilha colorada, Pois que tu o queres assi. --«Deixa-me ir por’qui abaixo Com minha capa cahida, Quero ver a minha amada Se é morta ou se inda viva. --Que fazeis oh cavalleiro A taes horas por aqui? --«Venho vêr a minha amada Que ha dias que a não vi. --A tua amada, senhor, É morta que eu bem n’a vi! Os sinaes que ella levava Eu te los direi aqui: Levava saia de gala, Roupinha de cramesi, Gargantilha colorada, Pois o ella o quiz assim. --«Monta, monta meu cavallo, Quanto poderes montar, Só n’aquella sepultura É que eu posso descançar: Abre-te oh penha constante Que me quero lá meter, Já que fui o causador Da minha amada morrer. Abre-te oh penha sagrada Esconde-me ao par de ti! Do fundo da sepultura Uma triste voz ouvi: «A mulher com quem casares Seja Anna como a mim; E as filhas que tu tiveres Tem-as sempre ao pé de ti, Para que não aconteça O que aconteceu a mim. 14 Romance do Conde Niño (_Versão de Traz-os-Montes_) Vae o conde, conde Niño Seu cavallo vae banhar; Em quanto o cavallo bebe Cantou um lindo cantar: --Bebe, bebe, meu cavallo, Que Deos te hade livrar Dos trabalhos d’este mundo, E das areias do mar. --«Esperta, oh bella princeza, Ouvide um lindo cantar; Ou são os anjos no céo, Ou as sereias no mar! «Não são os anjos no céo, Nem as sereias no mar, É o conde, conde Niño Que commigo quer casar. --«Se elle quer casar comtigo Eu o mandarei matar. «Quando lhe deres a morte Mandai-me a mim degollar; Que a mim me enterrem á porta, A elle ao pé do altar. Morreu um, e morreu outro, Já lá vão a enterrar; D’um nascêra um pinheirinho, Do outro um lindo pinheiral; Cresceu um e cresceu outro, As pontas foram junctar, Que quando el-rei ia á missa Não o deixavam passar. Pelo que o rei maldito Logo as mandava cortar; D’um correra leite puro, E do outro sangue real! Fugira d’um uma pomba E do outro um pombo trocal, Sentava-se el-rei á meza, No hombro lhe iam poisar: --«Mal haja tanto querer, E mal haja tanto amar; Nem na vida, nem na morte Nunca os pude separar. 15 Romance da Promessa de noivado (_Versão da Covilhã_) --Oh menina da mantilha Guarde-me esse lindo rosto, Que eu vou para a minha terra, Em vindo caso comvosco. Lá dos quatro para os cinco, E dos cinco para os seis, Menina se eu não vier, Menina casar-vos-heis. --«Filha eu quero-te casar Que é o teu tempo venido. «Senhor pae estou casada Não tenha duvida n’isso. Agarrou no seu fatinho Abalou por ai alem, E ia de terra em terra, E de logar em logar. Já levava a bocca secca De por elle procurar; Os seus olhos como punhos De por elle ir a chorar. «Móra aqui um cavalleiro Da minha terra natural? --Aqui móra, sim senhora, Anda na caça a caçar; Se elle é de muita pressa Eu o mando lá chamar. «Elle a pressa não é muita Que por elle heide esperar. Elle á noite quando veio Começou-se a admirar: --Quem vos trouxe aqui, senhora, Á minha terra natal? «Foram as suas saudades Que fizeram cá chegar. --Tenho os meus filhos pequenos, Que Deos m’os deixe criar, Tenho a minha mulher moça Que Deos m’a deixe gosar. A menina que isto ouviu Cahiu morta para traz. --Que farei aqui, senhora, Que farei a tanto mal? --Pegue-lhe pelos cabellos E mande-a deitar ao mar! --Não farei isso, senhora, Na mi terra natural; Mando fazer um caixão Com a tampa de crystal, E na pia da agua benta A mandarei sepultar 16 Romance de Dom Aleixo (_Versão da Foz_) Na cidade de Madrid, Na melhor que el-rei tenia, Havia um cavalleiro Dom Aleixo se dizia, O cujo tal cavalleiro Namorava uma donzilla; Ella lhe pediu tres cousas Que ao seu corpo convenia: Uma, que fosse sósinho Sem mais outra companhia, Outra pela meia noite Quando a gente dormia. Inda as dez não eram dadas Dom Aleixo se vestia, Seu capacete de grana, Seu chapeu á bizarria. Pegando na sua espada Foi para vêr sua amiga; Chegando a um alvoredo Penhascos o cobririam: --Não me atireis com pedras Que pedras é cobardia; Pucha pela tua espada Que eu tambem trago a minha. Se algum d’aí não a tem Eu lhe emprestarei a minha. Cessae, cessae oh villões, Não useis de mais porfia, Quero fazer testamento Da fazenda que tenia: A minha alma dou a Deos, E á Virgem Santa Maria; O meu corpo tão valente Já o dou á terra fria, Coração á minha dama Discreta Dona Maria. Rescordou Dona Maria Do somno em que jazia: «Quem te matou Dom Aleixo? Quem te matou vida minha? --Os ladrões de teus irmãos Já me tiraram a vida. Perde quem anda de noite Ganha quem anda de dia; Perde quem tem seus amores Que d’elles se não retira. Puchou por um faquim de ouro Que á sua cinta trazia: «Quero sacar a minha alma, Quero levar companhia. 17 Romance de Dom Pedro (_Versão da Beira-Baixa_) «Oh minha mãi quem me dera Vêr-me em Castilha do mar; Tenho desejos de ir ver A minha mãi natural... --«Se tens desejos de ver A tua mãi natural; Mas Dom Pedro foi á caça Em vindo lhe irei contar. Da caça que elle trouxer Te mandará um casal: De duas perdizes uma, De tres coelhos um par. Ella a sahir pela porta Dom Pedro a entrar o quintal. --Que é da minha rosa branca Que me não vem abraçar? --«Tua rosa branca, Dom Pedro, Está em Castilha do mar? Olha o que ella ia dízendo, Que se não pode contar: «Que em sua caza não tinha Cama para se deitar! Olha o que ella ia dizendo, Que se não pode dizer: «Que em sua casa não tinha Um pão para se comer! Bem puderas tu meu filho Minha benção alcançar; Como vieste da caça Ir-m’a já lá arrastar. --Ála, ála meus criados, Meus cavallos vão ferrar, Com ferraduras de bronze Para melhor caminhar. Dou sete voltas á cerca, Sem n’ella poder entrar; Viu lá entrar uma preta Que se estava a pentear. --Abri-me as portas oh preta, Põe-m’as já de par em par! Menina que lá está dentro Já a lá vou arrastar. «--Dae-me alviçaras Dom Pedro Dae-m’as, bem m’as podeis dar; Que vos nasceu um infante Lindo como um crystal. «--Novas vos trago, senhora, Novas de muito pezar; Que Dom Pedro está á porta Jura de vos vir matar. «Dê-me a mão, oh minha mãe, Ajude-me a levantar, Que Dom Pedro está á porta Jura de me vir matar. --Deixa-te estar oh filha Que eu o vou assocegar! Que Dom Pedro é attencioso Logo me ha de querer falar. Pegou-lhe pelos cabellos E elle a foi arrastar; Andára mais de tres leguas E sem lhe querer falar. «Olha para traz Dom Pedro, Olha se queres olhar, O teu cavallo é branco Veio já do meu signal. Leva-me áquella ermida Que me quero confessar, Se não, confesso-me a ti Por eu já não ter logar. --Mal o haja a tua mãe Que te deixou levantar. «Mal haja a tua, Dom Pedro, Que taes conselhos quiz dar. Cá te fica um infante Cá o darás a criar, Não o dês a tua mãe Que jura de m’o matar; Da-o cá antes á minha Que ella o dará a criar. --Fica-te aqui rosa branca N’este campo de alegria! Com a ponta da espada A cova ali lhe fazia; Com as lagrimas dos olhos A terra lhe amollecia. 18 Romances da Filha do Imperador de Roma (_Versão de Traz-os-Montes_) O imperador de Roma Tem uma filha bastarda, A quem tanto quer e tanto Que a traz mui mal criada, Pedem-lh’a Duques e Condes Homens de capa e de espada; Ella isenta e desdenhosa A todos lhe punha taxa: A uns que não eram homens, Outros que não tinham barbas; Aquelle que não tem pulso Para puchar pela espada, Dizia-lhe o pae sorrindo: --Inda hasde ser castigada! De algum villão de porqueiro Te espero ver namorada. Por manhã do Sam João, Manhã de doce alvorada, Subiram a uma ventana Uma ventana mui alta. Viu andar trez cegadores Fazendo sua cegada; O mais pequeno dos tres Era o que mais trabalhava; De seu garbo e gentileza A infanta se namorava. Ali estava a aia discreta Em que toda se fiava: «Vês, aia, aquelle ceifeiro Que anda n’aquella cegada? Condes, Duques, Cavalleiros, Nenhum que o ceifeiro valha. Vai-m’o chamar em segredo, Que ninguem não saiba nada. --«Bom cegador vem commigo, Que te quer falar minha ama. --Eu não conheço a senhora, Nem tam pouco a criada. --«Cegador de boa estreia Trazes a vista mui baixa; Alça os olhos e verás A estrella da madrugada. --Vejo o sol que vem nascendo, Não vejo a estrella d’alva. --«Estrella ou sol, vens commigo? --Irei pois, quem pode manda. Entraram por um postigo Que a porta ainda era cerrada; No camarim da princeza O bom do ceifeiro estava. --Senhora, que me quereis, Pois venho á vossa chamada? «Quero saber se te atreves A fazer minha cegada. --Atrever, me atrevo a tudo, Trabalho não me acobarda! Dizei vós, senhora minha, Onde é a vossa cegada. «Não é no monte ou no vale, No baldio ou na coutada; Cegador, é nos meus braços Que de ti estou namorada. Lá junto da meia-noite Ao cegador perguntava: «Dizei-me bom cegador De quem eu fico pejada? --Eu sou filho de um porqueiro, E meu pae porcos guardava. «Oh triste de mim, oh triste, Oh triste de mim coitada! Bem me dizia meu pai: Tu hasde ser castigada. Pediram-me Condes, Duques, Homens de capa e d’espada, E agora eis-me aqui De um porqueiro deshonrada. 19 O hortelão das flores (_Variante da Beira Baixa_) --Não venho por te vêr, nem por te dar valor, Venho por erguer olhos e a vista no sol pôr. Falar quero á princeza, o amor me traz rendido, A ti peço conselho, velha do tempo antigo. «Vista traje mudado, cante em seu bandolim, Boquinha de crystal, faces de seraphim. --Um bom conselho velha me deste para mim; Não farão de mim caso, se me virem assim. Com Deos te fica velha mais a tua porfia, Mas se eu a render, velha, tens tensa cada dia. Eu vou bater o mato, caçar altanaria, Mas se ella me escapar em ti me vingaria. --Abri lá essas portas, oh hortelão das flores, Venho em traje mudado falar aos meus amores. --«Senhor podeis entrar, que tendes sempre acerto; Senhor, sois Dom Duarte, que bem vos reconheço. --Oh que varandas altas, com cem palmos de alteza, Diz velho de bom tempo se ali vem a princeza? «Para as varandas altas, para tomar a fresca Costuma vir sósinha quasi sempre a princeza. --Se ella te perguntar quem é o estrangeiro, Dize que é um teu filho vindo lá d’outro reino. Que varandas tão altas, que jardim bem plantado; Soubera o que hoje sei, que o tinha passeado. «Oh regador dos cravos venha para mais perto Conversar a princeza com prazer discreto. Oh regador dos cravos venha para o mirante Olhar para a princeza com olhos de diamante. --Mandaram-me cá vir, não sei se é verdade. --«Tão verdade não fôra, espelho bello e claro. --Tendes-me aqui senhora, mandae como a vassallo, Já estive em noite escura, agora é dia claro; Dae-me, que tenho sêde, um pucarinho de agua! --«Aqui vos mato a sêde, espelho bello e claro. --A mim não ha quem mate a sêde continuada... --«Vem cá falar commigo ámanhã de madrugada. Alluga uma burrinha, que o não saiba ninguem, Que eu quero para sempre ir d’aqui para alem. --Como a levarei, senhora, com quem irá d’aqui? Filho d’um corta carne, que apregôa aqui! --«Não se me dá que o sejas ou que apregôe aqui. --Alluguei a burrinha, vá-se despedir. --«Adeos oh fontes claras e poços de agua fria, Eu já não ouço aqui rouxinóes ao meio dia. Se meu pae perguntar quem é que me queria, Dizei que a desgraça não é a que me guia. --Cala-te, Magdalena, lagrimas de peregrina! Nos reinos estrangeiros melhor agua haveria. Tambem ha claras fontes, poços de agua fria, E canta o rouxinol á hora do meio dia. --«Pareces Dom Duarte! oh que fortuna a minha, Tornemos ao palacio a dizel-o á rainha: Rainha e mãe senhora, humildo-me ao castigo, Aqui está Dom Duarte, que vem por meu marido. Rainha e mãe senhora, que pena me acompanha, De não achar meu pae senhor de toda a Hespanha. Rainha e mãe senhora, humildo-me com dor, Não tem a quem pôr culpa, é mui cego o amor.» 20 O Duque da Lombardia (_Variante da Beira-Alta_) Por manhã de Sam João, Manhã de doce alvorada, Ao seu balcão muito cedo A Infanta se assomava. Viu andar tres cegadores Fazendo sua cegada; O mais pequeno dos tres Era o que mais trabalhava. Fitta que traz no chapeo De ouro e seda era bordada. Fina prata que luzia A foice com que ceifava. De seu garbo e gentileza A Infanta se namorava. O ceifeiro vae ceifando... Bem sabe elle o que ceifava. «Vês, aia, aquelle ceifeiro Que anda n’aquella cegada? Vae-m’o chamar em segredo, Que ninguem não saiba nada. Entraram por um postigo, Que a porta inda era cerrada; No camarim da princeza O bom do ceifeiro estava: «Quero saber se te atreves A fazer a minha cegada? --Atrever me atrevo a tudo, Trabalho não me acobarda. «Não é no monte ou no vale, No baldio ou na coutada; Cegador é nos meus braços Que de ti estou namorada. Passou todo aquelle dia, O mais da noite passava, Ceifando vae o ceifeiro... Bem sabe o que elle ceifava. «Basta, basta, cegador, Feita está tua cegada; Vae-te que meu pae não venha Antes de ser madrugada. Palavras não eram ditas El-rei á cama chegava: --«Com quem falas, minha filha, Tão cedo de madrugada? «Falo com esta minha aia, Que me tem desesperada; Uma cama tão malfeita Que dormir me não deixava. --«É forte essa tua aia Que a barba tem tão cerrada! Vista-se já a donzella, Que antes de ser madrugada, Pelo barbeiro do algoz A quero ver barbeada. O cegador muito enchuto Sua sentença escutava; Com uma mão se vestia, Com a outra se calçava. Saltou no meio da casa, Como se não fôra nada: --Venha já esse barbeiro Com a navalha afiada: Ao Duque da Lombardia, Verêmos quem faz a barba. O imperador mui contente Depressa ali os casava: Não quiz senhores, nem condes, Homens de capa ou de espada, Senão só o cegador Que andava em sua cegada. Sahiu-lhe um Duque reinante, Senhor d’alta nomeada, Pois tudo é sorte no mundo, A sorte foi bem deitada. 21 Romance de Dona Agueda de Mexia (_Versão do Alemtejo_) Era uma menina bella, Discreta e bem parecida, Dom João a namorava, Mil requebros lhe fazia. Por fidalgo e gentil moço Ninguem tanto a merecia; Mas o pae d’aquella moça Por melhor conselho havia Casal-a com um mercador Que áquellas partes vivia. Dom João quando isto soube Por pouco se não morria: Foi se d’ali muito longe Sem dizer para onde ia. Tres mezes por lá andou, Tres mezes n’essa agonia. Mandou sellar seu cavallo Sem cuidar no que fazia; Deitou por esses caminhos Sem saber adonde ia. O cavallo é quem andava, Cavalleiro obedecia; Passou por terras e terras Nenhuma não conhecia. Á sua tinha chegado, Onde estava não sabia. Té que veio a passear Á rua da sua amiga; As casas onde morava, Janellas aonde a via, Tudo é coberto de preto Mais preto que ser podia. Mandou chamar uma dama Por Deos e á cortezia: --Dize-me tu por quem trazes Ausencias tam doloridas? «Trago-as por minha senhora Dona Agueda de Mexia, Que é com Deos a sua alma, Seu corpo na terra fria; E por vós foi, Dom João, Por vosso amor que morria. Dom João quando isto ouviu Por morto em terra cahia; Os seus olhos não choravam, Sua bocca não se abria. Mirava a gente em redor A vêr o que elle faria. Foi-se direito á egreja Onde a sua dama tinha: --Eu te rogo, sacristão, Por Deos e Santa Maria, Que me ajudes a erguer A campa da minha amiga. Ali a viu tão formosa Tal como d’antes a via. Pôz os joelhos em terra, Os braços ao céo erguia; Jurou a Deos e á sua alma Que mais a não deixaria. Puchou por um punhal d’ouro Por lhe fazer companhia. Permittiu a virgem santa A virgem Santa Maria, Que se não perdesse uma alma E um milagre fazia: A defuncta a mão direita Ao seu amante estendia, Seus lindos olhos se abriram A sua bocca sorria; Volta á vida que se fôra Com todo o amor que não se ia. Seu pae o foram buscar, Já estava na agonia; Vêm amigos, vêm parentes Todos com grande alegria; E a Dom João dão a esposa Que mui bem a merecia 22 Romance do Casamento e mortalha (_Versão do Minho_) Lá das bandas de Castella Triste nova era chegada; Dom João que vem doente, Mal pesar da sua amada. São chamados tres doutores Dos que têm mais nomeada: Que se algum lhe desse a vida Teria paga avultada. Chegaram os dois mais novos, Dizem que não era nada; Por fim que chega o mais velho Diz com voz desenganada: --Tendes tres horas de vida E uma está meia passada; Essa é para o testamento, Deixar a alma encommendada. A outra é para os sacramentos, Que inda é mais bem empregada; Na terceira as despedidas Da vossa dama adorada. Estando n’estas conversas Dona Isabel que é chegada. Ergueu os olhos para ella Com a vista já turvada: --«Ainda bem que vieste, Minha prenda desejada; Que tanto queria ver-te Nesta hora minguada, «Tenho fé na Virgem Santa, N’ella venho confiada, Que me hade ouvir e salvar-te, Que teu mal não será nada. --«Oh que se eu chegar a erguer-me, Minha rosa namorada, No vaso d’este meu peito P’ra sempre serás plantada, Com as bençãos de um Arcebispo, E de agua benta regada, Com a estóla da santa egreja Ao meu coração atada. Estando n’estas conversas, Sua mãe que era chegada: «--Que tens tu, filho querido D’esta alma amargurada? --«Tenho mãe que estou morrendo, Que esta vida está acabada; Com só três horas por minhas, E uma já meio passada. «--Filho de minhas entranhas, N’esta hora minguada, Lembra-te se algo deves A alguma dama honrada. --«Minha mãe, que devo, devo, E Deos me não peça nada! Dona Isabel, que em má hora Por mim fica diffamada. Mas deixo-lhe mil cruzados Para que seja casada. «--A honra não se paga, filho, Mil cruzados não é nada. --«Já lhe deixo mais duzentos E a cruz da minha espada. «--A honra não se paga, filho, Os cruzados não são nada. --«Deixo-a a estes tres doutores Muito bem encommendada; E a vós, minha mãe, vos peço Que a tenhaes bem guardada. O que com ella casar Tem uma villa ganhada; O que lhe disser que não Tenha a cabeça cortada. «--A honra não se paga, filho, Nem com terras é comprada: Se a essa dama lhe queres, Não a deixes deshonrada. --«Pois fique esta mão já fria Na sua mão adorada; De Dom João é viuva, Condessa será chamada. 23 Romance da Nau Catherineta (_Versão de Lisboa_) Ora da nau Cath’rineta D’ella vos quero contar, Sete annos e mais um dia Andou nas aguas do mar. Não tinham lá que comer, Nem mais quê para manjar, Deitaram sólas de môlho Para o domingo jantar. A sóla era tão dura Não a puderam tragar. Deitam sortes á ventura A vêr quem se hade matar! Logo foi cahir a sorte No capitão general. --Sóbe, sóbe marujinho Áquelle tópe real, Vê se vês terras de Hespanha, Ou praias de Portugal. «Não vejo terras de Hespanha, Nem praias de Portugal, Vejo sete espadas nuas Todas para te matar. --Acima, acima, gageiro Áquelle tópe real, Vê se vês terras de Hespanha, As praias de Portugal. «Alviçaras, capitão, Meu capitão general; Já vejo terras de Hespanha E praias de Portugal. Tambem vejo tres meninas Debaixo de um laranjal: Uma sentada a cozer, Outra na roca a fiar, A mais formosa de todas Está no meio a chorar. --Todas tres são minhas filhas, Oh quem m’as dera abraçar! A mais formosa de todas Comtigo a heide casar. «A vossa filha não quero, Que vos custou a criar. --Dar-te-hei tanto dinheiro Que o não possas contar. «Não quero o vosso dinheiro Pois vos custou a ganhar. --Dou-te o meu cavallo branco Que nunca houve outro igual. «Guardae o vosso cavallo Que vos custou a ensinar. --Que queres tu, meu gageiro, Que alviçaras te heide eu dar? «Eu quero a Nau Cath’rineta Para n’ella navegar. --A Nau Cath’rineta, amigo, É de el-rei de Portugal; Mas ou eu não sou quem sou, Ou el-rei t’a hade dar. III-ROMANCES QUE SE ENCONTRAM NAS COLLECÇÕES HESPANHOLAS 24 Romances do Conde prêso (_Versão de Trás-os-Montes_) Prêso vae o Conde, prêso, Prêso vae a bom recado; Não vae prêso por ladrão, Nem por home’ haver matado. Mas por violar a donzella Que vinha de Sanctiago. Não bastou dormir com ella, Se não dal-a ao seu criado! Accommetteu-a na serra, Mui longe do povoado; Por morta ali a deixára Sem mais dó, sem mais cuidado. Foi á presença do rei Onde o Conde era levado: «Eu te requeiro, bom rei, Pelo Apostolo sagrado, Que n’esta sua romeira O fôro seja guardado. Da lei divina é casar-se, Da humana ser degollado; Não ha fôro ou privilegio Onde Deos é o aggravado. Disse o rei aos do conselho, Com semblante carregado: --Sem mais detença este feito Quero já desembargado! --«Visto está o feito, visto, Julgado está, bem julgado; Ou hade casar com ella, Ou senão... ser degollado. --Pois que me praz, disse o rei, O algoz seja chamado; Ou já casar com a romeira, Ou aqui ser degollado. «--Venham algoz e cutello, (Respondeu o accusado) Antes morrerei mil vezes, Antes que ser deshonrado! Não me enterrem na egreja Nem tam pouco em sagrado: N’aquelle prado me enterrem Onde se faz o mercado. Cabeça me deixem fóra, O meu cabello entrançado; De cabeceira me ponham A pelle do meu cavallo, Que digam os passageiros: Triste de ti, desgraçado! Morreste de mal de amores, Que é um mal desesperado! 25 Dom Garfos (_Variante da Beira Baixa_) Lá abaixo vem o Conde, Prêso vem, arreatado, Não por furtos que haja feito, Nem por homens que ha matado; Foi por zombar da romeira Que vinha de Sanctiago. A romeira era nobre, A el-rei se ha queixado. Mando que case com ella, Ou que seja enforcado! Não heide casar com ella, Nem heide ser enforcado! Quem me dera aqui meus pretos, Ou meus velozes cavallos, Ou meu sobrinho Dom Garfos, Que eu me vira bem vingado. Palavras não eram ditas Dom Garfos era chegado: «Quem vos trouxe aqui, meu tio, Tão prêso e arreatado? Não por furto que haja feito, Nem por homens que ha matado? --Foi por zombar com a romeira Que vinha de Sanctiago; A romeira era nobre A el-rei se ha queixado. Manda que case com ella, Ou que seja enforcado. Vae tu falar com el-rei, A vêr se me ha perdoado. Entrou por palacio dentro: «Deos vos salve, meu bom rei! Mandae-me soltar meu tio, Se não eu o soltarei. --«Vae Dom Garfos para casa, Dorme um somno descançado; Das onze pr’a meia noite Teu tio será soltado. Lá pela noite adiante Acordou sobresaltado! Disse p’ra sua mulher Que um sonho tinha sonhado: «Lá no Terreiro do Passo Está meu tio enforcado. --Não digas isso zombando, Que esta noite ouvi um brado. Com uma mão veste a capa, Com outra sela o cavallo; A um pretinho que tinha Uma lança lhe ha dado. Foi-se ao Terreiro do Paço E viu seu tio enforcado! «Deos te perdôe, meu tio, Deos te tenha perdoado. Sete condes caminhavam A verem o enforcado; A um mata, outro degolla, Só um lhe ha escapado; E esse mesmo que escapou Foi a unha de cavallo. --«Oh Dom Garfos, oh Dom Garfos, Não sejas desatinado, Mataste-me já seis condes, Os melhores do meu reinado. «E a vós tambem proprio Rei, Se cá estivesses em baixo; Mas como estaes de ventana Palraes nem um papagaio! Mas n’uma filha que tendes Eu me verei bem vingado. Vae Dom Garfos para casa, Quatro facadas lhe ha dado: «Uma é á honra de tu padre, Outra á honra de tu madre; Outra por minha saúde Que te as haja mui bem dado! Outra por seres traidora, Que me não has acordado. 26 Justiça de Deos (_Variante da Beira-Alta_) Prêso vae o conde, preso, Prêso vae a bom recado; Não vae preso por ladrão, Nem por homem ter matado, Mas por violar a donzella Que vinha de Sanctiago: Não bastou dormir com ella, Senão dal-a ao seu criado. Accommetteu-a na serra, Mui longe do povoado: Por morta ali a deixara Sem mais dó, nem mais cuidado. Chorou tres dias, tres noites, E mais teria chorado, Senão que Deos sempre acode A amparar o desgraçado. Passou por ali um velho, Um pobre velho soldado, As barbas brancas de neve, Em sua espada abordoado. Vieiras traz na esclavina, O chapeo d’ellas cercado; Chegou-se á pobre romeira Com muito amor, muito agrado: --Não chores mais, filha minha, Filha, de mais tens chorado; Que esse villão cavalleiro Prêso vae a bom recado. Levou comsigo a donzella O bom velho do soldado, Vão á presença d’el-rei Onde o conde era levado. --Eu te requeiro, bom rei, Pelo Apostolo sagrado, Que n’esta tua romeira O fôro seja guardado. Da lei divina é casar-se, Da humana ser degollado: Que não valem fidalguias Onde Deos é o aggravado. Disse el-rei aos do conselho Com semblante carregado: --«Sem mais detença, este feito Quero já desembargado, «--Visto está o feito, visto, Julgado está, bem julgado: Ou hade casar com ella, Ou senão, ser degollado. --«Pois que me praz, disse o rei, O algoz que seja chamado; Ou já casar com a romeira, Ou aqui ser degollado. «Venham algoz e cutello, Respondeu o accusado: Mas antes morrer mil vezes Que viver envergonhado. Agora ouvireis o velho, O bom velho do soldado: --Fazeis, bom rei, má justiça, Mau feito tendes julgado; Primeiro casar com ella, E depois ser degollado. Lava-se a honra com sangue, Mas não se lava o peccado. Palavras não eram ditas A espada tinha arrojado; Despe o gaivão de romeiro, Despe as armas de soldado, Nos trajos de um santo Bispo Apparece transformado! Sua mitra de pedras finas, De ouro puro o seu cajado; Tomou a mão da romeira, A mão do conde ha tomado, Por palavras de presente Ali os tem desposado. Choravam todos que o viam, Chorava mais o culpado; Chorando, pedia a morte Por não ficar deshonrado. O santo Bispo o absolvia Contricto do seu peccado: D’ali o levam por morto, Que nem o algoz foi chamado; Justiça de Deos foi n’elle: Antes de uma hora é finado. 27 Romances do Conde Alberto (_Versão do Porto_) Indo Dona Silvaninha Pelo corredor acima, Tocando sua guitarra, Muito bem que a tangia; Acordou seu pae da cama Com o estrondo que fazia. --Que tendes, Dona Silvana, Que tendes, oh vida minha? «Raparigas do meu tempo São casadas, têm familia, Eu por ser a mais formosa Para o canto ficaria? --Não tenho com quem te case Neste reino, minha filha; Só se fôr o Conde Alberto, É casado e tem familia. «Mandai-o chamar, meu pae, Da sua parte e da minha, Que mate sua condessa, E case com vossa filha; Que traga a cabeça d’ella Nesta dourada bacia. Eis manda chamar o Conde Da sua parte e da filha; Matasse a sua condessa, Casasse com Silvaninha. Veio o Conde mui depressa, Mais depressa que podia: --Quero mates a condessa, Que cases com minha filha. --«Como matar a condessa Se ella a morte não merecia? --Mata, mata, Conde Alberto; Antes de uma Ave-maria Me traz a sua cabeça N’esta dourada bacia. Foi o Conde para casa, Muito triste que elle ia; Mandou fechar seus palacios, Cousa que nunca fazia. Mandou vestir seus criados De luto á maravilha; Mandou pôr a sua mesa Para fazer que comia. As lagrimas eram tantas Que pela mesa corria; Os suspiros eram tantos Que o palacio estremecia. Desceu a condessa abaixo A vêr o que o Conde tinha: »Que tens tu, oh Conde Alberto, Que tendes, oh vida minha? Conta-me as tuas tristezas Como contaes alegrias. --«Minhas tristezas são tantas Que contar-vos não queria, »Conta, conta, Conde Alberto, Conta, conta, vida minha. --«Manda-me el-rei que te mate, Que case com sua filha. »Cala-te lá, Conde Alberto, Que isso remedio teria: Meter-me-has n’um convento, Que não veja sol, nem dia; Deras-me o pão por onça, Agua por uma medida. --«Ai! como pode isso ser, Condessa da minha vida? Diz que te leve a cabeça Nesta maldita bacia. »Cala-te d’ahi, oh Conde, Que isso remedio teria: Matarias a donzella Que se parece commigo. --«Cala-te d’ahi, mulher, Que isso não é honra minha. »Vou para casa de meu pae Nunca mais apparecia. Palavras não eram ditas El-rei á porta batia: Se a condessa era morta, Senão elle a mataria. --«A Condessa não é morta, Anda n’essas agonias. »Deixa-me dar um passeio Da sala até á cosinha: Adeos moças, adeos aias Com quem eu me divertia, Adeos espelho real Onde me via e vestia; Que ámanhã por estas horas Já estarei na terra fria. Dá-me cá esse menino Que o quero pentear; Dá-me cá o outro mais novo, Quero-lhe dar de mammar: Mamma, mamma, meu menino, Este leite de paixão, Que ámanhã por estas horas Está tua mãe no caixão. Mamma, mamma, meu menino, Este leite de pesar, Que ámanhã por estas horas Vae tua mãe a enterrar. Mamma, mamma, meu menino, Este leite de amargura, Ámanhã por estas horas Está tua mãe na sepultura. Tocam sinos em palacio, Ai, Jesus, quem morreria? --Morreu a filha do rei Pela soberba que tinha, Descasar os bem casados Cousa que Deos não queria. 28 Conde Alves (_Variante da Beira Baixa_) Estando a princesa a chorar, Filha do rei de Castilla: Seu pae se foi ter com ella Ao estrondo que fazia: --O que é isso, oh Silvana, Que é isso, oh filha minha? «De tres manas que eu tenho São casadas tem família; Eu por ser a mais formosa Solteirinha ficaria? --Não tenho com quem te case Na mais alta senhoria; Só sendo com o Conde Alves, É casado e tem familia. «Com esse, meu pai, com esse, Com esse é que eu queria; Mande-o chamar, meu pae, Da sua parte e da minha! --Ála, ála, meus criados, O Conde Alves vão chamar. --«Ainda agora de lá venho, Já para lá heide tornar? Entrou pelo passo dentro Fazendo mil cortezias: --«Que me quer a Vossa Alteza, Vossa Alteza Senhoria? --Quero que mates a Condessa, E cases com minha filha! --«A Condessa não a mato, Que ella a morte não merecia. Mando-a deitar aos matos, Que os bichos a comeria. --Mata, mata, Conde Alves, Não me tornes demasia; A cabeça me ha de vir N’esta dourada bacia. Não m’a troques lá por outra, Que eu bem a conhecia; Que ao seu lado direito Um sinal preto teria. Foi-se d’ali o bom Conde, Cheio de melancholia; Mandou fechar suas portas, Cousa que nunca fazia! Mandou pôr a sua mesa, Nem um, nem outro comia; As lagrimas eram tantas, Que pela mesa corria. «--O que é isso, oh bom Conde, Que é essa melancholia? Conta-me as tuas tristezas, Que eu te conto alegrias! --«Se eu te contasse tristezas, Morta para trás cahirias: Mandou o rei que te mate, Que case com sua filha. «--Isso não, bom conde, não, Que eu a morte não merecia; Manda-me deitar aos mares, Que os peixes me comeria. --«Isso não, condessa, não, Que o rei logo o sabia, A cabeça te hade ir N’aquella negra bacia, Que te não troque por outra Que elle bem te conhecia; Que ao teu lado direito Um sinal preto teria. «--Deixa-me dar um passeio Da sala para o jardim: Adeos cravos, adeos rosas, Adeos flor do alecrim. Deixa-me dar um passeio Da sala para a cosinha; Deixa-me dar de mammar Ao filho que tanto queria. Mamma, filho, mamma, filho, Este leite amargurado, Ámanhã por estas horas Já teu pai está coroado. Mamma, filho, mamma, filho, Este leite de amargura; Ámanhã por estas horas Já estarei na sepultura. Anda cá, filho mais velho, Que te quero ensinar A tua mãe a rainha Como lhe haveis de chamar, Com o joelho no chão, O chapeosinho no ar. Estando n’estas razões El-rei á porta batia: A condessa já é morta, Senão elle a mataria. --«A condessa não é morta, Está n’essas agonias. Tocam os sinos na côrte, Ai, Jesus, quem morreria? Morreu, foi Dona Silvana, Por crimes que commettia; O pae morreu ás dez horas, E a filha ao meio dia. Apartar os bem casados Era o que Deos não queria. 29 Romances do Conde de Allemanha (_Versão da Beira-Baixa_) Já o sol nasce na serra, Já lá vem o claro dia, Inda o Conde de Allemanha Com a rainha dormia. Não o sabia o rei, Nem quantos na côrte havia, Sabia-o só o princesa Juliana sua filha. --Juliana, se o sabes, Não o queiras descubrir; Porque o Conde é muito rico De ouro te hade vestir. «Não quero seus fatos d’oiro, Já os tenho de damasco; Inda meu pae não é morto, Já me querem dar padrasto! As pregas d’esta camisa Eu não as chegue a fazer, Quando meu pae vier da missa Se eu lh’o não fôr dizer. As pregas d’esta camisa Não as chegue eu a acabar, Em meu pae vindo da missa Se lh’o eu não fôr contar. Estando n’estas rasões O pae á porta batia: --«Oh que razões serão essas Entre uma mãe e a filha? «Com bem venha, senhor pae, Com Deos seja a sua vinda; Tenho para lhe contar Um conto de maravilha: Estando eu no meu tear, Tecendo cambraia fina, Veio o Conde de Allemanha... --«Algum fio te quebraria? Não te zangues, minha filha, Nem me faças tu zangar, Porque o Conde é divertido, Talvez fosse por brincar. «Mal o hajam os seus brincos, Mais o seu negro brincar; Que me pegou por um braço E á cama me quiz levar. --«Accommoda-te pois, filha, Não me faças mais zangar, Ámanhã por estas horas Vae o Conde a degollar. «Levante-se, minha mãe, Venha vêr a bizarria! E o Conde da Allemanha Tambem vae na companhia, Com a cabeça n’um prato, E o sangue n’uma bacia. --Mal o hajas tu, oh filha, Fóra o leite que mammaste; Sendo o Conde tão bonito A morte que lhe causaste. «Accommode-se minha, mãe, Não me faça mais zangar, A morte, que o Conde leva Não lh’a faça eu levar. --Bem hajas, oh minha filha, Mais o leite que mammaste; Menina de doze annos Da morte que me livraste. 30 O Conde de Allemanha (_Variante de Trás-os-Montes_) Já o sol dava na côrte, E já era o claro dia, Inda o Conde de Allemanha Com a rainha dormia. Não no saberia el-rei, Nem quantos na côrte havia, Sabia-o a Dona Infanta Filha da mesma rainha. --«Infantinha, se o sabes, Não me queiras descobrir, Que o Conde é mui brioso, De ouro te hade vestir. «Não quero vestidos d’ouro, Que os tenho de damasco, Meu pae ainda é bem novo, Já me querem dar padrasto. As mangas d’esta camisa Não as chegue eu a romper, Se quando vier meu pae Eu lh’o não fôra dizer. Venha, venha, senhor, pae, Santa seja a sua vinda, Um conto quero contar, Um conto á maravilha. --Conta, conta, minha filha, Que eu gósto do te ouvir! «Estando eu na minha cella, Dobando seda amarella, Veio o Conde de Allemanha Tres fios me tirou d’ella, --Cala-te lá, oh filha, Vamos p’r’a mesa jantar, Que o Conde é rapaz novo, É menino quer brincar. «Mal hajam os seus brinquedos, Mal haja do seu brincar, Que pegou em mim nos braços, Á cama me foi lançar. --Dize pois, oh minha filha, Que castigo lhe heide dar? «Quero escadas dos seus ossos Para o jardim passear. --Cala-te lá, oh filha. Vamos para a mesa jantar, Que amanhã por estas horas Vae o Conde a degollar. --«Arrenego-te, Mariana, Mais o leite que mammaste, Oh que Conde tão bonito E a morte que lhe causaste, «Minha mãe, minha mãesinha, Venha á janella do canto, Venha ver o senhor Conde Todo vestido de branco. Venha vêr, oh minha mãe, Á janellinha do poço, Venha vêr o senhor Conde Com uma corda ao pescoço. Venha, venha, minha mãe, Venha p’r’a sala do meio, Vêr o Conde da Allemanha Feito n’um cravo vermelho. --«Mal o hajas tu, oh filha, Fóra o leite que mammaste, Sendo o Conde tão bonito A morte que lhe causaste. «Cale-se ahi, minha mãe, Ninguem a ouça falar; Que a morte que leva o conde Não a vá você levar. 31 Romances de Dom Carlos de Montealbar (_Versão do Porto e Beira-Alta_) Estando Dona Silvana, Mais Dom Carlos Montealbar, Debaixo de uma roseira, Debaixo de um rosal, Passou por ali um pagico, Que nunca elle passasse: --Pagico, do que has visto A el-rei não vás contar, Que eu te dou a minha chave, Quanto puderes levar; E da parte da senhora O que ella te quizer dar. «Não quero ouro, nem prata, Se ouro e prata me heis dar; Quero guardar lealdade A quem a devo guardar. Pagem, como ignorante, A el-rei o foi contar, Á casa dos estudantes Onde estava a estudar, «Deos vos salve, senhor rei, E a vossa corôa real; Lá deixei o conde Carlos Com a princesa a folgar, «--Se á puridade o dissesses Tença te havia de dar; Mas pois tam alto falaste, Alto hasde ir a enforcar. --«Ganhas-te, mexeriqueiro, Com o teu mexericar. «Ganhei a morte, senhora, E a vida me podeis dar. --«Se ella está na minha mão, A vida não te heide dar; Para outra não fazeres Já irás a degollar, E ao rabo do meu cavallo Te mandarei arrastar. Aos sette para outo mezes Seu pae que a estava a mirar; -«Que me mira, senhor pae, Que tanto me está a mirar? «--Eu miro-te, minha filha, Que me pareces pejada. --«Calle-se d’ahi, meu pae, Que é das saias mal talhadas. Mandou chamar dois obreiros A quem elle mais amava, Olharam um para o outro: »Estas saias não tem nada! «--Call’-te, call’-te, minha filha, Ámanhã serás queimada! --«Não se me dá que me queimem, Que me tornem a queimar; Da-se-me d’este meu ventre Que é de sangue real. Ai quem me dera um pagico Que me fôra bem mandado, Que me levara uma carta A Dom Carlos Montealbar. «Escreva, minha senhora, Em quanto eu vou jantar. --«Se elle estiver a dormir Façam-no logo acordar, Se elle estiver a comer Não o deixem acabar. «Aqui lhe trago, senhor, Novas de grande pesar, Que a sua bella menina Ámanhã vae a queimar. Jornada de trinta leguas Temol-a nós para andar. Era meia noite em ponto Dom Carlos a repousar; Chamou um dos seus criados O que lhe era mais leal, Lhe aparelhasse um cavallo Dos que tem melhor andar; Doze campainhas d’ouro Lhe puzesse ao peitoral. Onde vás tu, oh Dom Carlos, Sósinho por esse andar? Vestiu-se em trajos de frade Ao caminho foi esperar. --Cesse, cesse, senhor conde, Cesse se hade cessar, Que a menina que aí vae Inda está por confessar. «--Confesse-a, senhor padre, Em quanto eu vou jantar. --Diga-me, minha menina, Verdade me hade falar: Se algum dia teve amor A leigo, crelgo, ou a frade? --«Nunca tive amor a crelgo, Nem a leigo, nem a padre; Tive amores com Dom Carlos, Por isso vou a queimar. No primeiro mandamento O padre nada lhe disse; No meio da confissão Um beijinho lhe pediu. --«Cesse, cesse, senhor padre, Cesse se hade cessar, Onde Dom Carlos beijou Ninguem mais hade beijar. --Esse sou, minha senhora, Que a venho aqui buscar. Tomou-a logo nos braços, Puzeram-se a caminhar; Correm d’alem os criados E puzeram-se a gritar: «Senhor padre, deixe a moça, Que a manda seu pae queimar! --Pois vão dizer a seu pae, Que a venha d’aqui tirar. 32 Dona Lisarda (_Variante da Beira-Baixa_) --Oh Lisarda, oh Lisarda, Oh Lisarda meus amores, Quem dormira uma só noite Comvosco n’esses alvores. «Dormirieis uma ou duas Se não vos fôsses gabar. --Tenho feito juramento Na folhinha do Missal, Menina com quem dormir De eu a não ir diffamar. Ainda não era manhã Ao jogo se foi gabar: --Dormi esta noite com uma.... Não ha na corte uma egual! Puzeram-se uns para os outros: Quem seria? quem será? Aonde estava um irmão Á mãe o veio contar; A mãe assim que o soube Logo a mandou fechar. O pae perdeu confiança, Lenha lhe mandou cortar. «--Oh Lizarda, oh Lizarda, O pae te manda queimar. «Não se me dá que me queime, Nem que me mande queimar; Dá-se-me d’este meu ventre Que leva sangue real. Chegou a uma janella Mui triste do coração: «Haverá por’hi um pagem O qual queira do meu pão, Que esse levasse uma carta Ao conde de Montalvão? Appareceu-lhe um menino De sete annos e mais não: --«Eu lh’a levarei, senhora, Escripta no coração. «Se o achares a dormir Deixa-o primeiro acordar; Se o achares á janella, Cartas lhe vás entregar. Foi fortuna do menino Á janella o ir achar: --«Cartas lhe trago, senhor, Cartas de muito pesar; Menina com quem dormistes Ámanhã a vão queimar. Não se lhe dá que a queimem, Nem que a levem a queimar; Dá-se-lhe só do seu ventre Que leva sangue real. --Ala, ala, meus criados, Cavallos ide ferrar, Com ferraduras de bronze Que não se hajam de gastar. Jornada de outo dias Esta noite se hade andar. Vestiu-se em trajos de frade Começou a caminhar; Quando chegou ao pé d’ella Então já a iam queimar. --Quéde, quéde essa justiça, Se não a farei quedar, A menina que aí levam Ainda vae por confessar. --Confessae-a, senhor padre, Emquanto vamos jantar; A confissão é de um anno, Ella hade-se demorar. --Venha cá, minha menina, Faça confissão geral, No meio da confissão Um beijinho me hade dar. «Tenho feito juramento Na folhinha do Missal, Bocca que beijou o conde Frade não hade beijar. --Venha cá, minha menina, Que a quero confessar; No meio da confissão Um abraço me hade dar. «Não permitta Deos do céo Nem os santos do altar, Braços que o conde abraçaram Frades não hão de abraçar. Começa-se elle a sorrir No meio da confissão: «Pelo rir estás parecendo O Conde de Montalvão! --Esse sou, minha senhora, Criado para a salvar. Montou-a no seu cavallo, Foi á pressa a caminhar, Quando veio a justiça Não a puderam alcançar. --Digam agora a seus manos ’ Que a venham cá accusar; Digam agora a sua mãe Que a venha cá fechar; Digam também a seu pae Que a mande agora queimar! Vae na minha companhia Para com ella casar. 33 Dona Areria (_Variante de Coimbra_) A cidade de Coimbra Tem uma fonte de agua clara; As moças que bebem n’ella Logo se vêem pejadas. Dona Areria bebeu n’ella Logo se viu occupada Estando com seu pae á mesa Seu pae que muito a mirava: --Dona Areria, Dona Areria, Parece que estás pejada? «A culpa é dos alfaiates, Que talharam mal a saia. Chamaram-se os alfaiates Á sua salla fechada, Olharam uns para os outros: --Esta saia não tem nada. Ao cabo de nove mezes Ella será abaixada. Arrecolheu-se ao seu quarto Muito triste, desmaiada. --Dona Areria, Dona Areria, Ámanhã serás queimada. «Não se me dá que me queimem, Que me tornem a queimar; Dá-se-me d’este meu ventre Que é de mui nobre linhagem. Oh quem me dera um criado Que me comêra o meu pão; Que me levara uma carta Ao conde de Montalvão. --Escreva, menina, escreva, Escreva do coração, Que eu lhe levarei a carta Ao conde de Montalvão. --Aqui tem, oh senhor conde, Carta de muito pesar; Menina com quem dormiu Ella aí vem a queimar. --«Se tu me dizes devéras, Cavallos mando apromptar; A jornada de oito dias Ainda hoje se hade andar. --Lá ao fim de nove legoas Liteiras se hão de encontrar. Vestiu-se em trajos de frade Ao caminho a foi esperar; Em chegando ao pé d’ella Aos criados foi falar: --«Pára, pára, oh da liteira, Que eu te farei parar, A menina que vem dentro Ella vem por confessar: --«Diga-me, minha menina, Verdade me hade falar, Se teve amores com clerigos Ou com frades, mal pesar? «Não tive amores com clerigos, Nem frades de mal pesar; Tive amores com Dom Carlos, Por isso vou a queimar. --«Lá no meio da confissão Um beijinho me hade dar. «Onde o conde pôz a bocca Padre algum lhe hade tocar. --«Pois Dom Carlos sou eu mesmo E comtigo heide casar. 34 Romance do Passo de Roncesval (_Versão de Trás-os-Montes_) --Quêdos, quêdos cavalleiros, Que el-rei os manda contar! Contaram e recontaram, Só um lhe vinha a faltar; Era esse Dom Beltrão, Tão forte no batalhar; Nunca o acharam de menos Senão n’aquelle contar, Senão ao passar do rio, Nos portos de mal passar. Deitam sortes á ventura A qual o ha de ir buscar. Que ao partir fizeram todos Preito, homenagem no altar, O que na guerra morresse Dentro em França se enterrar. Sete vezes deitam sortes A quem no hade ir buscar; Todas sete lhe cahiram Ao bom velho de seu pae. Volta redeas ao cavallo, Sem mais dizer, nem falar... Que lh’a sorte não cahira, Nunca elle havia ficar. Triste e só se vae andando Não cessava de chorar; De dia vae pelas montes. De noite vae pelo val; Aos pastores perguntando Se viram ali passar Cavalleiro de armas brancas, Seu cavallo tremedal? «Cavalleiro de armas brancas, Seu cavallo tremedal, Por esta ribeira fóra Ninguem não no viu passar. Vae andando, vae andando Sem nunca desanimar, Chega áquella mortandade D’onde fôra Roncesval: Os braços já tem cansados De tanto morto virar; Viu a todos os francezes, Dom Beltrão não pôde achar. Volta atrás o velho triste, Volta por um areal, Viu estar um perro mouro Em um adarve a velar: --Por Deos te peço, bom mouro, Me digas sem me enganar, Cavalleiro de armas brancas Se o viste por’qui passar? Hontem á noite seria, Horas do gallo cantar, Se entre vós está cativo A oiro o heide pezar. «Esse cavalleiro, amigo, Diz’-me tu que signaes traz? --Brancas são as suas armas, O cavallo tremedal, Na ponta da sua lança Levava um branco sendal, Que lh’o bordou sua dama Bordado a ponto real. «Esse cavalleiro, amigo, Morto está n’esse pragal, Com as pernas dentro d’agua, O corpo no areal. Sete feridas no peito A qual será mais mortal: Por uma lhe entra o sol, Por outra lhe entra o luar, Pela mais pequena d’ellas Um gavião a voar. --Não tórno a culpa a meu filho, Nem aos mouros de o matar: Tórno a culpa a seu cavallo De o não saber retirar. Milagre! quem tal diria, Quem tal poderá contar! O cavallo meio morto Ali se pôz a falar: --«Não me tornes essa culpa, Que m’a não podes tornar; Tres vezes o retirei, Tres vezes para o salvar; Tres me deu de espora e rédea, Co’a senha de pelejar. Tres vezes me apertou silhas, Me alargou o peitoral... Á terceira fui a terra D’esta ferida mortal. VERGEL DE ROMANCES MOURISCOS, CONTOS DE CAPTIVOS, LENDAS PIEDOSAS E XACARAS IV--ROMANCES MOURISCOS E CONTOS DE CAPTIVOS 35 Fragmento de um Romance do Cid (_Versão de Gil Vicente_) Ai Valença, guai Valença, De fogo sejas queimada, Primeiro foste de Mouros Que de Christianos tomada. Alfaleme na cabeça En la mano uma azagaya, Guai Valença, guai Valença, Como estás bem assentada; Antes que sejam tres dias De Moiros serás cercada. ........................ ........................ 36 Romances de Dom Gayfeiros (_Versão de Trás-os-Montes_) Sentado está Dom Gayfeiros Lá em palacio real, Assentado ao taboleiro Para as tavolas jogar. Os dados tinha na mão, Que já os ia deitar, Se não quando vem seu tio Que lhe entra a pelejar: --Para isso és Gayfeiros, Para os dados arrojar; Tua esposa lá têm mouros, Não és para a ir buscar. Outrem fôra seu marido, Já lá não havia estar. Palavras não eram ditas Os dados vão pelo ar, A que não fôra o respeito Da pessoa e do logar, Tavolas e taboleiro Tudo fôra espedaçar: --«Sette annos a busquei, tio, Sem a poder encontrar; Os quatro por terra firme, Os tres por cima do mar. Andei por montes e valles Sem dormir, nem descançar; O comer de carne crua, No sangue a sêde matar, Sangue vertiam os pés, Cansados de tanto andar; E os sete annos cumpridos Sem a poder encontrar. Ella estava em Salsonha Lá em palacio real! Mercê vos peço, meu tio, Se m’a vós quizereis dar, Vossas armas e cavallo Que m’as queiraes emprestar. A minha esposa entre mouros Eu a quero ir buscar. --Minhas armas não te empresto, Que as não posso desarmar; Meu cavallo bem vezeiro Não o quero mal vezar. Dom Gayfeiros, que isto ouviu, A espada foi a tirar: --«Bem parece Dom Roldão, Bem parece mal pesar, O muito amor que me tendes Para assim me affrontar. Mandae-me dizer por outrem Que me las possa pagar, Essas palavras, meu tio, Que vos não quero tragar. --Bem parece, Dom Gayfeiros, Bem se deixa de mostrar, Que a falta de annos, sobrinho, Em tudo vos faz falar. Aquelle que mais te quer Esse te hade castigar: Fôras tu mau cavalleiro, Nunca te eu dissera tal! Porque sei que és bom, o disse, E agora armar e sellar. Meu cavallo e minhas armas Ahi estão ao teu mandar, E aqui tendes o meu corpo Para vos acompanhar. --«Só quero ir, meu tio, só Para melhor a tirar; Venham armas e cavallo, Que já me quero marchar. «Oh que lindo cavalleiro De tão gentil cavalgar! --«Melhor sou jogando ás damas, Com mouros a batalhar. «Se sois christão cavalleiro Recado me haveis levar, Que digaes a Dom Gayfeiros Porque me não vem buscar; Pois me querem fazer moira, E de Christo renegar. Com um rei mouro me casam De alem das bandas do mar, Dos sette reis da moirama Rainha me hão de coroar. --«Esse recado, senhora, Eu mesmo lh’o heide dar, Pois Dom Gayfeiros sou eu, Que vos venho a buscar. A fala não era dita Puzeram-se a caminhar; Tirou-a pelo balcão Por não haver mais logar. Cavalgam, vão caminhando, Não cessam de caminhar, Por essa moirama fóra Sem mais temor, nem pesar; Falando de seus amores Sem de mais nada pensar. Em terras da christandade Por fim vieram a entrar, As festas que se fizeram Não teem conto, nem par. 37 Melisendra (_Variante de Trás-os-Montes_) --Sette annos são cumpridos Bem n’os deves de contar, Que a Melisendra é cativa E a vida leva a chorar. Outrem fôra seu marido, Já lá não havia estar! A seu tio Dom Roldão Tal resposta lhe foi dar: --«Os sette annos são cumpridos Sem a poder encontrar! Agora a saber sou vindo Que a Salsonha foí parar. E eu sem armas, nem cavallo Com que a possa ir buscar! --Eu sempre te vi com armas, Com cavallos a adestrar; Agora que estás sem elles É que a queres ir buscar? --«As vossas armas meu tio, Que m’as não queiraes negar; A minha esposa cativa Como heide eu ir buscar? --Em Sam João de Latrão Fiz juramento no altar De a ninguem emprestar armas Que m’as faça acovardar. Saltam-lhe os olhos da cara, De merencorio falar: --«De covarde a mim! ninguem Nunca me hade appellidar! --Fôras tu mau cavalleiro, Nunca te eu dissera tal. Dom Roldão a sua espada Ali lhe foi entregar: --E mais terás o meu corpo Para te ir acompanhar. --«Mercês, meu tio, heide ir só, Só, tenho de a ir buscar. --Pois se queres ir só, sobrinho, Esta te hade acompanhar; Meu cavallo é generoso Não o queiras sopear; Dá-lhe mais rédea que espora, N’elle te podes fiar. Andando vae Dom Gayfeiros, Andando a bom andar; Por essas terras de Christo Té á moirama chegar. Ia triste e pensativo, Cheio de grande pesar, Para as portas de Salsonha, Sem saber como hade entrar; Melisendra em mãos de mouros Como lh’a hade sacar? Estando n’este cuidado As portas se abrem de par, El-Rei com seus cavalleiros Sahia ao campo a folgar. Furtou-lhe as voltas Gayfeiros, Pelas portas foi entrar; Deu com um christão cativo Que ali andava a trabalhar: --«Por Deos te peço, cativo, E elle te venha livrar, Assim me digas se ouviste N’esta terra anomear A uma dama christan, Senhora de alto solar, Que anda cativa de mouros E a vida leva a chorar? «--Deos te salve, cavalleiro, Elle te venha ajudar! E assim me dê outra vida, Que esta se vae a chorar. Pelos signaes que me déste Já bem te posso affirmar, Que a dama que andas buscando Em palacio deve estar. Toma essa rua direita, Que leva ao passo real, Lá verás pelas janellas Muitas christãs a folgar. Tomou a rua direita, Que no palacio vae dar, Alçou os olhos ao alto, Melisendra viu estar Sentada áquella janella, Tão entregue ao seu pensar, Que as outras em redor d’ella Não as sentia folgar. Rua abaixo, rua acima, Gayfeiros a passear: «D’onde é o cavalleiro De tão lindo passear? --«O cavalleiro é christão Das bandas d’alem do mar. «Se o cavalleiro é christão Recado me haveis levar, Que digaes a Dom Gayfeiros Porque me não vem buscar, Em quanto eu presa e cativa. A vida levo a chorar. --«Esse recado, senhora, Vós mesma lh’o haveis de dar; Dom Gayfeiros aqui o tendes, Que vos vem a libertar. Palavras não eram ditas Os braços lhe foi a dar, Ella do balcão abaixo Se deitou sem mais falar. Maldito perro de mouro Que ali andava a rondar Em altos gritos o mouro Começava de bradar: «--Accudam á Melisendra, Que se vae para alem-mar. --«Melisendra, Melisendra, Agora é o esforçar! Aperta a cilha ao cavallo, Affrouxa-lhe o peitoral, Saltou-lhe em cima de um pulo, Sem pé no estribo poisar. Tomou-a pela cintura, Que o corpo ergueu por lh’a dar. Assenta a esposa á garupa Para que a possa abraçar; Finca esporas ao cavallo, Que o sangue lhe faz saltar, Os mouros pela cidade A correr e a gritar; Quantas portas ella tinha Todas as foram cerrar, Sette vezes deu a volta Da cerca sem a passar, O cavallo ás outo vezes De um salto a foi saltar. O rei que vinha da caça Lá deitou a desfilar. Sentiu logo Dom Gayfeiros Como o iam alcançar: --«Não te assustes, Melisendra, Que é força aqui apear; Entre estas arvores verdes Um pouco me hasde aguardar, Em quanto eu volto a esses perros, Que os heide affugentar. As boas armas que trago Agora as vou a provar. «--Renego de ti, christão E mais do teu pelejar! Não ha outro cavalleiro Que se te possa egualar; Só se fosse Dom Roldão, O encantado sem par. --«Calla-te d’aí, rei mouro, Calla-te, não digas tal, Sou o infante Dom Gayfeiros, Roldão meu tio carnal, Alcaide mor de Paris, Minha terra natural. Gayfeiros, senhor do campo, Não tem com quem pelejar; Cheio de grande alegria Melisendra foi buscar: «Ai, se vens ferido, esposo, E que ferido hasde estar? Eram tantos esses mouros, E tu só a batalhar! Mangas da minha camiza. Com ellas te heide pençar; Toucas da minha cabeça Faxas para te apertar. --«Calla-te d’aí, infanta, E não queiras dizer tal, Por mais que foram-n’os mouros Não me haviam fazer mal: São de meu tio Roldão Estas armas de provar. A Paris já são chegados, Já sáem para os encontrar, Sete leguas da cidade A côrte os vae esperar; Sahia o imperador A sua filha a abraçar: Grande honra a Dom Gayfeiros, Os parabens lhe vão dar; Por sua muita bondade Todas o estão a louvar, Pois libertou sua esposa Com valor tão singular. 38 Romance de Branca-Flor (_Versão da Extremadura_) --Á guerra, á guerra, mourinhos, Quero uma christã cativa! Uns vão pelo mar abaixo, Outros pela terra acima; Tragam-me a christã cativa, Que é para a nossa rainha. Uns vão pelo mar abaixo, Outros pela terra acima; Os que foram mar abaixo Não encontraram cativa; Os que foram terra acima Tiveram melhor atina. Deram com o conde Flores, Que vinha da romaria: Vinha lá de Sanctiago, Sanctiago da Galliza. Mataram o conde Flores, A condessa vae cativa; Mal que o soube a rainha Ao caminho lhe sahia: «Venha embora a minha escrava, Boa seja a sua vinda! Aqui lhe entrego estas chaves Da dispensa e da cosinha; Que me não fio de moiras, Que me não dêem bruxaria. »Acceito as chaves, senhora, Por grande desdita minha! Hontem condessa jurada, Hoje moça da cosinha. A rainha está pejada, A escrava tambem o vinha; Quiz a boa ou má fortuna Que ambas parissem n’um dia. Filho varão teve a escrava, E uma filha a rainha; Mas as perras das comadres, Para ganharem alviçaras, Deram á rainha o filho, E á escrava deram a filha. »Filha minha da minha alma, Com que te baptisaria? As lagrimas dos meus olhos Te sirvam de agua bemdita. Chamar-te-hei Branca Rosa, Branca-Flor d’Alexandria, Que assim se chamava d’antes Uma irmã que eu tinha. Captivaram-n’a os mouros Dia da Paschoa Florida, Quando andava a apanhar rosas N’um rosal que meu pae tinha. Estas lastimas choradas Veis la rainha que ouvia, E co’as lagrimas nos olhos Muito depressa accudia: «Criadas, minhas criadas, Regalem-me esta cativa; Que se eu não fôra de cama Eu é que a regalaria. Mal se alevanta a rainha Vae-se ter com a cativa: «Como estás, oh minha escrava, Como está a tua filha? »A filha boa, senhora, Eu como mulher parida. «Se estiveras em tua terra Que nome lhe chamarias? »Chamava-lhe Branca Rosa, Branca-Flor de Alexandria; Que assim se chamava d’antes Uma irmã que eu tinha: Cativaram-n’a os mouros Dia de Paschoa Florida, Quando andava a apanhar rosas N’um rosal que meu pae tinha, «Se vira’la tua irmã Se tu a conhecerias? »Assim eu a vira nua, Da cintura para cima; Debaixo do peito esquerdo Um lunar preto ella tinha, «Ai, triste de mim coitada, Ai triste de mim mofina! Mandei buscar uma escrava Trazem-me uma irmã minha. Não são passadas três dias Morre a filha da rainha: Chorava a condessa Flores Como quem por sua a tinha; Porem mais chorava a mãe, Que o coração lh’o dizia. Deram á lingua as criadas, Soube-se o que succedia: A mãe com o filho nos braços Cuidou morrer de alegria. Não são passadas tres horas, Uma á outra se dizia: «Quem se vira em Portugal, Terra que Deos bemdizia! Juntaram muita riqueza D’ouro e de pedraria; Uma noite abençoada Fugiram da moiraria. Foram ter á sua terra, Terra de Santa Maria, Metteram-se n’um mosteiro, Ambas professam n’um dia. 39 Romance da Moira Encantada (_Versão do Algarve_) Meia noite alem ressôa Cerca das ribas do mar, Meia noite já é dada, E o povo ainda a folgar. Em meio de tal folguedo Todos quédam sem falar, Olhos voltam ao castello Para ver, para avistar A linda moira encantada, Que era triste a suspirar. --Quem se atreve, ai quem se atreve Ir ao castello e trepar, Para vencer lo encanto Que tanto sabe encantar? Ninguem ha que a tal se atreva, Não ha que em moiras fiar; Quem lá fosse a taes deshoras Para só desencantar, Grande risco assim corrêra De não mais de lá voltar. --Ai que linda formosura, Quem a pudera salvar! O alvor dos seus vestidos Tem mais brilho que o luar! Doces, tão doces suspiros, Onde ouvil-os suspirar? Assim um bom cavalleiro Se estava a delatar, Em amor lhe ardia o peito, Em desejos seu olhar. Tres horas eram passadas N’este continuo anciar, Cavalleiro d’armas brancas Nunca soube arreceiar, Invoca a linda moirinha, Mas não ouve o seu falar; Nada importa a Dom Ramiro Mais que a moira conquistar. Vae subir por muro acima, Sente os pés a resvalar! Ai que era passada a hora De a poder desencantar. Já la vinha a estrella d’alva Com seus brilhos a raiar. No mais alto do castello Já mal se via alvejar A fina e branca roupagem Da linda filha de Agar. Ao romper do claro dia, Para bem mais se pasmar, Sahiu do castello uma nuvem, Era apenas a pairar. Jurava o povo, jurava E teimava em affirmar, Que dentro d’aquella nuvem Vira a donzellinha entrar. Dom Ramiro de enraivado De não poder-lhe chegar, D’ali parte e contra os mouros Grande briga vae armar, Por fim ganha um bom castello, Mas sem moira para amar. 40 Romance de Nossa Senhora dos Martyres (_Versão do Algarve_) Candida Virgem dos Martyres, Formosa Virgem Maria; Estrella do céo fulgente Clara luz do claro dia, Contar todos seus milagres Quem contal-os poderia? De todos o mais patente Acha-se ahi n’essa villa De Castro-Marim chamada, Que já foi da mouraria. É este santo milagre De tal poder e valia, Que em Portugal e Castella, E mais ainda em Barberia, A quantos bem o conhecem Faz espanto e maravilha: Era um christão que passava Negra vida que tenia Debaixo de duros ferros. Lá para as bandas de Arzilla Cativeiro mais penoso Outro christão não havia. O perro mouro infiel, Que o comprara em Almeria, Por seguro se não dava De que lhe não fugiria. Sempre o maldito do perro, Que receioso vivia, Maltratar o pobre escravo Com ferrenha mão sohia. Já invenção lhe faltava De como elle o guardaria; Mandou fazer um caixão Muito forte em demasia, E n’elle sem mais detença O triste christão mettia; Mas por certo inda o não dava Apesar do que fazia; Aquella mente maldita Em mil receios ardia. Nova ideia de tormento Alma lhe enche de alegria; Com uma grossa corrente De pés e mãos o prendia, E ainda sobre o caixão O indino perro dormia! Negro pão e agua turva Era o manjar que tenia; Mas uma ardente esperança Que na Virgem Santa havia, Vida nova lhe apontava Sobre a que já lhe fugia. A Virgem Mãe soberana Invocava noite e dia Para que lhe désse n’alma Vigor que se lhe extinguia, E de todo o livrasse De tão dura escravaria. A Santa Virgem dos Martyres, Que todo o seu rogo ouvia, D’aquelle espirito afflicto Muito bem se condoía; O caixão, que em terra estava, Cercado d’agua se via, E com o perro do mouro Que em cima d’elle dormia, Á tona d’agua boiando Tres dias assim corria. Já despontava a manhã, A manhã de um claro dia; Novas areas se mostram, Outras céos, outra alegria! Da torre o gallo tres vezes Este milagre annuncia; Os sinos do campanario Repicavam á porfia Sem que ninguem os tangesse, Porque tudo inda dormia. O ladrar de muitas cães, Em todo o mar percutia. Quando o perro ouviu os sinos Sobre tudo se doria, Que junto de terra extranha, Terra que não conhecia, Por sua desaventura Com seu escravo se via! Encalhado em fina areia O mesmo caixão se abria, Com rosto mais que magoado O mouro ao escravo dizia: --Christão, que paiz é este De tão alta senhoria? Na tua terra, christão, Cantam gallos á porfia, Tocam sinos, ladram cães Logo ao despontar do dia? --Esta terra sei que é minha. Mas eu não a conhecia; Na minha terra, senhor, Cantam gallos á porfia, Ladram cães, repicam sinos Logo ao despontar do dia. Assombrado o sarraceno Do que do christão ouvia, Sem mais pergunta fazer-lhe Da corrente o desprendia. --Ergue-te, christão, perdoa-me Todo o mal que eu te fazia; Até hoje eras meu escravo, Teu escravo sou n’este dia! Para vêr este milagre Toda a gente ali corria: Com seus gibões encarnados Os da justiça assistiam. Já todos vão, já se partem, Caminho da santa ermida; O mouro com viva crença O baptismo requeria. Eis que aos pés da Virgem Santa D’agua uma fonte se abria, Tão crystallina e tão pura, Que a todos pasmar fazia. Com esta agua bemdita, Agua de tanta valia, Foi logo ali baptisado O mouro da Barbaria. Baptisado o agareno, Ao pé da fresca fontinha Se formára um lindo mar D’aquella agua que corria. E para maior milagre: Ao cabo de sete dias Mesmo no meio das aguas Um verde freixo nascia, Que o que mais maravilhava. Era o vêr como crescia! Desde então ficou a Virgem Tendo grande romaria; De Portugal e Castela Tudo ali corre em seu dia, 41 Romances do Cativo de Argel (_Lição manuscripta do seculo XVII_) --Mi madre era de Hamburgo, Mi padre de l’Antequera, No hubo perro, ni mouro Que por mim ni blanca dera; Si no um perro Judio Que alcançar-me não debera. Daba-me una vida mala, Daba-me una vida perra, De dia a moêr esparto, De noche a pizar canella, Com uma mordaça na bocca Para lhe não comer d’ella. Quiz Deos e Santa Maria Dar-me uma Ama tam bella; Quando perro ia a caçar Cataba-me na cabeza. Daba-me a comer pan blanco Del que El-Rey Moro comia, Daba-me a beber bon vino Del que El-Rey Moro bebia. Muitas vezes me decia: «Christiano, vae p’ra tu tierra. --Como me heide ir, mi señora, Dexar una Ama tam bella! «Mais vale tu liberdade, Que amores em terra alheia. --Como me heide ir, mi señora, Se me falta la moneda? «Mete a mão en tu faltriquera, Docientos dobrões te dera, Cento para teu resgate, Cento para tua terra. --«Vem ali, oh Christiano, Quem te dió tanta moneda? --Fue un vecino mio Venido de minha tierra. --«Queres tu, oh Christiano, Seres Mouro arrenegado? Dera-te os mais lindos olhos Que em Argel foram criados. --Como me tornarei Mouro, E Mouro arrenegado, Se eu já tenho em mi pecho A Jesus crucificado? --«Se eu soubera, Christiano, Que eras assim avisado, Em dias de tua vida Nunca fôras resgatado. «Oh, mi padre, oh mi padre, Dexe ir el Christiano, Que el no me deve nada, Debe-me a flor de mi bocca, Dou-lh’a por bem empregada. 42 O Cativo (_Variante de Lisboa_) --Eu vinha do mar de Hamburgo N’uma linda Caravella; Cativaram-nos os mouros Entre la paz e la guerra. Para vender me levaram A Salé, que é sua terra, Não houve mouro, nem moira Que por mim nem blanca dera; Só houve um perro judio Que alí comprar-me quizera. Dava-me uma negra vida, Dava-me uma vida perra: De dia pisar esparto, De noite moêr canella, E uma mordaça na bocca Para lhe não comer d’ella. Mas foi a minha fortuna Dar com uma patrôa bella, Que me dava do pão alvo, Do pão que comia ella. Dava-me do que eu queria, E mais do que eu não quizera, Que nos braços da judia Chorava, que não por ella. Dizia-me então: «Não chores, Christão, vae á tua terra. --Como me heide eu ir, senhora, Se me falta la moeda? Se fôra por um cavallo Eu uma egua te dera, Se fosse por um navio Dar-te-hia uma galera. --Não fôra por um cavallo, Não fôra, senhora bella, Que está longe Mazagão, Ceuta tem voz de Castella. Nem por navio não fôra, Que eu fugir não quizera, Que era roubar a teu pae Dinheiro que por mim dera. «Toma esta bolsa, christão, Feita de seda amarella; Minha mãe quando morreu Me deixou senhora d’ella. Vae-te, paga o teu resgate, E ás damas da tua terra. Dirás o amor da judia Quanto vale mais que o d’ellas. Palavras não era ditas O patrão que era chegado: --Venhaes embora, patrão, E vinde com Deos louvado, Que agora recado tenho De que chega o meu resgate. --«Christão, christão, que disseste! Olha que é muito cruzado! Quem te deu tanto dinheiro Para seres resgatado? --Duas irmãs m’o ganharam, Outra m’o tinha guardado; E um anjo do céo m’o trouxe, Um anjo por Deos mandado. --«Dize-me, oh christão, dize Se queres ser renegado? Que te heide fazer mouro, Senhor de todo o meu estado. --Eu não quero ser judio, E nem turco arrenegado, E não quero ser senhor De todo esse teu estado, Porque trago no meu peito A Jesus crucificado. --«Anda cá, oh filha Angelica, Dize-me cá, filha amada, Se é pelo christão maldicto Que ficaste desgraçada? «Meu pae, deixe o christão, deixe Que elle não me deve nada; Deve-me a flor de meu corpo, Mas de vontade foi dada. Mandou fazer uma torre De pedraria lavrada; Que não dissessem os mouros: A judia é deshonrada. «Viola, minha viola, Fica-te aqui pendurada; Que os amores da Judia Vão por essa agua salgada. V--LENDAS PIEDOSAS 43 Jesus Mendigo (_Versão do Minho e Beira Baixa_) Indo um lavrador p’ra arada Ai Jesus! Encontrou um pobresinho, Ai Jesus! E o pobresinho lhe disse: Ai Jesus! Leva-me n’esse carrinho. Ai Jesus! Levantou-se o lavrador Ai Jesus! A pôr o pobre no carro, Ai Jesus! Levou-o p’ra sua casa Ai Jesus! Para a melhor sala que tinha; Ai Jesus! Mandou-lhe fazer a cêa Ai Jesus! Do melhor manjar que havia, Ai Jesus! E depois da meza posta Ai Jesus! O pobre nada comia. Ai Jesus! Mandou-lhe fazer a cama Ai Jesus! Da melhor roupa que tinha, Ai Jesus! Por baixo damasco roxo, Ai Jesus! Por cima cambraia fina. Ai Jesus! Era meia noite em ponto, Ai Jesus! O pobresinho gemia. Ai Jesus! Levantou-se o lavrador Ai Jesus! A vêr o que o pobre tinha; Ai Jesus! Achou-o crucificado Ai Jesus! N’uma cruz de prata fina. Ai Jesus! --Meu Senhor, quem tal soubera Ai Jesus! Que em minha casa vos tinha, Ai Jesus! Mandava fazer preparos Ai Jesus! Que a minha casa não tinha. Ai Jesus! «Cala-te, oh lavrador, Ai Jesus! Não te enchas de phantasia, Ai Jesus! No céo te tinha guardado Ai Jesus! Cadeira de prata fina: Ai Jesus! Outra p’ra tua mulher. Ai Jesus! Que tambem a merecia. Amen Jesus! 44 Romance de Santo Antonio e a Princeza (_Versão do Algarve_) Achava-se em Realmonte Com sua côrte real, Casada uma princeza, Princeza de Portugal. De Antonio, santo varão, Do seu paiz natural, Devota a princesa era, Por crença a mais singular; Filha infante ella tinha Mais formosa que o luar; Mas a infante era um anjo, E ao céo se foi parar. Toda a côrte lá se ajunta Para lhe o corpo levar; Mas não consente a princeza Que o levem a soterrar. Tres dias eram passados E ainda por sepultar; A mãe em continuo pranto, Mas a filha a regelar; Sómente ella não chorava, Que estava a bom resar Ao santo varão Antonio Que tanto soubera amar; A infante encommendava Para lhe a resuscitar; Com grande fé verdadeira Assim começa a orar: --«Santo que sois de mi terra Onde não ha outro igual, Que por todo o mundo andavas Noite e dia a milagrar! A esta vossa devota Vinde por Deos escutar; Aquella que vêdes morta Mandae-a resuscitar, Mais sete dias de vida Depois fazei-a expirar: Afugentai-me esta ausencia, Que a não posso supportar: Inda a oração era em meio Já no céo ia a entrar: --Sete dias tens de vida Podes á terra voltar.-- Disse Deos e santo padre, A vida lhe foi a dar. Do atahude se erguera A infante de Portugal, E com divinal semblante Á princeza foi falar: «Senhora mãe que choraes, Onde me quereis guardar? Aqui me tendes na terra Onde já não sei estar. D’entre as virgens me arrancastes, Sem saber, por meu pesar; Deixae-me, senhora mãe, Que eu no céo tenho um altar; Eu apenas vim ao mundo Para vos vir consolar. Prometteis, senhora mãe, De não mais por mim chorar? --«Assim o prometto, oh filha, Podes para Deos voltar: Ora por mim tu que és anjo, E que no céo tens altar. Os sete dias findavam Ao nascer de o luar, A alma da bella infante Para o céo se viu voar; O corpo que era de terra, Á terra o foram levar. Toda a côrte se espantava De não ver a mãe chorar. 45 Romances de Iria a Fidalga (_Versão de Santarem_) «Estando eu á janella co’a minha almofada, Minha agulha d’ouro, meu dedal de prata, Passa um cavalleiro, pedia pousada: Meu pae lh’a negou: quanto me custava! Já vem vindo a noite, é tam só a estrada... Senhor pae não digam tal da nossa casa, Que a um cavalleiro que pede pousada Se fecha esta porta á noite cerrada. Roguei e pedi, muito lhe pezava! Mas eu tanto fiz, que por fim deixava. Fui-lhe abrir a porta, mui contente entrava; Ao lar o levei, logo se assentava. Ás mãos lhe dei agua, elle se lavava; Pus-lhe uma toalha, n’ella se limpava. Poucas as palavras, que mal me falava, Mas eu bem sentia que elle me mirava. Fui erguer os olhos, mal os levantava, Os seus olhos lindos na terra os pregava. Fui-lhe pôr a cêa, muito bem ceava; A cama lhe fiz, n’ella se deitava. Dei-lhe as boas noites, não mo replicava; Tam má cortezia nunca a vi usada! Lá por meia noite, que me eu suffocava, Sinto que me levam com a bocca tapada.... Levam-me a cavallo, levam-me abraçada, Correndo, correndo sempre á desfillada. Sem abrir os olhos vi quem me roubava; Calei-me e chorei, elle não falava. D’ali muito longe, que me perguntava: Eu na minha terra como me chamava. Chamavam-me Iria, Iria a fidalga; Por aqui agora Iria a cansada. Andando, andando, toda a noite andava; Lá por madrugada que me attentava.... Horas esquecidas que por mim luctava; Nem força, nem rogos, tudo lhe mancava. Tirou do alfange... ali me matava, Abriu uma cova onde me enterrava. No fim de sette annos passa o cavalleiro, Uma linda ermida viu n’aquelle outeiro. --Minha santa Iria, meu amor primeiro, Se me perdoares serei teu romeiro. «Perdoar não te heide, ladrão carniceiro, Que me degollaste que nem um cordeiro. 46 Santa Iria (_Variante da Covilhã_) «Estando eu a coser na minha almofada, Com agulha de ouro e dedal de prata, Veio o cavalleiro pedindo pousada, Se lh’a meu pae dera, estava bem dada. Deu-lh’a minha mãe, que mui me custava, Fui fazer a cama no meio da sala. Era meia noite, a casa roubada, De tres que nós éramos só a mim levava. Eram sete leguas, nem fala me dava, Lá para as oito é que me perguntava: --Lá na tua terra como te chamavam? «Lá na minha terra era eu morgada, Cá n’estas montanhas serei desgraçada. --Por essa palavra serás degollada. Ao pé de um penedo serás enterrada, Coberta de rama bem enramalhada. No fim de sette annos por ali passava, E a todos que via lhe perguntava: --Dizei-me, pastores que guardaes o gado, Que ermida é aquella que alem branquejava? --É de Santa Iria bemaventurada, Que ao pé de um penedo morreu degollada. --Oh minha santa Iria, meu amor primeiro, Perdoa-me a morte, serei teu romeiro. «Não te perdôo, ladrão carniceiro, Que me degollaste, que nem um carneiro. Veste-te de azul, que é a cor do céo, Se elle te perdoar, perdoar-te quero. 47 Santa Helena (_Variante do Minho_) ’Stando santa Helena Á porta assentada, Cosendo mui linda Na sua almofada, Sua agulha de ouro, Seu dedal de prata, Veio um cavalleiro Pediu-lhe pousada. «Se meu pae lh’a dera Está mui bem dada. Entrou para dentro, Logo se assentou; Fizeram-lhe a ceia, Elle não ceiou; Fizeram-lhe a cama, Então se deitou. Lá por meia noite Se alevantou; De tres irmãs que eram Só n’ella pegou. Levou-a p’r’o monte E lhe perguntou: Como lhe chamavam E como a tratavam ................. «Em caz’ do meu pae Helena fidalga, Agora na tua Serei desgraçada. Puchou pelo alfange E logo a matou, Cobriu-a de ramos, Ali a deixou. Findos sette annos Por ali tornou: --Pastorinhos novos, Que guardaes o gado, Que ermida é aquella Que está n’aquelle adro? --É de Santa Helena, Morreu degollada. --Minha santa Helena, Meu amor primeiro, Perdoa-me a morte, Serei teu romeiro. 48 Romance da Devota da Ermida (_Versão de Trás-os-Montes_) No alto d’aquella serra Está uma bella ermida; Uma devota está ’nella, Serva da Virgem Maria. Uma visinha da porta Mau testimunho lhe erguia: Ella que andava d’amores Com um sacerdote de missa! Sacerdote se agastava, E ella pena não tinha. Veio o marido de fóra: «Boa seja a vossa vinda, Que vos quero perguntar Que vae lá por essa villa. --Que te confesses, traidora, Que te vou tirar a vida. «Quer m’a tires, quer m’a deixes, Eu confessar-me queria. Marido, se me matares, Enterra-me na Ermida Aos pés de Nossa Senhora, Aos pés da Virgem Maria. Prenhadinha de oito mezes Para os nove corria; No cabo dos nove mezes Um lindo cantar se ouvia. Abriram a sepultura Onde a encontraram parida, Com uma menina nos braços, Que se chamava Maria. --Perdoa-me, oh Mariquinhas! Perdoa-me, oh mulher minha! «Como te heide eu perdoar Se a tua alma está perdida? A minha está na gloria Dos anjos bem assistida. 49 Oração do Dia de Juizo (_Versão do Minho_) Por aquella noite escura Morreu uma criatura, Com grande arrependimento, Sem receber sacramento! Suas culpas e peccados Foram á face de Christo. --Oh meu senhor Jesus Christo, Aqui visitar-vos venho; Sou a alma mais perdida Que tem o vosso rebanho. «Escuta, oh alma zellosa, Que primeiro te escutei; Ensinei-te a benzer, Não quizestes aprender. Lá te deixei meus jejuns, Sempre passaste comendo. Lá te deixei meu Calvario, Sempre passaste correndo. --«Oh meu filho tão amado, Oh meu filho tão querido! Filho, salva-me aquella alma, Pois que se me vae perdendo. «Pois a minha Mãe o manda Faço o seu mando correndo: Sam Miguel pesae as almas, Ponde pesos na balança. Os peccados eram tantos, Foram com elles ao chão! Pôz Nossa Senhora o manto, Ficaram pesos suspensos: Com a graça de Maria Ficou a alminha contente! Quem esta oração disser Um anno continuamente, Terá por certo viver Lá no céo eternamente. Quem a sabe e não a diz, Quem a ouve e não a aprende, Lá no Dia do Juizo Saberá o bem que perde. 50 Romance do Terremoto de Villa Franca do Campo (_Lição de Gaspar Fructuoso_) Em villa Franca do Campo, Que de nobre precedia Na Ilha de Sam Miguel A quantas villas havia, Era de mil e quinhentos E vinte e dois que corria, Vinte e dois dias d’outubro, Quarto da lua seria; Correu a terra de um monte Que da alta serra pendia, E com ímpeto furioso Sobre a villa se estendia. Alí começa a dar gritos A gente que se affligia; D’elles chamavam por Deos, D’elles por Santa Maria. Quando chegou a manhã Nenhum d’elles perecia; Todos cobertos de terra, E de grande penedia, Que correu d’aquella serra, Que sobre a villa jazia. Essa gente que escapara, Como pasmada morria. Outra que viva ficava, Vivendo assi, não vivia. Aqui chega Frei Affonso, E com a tocha que trazia Da Ordem de Sam Domingos De Toledo reluzia, Esse Padre glorioso Que da gloria parecia. Para consolar o povo, Assi falava e dizia: --Confessae-vos, irmãos meus, Em quanto vos tem o dia. Resae todos o rosario Da Virgem Santa Maria, Edificae-lhe uma Casa, Indo a ella em romaria. Tomae-a por valedora, Que ella por vós rogaria, Tende n’ella confiança, Que certo vos valeria. Não acaba de falar, Quando a casa se fazia, Uns acarretando pedra, Outros madeira á porfia. Trabalham moços e velhos, Pessoas de grão valia; Até as nobres mulheres Serviam sem fantazia. Trazem telhas e telhados, Que no arrabalde havia, Como formigas ligeiras Andam a quem mais faria. Tanto que em poucos dias, A Ermida já servia, Já celebram missa n’ella, Já lá vão em romaria. VI--XACARAS E COPLAS DE BURLAS 51 Xacara da Linda Pastorinha (_Versão da Beira-Baixa_) --Deos te salve, Rosa, Lindo seraphim! Linda pastorinha Que fazeis aqui? Que fazeis pastora Por essa ribeira? Tirae-vos ao sol, Do sol que vos queima. «O sol não me queima, Que estou calejada Do rigor da chuva, Do rigor da calma. --Tão gentil senhora A guardar o gado, Ao longo do rio Tão bem repastado. «Criado tão nobre Com meias de seda! Olhe não as rompa Por essa resteva. --Sapatos e meias Tudo romperei, Pela pastorinha Tudo eu farei. «Por altas montanhas Ouço gritar gado; São as ovelhinhas Que me tem faltado. --Dê-me cá a cesta, Tambem o cajado, Que eu lh’as vou buscar Com todo o cuidado. «Vá-se embora, homem, Não me dê tormento; Não o posso vêr Nem por pensamento. --O que está de ingrata, Tão impertinente! Homens não são lobos Que comam a gente. «Eu se sou ingrata Faço muito bem; Quero ser ingrata, Assim me convem. --O teu gado, Rosa, Eu aqui t’o trago: Um formoso moço Para teu criado. Não tenha esse medo Que o gado se perca, Por aqui passarmos Uma hora de sésta. «Vá-se d’aí, negro, Não me dê mais pena; Que aí vem meus amos Trazer-me a merenda. --Isso é que eu quero Que venham seus amos; Quero que elles saibam Que falamos ambos. «Tal razão como essa Não a ouvirei; Já dirão meus amos Que de mais tardei. --Diga-lhe, menina, Que se demorou Com esta nuvem d’agua Que tudo molhou. «Va-se d’aí, homem, Não me dê tormento; Não o quero vêr Nem por pensamento. --Que tem a menina Que está agastada? No meu coração Trago-a retratada. Uma vez que quer Que me vá embora, Lá verá o gado Que vae serra fóra. «Se vae serra fóra Pois deixal-o ir; Se o não matarem Tornará a vir. --Por altas montanhas Corre grande p’rigo; Oh linda pastora Queira vir commigo. «Não é de homem nobre O dar tal conselho, Pois quer que se perca O gado alheio. --O gado alheio Não quero se perca; Quero que tenhamos Uma hora de sésta. «Guardemos a sésta Lá para depois; Eu quero saber Quem é que vós sois. --Sou filho da côrte, Assisto em palacio; Linda pastorinha Dae-me um abraço. Já me vou embora Pela serra acima, Linda, pastorida Dae-me a despedida. «Venha cá, oh homem, Venha aqui correndo; O amor é cego, Já me vae rendendo. --Se você me chama Eu me vou andando, Que a aposta que fiz Já a vou ganhando. «Bem sei o que queres, Queres um abraço; O abraço se o deres Dá bem apertado. O abraço se o deres Dá-m’o apertado, Para apagar penas Que commigo trago. --O abraço que der Não tem má tenção, Cala-te lá, Rosa, Que sou teu irmão. Quer ella a menina Que demos um brado Á gente do povo Que accudam ao gado? «Oh gente do povo Accudi ao gado, Que foge a pastora Com o seu namorado! Eu quero fugir, Que é ventura minha; Depois de pastora Irei ser rainha. -Se a pastora foge, Deixal-a fugir, Nem cravos, nem rosas Lhe hão de accudir. Digo-te a verdade, Do meu coração: Não sou teu esposo, Mas sou teu irmão. Digo-te a verdade, Oh meu camarada; A aposta que fiz Já cá vae ganhada. 52 Xacaras dos Conversados (_Versão de Coimbra_) Fui indo áquella casa Com pequena confiança, Com o sentido apurado, Já com a minha lembrança. Fui indo ali aos domingos E dias santos do anno; Procurando a certeza, Ou então o desengano. Já n’isso lhe ia tocando Cora boa sinceridade; Para vêr se ella me tinha Parte de alguma amisade: --Oh que estado tão bonito De solteiro bem logrado; Mas pretendo a menina Se quizer mudar de estado. «A resposta ao seu recado Eu lh’a darei quando fôr, Eu não lhe dou a certeza Sem sabêr seu interior. --P’ra saber meu interior Quinze dias lhe heide dar; Bem pode tirar inculcas Para se certificar; «Vá indo e vá voltando, A resposta eu lh’a darei; Se você me fôr leal, Eu sempre firme serei. --Que palavrinhas tão doces, Com ellas me consolou; Se você jura ser firme, Eu tambem leal lhe sou. «Sou a mesma que aqui estou, E lhe torno a affirmar, Se você de mim pretende Trate de a meu pae falar. --Se essa é a sua duvida Eu já d’ella a vou tirar, Falando eu a seu pae Quero com você casar. «Commigo pode contar, A certeza eu lh’a darei; Se meu pae lhe der o sim, Eu sempre firme serei. --Eu já com seu pae falei, Elle me disse prudente: Se você quizer ser minha, Da sua parte é contente. «Não o diga a muita gente Por murmuração não dar; Que isto anda em segredo Em quanto se não falar. --Quero recommendar Algumas recommendações, Temos tratado de tudo Faltam agora os pregões. «São boas recommendações Com que se deve importar, Tratemos de os fazer E na egreja os ir prantar. --Já os banhos são corridos, Estamos apregoados; Vamos agora tratar Do dia d’este noivado. «E bem dado esse recado, Commigo pode contar, Espere mais algum tempo P’ra me poder arranjar. --Ora vâmos lá com isso, Deos lhe a saude conserve, Eu tenho casa e vida, Não tenho quem m’a governe. «Se não tem quem lh’a governe Já não é por muito tempo; É emquanto não arranjo O fato do casamento. Eu com isso fui contando, Ella ficou descansada; Estando na fonte um dia Pedi-lhe um pucaro de agua: --Que pucaro tão formoso, Que agua tão saborosa! Tomára ser seu esposo P’ra você ser minha rosa. «Se essa agua é gostosa E gosto que Deos lhe deu; Sendo você meu esposo Já sua rosa sou eu. 53 A Conversada da Fonte (_Versão de Penafiel e Coimbra_) --Entre canas e canaes Agua deve de nascer; Menina que estaes na fonte Dê-me agua, quero beber. «Por um pucarinho novo E rodeado de flores, Quem me fôra tão ditosa Que désse agua aos meus amores. Que désse agua aos meus amores Mais á Senhora da Guia; Diga-me, senhor manata, Se vem por alguma via. --A via por que aqui venho Eu lhe digo na verdade, Venho por passar o tempo Que é cousa da mocidade. «Essa sua mocidade Já me vieram dizer, Que a sua sabedoria Se occupava em saber ler. --Não sei ler, nem escrever, Nem tambem tocar viola; Eu desejava aprender Na sua real eschola. «Na minha real eschola Você não hade aprender, Andam mestres mais bonitos Desejosos de saber. --Oh minha gaia menina, Que tão forte me falaes, Se até aqui mui vos queria, Agora vos quero mais. «Ainda mais vos quero eu Da raiz do coração; Mas tambem comtudo isso Não haveis de pôr a mão. --Oh que lindas, oh que lindas, Pois ellas assim serão? Dá-me licença, menina, Para vêr como ellas são? «A licença vós a tendes, Mas por ora ainda não; Não haveis de ser o gabo Que lhe haveis de pôr a mão. --Eu a mão não vol-a ponho, Nem menos bulo comvosco; Só de estar ao pé de ti D’isso faço muito gosto. «Tendes gosto desgostae, Que não é por via vossa; Esta rosa que aqui vêdes Já é d’outro, não é vossa. --Se ella é d’outro e não é minha, Inda o póde vir a ser; Menina, diga a seu pae Que nos mande arreceber. «Isso não lhe digo eu, São palavras escusadas, Que eu sou rapariga nova Para ir governar casas. --Outras de menor edade São casadas, tem marido, Assim serás tu, oh Rosa, Quando casares commigo. Casarei, não casarei Quando vier outra vez; Diga, menina, a seu pae Que elle tambem assim fez. «O recado está dado, Vós, magano, vós o déstes; Se já sabeis o caminho Tornae por onde viestes. --O caminho bem o sei, Por elle heide de tornar, Se vós me deres a prenda Que eu aqui venho buscar. «Eu a prenda não a dou, Que a tenho na janella, Para dar ao meu amor, Que faz grande gosto d’ella.» 54 Os estudos de Coimbra (_Versão de Penafiel_) --Os estudos de Coimbra Para te amar aprendi; Com penas e saudades Uma carta te escrevi. «Com penas e saudades O meu coração chorou; A carta que me escreveste Ainda cá não chegou. --Antoninha, cara linda, Eu queriate falar; A vergonha me retira, O amor me faz chegar. «Eu falar-te, falaria De todo o meu coração; Quem me dera adivinhar Qual era a tua tenção. --A minha tenção é boa, Mas é só para comtigo; Se eu saír d’esta terra Heide-te levar commigo. «Eu comtigo não iria, Que diria a minha gente? Que ficava d’esta terra Desterrada para sempre. --Oh menina não se assuste, Não é caso de assustar; Se eu em fama te meter, Da fama te heide livrar. «Eu a fama não a tenho, Mas ella me póde vir; Fale baixo, não acorde Meu pae, que está a dormir. --Teu pae, que está a dormir, Está em somno socegado; Dize-me, oh minha menina, Se eu serei do teu agrado? «Oh do meu agrado é, Que mais o não pode ser; Ausente da tua vista Melhor me fôra morrer. 55 Xacara do Cego andante (_Versão da Beira-Baixa_) --Abre a porta, Anna, Abre o teu postigo; Dá-me um lenço, amor, Que venho ferido. «Se vindes ferido, Vinde muito embora; Porque a minha porta Não se abre agora. --Abri-me vós a porta, Ao menos o postigo; Venham dar esmola Ao pobre ceguinho. «Acorde, minha mãe, Acorde de dormir; Ande ouvir o cego Cantar e pedir. --«Se elle canta e pede, Dá-lhe pão e vinho; E o pobre do cego Que vá a seu caminho. --Não quero o seu pão, Não quero o seu vinho, Só quero que a menina Me ensine o caminho. --«Péga, minha filha, Na tua roca e linho, Vae ao triste cego Ensinar o caminho. «Espiou-se a roca, Acabou-se o linho, Agora adiante, cego, Lá vae o caminho. --Ande a menina Mais até alem, Que eu ainda sou cego E não vejo bem. Ande a menina Mais um boccadinho; Ande mais até Áquelle verde espinho. Ande a menina Por este carreiro; Ando até áquelle Verde centeio. Ai, arreda, arreda Para este altinho; Que aí vem cavalleiros Por esse caminho. «Adeos, minhas casas, Adeos minhas terras, Adeos minha mãe, Que tão falsa me eras; De Condes e Duques Me vi pretendida; Agora de um cego Me vejo vencida. Que gente é aquella De cavalleria?... --Ai, arreda, arreda Para este altinho. Se vem cavalleiros, Vem devagarinho, Que ha muito me tardam Por este caminho; É a minha mãe Mais sua madrinha, Que a vem buscar Para a terra minha. 56 Xacara da Moreninha (_Versão do Porto_) Frei João se levantou N’uma bella madrugada, Chega á porta da Morena. Da Morena engraçada: --Abre-me a porta, Morena, Morena da minha alma. «Comote heide abrir a porta, Frei João da minha alma? Tenho o menino nos braços O meu marido á ilharga. --«Com quem falas, mulher minha, A quem dás as tuas falas? «Falo com a padeirinha, Se cozia ou se amassava; Se cozia pão de trigo ’ Que lhe não botasse agua; Se cozia pão de ló Uma pinguinha bondava; Levantae-vos, meu marido, Levantae a vossa casa, Mandae as moças á lenha, E os criados buscar agua; Que o melhor coelhinho É o que sae de madrugada.» Seu marido que saía, Ella muito se aceiava; Seu sapato de setim, Que de polido estalava; Sua mantinha de seda, Que o ventinho levantava. Chega á porta do Convento Por Frei João perguntava; Frei João que tal ouvia Por vir a correr saltava, Pegou-lhe pela mãosinha E para a cella a levava; Deu-lhe muito de comer, Deu-lhe muita marmelada, Deu-lhe um copinho de vinho Do melhor que a Ordem dava: --Fica-te embora, Morena, Morena da minha alma, Vou á Egreja de Sam Pedro Dizer a missa cantada. No meio do Evangelho O calix cahiu da mão; Acodiu o Provincial E toda a Religião: --O que é isto, meus peccados! O que é isto, Frei João? --São amores da Morena Que trago no coração. Moreninha que tal viu, Saíu muito apaixonada, Já no meio do caminho Seu marido encontrava: --«D’onde vindes, mulher minha? Que vindes tão arreiada? «Venho de fazer visitas A quem veio á nossa casa. -«D’onde vindes, mulher minha, Que vindes tão insentada? Ou tu me temes a morte, Ou tu não és bem fadada! «Eu a morte não a temo, Pois d’ella heide morrer; Temo só os meus meninos, D’outra mãe podiam ser. --«Confessa-te, mulher minha, Faz acto de contrição, Que te não tornas a vêr Nos braços de Frei João. 57 Xacara do Soldado (_Versão de Trás-os-Montes_) Lá se vae o capitão C’os seus soldados á guerra; Duzentos eram quintados, Eram duzentos de leva. Se todos elles vão tristes, Um mais que todos o era; Baixa traz a sua espada, Seus olhos postos em terra. Lá no meio do caminho O capitão lhe dissera: --Porque vás triste, soldado, Essa paixão por quem era? «Não é por pae, nem por mãe, Nem por irmão que eu tivera, É pela esposa que deixo, Lá tam só na minha terra. Este cordão de ouro fino, Que sete arrateis bem péza, Mais me pesa a mim leval-o, Que ao partir lh’o não dera. --Soldado, tens sette dias Para que voltes a vel-a. Se a encontrares chorando, Fica sete annos com ella: Senão, nem mais uma hora Terás de aguardo ou de espera. Quem saltava de contente O meu soldadito era; Deixou estrada direita, Por atalhos se mettera. Inda não é meia noite Á sua porta batera. --«Quem bate á minha porta, Quem bate com tanta pressa? «É um soldado, senhora, Que vos traz novas da guerra. --Mal haja as novas que traz E mais quem veio trazel-as! Ergue-te tu, minha vida, Assoma-te a essa janella; Despede-me esse soldado, Que a tam má hora aqui chega. --Amigo, vindes errado Co’as vossas novas da guerra; Deixae-nos dormir em paz, Que bem precisamos d’ella. Foi-se d’ali o soldado Mais prompto do que viera: «Bem haja o meu capitão Pelo bem que me fizera! Com sette dias de aguardo.... Nem sette horas carecêra Para me quitar saudades, Livrar-me de toda a pena! Tomae lá, meu capitão, Os mimos da minha terra, Este cordão de ouro fino, Que agora inda mais me pésa; Minha mulher não precisa, Que os primos podem mantel-a. --Pois tua mulher tem primos, E tu vinhas com dó d’ella? 58 Xacara do Toureiro namorado (_Versão da Beira-Baixa_) Lá acima em Catalunha, Junto ao pé de Sevilha, Correm os moços um touro Que admirar-se podia. O touro era tam bravo, Ninguem esperal-o queria! Nomearam capitão Um moço da mesma villa: Calçava meia de seda, Seu sapato de palmilha, Com seu chapeo aprumado Com tres plumas que tinha. Volta pela rua abaixo, Volta pela rua acima, Ergueu os olhos ao céo A vêr a hora que seria. Vae da uma para as duas, Já passava do meio dia. --Alerta, álerta soldados, Álerta, nobre companhia; Deitem o touro cá fóra, Que já passa do meio dia. O touro era tam bravo, Ninguem esperal-o queria! Esperava-o aquelle moço Para mostrar valentia. Sette voltas deu ao curro, Outras sette á mesma villa; Metteu-lhe a chave direita Entre a sóla e a palmilha. Não lhe accudiu pae, nem mãe, Nem irmã, que a não tinha; Accudiu-lhe uma esposa Pelo amor que lhe tinha, Accudiu-lhe toda a gente Pela lastima que via. --Se eu morrer d’esta morte, Como d’ella estou esperado, Não me toquem a campana, Nem me enterrem em sagrado, Enterrem-me áquella quina Aonde foi o namorado. 59 Xacara da Tecedeira (_Versão da Beira-Alta_) --Quero fazer uma aposta, Ou eu não sei apostar: De dormir com Mariana Antes do gallo cantar. «Tal cousa não faças, filho, Que não a hasde ganhar; Mariana é mui sisuda, E não se deixa enganar. Não quiz ali dizer nada, Não quiz ali mais falar; Vestiu traje de donzella, Ao jardim foi passear, «Quem é aquella donzella, Que alem anda a passear? --«É a tecedeira, senhora, Que vem das praias do mar; Tem a sua têa urdida E a falta vem-na buscar. «Essa falta eu a tenho, Mas não a posso dobar. --Dobe-a já, minha senhora, Trate de a mandar dobar; De noite pelo caminho Donzellas não hãode andar. «Para a honra da donzella Aqui hade hoje poisar. --Tendes criados tão moços, Mui atrevidos no olhar! «Para a honra da donzella No meu quarto hade ficar. A donzella de contente Á noite não quiz cear, Estava a cahir com somno Que se quiz logo deitar. Lá por essa noite adiante Mariana de gritar! --Cala-te, oh Mariana, Não te queiras desgraçar; Tinha a têa já urdida A falta vim a buscar. Aos sete para outo mezes, Sem o teu pae reparar, Quando te vires pejada Eu comtigo heide casar. 60 Despedida de Lisboa (_Versão de Coimbra_) Dom João, que Deos guarde, Aviso mandou ao mar, Que se aparelhasse o Conde Para uma manhã largar. O Conde se aparelhou, De uma maneira tão bella! Era meia noite em ponto, Deitou o tiro de leva. Deitaram a lancha a terra Para a maruja embarcar, Uns abordo, outros na praia, Outros na lancha a chorar. Deitaram novos apitos Encastoados em ouro; Oh que bello commandante Que leva o real thesouro! Deitaram novos apitos Encastoados em prata; Oh que bello commandante Que leva a real fragata! Deitaram novos apitos Encastoados em latão; Oh que mestre e contra-mestre, Tão malvado guardião. Adeos oh Beato Antonio, Melhor cousa de Lisboa! Deos nos leve a salvamento A esta coverta bôa. Adeos oh Caes do Tejo, Aonde está o cativo; Eu me encommendo ao santo Que me livre d’este perigo! Adeos Fundição de cima Do armamento d’el-rei; Eu cá vou n’esta viagem, Não sei quando tornarei. Adeos oh venda do pezo, Onde se vende o azeite; Adeos Praça da Figueira, Adeos saloias do leite. Adeos oh caza da India, Despacho do algodão; Adeos oh caixões do assucar, E os faiantes do torrão. Adeos Terreiro do Paço, Adeos do Paço terreiro; Adeos memoria real Que és de Dom José Primeiro. Adeos tambem Arsenal Onde se fazem navios, Adeos escalér real, És fama dos algarvios. Adeos, adeos Corpo Santo, Armazem dos pucarinhos, Adeos oh moças bonitas, Adeos quartilhos de vinho. Adeos castellos e torres Da cidade de Lisbôa; Que eu cá vou n’esta viagem Na Corveta Nova Gôa. 61 Á Freira arrependida (_Versão da Beira-Baixa_) Não sei para que nasci De tão bello parecer; Formosa e gentil mulher, E tão bonita. Metteram-me a capuchinha Cá n’este pobre mosteiro, Onde pago por inteiro Meus peccados. Nunca me faltam enfados Em cuidar em tal clausura, Pois se me faz noite escura Ao meio dia. Nunca terei alegria, Nem no mundo a pode haver, Em cuidar que heide comer Em refeitorio. Lá juncto ao dormitorio Onde dormem as mais madres, Suspiram por seculares Cá entre nós. Em vêr que dormimos sós Me causa grande agonia, Pois lá pela noite fria Já me alevanto. Agora faço o meu pranto, Já me desvaneço em choro, Em cuidar que heide ir ao côro Rezar matinas. Rezando as horas divinas, Lá por esses corredores Me lembram os meus amores, Por quem morro. Toda a minha cella corro, Indo-me ver ao espelho; Meu rosto já vejo velho, Sem que eu queira. E a abbadeça ligeira, Como malvada leôa, Manda que tanjam a Nôa E a disciplina. Triste, coitada, mofina, Que estás mettida entre redes, Entre tão fortes paredes, Em casa escura. A meu pae tórno a culpa. E a meus irmãos tambem, Podendo casar-me bem, Me desterraram. A meu pae aconselharam Que me não désse o meu dote; Porque era melhor sorte O ser freira. Avisaram a porteira, Tambem a madre abbadeça, Que me mettesse em cabeça Que casaria. Eu como menina cria, Cuidando que era verdade, Que qualquer freira ou frade Casar podia. Toda a gente me dizia Que fosse sem arreceio; Que havia aqui mais recreio, Divertimento. Agora que estou cá dentro, Que ainda casar podia, Eu vejo-me noite e dia Aqui fechada. Mais valêra ser casada, De noite embalar meninos, Do que andar a tocar sinos No campanario. Quando tudo é solitario E estão todas a dormir, Ainda estou a carpir Mágoa tamanha. Minha mãe, que Deos a tenha, Deos lhe dê contentamento; Deixou no seu testamento Que me casassem. E se bem não me esposassem, Que me botem d’aqui fóra; E da casa arrenegasse Que não tem homem. NOTAS Muitos trovadores provençaes, vendo inutil a galanteria de suas canções, sem esperança de abrandarem o coração ou pelo menos de alcançarem um sorriso das castellãs, precipitaram-se na empreza das Cruzadas; era a resolução extrema a que se entregavam, ao acaso das peregrinações e dos combates, em vez da vida ociosa dos castellos e das côrtes do amor, que mais satisfazia a sua natureza meridional. Quando a Europa, se alevantava levada pelo sentimento religioso, com a idêa no sancto Sepulchro, o trovador ía acompanhado pelo desalento para esquecer o sepulchro dos seus amores--a Provença. Assim se espalharam as grandes tradições cavalheirescas, repetidas na Italia, em Portugal, Hespanha e na Grecia moderna; tradições que se não prendiam a algum facto historico, que versavam quasi sempre sobre peripecias e situações então produzidas pelo estado social: ora se vê um peregrino que pede, tocando na theorba, hospedagem em seu castello para reconhecer a fidelidade de sua dama; ora um mancebo volta da guerra ainda a tempo para salvar a noiva de um casamento forçado; umas vezes uma donzella disfarça-se em trajos de guerreiro; outras vezes é a historia de uma romeira accommettida por algum conde em altas serras, aonde ninguem lhe pode valer. Não se prendendo as versões a facto particular da historia, eram mais promptamente acceitadas na tradição oral, que as accommodava ao gosto da phantasia popular, e á prosodia dos differentes dialectos do Meio Dia da Europa. O povo guardava na memoria o romance ligeiro, com que o trovador peregrino, na sua passagem, pagava a hospitalidade; ía-o repetindo, e o recordar-se era como crear novamente sobre as impressões que tinham ficado: assim dramatisava mais aquellas partes em que o trovador fôra conciso, era mais plangente onde lhe falara á paixão, e prescindindo completamente das transições que não comprehendia. Pons de Capduelh, enamorado trovador da dama Mercoeur, vae morrer na Palestina, inconsolavel pela morte d’aquella que nunca lhe acceitou os galanteios; Gancecem Faidit, depois de amar sete annos a esquiva Maria de Vantadour, alista-se na Cruzada para se tornar mais digno d’ella; Pierre Vidal, na sua doudice, parte levando na alma a imagem de Adelaide de Roquemartine, e na imaginação a conquista do Oriente. D’este poeta encontram-se documentos da sua passagem em Portugal. A vinda dos Cruzados pelo Mediterraneo á Terra Santa, e o auxilio que prestavam na conquista de Lisboa, fazem crer que pelas narrações das viagens e dos arraiaes espalhassem entre nós essas grandes tradições cavalheirescas do cyclo carolino, que então percoriam a Europa. Os factos levam-nos a estas inducções. Existem na poesia popular da Grecia moderna alguns romances cavalheirescos communs ao Meio Dia da Europa; espalharam-se ali na tradição pela passagem dos Cruzados. Falando do romance piemontez, _A Guerreira_, o cavalheiro Nigra determina as similhanças que se dão entre elle e um canto slavo publicado por Tommaseo nos seus _Canti Greci_, _illirici_, e com outro canto grego que traz o conde de Marcellos nos _Cantos da Grecia moderna_; por este facto assigna-Ihe a Provença por origem, passando para ali no tempo das Cruzadas. Este romance é em tudo similhante á versão portuguesa da _Donzella que vae á guerra_, e accresce a circunstancia de ser uma tradição do líttoral, porque é omissa nas collecções hespanholas. Um facto analogo se dá com o romance portuguez da _Noiva roubada_, e com o romance da _Dona Infanta_, cujos paradigmas se podem ver na citada collecção do conde de Marcellus. Se estes cantos foram levados para a Grecia pelos Cruzados, e se encontram tambem entre nós, não é destituida de fundamento a inducção, posto que não pizemos o campo da historia. =1 e 2--Romances da Dona Infante.=--São estes romances os mais repetidos na tradição oral; um allude ao tempo das Cruzadas; no outro, mais moderno, o Brazil substitue na imaginação do povo o ponto para onde converge a aventura cavalheiresca. A origem d’estes romances é litteraria; na _Esposa Fiel_ de Juan Ribera se determina ella visivelmente. (Duran, Romancero general, n.º 318) Encontram-se paradigmas nos _Cantos populares da Grecia moderna_, (pag. 152, 162 e 163) no romance catalão de _Brancaflor_, na collecção ingleza de Percy (Liv.I, p. 261) na Ballada allemã de _Liebesprobe_ (Deutsches Balladenbech, S. 14) nos cantos da França e da Italia (Du Puymaigre, _Vieux auteurs castillans_, p. 389). Pode com certeza affirmar-se que é um dos principaes romances communs aos povos do Meio Dia da Europa. =3, 4 e 5--Romances de Dom Martinho de Avisado.=--Quasi todos os romances portuguezes são de origem castelhana e ainda se encontram nos Romanceiros hespanhoes. _A donzella que vai á guerra_ não apparece n’essa collecção; apesar d’isso Garrett não o julga originalmente portuguez. Fala d’este romance Jorge Ferreira de Vasconcellos (Scena I, acto III; fol. 84 da Aulegraphia) conhecido no seculo XVI pelo _Rapaz do Conde Daros_. Versões d’elle se encontram no Alemtejo, Extremadura, Minho, Trás-os-Montes, Beira Alta, Beira Baixa, Açores e Lisboa; a donzella que vae á guerra, segundo cada provincia, ora se chama Dom Martinho de Avisado, Dona Leonor, Dom Carlos, Dom João e Dom Barão. Foi pela primeira vez publicado por José Maria da Costa e Silva nas notas ao seu poema _Isabel ou a heroina de Aragão_, em 1832. M. Nigra, em seus interessantissimos estudos da poesia popular do Piemonte (Revista Contemporanea de Turin, novembro de 1858) publíca um romance piemontez, intitulado a _Guerreira_, que é como uma variante da versão portugueza: «Porque choraes, meu pae, porque Choraes? Se tendes de ir á guerra, eu irei por vós; apromptai-me um cavallo que possa levar-me bem, e um bom pagem em quem me possa fiar. Tomae meus vestidos cinzentos, dae-me umas calças e um _gonel_, e com a minha pequena fita fazei-me um laço sobre o chapéo.» Quando chegou a Nice, eis que sobe aos bastiões: «Oh! vêde-a! que linda pequena vestida de rapaz!» O filho do rei estava á janella, a miral-a: «Oh! que pequena tão bella: se ella quizesse ser minha! Oh minha mãe, minha mãe, ella é uma rapariga! Oh que pequena tão bella: se ella quizesse ser minha! «--Se queres saber quem é, leva-a a casa de um negociante; se fôr uma donzella, só ha de comprar luvas.--Olhae, meus soldados, olhae para estes guantes!--Soldados que vão á guerra não têm frio nas mãos.--Oh minha mãe, minha mãe, é certamente uma donzella! Oh que pequena tão linda: se ella quizesse ser minha!--Se queres saber quem é, leva-a a casa de um ourives; se fôr uma rapariga, ha de comprar um annel.--Olhae, meus soldados, vêde que anneis tão bellos.--Soldados que vão á guerra só precisam de espadas e punhaes.--Oh minha mãe, minha mãe, é certamente uma donzella. Oh que rapariga linda! Se ella quizesse ser minha!--Se queres saber quem ella é, leva-a para dormir comtigo. «Ella apagou o candil e mandou para lá o seu creado.» Oh minha mãe, minha mãe, é certamente uma donzella! Que rapariga, linda! se ella quizesse ser minha!--Se queres saber quem é, fal-a passar na agua; se for uma donzella, não se ha de querer descalçar. Ella despiu uma perna, quando chegou uma carta; a carta diz que lhe dêem a sua baixa. A pequena a meio caminho se poz a cantar: «Donzella estive na guerra, donzella voltei de lá». No romance portuguez também se encontra esta prova do banho, e da carta que o pagem lhe traz, mas continúa, porque o capitão acompanha-a na volta á patria e vem a casar com ella. Na licção dos Açores, que traz Garrett, (t. III, pag. 65) termina egualmente o romance com um conceito engraçado: Sette annos andei na guerra E fiz do filho barão, Ninguem me conheceu nunca, Senão o meu capitão; Conheceu-me pelos olhos, Que por outra cousa não. M. Nigra encontrou tambem na Servia vestigios d’este romance. Posto que se não ache nos Romanceiros hespanhoes, Jorge Ferreira na Comedia da _Aulegraphia_ traz uns fragmentos em castelhano: Pregonadas son las guerras Da Francia contra Aragone... Como los haria triste Viejo, cano o peccador?... que fazem suppor ter elle existido primitivamente n’esta lingua, attendendo á grande importancia que o castelhano tinha na corte portugueza. Tommaseo recolheu nos seus _Canti greci_, _illirici_, etc., um canto slavo, cuja similhança com o canto piemontez e portuguez faz suppor uma origem commum. Tommaseo publicou tambem um canto grego moderno. Qual será essa origem commum? M. Nigra diz que «os cantos romanescos communs á poesia romanesca das raças latinas devem, sem se hesitar, ser considerados como vindos e muitas vezes originarios da Provença, etc.» M. Nigra julga este romance do tempo das Cruzadas, passando da Provença para os paizes Slavos e para a Grecia. É o unico modo como se pode explicar o seu apparecimento na poesia popular das duas Peninsulas. (Du Puymaigre, _Vieux Auteurs Castillans_, Append. p. 462 e 465.) =6--Romance de Gerinaldo=--São muitas as influencias das tradições do norte sobre a poesia do nosso povo. O Conde _Niño_ tem um final como o romance de Tristão e Yseult; a _Imperatriz Porcina_, de Balthasar Dias, encontra-se na lenda de _Hildegarda_, recolhida por Jacob Grimm. O romance de _Reginaldo_ pertence ao cyclo carlingiano; não nos veiu através da Hespanha, como a maior parte dos romances carolinos; os dois romances recolhidos das folhas volantes publícados no _Romancero general_ de Duran (1849-51, tomo I, p. 175 e 176,) differem muito do nosso; o primeiro é incompleto, e o segundo tem uma côr mourisca da fronteira. Em cada provincia dão ao pagem feliz diversos nomes; no Alemtejo _Generaldo_, no Minho e Porto _Girinaldo o atrevido_, e na Beira, segundo descobriu primeiro Garrett, chamam-lhe _Eginaldo_, que é a traducção mais proxima de _Eginhart_. Quasi todos os nomes dos personagens carolinos foram aportuguezados pelo nosso povo, como Valdovinos, Reinaldos de Montalvão, Roldão, Oliveiros, Beltrão, Dones Ogeiro, transformados de Bauduin, Reynaud de Monteauban, Roland, Olivier, Bertrand, Ogier le Danois. O romance portuguez de _Reginaldo_, tal como corre no Alemtejo, Extremadura, Beira Alta, Beira Baixa, Minho, apesar de todas as differenças de acção nas variantes, aproxima-se o mais possivel da tradição, que Jacob Grimm recolheu do _Chronicon Laurishamense_, (ed. Manheur, 1768, in 4.º, I, f. 40, 46) e que Vicente de Bauvais refere ao tempo de Henrique III: «Eginhart, primeiro camarista e secretario de Carlos Magno, alcançou, pelos bons e leaes serviços na corte, a estima de todos, e sobretudo o amor de Emma, filha do Imperador. Estava promettida em esponsaes ao rei da Grecia; e quanto mais o tempo do casamento se aproximava, mais a intima inclinação d’Eginhart e de Emma se fortificava em seus corações. Detinha-os o medo de que o rei não viesse a descobrir esta paixão e se enfurecesse. Por fim o mancebo não pode dominar os seus transportes; revestiu-se de coragem, e, não podendo communicar com a joven princeza por algum confidente, veiu protegido pelo silencio da noite ao quarto d’ella. Bateu levemente á porta do aposento, como se viera mandado pelo rei, e entrou. Ali protestaram o mutuo amor, e regosijaram-se nos abraços tão ardentemente desejados. Eis que, ao romper da alvorada, o mancebo ao retirar-se viu que havia cahido durante a noite muita neve, e não se atrevia a dar passo da soleira da porta, porque as pegadas de homem o teriam logo trahido. N’esta perplexidade, os dois amantes resolveram o que haviam de fazer, e a menina concebeu um plano atrevido: quiz a toda a força pegar em Eginhart aos hombros, e antes do rasgar da manhã levou-o até á porta do seu quarto, e voltou cuidadosamente sobre as mesmas pegadas. Logo n’esta noite não tinha o imperador pregado olhos; levantou-se, e mal raiavam os primeiros alvores, se poz a olhar para os jardins do palacio. Então viu passar por debaixo das janellas a filha, que vergava sob o doce, mas carregado pezo, e que, depois de o haver deposto, correu rapidamente sobre os primeiros passos. O imperador firmou-se bem, para se não enganar, e ao mesmo tempo se sentiu tocado de dor e admiração; comtudo calou-se. Eginhart que sabia muito bem que mais hoje ou amanhã chegaria o caso aos ouvidos do rei, resolveu-se, e veiu ter com seu amo, deitou-se-lhe aos pés, pedindo que o despedisse, a pretexto de que seus fieis serviços não eram suficientemente recompensados. O rei ficou silencioso por longo tempo, e refreiou seus sentimentos; alfim prometteu ao joven de lhe dar uma prompta resposta. No entanto formou um tribunal, reuniu os primeiros e mais íntimos conselheiros, e descobriu-lhes que a magestade real fôra ultrajada pelo commercio amoroso de Emma com o secretario; e em quanto ficaram todos surprehendidos com a nova de um crime tão inaudito e grave, explicou-lhes como se haviam passado as cousas, e como observara tudo com os proprios olhos; depois, quando acabou, pediu-lhes parecer sobre o facto. A maior parte dos conselheiros, homens prudentes e inclinados á doçura, foram de voto que o rei pronunciasse de motu proprio sobre esta circunstancia. Carlos, depois de haver considerado o caso em todas as suas faces, reconheceu n’este acontecimento o dedo da Providencia, resolveu usar de clemencia, e casar os dois amantes. Applaudiram todos com alegria a moderação do rei, que mandou chamar o secretario e lhe falou assim: «Ha mais tempo devera ter compensado melhor os teus serviços, se me tivesses já manifestado o teu pezar; agora quero, em recompensa, dar-te em casamento minha filha Emma, pois que ella propria, levantando sua cintura, te quiz levar aos hombros.» Immediatamente deu ordem para que chamassem a filha, que appareceu muito córada, e em presença da assembleia foi casada com o enamorado. Deu-lhes um rico dote em bens immoveis, em ouro e em prata: e depois da morte do imperador, Luis-le-Debonaire fez-lhes presente, por um acto particular de doação, de Michlinsadt, no Maingan. Os dois amantes, depois de mortos, foram enterrados n’esta referida cidade. A tradição oral do paiz conserva ainda a sua memoria, e a floresta vizinha, se se der credito a esta tradição, se chamou _Odenwald_, porque uma vez Emma se dirigiu a ella exclamando «O _duwald_! «Oh tu, floresta.» (_Tradições allemãs_ de Jacob Grimm, ed. franceza de 1838, t. II, p. 149, 152.) O nosso romance popular apenas differe d’esta tradição em lhe faltar a pequenissima circumstancia da neve e das pégadas. Em nada altera a acção; os trovistas do Meio Dia só tiraram da tradição os episodios que conheciam; descreveram a paixão como a sentiam; pintaram a natureza como estavam costumados a vel-a. É assim qne se transplantam e naturalisam as tradições e as formas poeticas. Garrett, no engraçado estudo com que precede a sua versão de Reginaldo, quer achar na ballada ingleza de _Little Musgrave and Lady Barnard_ uns longes de semilhança com o nosso romance: (Percy’s _Reliquis_, XI, secç. III, book the first), o que o leva a julgar a tradição de todos os paizes; no romance de _Blancefleur_ ha o mesmo episodio do sonno dos dois amantes (v. 2363). Este assumpto era da predilecção dos menestreis populares; representa a acção que, segundo Edgar Quinet (Revoluções de Italia) exerceu a poesia provençal, isto é--a fusão do elemento aristocratico e feudal com o povo, pelo sentimento; a nossa lenda dos amores de Bernardim Ribeiro e da infanta Dona Beatriz, promettida ao duque de Saboya, tambem se parece bastante com a de Eginhart, accommodada ao gosto de uma civilisação mais conveniente. No romance de Reginaldo se encontram costumes dos povos do norte; o imperador, quando encontra o pagem dormindo com sua filha, Tira el-rei seu punhal d’oiro, Deixa-o entre os dois mettido, O cabo para a princeza, Para Reginaldo o bico. Foi-se a virar o pagem, Sentiu-se cortar no fio: --«Accorda já, bella infanta, Triste sonno tens dormido! Olha o punhal do teu pae, Que entre nós está mettido.» Tambem no thalamo de Brunhilde e Sigurd, e na pyra, se collocou entre ambos uma espada (Ampère, _Litterature du Nord_; Michelet, _Origines_, p. 32). Já nos romances de cavalleria, quando o esposo encontra Yzeult dormindo com o amante entre a relva, retira-se tranquillo, porque ha entre ambos uma espada (Michelet, _Histoire de France_, t. II, c. 1, prope finem). A significação d’este symbolo cavalheiresco era o respeito, como ainda no seculo XV se usava, quando o procurador do archiduque Maximiliano desposou Maria de Bourgonha, e dormiu com ella separado por uma espada núa. (Grimm, _Antiguidades do Direito Allemão_, p. 170.) No romance popular o cabo voltado para a princeza e o fio para o pagem, denota aquelle symbolo juridico da Lei Ripuaria: «que uma mulher livre que desposasse um escravo contra a vontade da familia devia escolher entre a espada e a roca, que o rei ou o conde lhe apresentassem. Se pegava na espada, era preciso que ella matasse com suas mãos o escravo; se escolhesse a roca, devia permanecer tambem na escravidão.» (Lex Rip. 58, 18, d’après Michelet, _Origines_, p. 31.) Na Hespanha havia tambem um costume em que a mulher renegava o marido de inferior condição depois de morto, e tornava a alcançar os seus fóros. Uma das verdades da poesia popular é o seu apparecimento logico; o romance de _Gerinaldo_ encontra-se em Hespanha e Portugal, justamente até onde se estendeu a acção da poesia provençal; o genio hespanhol, impulsionado pelo sentimento cavalheiresco da _honra_, e o caracter portuguez, dominado pela integridade do _dever_, acceitam esta creação dos trovadores da Provença, em que a dama do solar, a filha do hidalgo se deixa amar por um homem de condição inferior. Cumpre citar aqui a auctoridade de Edgar Quinet no seu brilhante livro das _Revoluções de Italia_: «A feição caracteristica dos trovadores é que quasi todos são filhos de servos que, pelo acaso do genio, pela elevação do coração, se acham por instantes em uma relação de egualdade ficticia com a aristocracia feudal. Entrando no solar o filho do povo, o trovador, todo emoção, ingenuidade, alma, poesia, paixão, é immediatamente deslumbrado pelo encanto da dama sua soberana; ousa apenas levantar os olhos para ella. D’onde resulta, que pela sua propria origem, o amor dos trovadores nasceu de relações inteiramente novas, que repugnavam á antiguidade, em que a mulher se torna o forte, e o homem fica o ente fraco. As relações dos sexos estão invertidas: é a mulher que protege, e o homem que necessita do apoio. Do lado d’ella está a auctoridade, o mando, o pleno poder; para elle ha só timidez, a submissão do servo. O trovador dedica-se a uma pessoa, que das alturas sociaes em que está collocada o domina, o opprime com a superioridade; é sempre para elle um ser inaccessivel.» (p. 80). Em outro logar o profundo pensador dá ainda mais relevo a esta idea: «O começo da sociedade moderna é a alliança da castellã e do filho do povo sobre os confins da barbaria; n’este laço chimerico, n’este momento de extasis que aproxima as duas extremidades da humanidade e casa duas condições que no decurso dos seculos estiveram sempre desunidas, está verdeiradamente encerrado o nascimento civil do mundo moderno. Emancipação real do escravo pelo amor d’aquella a quem elle pretence, instincto manifesto de fraternidade social, egualdade das almas, tudo está contido nestes esponsaes invisiveis da dama nobre com o humilde servo» (p. 85). Todos estes sentimentos nos são despertados ao lêr o romance de _Gerinaldo_; é incontestavelmente de origem provençal, e tanto que até pode servir como prova do pensamento luminoso de Quinet. Cada vez nos convencemos mais do que uma vez disse Jacob Grimm: que não ha uma só mentira na poesia popular. Este romance canta-se em Freixo de Espada á Cinta; é mais breve do que na lição de Garrett; differe em pequenas circumstancias, e no desenlace principalmente. El-rei vae dar com o pagem dormindo com a infanta por causa de um sonho, um pezadello sinistro, _que bem certo lhe sahia_; no _Reginaldo_ de Garrett, é já dia e não apparece o pagem para trazer os vestidos a el-rei, caso que o leva a serias desconfianças. Na versão do Alemtejo remata com um epigramma: el-rei castiga o pagem dando-lhe a filha por mulher. O final do romance, como traz o Romanceiro de Garrett (t.II, p. 161), parece não pertencer-lhe, como ampliação que afrouxa as situações; antes parece mais uma addição do romance hespanhol de _Virgílios_. Nas collecções hespanholas o romance de Gerinaldo termina sem a ampliação da versão de Garrett. O romance de _Gerinaldo_ encontra-se no Romanceiro de Duran; a primeira versão (n.º 320) é a das Asturias, aonde se encontram tambem vestigios da Náu Catherineta, e uma versão da _Rainha e Captiva_. A segunda versão (n.º 321), tambem anonyma, é um romance que os cegos vendem em folha volante, aonde se não encontra a segunda parte do Reginaldo de Garrett, que é visivelmente uma interpollação. Na Andaluzia ha um _Corrio_ ou romance tradicional de Gerinaldo: =Carrerilla de Gerineldo= «D’onde vienes, Gerineldo, Tan triste y tan affligido? --Vengo del jardin, señora, De regar flores y lirios. «Gerineldo, Gerineldo, Mi camarero es Pulio El que te pondrá esta noche Tres horas á mi servicio. --Como suy vuestro criado, Señora, os burlais comigo. «No me burlo, Gerineldo, Que de veras te lo digo: A la una de la noche Has de venir al castillo, Con zapatitos de seda, Para que no seas sentido.» Esto le digo la Infanta, Y al punto se ha despedido, Diciendole Gerineldo: --Señora, será cumplido. DURAN, t. I. p. 177. =7--Romance da Noiva roubada=--Na bella collecção dos _Cantos populares da Grecia moderna_, feita pelo conde de Marcellus, na quinta parte, que encerra as legendas, se encontra uma intitulada o _Rapto_, em tudo semelhante ao romance portuguez. Eil-a: «Em quanto estava assentado e comia a uma mesa de marmore, meu cavallo nitriu e o meu sabre estrepitou. Disse então para mim: Casam a minha bella; abendiçoam-na com outro; para outro a corôam, desposam-na, e dão-lhe outro marido. Levanto-me e vou direito aos cavallos, que são ao todo setenta e cinco: qual é dos meus setenta e cinco cavallos, o que pode faiscar no Levante e dar consigo no Poente? Todos os cavallos que me ouvem gotejam sangue; todas as eguas que me escutam abortam. Mas um velho, um velho corcel, com quarenta feridas: «--Eu sou velho e feio, não me dou com as viagens; mas pelo amor da minha bella senhora emprehenderei a corrida, porque ella me trazia de comer no avental arregaçado, e de beber na cova da sua mão.» Sella immediatamente o cavallo, e immediatamente o monta. «Cinge a cabeça com uma toalha de nove almas, não puches a redea, nem craves as esporas, porque isso me lembraria a minha mocidade, e eu seria como um pôtro e semearia os teus miollos em um campo de nove covados.» D’uma chicotada no cavallo adianta quarenta milhas; redobra e faz quarenta e cinco; e caminhando roga a Deos:--Meu Deos, fazei com que encontre meu pae entrançando sua vinha. Pediu como christão, como sancto foi ouvido, e encontrou seu pae podando a vinha.--Bem andaes, meu velho; mas de quem é essa vinha?--Para lucto e desgraça é do meu filho Janaki. Hoje dão um outro marido á sua bella. Com outro a abendiçoam, para outro a corôam.--Oh dize-me, dize-me, bom velho, ainda os encontrarei á mesa?--Á mesa os encontrarás, se tiveres um bom cavallo; se tens só um rocim, encontral-os-has na benção.--D’uma chicotada no cavallo avança quarenta milhas; redobra, e faz quarenta e cinco, e caminhando, vae orando a Deos.--Meu Deos, fazei com que eu encontre minha mãe regando no seu jardim! Como christão o pediu, como sancto foi ouvido, e encontrou sua mãe regando o jardim. Bem andaes, minha velhinha; de quem é este jardim?--Para desgraça e luto é do meu filho Janaki. Hoje dão um outro marido á sua bella; com outro a abendiçoam, coroam-na para outro.--Oh! dize-me, dize-me minha velha, encontral-os-hei ainda á mesa?--Á mesa tu os encontrarás, se tiveres um bom cavallo; se tiveres só um rocim, tu os encontrarás na benção.--D’uma chicotada no cavallo galga quarenta milhas, redobra e faz quarenta e cinco. O cavallo começa a relinchar e a donzella o reconhece. «Minha filha, quem conversa comtigo? quem te fala?»--É meu irmão mais velho, que traz o meu dote.--«Se é teu irmão mais velho, sae para ir dar-lhe de beber. Se é teu amante, sáio eu, e mato-o.» É meu irmão mais velho, que me traz o dote.--Ella pega em um copo d’ouro, para sair e dar-lhe de beber.--Põe-te á minha direita, ó encantadora, e dá-me de beber pela esquerda.--O cavallo ajoelhou e a donzella se achou sobre elle. Então desfillou como o vento. Os turcos pegam em seus mosquetes, mas já não alcançam nem o cavallo, nem a poeira d’elle. Aquelle que tinha um bom ginete viu a sua poeira; os que só tinham um rocim, nem sequer a avistaram». (_Chants populaires de la Grèce Moderne_, p. 140.) Uma outra conclusão, que se tira da ubiquidade d’estes romances, é que o povo adopta sempre aquelles que não dizem respeito a facto algum particular ou historico; os romances communs aos povos do Meio Dia da Europa, são apenas acções cavalheirescas de imaginação, aventuras inspiradas por um certo ideal; isto se confirma pela grande vulgarisação dos romances do cyclo da Tavola Redonda, e pelo pequeno numero dos romances carolinos na Italia, na Hespanha e nullo quasi em Portugal. Na forma portugueza, e grega d’este romance se encontra a côr local de cada povo: comtudo o nosso parece mais antigo; as _terras d’alem mar_ lembram-nos o modo como o povo designa as expedições á Terra sancta. =8--Romance do Alferes matador=--Este romance ainda não tinha sido recolhido da tradição oral; veiu da Covilhã, a mina mais rica destas preciosidades, e aonde se encontram as versões mais puras. Pela confrontação com os romances francezes e italianos está incompleto, porque a donzella apenas se finge morta para salvar a sua honra: circumstancia que não seria omittida, se o nosso rhapsodo popular completasse a historia. Gerard Nerval (Bohème galante, pag. 71) traz uma canção bourbonesa, _La jolie Fille de la Garde_, tambem conhecida na Picardia. No Pays Messin foi recolhida uma outra versão por M. du Puymaigre (_Vieux Auteurs_, t. II, p. 478): Au chateau de Beufort y avait trois belles filles Elles sont belles, belles comme le jour; Trois do nos capitaines leur vont faire 1’amour. .................................................... Le plus jeune des trois, celui qui la courtise, A mis la bell’sur son cheval grison, Puis ils l’ont emmenée droit á la garnison. Deux ou trois jours après, la belle est tombée morte, Sonnez, trompette, et le tambour joli: Voilà la belle morte sans en avoir joui. Il faut enterrer dans l’jardin de son père; Au dessus de sa tombe on mettra par écrit: «Voilà la belle morte sans en avoir joui.» Deux, ou trois jours après, le père qui se promène A vu le tombeau frais... «Mon pèr’si vous m’aimez, Faites ouvrir la tombe; J’ai fait trois jours la morte pour mon honneur garder. Nos _Canti populari_, raccolti da Oreste Marcoaldi (pag. 163) vem um romance similhante, na colleção de Caselli (Chans populaires d’Italie, pag. 203), que o dá como do reproduzido Piemonte. =9--Romance da Romeirinha=--O grande uso das peregrinações e romagens como pena ecclesiastica e civil na edade media, produziu uma tal perturbação na familia, que muitas vezes os maridos vieram encontrar as mulheres já casadas; tudo isto originava muitas tradições. A promessa de romaria era tambem hereditaria como o castigo na penalidade heroica; Josselin fica herdeiro da peregrinação á Terra santa, que seu pae promettera. No testamento de el-rei D. Diniz se lê: «Item, mando que um Cavaleiro, que seja homem de boa vida, e de verguença, que vá por mi á Terra Santa dultramar, e que estêe hi por dous annos compridos se a cruzada for servindo a Deos por minha alma etc.» (Provas da Historia Genealogica, por Antonio Caetano de Sousa, t. I, pag. 101.) As mulheres tambem faziam romarias, e, expostas aos perigos da estrada e da pirataria, não poucos romances tiveram origem das situações difficeis por que passaram. Nos nossos romances do _Conde Preso_, se vê o fundamento d’aquella carta que escreveu San Bonifacio a Guthbert, bispo de Cantorbery, ácerca das romarias das mulheres: «A maior parte d’ellas succumbem e muito poucas voltam com a sua castidade.»[1] As leis protegiam os peregrinos, coadjuvadas pelas excommunhões dos canones dos Concílios. A lei bávara diz: «Que ninguem faça mal ao estrangeiro, porque uns viajam por Deos, outros por necessidade, e todos precisam de paz». O concilio de Latrão em 1123 excommunga os que vexarem os peregrinos que vão a Roma ou a outro qualquer logar de devoção. No romance portuguez de Dom Garfos, o conde é enforcado por ter violado a romeira de Sanct’Iago. Este romance da _Romeirinha_, que anda na tradição oral de Trás-os-Montes e Minho, encontra-se tambem, na parte essencial da acção, com alguns romances populares da Italia. Pode-se apresentar como o typo dos romances communs ao Meio Dia da Europa; o cavalleiro Nigra e Du Puymaigre determinaram os paradigmas. M. Amador de los Rios, nos romances asturianos, que publicou em 1861 no _Jahrbuch_, traz um em tudo similhante ao nosso; refiro-mo ao essencial da acção. (Vid. Du Puymaigre, t. II, p. 465.) O _Rico Franco_ do Romanceiro hespanhol (Du Puymaigre, 406) a _Montferrina_ (Caselli, pag. 190), _O Corsario_ (Du Puymaigre, t. II. p. 406), _Le beau Marinier_ colligido de Beaurepière, e o _Barzas Breiz_, appresentam bastantes situações identicas. =10 e 11--Romances da Infanta de França=--A versão da Beira-Baixa é notavel por appresentar uma fusão natural de dois romances o _Caçador_ e a _Infeitiçada_, que traz Garrett, (Romanceiro t. II. p. 21 e 32). O final, que não apparece em nenhuma das lições de Garrett, encontrei-o tambem em um fragmento que recebi de Penafiel. A versão da Foz tem os dois romances confundidos, e nella se nota o processo de abreviação que se dá continuamente nos romances populares. Estes mesmos dois romances vêm nos Romanceiros hespanhoes com o nome de _Infantina_ e _Romance de la Infanta de Francia_. (Duran, t. I, p. 152). O espirito d’este conto meio decameronico é manifestamente de origem franceza; as nossas versões vieram-nos da tradição de Hespanha, como se vê pela perfeição d’ellas, quasi sempre mais bem acabadas do que as castelhanas. Saem da ultima demão. «A versão portugueza, segundo Fernando Wolf, está mais proxima do original francez do que da versão hespanhola. Ambas tratam o mesmo assumpto, o logar da scena em ambas é perto de Paris; a lubricidade dos _Fabliaux_, um tom desenvolto e a crença nas fadas, acham-se notadas no primeiro d’estes romances.» (Proben, S. 54). As duas versões que appresentamos, assignalam a influencia normanda na poesia popular portugueza. Gil Vicente no _Auto dos Quatro Tempos_, traz uma cantiga franceza: Ay de la noble Villa de Paris, etc. que nos comprova esta asserção; basta-nos porem esse paradigma, para fundamental-a melhor: Nons étions trois filles, Bonnes à marier; Nous nous en allâmes Dans un pré danser. Nous fîmes rencontres D’un joli berger. Il prit la plus jeune, Voulut l’embrasser. Nous nous mîmes toutes A l’en empêcher. Le berger timide La laissa aller; Nous nous en criâmes: «Ah! le sot berger! Quant on tient l’anguille Il faut la manger. Quant on tient les filles, Faut les embraser.» Charles de S. Malo traz esta canção a pag. 379 das _Chansons d’autrefois_, referida ao anno 1660 como anonyma. Gerard Nerval recolheu na Normandia um romance popular, que é o pensamento das nossas versões, mas com aquella graça facil que caracterisa o genio francez. Du Puymaigre, d’onde o reproduzimos (Vieux auteurs Castillans, p. 251, t. II), tambem o ouviu cantar na Borgonha e no Pays-Messin: Après ma journée faite Je m’en fut promener, En mon chemin rencontre Une fille à mon gré; Je la prit par sa main blanche, Dans les bois je l’ai menée. Quant elle fut dans les bois, Elle se mit à pleurer: --Ah! qu’avez-vous, ma belle, Qu’avez-vous à pleurer? --Je pleure mon innocence, Que vous me l’allez ôter. --Ne pleures pas tant la belle Je vous le lesserai. Je la pris par sa main blanche Dans les champs je l’ai menée; Quant elle fut dans les champs Elle se mit à chanter. --Ah, qu’avez-vous la belle, Qu’avez vous à chanter? --Je chante votre bêtise De me laisser aller, Qand on tenait la pule Il fallait la plumer. Já o sr. Duran tinha dito d’este romance: «Todo indica que este romance es de origen frances, é imitacion de alguna trova caballeresca. De todas maneras é bellissimo por su natural sencillez, y por la festiva e punzante expresion de sus ideas, tan propria de las crónicas bretonas e de los cantos de los Troberos.» (Rom. Gener. p. 152, t. I). Ha na _Infeitiçada_, que Almeida Garrett colligiu, e na versão da Foz, um lance dramatico de quasi todos os romances populares: é o cavalleiro que se encontra com sua propria, irmã: «Deixai-me agora chorar, Olhai a minha mofina; Cuido que levo mulher E levo a uma irmã minha! Este mesmo desenlace se encontra no romance de _Branca-Flor_: Ai triste de mim coitada, Ai triste de mim mofina, Mandei buscar uma escrava, Trazem-me uma irmã minha. (Pag. 103, n.º 38.) No romance catalão _Las dos Germanas_, publicado por M. Milà y Fontanals (Observationes sobre la Poesia popular, p. 117) a cativa dá-se a conhecer por uma cantiga de berço. Na _Bella Infanta_ ha tambem um reconhecimento. No romance de _Dom Bueso_, recolhido por Amador de los Rios, o cavalleiro encontrou uma donzella que estava lavando em uma fonte fresca. Leva-a comsigo; já proximo de casa, ella recorda-se d’aquelles sitios, e é quando Dom Bueso reconhece sua irmã Rosalinda. Na poesia grega, onde o amor não é conhecido com a simplicidade ingenua dos povos modernos, a mulher é quasi sempre a que se apaixona de um modo irresistivel, a que se sente arder em um fogo ignoto; veja-se Sapho, Phedra, Pasiphae; o heroe não comprehende essa hallucinação. Na poesia hespanhola o cavalleiro é quasi sempre tambem incitado pelas graças das donzellas. A rudeza das armas fazia-lhe esquecer os devaneios ferventes. No romance da _Encantada_ e da _Infeitiçada_, a donzella é que se dirige ao cavalleiro, e que ri da sua ingenuidade. Uma ballada allemã intitulada a _Filha do rei encontrada_, que Du Puymaigre traduziu (Vieux auteurs Castillans, t. II, p. 365) versa sobre a mesma peripecia, mas illuminada pela melancholia vaga do norte: «Um rei tinha uma filha pequenina; chamava-se Annellein. Sentou-se ás abas de um bosque sobre uma pedra. Veio um vendilhão estrangeiro por ali; atirou-lhe uma fita de seda: «Agora é preciso que tu me sigas.» Levou-a para casa de uma mulher, que tinha uma estallagem, e deixou-a para servir. «Estallajadeira, minha estallajadeira, tomae para vos servir essa minha filhinha.»--Oh sim, sim, é o que eu quero; heide tratal-a bem, heide ser como uma mãe para ella. «Passado certo tempo, já se contavam annos, eis que passa um senhor a cavallo, indo em busca de uma mulher. Passou pela casa da estallajadeira; a rapariga lhe trouxe vinho. «Estallajadeira, minha cara estallajadeira, é vossa filha? ou é mulher de vosso filho? como é tão bella?--Não é minha filha, nem tão pouco mulher de meu filho: é a pobre Gudeli; ella ensina os quartos aos hospedes.--Estallajadeira, minha cara estallajadeira, deixai-me ficar uma noite ou tres, tantas quantas me fizer conta.--Oh sim, sim, isso é o que eu quero. Eu vos hospedarei tanto tempo quanto quizerdes.» O cavalleiro tomou a bella Annelein pela mão, e a conduziu, para o quarto de dormir; levou-a para uma bella cama e perguntou-lhe se quereria dormir junto d’elle. O Duque tirou a sua espada d’ouro e pol-a entre os dois corações. A espada não hade ferir nem cortar, mas Annelein hade ficar como uma virgem criança. «Ah Annelein, olha agora para mim. Conta-me a tua sorte, dize-me tudo o que sabes, tudo o que te lembra. Dize-me quem é a tua mãe?--O senhor rei é meu pae, a rainha é minha mãe; eu tenho um irmão que se chama Mannigfalt: Deos sabe por onde elle agora anda.--Já que teu pae é o rei, e tua mãe a rainha, e que tens um irmão chamado Mannigfalt, eu apérto a mão de minha irmã.» E quando rompeu a madrugada, a estallajadeira veio à porta do quarto: «Levanta-te, priguiçosa, levanta-te, vem dar de almoçar aos hospedes.»--Oh não, deixa dormir a bella Annelein; serve tu os viajantes; minha irmã Annelein já não é criada.» Monta-se a cavallo, e leva sua irmã á garupa; toma galhardamente sua irmã pela cintura e leva-a atrás de si. E quando chegou á corte, veiu sua mãe ao encontro: Bem vindo sejas, meu filho mais essa terna mulhersinha.--Não é uma mulhersinha, é vossa filha, que tinhamos perdida ha tanto tempo. «Sentaram á meza a bella Annelein, deram-lhe peixe frito e cosido; meteram-lhe no dedo um annel d’ouro: «Até que fôste encontrada, minha filha real.» (_Volksliedei_, S. 186) Uma outra ballada allemã, de uma orphan, que vae bater á porta de uma irmã casada, para a servir, tem sua analogia com a _Branca-Flor_ (Deutsches Balladenbuch, S. 10). Esta mesma peripecia se encontra em cantos suecos, dinamarquezes, em um fragmento do poema bretão _Les Breiz_ (M. de Villemarqué, _Barzaz Breiz_, t. I, p. 137-180), nos _Cantos populares do Norte_ (Marmier, p. 175), nos _Cantos populares da Grecia moderna_ (Conde de Marcellus, p. 146). O maravilhoso feérico das margens do Rheno tambem apparece n’estes romances da _Infanta de França_, e _Encantada_. M. Du Puymaigre indica a maior parte dos romances em que se encontram situações analogas de reconhecimento, cujas collisões formam ordinariamente os lances da poesia popular. (Vid. Vieux auteurs castillans, t. II, p. 357, 374). =12--Romance da Silvana=--É dos mais populares e antigos; encontra-se em Lisboa, Ribatejo e Beira Alta. Já no seculo XVII D. Francisco Manuel de Mello o cita como velho, como se deprehende d’aquelle verso do Fidalgo apprendiz: _Uma letra nova quero_, que diz Brites, recusando-se a escutar este romance que Gil lhe ia cantar á guitarra. (Pag. 247). A _Silvana_ faz lembrar a Myrrha da mythologia grega. Pertencerá ella ás ficções eruditas do cyclo greco-romano? Não parece o combate de Tristão com o Morouhet de Irlanda uma imitação o combate de Theseu com o Minotauro? Arthur não é trahido por Ginebra, como Hercules por Djanira? Têm ás vezes origens caprichosas estas tradições do povo. O principio da _Sylvana_ anda quasi sempre confundido com o romance do _Conde Alarcos_. Foi pela primeira vez publicado por Almeida Garrett, que o dá como originario portuguez. (Rom. t. II, p. 98). Encontra-se porem nas Asturias, e o sr. Amador de los Rios o publicou no _Jahrbach für romanische und englische Literatur_, _t. III_, _p. 284_, com o titulo de _Delgadina_: «O rei tinha tres filhas, cada qual como uma flor, e a mais nova d’ellas todas chamava-se Delgadina. Estando um dia á meza, estando um dia a comer, seu pae que a estava a mirar, seu pae que tanto a mirava.--Porque é que me olhaes, meu pae? Porque é que me estaes a olhar?--Ólho, filha, porque quero sejas minha namorada.--Isso é o que Deos não quer, nem a Virgem soberana. Deos do céo não quer que eu seja tua namorada. O pae quando isto ouviu a levou para uma torre; não lhe dava para comer, mais que sardinhas salgadas; não lhe dava de beber mais que summo de laranja. Delgadina, morta á sêde, foi pôr-se a uma janella, e vendo os irmãos que estavam a par dos grandes de Hespanha: Oh meus irmãos, meu irmãos, se me daes um pingo de agua, que o meu coração se quebra, e a minha alma se parte.--Não t’a darei, Delgadina, pois se o soubesse meu pae a vida me tiraria com a ponta da sua espada. Delgadina morta á sêde, foi pôr-se a outra janella, viu suas irmãs estarem bordando tea de Hollanda: Oh manas, manas queridas, mandae dar-me uma pouca de agua.--Não t’a darei Delgadina, Delgadina não darei, porque perderia a vida se é que meu pae o soubesse. Delgadina morta á sêde, foi pôr-se a outra janella, e vendo seu pae já prestes a partir para a caçada: Meu pae, vós que sois meu pae, dae-me vós uma gota de agua?--Eu te darei Delgadina, se tu commigo falares.--Ouvirei as vossas falas, bem contra minha vontade. Os criados que elle tinha, todos foram buscar agua, uns a trazem em jarros de ouro, outros n’um gomil de prata. Ao primeiro que chegou, mandou sua corôa dar, ao que chegou derradeiro, manda a cabeça cortar. O leito de Delgadina estava de anjos cercado, e a cama de seu pae toda cheia de diabos.» A lição portugueza é mais extensa e mais primitiva, nada perde da sua originalidade; porque os romances asturianos, segundo Amador do los Rios, são de origem extranha, accommodados ás toadas antigas: =Faustina= _(Variante de Coimbra)_ O Conde da Villa-Flor, Por ser o Conde maior, De tres filhas que elle tinha Clarinhas como o sol; Uma se chama amada, Outra se chama querida. Outra se chama Faustina for ser a mais fidalgada. --Queres tu, filha Faustina Ser a minha namorada? «Não permitta Deos do céo, Nem a Virgem consagrada, Que eu, sendo sua filha, Seja sua namorada. --Deixa vir a mãe da missa, Que eu lh’o saberei dizer: Ora vinde mulher minha, Ver o que aconteceu: A nossa filha Faustina De amores me prometteu. Dizei lá, oh mulher minha, O que Faustina mereceu? --«Torre de pedra lavrada Para meteres Faustina! Deras-lhe o pão por onça, Agua por uma medida. Ali tiveram Faustina Por sete annos encerrada: Davam-lhe agua por onça, E da carne mais salgada. Ao cabo de sete annos Faustina sem ser findada; Foi-se d’ali a Faustina, Tristinha e desconsolada, Assobindo uma ventana Outra ventana mais alta, D’ahi viu estar suas manas Cosendo em uma almofada: «Deos vos guarde, manas minhas, Manas minhas da minha alma; Peço-vos pelo amor de Deos Que me deis uma pinga de agua! «--Deos te guarde, oh Faustina, Oh mana da minha alma, O nosso pae nos jurou, P’los cópos da sua espada, Que quem désse agua á Faustina Sua cabeça é cortada. Foi-se d’ali a Faustina, Tristinha e desconsolada, Assobiu a uma ventana, Outra ventana mais alta, D’onde via estar sua mãe Lavrando a ouro e prata: «Deos vos guarde, oh minha mãe, Mãe minha da minha alma! Peço pelo amor de Deos Que me dê uma pinga d’agua. --«Deos te guarde, oh Faustina, Oh filha da minha alma; Ha sete annos que eu vivo Com o teu pae mal casada. Foi-se d’ali a Faustina, Tristinha, desconsolada, Assobiu a uma ventana. Outra ventana mais alta, D’onde viu andar seu pae Passeando n’uma sala: «Deos vos guarde, oh meu pae, Oh pae meu da minha alma; Peço pelo amor de Deos Que me deis uma pinga de agua. --Deos vos guarde, oh Faustina Minha filha mal fadada. Eu pedi-te a mão direita Tu não m’a quizeste dar. «Aqui tem a mão direita, A esquerda se a quizer! --Venham as jarras de prata De ouro se as houver; Quero dar agua á Faustina, Que já é minha mulher. Corram, corram, cavalleiros, A dar agua á Faustininha; O que primeiro chegar Hade ter uma prenda minha. A agua era chegada, Era findada Faustina! No meio d’aquelle largo Um tanque d’agua apparecia. Vieram sete senhoras Domingo de madrugada Para levarem Faustina Para o céo em corpo e alma. Nossa Senhora do Pranto É que a pranteava, Tu morreste, Faustininha, P’la honra de seres honrada. Nossa Senhora do Pranto Era quem a pranteava; No seu pranto, que dizia: Domingo de madrugada Vieram sete demonios, Dormiram em tua casa Para levarem teu pae P’r’o inferno em corpo e alma. Aqui está completa a versão apontada por Garrett, de que apenas deixou alguns versos (Rom. t. II.) É um facto curioso vêr como o povo vae confundindo os romances, produzindo inconscientemente situações novas. O nó da acção é imitado pelo povo dos romances do _Conde de Allemanha_. Nossa Senhora do Pranto, que vem prantear a desgraçada, dá ao romance uma côr de alta antiguidade; era um velho uso de Portugal, já prohibido no tempo de D. João I. =13--Romance de Bernal Francez=--Anda na tradição oral da Beira Baixa e Estremadura, e já Garrett o tinha encontrado nos manuscriptos do cavalleiro de Oliveira, por onde _aperfeiçoou_ a lição mais circumstanciada e extensa que vem no Romanceiro, t. II, pag. 129. A versão da Foz é egualmente dramatica, e superior por se ter respeitado n’ella a sua rudeza nativa. Tenho para mim que o romance é formado de duas partes distinctas que a tradição confundiu, e que o povo não sabe discriminar; o pensamento da primeira parte, isto é a difficuldade que sente a esposa diante de seu marido, encontra-se no _Romancero General_ (Duran, n.º 298) na _Adultera castigada_; a segunda, parece formar-se do romance _El Palmero_ (Duran, n.º 292) em que o cavalleiro vem ver se vê a sua amada e lhe dizem que é morta por amor d’elle. Circumstancias do dialogo, desfecho, e o caracter principal da acção, revelam-nos manifestamente a fusão dos dois romances, que pelo andar do tempo e pela desmemoria do vulgo se uniram. Porem de todos os romances hespanhoes que mais se parecem com este é o da _Bella mal maridada_ (Ochoa, Tesoro, p. 490) que já vem citado na Comedia de _Rubena_ por Gi1 Vicente: Cantará o Demo um grito _Das las mas lindas que yo vi_. O romance hespanhol principia assim: La bella mal maridada _Das las lindas que yo vi_. Este romance foi muito imitado em Portugal pelos poetas cultos dos principios do seculo XVII. =14--Romance do Conde Ninho=--Pertence pelo seu caracter maravilhoso ao cyclo da Tavola Redonda. Encontra-se na tradição oral dos Açores, e em Trás-os-Montes foi novamente recolhido. Na lição de Garrett (Rom. t. III, p. 7) não se encontra o _cantar_ que o conde armou. Nesta versão o rei manda cortar as arvores que rebentam das sepulturas dos amantes, porque o não deixam ir á missa; correm d’ellas leite e sangue, que symbolisam os sexos; situação que faz lembrar, se não é directamente imitada, o mais popular de todos os romances da Europa na edade media _Tristan e Yseult_. Eis como essa deliciosa imagem se encontra na seguinte passagem do _Tristan_: «Et de la tombe de monseigneur Tristan, yssoit une ronce belle et verte et bien feuilleue qui alloit par dessus la chapelle, et descendoit le bout de la ronce sur la tombe de la reyne Yseult et entroit dedans. La virent les gens du pays et le comptèrent au roy Marc. Lo roy la fist couper par troys foys et, quant il l’avoit le jour fait couper le lendemain estoit aussi belle comme avoit aultre fois esté, etc.» (_Tristan, Chevalier de la Table ronde_, fol. CXXIV). Este mesmo maravilhoso se encontra no _Lord Thomaz and fair Annet_, (Percy, Reliques of ancient english poetry, t. III, p. 296); no _Prince Robert_, e no _The Douglas Tragedy_ (Walter Scott, Minestrelsy of the Scottish Border, t. III, pag. 59, t. II, pag. 224). O romance de Tristão era conhecido já em Portugal no tempo de D. Diniz, como se vê do seu Cancioneiro: Qual mayor poss’e o mui _namorado_ _Triste_, sey ben que non amou o seu, Quant’eu vos amo......(Pag. 53.) Tambem no Catalogo dos _livros de uso_ de el-rei D. Duarte, (Sousa, Provas da Hist. Genealogica, t. I, p. 544) se encontra citado o livro de _Tristam_. As almas dos amantes voam na forma de pombas; nas lendas ecclesiasticas, e no hymno latino de Santa Eulalia, a alma do justo ascendia para o céo na apparencia do uma pomba. Portanto não é nem provençal, nem francez, ou normando, como pretende Garrett. O nome do conde Niño é talvez a forma hespanhola de conde _menino_. Garrett chama-lhe Nillo, e diz que não é nome portuguez; com tudo Bernardes, na _Floresta_, traz um nome de santo similhante, o que bastava para o povo o adoptar. Quanto á realidade historica d’este romance, alguma se lhe pode assignar: Na _Chronica do conde D. Pedro Niño_, narração meio historica meio fabulosa de Gutierre Diez de Games, se encontram vestigios do romance, porque ahì se fala em varias aventuras de amores. Como d’ali veio a tradição para Portugal, é facil de comprehender, porque o conde Niño foi casado com D. Beatriz, infanta portugueza. Quanto á origem do nome de _Niño_, diz a chronica: «Segund que de antigüa edad quedó en memoria, dícen qe vino en Castilla un Duque de Francia, é vivió é moró en ella grand tiempo, hasta que morió: é dejó dos fijos pequeñeruelos, é tomólos el Rey, é diólos á un Caballero que los criasse en su casa del Rey. El Rey llamabalos siempre los _Niños_: é el su Ayo, cada que alguna cosa delibrar con el Rey para los Niños, siempre eram mentados Niños. D’esta guísa los llamaban las otras gentes: assi que á cada uno decían su nombre apertadamente, é decian encima el _Niño_.» (Cap. I, 10, 15, pag. 13). O romance fala de um cantar do conde Niño: na Chronica se lê: «Avia graciosa voz, é alta: era muy denoso eu sus _decires_» (Cap. X, p. 44). O casamento de Pedro Niño com D. Beatriz de Portugal, filha do infante D. João, causou-lhe immensos trabalhos, porque a elle se oppunha el-rei Regente de Castella: «E despues de la respuesta del Infante andubo Pero Niño mas de medio año por la corte é cerca d’ella, é vióse en assaz peligros muchas veces por ver á su esposa.» (Cap. III, Part. III, p. 185). No testamento do conde Pero Niño dispõe que elle e sua mulher sejam sepultados no côro da egreja de S. Thiago da Villa de Cigales. Crêmos ter apresentado os principaes traços historicos, para se vêr a formação do romance popular. Os amores do conde Niño foram cantados em verso por Villasandíno, poeta do tempo de Henrique III e João II, como se pode ver pelo _Cancioneiro_ de Baena. =15--Romance da Promessa de Noivado=--Veio-nos esta versão da Beira Baixa; é uma variante do romance a _Peregrina_, (Romanc. de Garrett, t. III, pag. 22). Apresenta collisões novas, taes como a de estar o cavalleiro já casado e com filhos. A versão de Garrett é artificial, porque a formou dos fragmentos que obteve do Minho, Extremadura e Trás-os-Montes, fundidos na lição do Porto: «Contudo aproveitei bastante d’elles para restituir o texto e dar nexo e clareza à narrativa.» (Pag. 20). Assim fundiu aquella situação de romance de Tristão e Yseult, que apparece no _Conde Niño_ e na _Rosalinda_, de nascerem duas arvores na sepultura dos amantes, e que elle teve de explicar como logar commum dos romances populares. Na versão da Beira Baixa é só a amante que morre de tristeza. Garrett diz que nos Romanceiros Castelhanos nada se encontra parecido com esta singela historia. No _Romancero General_ do Duran, o _Conde Sol_ (n.º 327) tem muitos pontos de similhança com o nosso, e tanto que pela extensão d’elle deduzimos ser o nosso uma abreviação posterior. Foi Walter Scott o que primeiro descobriu a tendencia que têm os romances populares de _se aberviarem_. =16--Romance de Dom Aleixo=--Se não é de origem hespanhola, o primeiro verso com que o romance principia faz nascer tal suspeita, posto que nas collecções castelhanas se não descubra. Sabe-o o povo de Lisboa e da Beira Alta. Nos manuscriptos do curioso Cavalleiro de Oliveira o encontrou Garrett, por onde restituiu os fragmentos das versões provincianas. (Rom. t. II, p. 91). Assim a lição que appresenta é bella, mas não é puramente popular, como elle proprio confessa: «Ainda assim, algumas raras palavras foram por mim conjecturalmente substituida.» Ha ali um mysterio que faz estremecer a quem lê: parecem palavras de um encantamento. A versão da Foz que recolhemos é estreme e revela-nos o lavor da imaginação popular sobre um thema commum. A dama pediu ao cavalleiro uma confidencia nocturna, em que elle morre por traição dos seus cunhados; Dona Maria mata-se ao pé do cavalleiro moribundo. Na lição de Garrett é ella que se toma de medo e mata o namorado. Uma é mais bella, a outra simplesmente verdadeira; mas na poesia do povo, segundo Grimm, á principal belleza é a sua grande verdade. =17--Romance de Dom Pedro=--Apparece este romance com o nome de _Helena_ no Romanceiro de Garrett, t. III, p. 40; anda na tradição oral da Beira Alta, Extremadura e Lisboa. Da Beira Baixa recebemos uma variante de uma belleza profunda e inexcedivel; é ali aonde a poesia popular portuguesa se conserva mais primitiva e completa. O romance de _D. Pedro_ é mais simples e menos artificioso do que a versão de Lisboa. Aqui o _cavallo branco_, signal de lucto, demonstra a sua antiguidade. O final, sobre tudo, é a parte mais delicada; não são as penitencias do esposo, mas é elle que enterra _a sua rosa branca_, como quem planta uma flor, o lhe amollece a terra com as lagrimas dos olhos. =18, 19 e 20--Romances da Filha do Imperador de Roma.=--Estes tres romances, colhidos em differentes provincias, completam a tradição. Já Garrett os tinha publicado, unindo-os e cortando aquellas partes em que a variante destruia a unidade da acção. A primeira parte foi colhida em Trás-os-Montes, terra fertil de tradições locaes, e aonde, logo depois da Beira Baixa, se encontram mais thesouros de poesia popular. O _Hortelão das flores_ é mais antigo. Este metro, chamado _rimance em endechas_, é pouco frequente na poesia popular; é ordinariamente de uma incorrecção pittoresca. Recebi o romance recolhido na tradição oral da Beira Baixa em uma letra tão falta, de forma legivel, de pontuação e escripto á maneira de prosa, que não sabemos se o trabalho de interpretal-o destruiria em parte a ingenuidade simples da creação anonyma! É um facto curioso comparar este romance, de uma elaboração differente, com o romance do _Cegador_, versão da Beira Alta e Trás-os-Montes, que traz Garrett, (Romanceiro, t. III, 98). Ha a mesma peripecia da princeza se entregar a uns amores desconhecidos, ao filho de um corta carne, que lhe sae um Duque, como na lição alludida. Este verso podia cortar-se em redondilha; Jacob Grimm na _Silva de romances viejos_ adoptou a forma monorrima de dezeseis syllabas. Um facto notavel se descobre n’este romance: O celebre romance de Gil Vicente intitulado _D. Duardos_, que os Romanceiros, principalmente o de Anvers, adoptaram, que o povo assimilou e fez quasi de novo, como se pode ver na lição conservada pelo cavalleiro de Oliveira, apparece-nos aqui agora, novamente assimilado, mas deixando ainda ver alguns restos primitivos. A despedida da donzella e as falas de _D. Duarte_, foi o que o povo conservou na versão da Beira Baixa. São sempre as partes dramaticas que se perpetuam. Eis o romance de Gil Vicente: =Dom Duardos= En el mes era de Abril, De mayo antes um dia, Cuando lyrios y rosas Muestran mas su alegria, En la noche mas serena Que el cielo hacer podia, Cuando la hermosa Infanta Flerida ya se partia: En la huerta de su padre Á los árboles decia: --Quedáos á Dios, mis flores, Mi gloria que ser solia; Voyme á tierras estrangeras Pues ventura allá me guia. Si mi padre me buscare, Que grande bien me quería, Digan que amor me lleva, Que no fue la culpa mia: Tal tema tomó conmigo, Que me venció su porfia: Triste no sé a dó vó, Ni nadie me lo decia.-- Alli habla Don Duardos: «No lloreis mi alegria, Que en los reinos de Inglaterra Mas claras aguas havia Y mas hermosos jardines Y vuesos, señora mia. Terneis trecientas donzellas De alta genealogia; De plata son los palacios Para vuestra señoria, De esmeraldas y jacintos De oro fino de Turquia, Con letreros esmaltados Que mentan la vida mia. Cuentan los vivos dolores Que me distes aquel dia Cuando con Primalion Fuertemente combatia. Señora, vos me matastes, Que yo a el no lo temia.» Sus lagrimas consolaba Flerida que esto oia; Fuéronse a las galeras Que Don Duardos tenia. Cincoenta eran por cuenta, Todas van en compañia: Al son de sus dulces remos La Princesa se adormia En brazos de Don Duardos, Que bien le pertencia. Sepan quantos son nacidos Aquesta sentencia mia; _Que contra la muerte y amor Nadie no tiene valia_. _Obras_, t. II, p. 249. =21--Romance de Dona Agueda de Mexia=--Nos _Cantos populares da Italia_, de Caselli, pag. 204 e 207, encontram-se dois romances, que tem grande analogia com este, excepto no final, cujo desenlace não é pelo milagre. Creio mesmo que na tradição portugueza é juxtaposição de algum troveiro, como succedeu com o final do romance _A Nau Catherineta_ da versão do Algarve. N’esta versão alemtejana falta a descripção da manhã de Maio que traz a lição de Garrett (Rom. t. III, p. 116). Nem ella tem caracter popular, antes parece um descuido de artista, que teve Garrett quando recompoz as duas versões da Estremadura e Alemtejo para formar o romance de _Guiomar_. Eis como um d’esses romances se canta no Piemonte: «Nesta terra ha um mancebo, que pretendia casar; foi pedir a conversada, e não lh’a quizeram dar. Ficou com esta recusa tão afflicto e amargurado, que disse adeus aos amigos, e foi-se fazer soldado. Recebeu carta depois de pouco tempo passado. Uma carta bem fechada, em que lhe era declarado: «A tua querida amante está de cama a morrer» Foi-se ter com o capitão. Aos pés d’elle se foi ter: «Capitão, por vossa alma, a baixa me concedei.» O capitão lhe pergunta: «O que queres tu fazer?--Quero ir ver a minha amante, que está de cama a morrer.--Já vinha perto da terra, ouviu os sinos tocar. Tocam sinos n’um enterro, o defunto quem será? Ao entrar na sua terra, foi quando ouviu resar; era o esquife da amante, que levavam a enterrar. Mete esporas ao cavallo; tornou outra vez para trás; morreu-me o meu coração, vou ser outra vez soldado; «Adeos pae e adeus mãe, e tambem d’ella os parentes; se me dessem vossa filha, estariam mais contentes.» Quasi que parece a forma primitiva da versão portugueza que reune um outro romance piemontez da _Giordanina_. =22--Romance do Casamento e mortalha=--Foi pela primeira vez publicado por Garrett (Rom. t. III, p. 32). Não o encontrámos na tradição oral; extrahimol-o d’aquella artistica collecção para completar este simples monumento da poesia popular portugueza. De facto não apparece nos Romanceiros hespanhoes. Em um romance francez _Le Roi Renaud_, ha alguns longes de similhança; o rei volta da guerra, moribundo quasi; sua mãe vem ao encontro, e no meio da alegria o filho pede-lhe que faça uma cama ás escondidas de sua mulher, por que está para expirar. No restante diversifica a tradição (Du Puymaigre, t. II, p. 480). Nos cantos italianos existe tambem o romance do _Conde Angilioni_, que volta quasi moribundo da guerra; é até onde a situação é commum á França, Italia e Portugal (Tommaseo, Canti populari, t.I, p. 35). =23--Romance da Náu Catherineta=--Nas antigas relações de naufragio temos a nossa poesia maritima com toda a profundidade do sentimento; que importa lhe não déssem fórma poetica? Sente-se uma alma em cada palavra do marinheiro, que faz a narração do que passou, com aquella resignação e serenidade de quem ha sofrido muito e tem uns alvores de esperança que o alentam,--o amor da patria, o culto das tradições gloriosas que procura conservar integerrimas. Com que uncção crente e piedosa não desenha elle os maiores transes! Os horrores do desastre fazem-lhe reconhecer um poder immenso, que adora com uma vehemencia e ardor capazes de fazer prodigios. Vêem a nau quasi a afundar-se: «Pelo que, como homens que esperavam antes de poucas horas dar contas a Nosso Senhor de nossas bem ou mal gastadas vidas, cada um começou a ter com sua consciencia, confessando-se summariamente a alguns clerigos, que ahi iam. A este tempo andavam com um retabulo e crucifixo nas mãos, consolando a nossa angustia com a lembrança d’aquella, que ali nos apresentavam. Isto acabado pediamos perdão uns aos outros despedindo-se cada um de seus parentes e amigos, com tanta lastima, como quem esperava serem aquellas as derradeiras palavras que teriam n’este mundo. N’isto andava tudo, que se não poderiam pôr os olhos em parte onde se não vissem rostos cobertos de tristes lagrimas, e de uma amarellidão e trespassamento de manifesta dor e sobejo receio, que a chegada da morte causava, ouvindo-se tambem de quando em quando algumas palavras lastimosas, signal certo da lembrança que ainda n’aquelle derradeiro ponto não faltava dos orphãos e pequenas filhos, das amadas e pobres mulheres, dos velhos e saudosos paes, que cá deixavam; e acabando cada um de satisfazer ao humano com este pequeno mas devido comprimento, todo o mais certo do tempo se gastava em pedir a Nosso Senhor remedio espiritual (que do corporal ninguem fazia conta).»[2] A lembrança viva representa a cada instante as passadas angustias. A côr da narração é a verdade. O genio aventureiro marítimo do povo portuguez está dentro d’aquellas paginas; cada palavra é um sentimento surprehendido na sua ingenuidade. O marinheiro ama a sua nau e confessa-o irreflectidamente: «levando a phantasia occupada n’esta angustia, e os olhos arrasados de agua, não podia dar passo, que muitas vezes não tornasse a trás, para ver a ossada d’aquella tão formosa e mal afortunada nau, porque posto que já n’ella não houvesse pau pegado, e tudo fosse desfeito n’aquellas rochas, todavia emquanto a viamos, nos parecia que tinhamos ali umas reliquias, e certa parte d’esta nossa desejada terra, de cujo abrigo e companhia, (por ser aquella a derradeira coisa que d’ella esperavamos) nos não podiamos apartar sem muito sentimento, etc.»[3] Isto que o capitão da nau _S. Bento_ sentia era o mesmo que se passava na alma dos velhos mareantes, que davam aos navios nomes domesticos, de paixão, com que esqueciam os que lhes tinham imposto no baptismo; o galeão _S. João_, que naufragou na carreira da India em 1551, tinha por _alcunha_ o _Biscainho_;[4] a nau _Aguia_ chamava-se vulgarmente _Patifa_.[5] Este nome da nau _Catherineta_, nome popular que Garrett julga um diminutivo de affeição dado por graça a algum navio favorito, parece ter a sua origem do galeão _Santa Catherina do Monte Synai_, que levou a infante D. Beatriz para Saboya. As memorias do tempo descrevem-n’o como digno da affeição popular, capaz de deslumbrar a imaginação do vulgo, e de fazer nascer uma paixão ao mostrar-se á vista penetrante do marinheiro, que sabe tão bem avaliar o bello das curvas, dos pontaes, e a mastreação elegante. O galeão de _Santa Catherina_ começou a ter a sua popularidade nos versos de Gil Vicente, na tragi-comedia das _Côrtes de Jupiter_: Leva gente muito fina, Poderosa artilharia, E a nau _Santa Catherina_ Que vae por graça divina Co’a a prôa n’Alexandria.[6] Em uma memoria contemporanea se lê: «e a infante duqueza embarcou esse dia, que eram 5 de agosto, na nau _Santa Catherina do Monte Synai_, nau de 700 toneis, _muito formosa_, e de dentro todalas camaras da infanta pintadas de oiro e forradas de bordados.»[7] Não é hypothese gratuita, ter a imaginação popular motivo sobre que idealisasse uma nau typica, como centro de acção para todos os seus romances maritimos. O genio do povo só exprime os seus sentimentos personalisando e localisando; d’aqui a multiplicidade das lendas, e ao mesmo tempo um fundo de verdade em todas ellas. A lenda da _Nau Catherineta_ não tem uma determinada origem historica; é a generalidade tetrica de todos os naufragios. Garrett inclina-se a achal-a no naufragio que passou Jorge de Albuquerque Coelho, vindo do Brasil no anno de 1556, em que a fome e a ancia de se devorarem e a resistencia do capitão reflectem muito as cores sinistras da lenda.[8] Tambem na relação, que por vezes havemos citado, do naufragio da nau _S. Bento_, se encontram ameaços do horror da antropophagia: «E porque havia tantos dias que não fizeramos resgate, nem metteramos nas boccas cousa que nome tivesse, constrangeu a necessidade a muitos serem de parecer que comessemos este cafre; e segundo se já soava, não era esta a primeira vez que a desventura d’aquella jornada obrigara a alguns a gostarem carne humana;[9] mas o capitão não quiz consentir em tal, dizendo que se cobrassemos fama que comiamos gente, d’alli até ao cabo do mundo fugiriam de nós, e trabalhariam de nos perseguir com muito mais odio.»[10] O facto de deitarem muitas vezes sola de molho, apertados pela fome, como conta ligeiramente a lenda popular, é frequente nas relações dos naufragios: «mas fizemos a ceia de umas alparcas que eu levava calçadas, a quem tambem a nossa não menor mingua fez que não menos gostosas as achassemos.»[11] O gageiro, que era o diabo que na lenda da _Nau Catherineta_ levantava o temporal, tem alguma reminiscencia, ou melhor, parece ser fundado no grumete que no naufragio do galeão _S. Bento_ se benze e chama pelo nome de Jesus ao ver erguerem-se uns enormes vagalhões a que elle não hade chamar senão diabos, que vêm em tropelia. Em todas as narrações de naufragios ha mais ou menos uma sombra do quadro horrivel da _Nau Catherineta_; fomos apontando alguns factos, não para determinar origens, mas para reconhecer a generalidade da lenda. Na poesia das Asturias encontra-se um pequeno romance chamado o _Marinheiro_; tem o mesmo colorido, similhante ao final da _Nau Catherineta_ da versão do Algarve: =El marinero= Mañanita de San Juan Cayó un marinero al agua, --Que me dás marinerito, Porque te saque del agua? «Doyte todos mis navios Cargados de ouro y de plata. --Yo no quiero tus navios Ni tu oro, ni tu plata, Quiero que quando tu mueras A mi me entregues el alma. «El alma entrego á Dios Y el cuerpo á la mar salado. Os naufragios frequentes dos galeões da India acharam Uma forma livre, espontanea, para revelar a extensão do sentimento nos cantos do genio popular. A _Nau Catherineta_ é uma epopea moderna e por isso incompleta, porque o tempo não deu logar a accumularem-se os episodios, nem dependerem mutuamente as _Variantes_. A sua formação descobre-se na diversidade de versões que ella tem. A Estremadura, o Minho, o Algarve, Lisboa, Beira-Baixa e Ribatejo, trabalham sobre a mesma lenda. Mais tarde a variante tornava-se episodio, prendia-se á unidade do poema. A imagem do diabo, que mostra as meninas debaixo do laranjal, é de origem puramente christã. O _gageiro_ que sobe ao mando do capitão, sobre quem cahiu a sorte para ser devorado, e que promette o grau de cavalleiro, sua filha, o seu navio, se lhe avistar terras de Portugal, é uma das mil personificações do diabo. Elle produz a cerração que esconde a praia. O mar, segundo as crenças christãs vindas do paganismo, era a mansão do diabo. Typhon, o principio do mal, a quem o mar fora consagrado,[12] transforma-se depois no diabo da mythologia christã.[13] O espirito supersticioso, a ignorancia das leis naturaes ainda não vulgarisadas na edade media, estão representadas no gageiro que suscita a tormenta. Era a crença da egreja. Na vida de Guibert de Nogent, na _Summa_, de S. Thomaz e no livro de Alberto Magno _De potentia Daemonum_ apparece este pensamento que vêmos determinado na poesia popular portugueza. Na _Divina Comedia_ e na _Jerusalem Libertada_, os ventos são tambem attribuidos ao diabo. Garrett nas poucas linhas com que precede este monumento da nossa poesia popular maritima, admira-se de que um povo de argonautas não exercesse o seu genio creador no romance maritimo. O século XVI foi a edade da prosa; comtudo o povo é sempre infante, sempre creador e poeta; mas as imitações classicas infatuadas de sciencia absorveram as attenções a ponto de excluirem a poesia popular. O poema cyclo do mar tivemol-o nós. Basta ler as relações das viagens, dos naufragios, das fomes, das tormentas. Antes de se fixarem na forma prosaica da _Historia Tragico-maritima_, essas dores foram primeiro soffridas e communicadas. A _Nau Catherineta_ não tem uma certa origem historica, como suppõe Garrett, é o germen de uma Odyssea, aonde a multiplicidade das scenas de naufragio estão reduzidas á generalidade mais tetrica. Entre os folhetos de cordel do seculo XVIII encontramos a narração do naufragio da nau _Gloria_, feito em verso por um marinheiro. =24,25 e 26--Romances do Conde Prêso=--Um facto notavel se dá n’estes romances: como tres provincias, Trás-os-Montes, Beira-Baixa e Beira-Alta se apoderaram de uma mesma tradição, e dos diversos modos como a bordaram. A versão de Trás-os-Montes é simples, não admitte a intervenção do maravilhoso, que repugna ao genio dos romances carolinos; a versão da Beira-Alta foi tomando uma côr religiosa, traz o milagre do romeiro, que era Sanctiago vindo proteger a sua devota. Sem duvida esta é a mais moderna, por isso que o sentido do romance antigo, e o instincto da independencia, cavalheiresca, já não é comprehendido, nem basta para sustentar o romance. Garrett confundiu as duas versões (Rom. t. II, 289). «Poucas cousas mais bonitas, diz elle, tem o romanceiro popular da nossa peninsula. Onde nasceu não sei; mas as collecções castelhanas não o trazem.» A versão da Beira-Baixa mostra-nos a sua origem hespanhola; chama-lhe _Dom Garfos_, corrupção do nome _Conde Grifos_ do Romanceiro hespanhol (Duran n.º 324). Não ha aqui maravilhoso, mas sim uma audacia cavalleirosa, a independencia altiva que distingue os romances carolinos da França dos romances carolinos da Allemanha. Sente-se nesta versão a herança do crime do primitivo direito symbolico, e um tanto da _irmandade heroica_ na presteza com que Dom Garfos acode a seu tio, indo falar ao rei, desafiando-o, vingando-se a final na filha d’elle, que é sua propria mulher. Vejamos a lição hespanhola: =El Conde Grifos Lombardo= En aquellas peñas pardas, En las sierras de Moncayo Fue do el Rey mandó prender Al conde Grifos Lombardo, Porque forzó uma doncella Camino de Santiago, La cual era hija de un duque, Sobrina del Padre Santo. Quejábase ella del fuerzo; Quejase el Conde del grado: Allá van á tener pleito Delante de Carlo Magno, Y mientras qu’el pleito dura Al conde han encarcelado Con grillones á los piés, Sus esposas en las manos, Una gran cadena al cuello Con eslabones doblados: La cadena era muy larga, Rodea todo el palacio; Allá se abre y se sierra En la sala del rey Carlos. Siete Condes le guardaban, Todos han juramentado Que si el conde se revuelve Todos seran á matalo. Ellos estando en aquesto, Cartas habiam llegado Para que cazen la Infanta Con el Conde encarcelado. Muito se aproxima da versão da Beira-Baixa; ha aqui tambem os sete condes que o sobrinho mata. A versão portugueza, descubrindo uma continuação da peripecia, leva-nos a crer que fosse talvez da origem portugueza, se é que todos os romances cavalheirescos do nosso povo nos não vieram da Hespanha. =27 e 28--Romances do Conde Alberto=--Qual será a rasão por que este romance é o mais vulgar na tradição portugueza? Será porque tem alguma similhança com o assassinato de Dona Maria Telles pelo Infante Dom João, para casar com a filha da rainha Dona Leonor? Duran, (Romanc. General, t. II, pag. 219) quando apresenta o romance do Duque de Bragança compara-o com o do _Conde Alarcos_, e crê que o da tradição oral se refere á historia. O romance do _Conde Alarcos_ (Duran, n.º 365), foi tirado dos Romanceiros hespanhoes por Balthazar Dias, e por elle glosado, como se vê pelo _Index Expurgatorio_ de 1624, que prohibe: «a sua Glosa, com o Romance, que começa: _Retrahida eatá a Infante_.» (Pag. 98). Na collecção hespanhola é elle mais extenso, d’onde se vê que a versão popular foi d’ali abreviada. É um dos retratos mais completos dos costumes feudaes, e o facto do _emprasamento_, fez suppor a Duran, que será da epoca de Fernando IV, o _Emprasado_. Garrett queria á força dar-lhe origem portugueza: «eu me inclino a que o trovador castelhano alargasse a lyra do menestrel portuguez, do que vice-versa.» (Rom. t. II, p. 41). Hypothese inadmissivel á vista dos factos apontados e diante da rasão, porque em todas as versões portuguezas se encontram somente os traços geraes da lição hespanhola, resultado das abreviações que vão soffrendo na tradição. O Conde Alberto tem varios nomes nas diversas provincias: no Minho chamam-lhe Conde Albano, no Porto Conde Alberto, na Beira-Baixa Conde Anardos, Dom Duarte, Conde Yano, como colligiu Garrett, e _Conde Alves_, como o obtivemos d’aquella mesma provincia. Na poesia popular da Catalunha é conhecido pelo nome de _Conde Floris_. (Milà y Fontanals, Observationes sobre la Poesia popular, p. 20). Ticknor (Hist. da litteratura hesp. t. I, p. 131, not. 32) considera esta composição jogralesca de Pedro de Riano, «como a composição mais pathetica e bella que se tem escripto.» Guillen de Castro, Mira de Amescua, José Milanes, e Lope de Vega na _Fuerza lastimosa_, aproveitaram-se dos lances profundamente dramaticos d’esta creação. Na versão de Garrett ha o _maravilhoso_ de uma criança que fala ao peito da mãe; na versão da Beira-Baixa ha uma quasi similhança do emprazamento da lição hespanhola, o que a torna mais antiga e mais proxima da sua origem. Suppõe-se, e Duran no _Romanceiro hespanhol_ o aventa, que este romance allude á morte dada pelo Infante Dom João a sua esposa Dona Maria Telles, por intrigas da Rainha Leonor Telles, para casar com a Infanta Dona Beatriz. =29 e 30--Romances do Conde da Allemanha=--Estas duas variantes são egualmente bellas e genuinas da tradição oral; são n’este ponto superiores á lição de Garrett (Rom. t. II, p. 79) refundida e apurada no _que lhe pareceu mais legitimo e verosimil_, segundo as lições castelhanas de Depping e Duran. Os romances que apresentamos, colhidos immediatamente da tradição oral, e cheios de repetições que destroem a eurythmia do quadro, são o que ha de mais pittoresco na inspiração popular. O povo tem em cada romance uma parte dythirambica, que borda a capricho, em que se liberta da _assonancia_ forçada; facto já lucidamente determinado por Garrett. É a parte movel por onde a _variante_ vae de geração em geração modernisando o romance. Do Conde de Allemanha diz Garrett: «Facto conhecido da historia de Portugal ou de outra parte de Hespanha, não sei que o memore este romance;» Duran, falando da versão hespanhola (n.º 305 do Romancero general) diz: «Tiene este romance antiquissimo alguma analogia con el historico del conde Garci Fernandez; pero, un y otro mas parecen tomados de una fabula caballeresca, que no de un hecho verdadero.» Derivado do _Cancionero de Romances_ de 1581, impresso em Lisboa, podemos sem errar, assignar-lhe uma origem litteraria. =31,32 e 33--Romances de Dom Carlos de Montealbar=--Eis um d’aquelles romances de que o povo tanto se apossou, que o inverte e borda, a capricho, tomando a acção como typo de novas situações. Ha aqui visivelmente a confusão da _Claralinda_ da versão do Porto e Beira Alta. No _Romanceiro hespanhol_ encontram-se as versões d’onde os nossos troveiros abreviaram a lição portugueza. O romance _del Conde Claros_ (n.º 364) é a que parece mais ter contribuido para a versão portugueza. Depping julga pertencer aquelle romance ás aventuras de Eginart e da filha de Carlos Magno. A variante de _Dona Lisarda_ (Duran, romance de Dona Aliarda, n.º 329) parece-se muito com a _Albaninha_ da lição de Garrett, (t. III, p. l5) principalmente nos gabos do cavalleiro. A variante de _Dona Areria_ é uma confusão do romance de _Dona Ausenda_. (Vid. _Hist. da Poesia popular portugueza_, p. 152 e 162). =34--Romance do Passo de Roncesval=--Depois da Beira-Baixa é provincia de Trás-os-Montes a mais rica de tradições populares. Veio de lá este romance; é como um ecco da energia da velha _Chanson de Roland_. O cavallo levanta-se do meio do destroço para defender-se de que não faltou á irmandade heroica do cavalleiro. São assim os cavallos do cyclo carolino, como o cavallo Bayard, que ao escarvar em terra parecia que tocava lyra! Como veio esta strophe do poema de Roncesvalles fluctuar na tradição portuguesa? Como se conservou no romance a memoria local, sendo a que primeiro se oblitera na tradição? Viria directamente da Hespanha no principio do seculo XVI, ou já cá existiria, desde que os Cruzados ao passarem pelo Mediterraneo espalharam entre nós as grandes legendas dos cyclos cavalheirescos da Europa? Questões estas que se devem propôr, mas não resolver, sem risco de temeridade. Sabemos que este romance era conhecido em Portugal no principio do seculo XVI, por isso que o encontramos citado em Gil Vicente na Comedia de _Rubena_; vem lá o conhecidissimo verso dos romances de Roncesvalles: _Em Paris esta Dona Alda_, que, podemos asseveral-o com certeza se derivou para a tradição pelo celebre _Cancionero de Romances_ de Anvers, reimpresso em Lisboa em 1581. Foi Garrett o primeiro que recolheu este romance, e por felicidade o não aformoseou, porque não pode alcançar variante alguma (Rom. t. II, p. 234). Encontram-se versões mais extensas no _Romancero General_ de Duran, (nᵒˢ 395, 396 e 397) d’onde com certeza foi abreviada a nossa. =35--Fragmento de um romance do Cid=--Muitos romances populares portuguezes se encontram citados na obras de Gil Vicente. (Vid. a Historia da Poesia popular, p. 23, e 138). Este fragmento do Romanceiro do Cid encontra-se no Auto da Luzitania, (t. III, pag. 270,) e lê-se por extenso no _Tesoro de los Romanceros_ de Ochoa, p. 185, que o aponta como um dos mais antigos e mais populares: Helo, helo por do viene El moro por la calzada, Caballero à la gineta Encima una yegua baya, Borceguies marroquies Y espuela de oro calzada, Una adarga ante los pechos Y en su mano una azagaya, Mira y dice á essa Valencia: --De mal fuego seas quemada, Primero fuiste de moros Que de christianos ganada, Si la lanza no me miente A moros serás tornada, etc. Pode confrontar-se a variante portuguesa; é no pequeno fragmento mais bonita, por causa da segunda elaboração que lhe deram cá. Este mesmo romance foi imitado em Hespanha, como se vê na _Primavera y flor de Romances_, t. II, p. 36. =36 e 37--Romances de Dom Gayfeiros=--Pertencem estes dois romances ao cyclo carolino, caracterisado pela altivez do cavalleiro, e por brilhantes feitos de armas. O gosto mourisco do seculo XVI vae modificando os heroes da tradição carlingiana, até os substituir completamente pelos contos de cativos. A lição de Garrett (Rom. t. II, p. 250) traz as duas variantes em uma só versão formada pelas differentes copias que obteve de Trás-os-Montes, e pelo manuscripto do Cavalleiro de Oliveira, traduzindo nas situações duvidosas a lição castelhana de Duran (Rom. general n.ᵒˢ 374 a 381). Na tradição oral nunca os romances são tão extensos; nem o povo sabe o nome dos Doze Pares, nem do Arcebispo Turpin, para os nomear no sequito que veio receber os dois amantes. Os romances populares são sempre dramaticos, raras vezes narrativos, e nunca descriptivos. A lição de Garrett abunda em descripções, justamente nos pontos em que elle segue a versão hespanhola, a qual por ser antiquissima, isto é, mais proxima da sua composição jogralesca, devia de ser assim descriptiva. Duran julga ser o romance de Dom Gayfeiros o que mais quadra com a memoria que d’elle deixou Cervantes no Don Quijote (Part. 2, cap. 26). As versões portuguezas _todas mais curtas do que as lições castelhanas dos romanceiros_, como Garrett o confessa, denunciam a sua origem, e o processo da abreviação, que a antiguidade lhes vae dando, reduzindo-as aos traços mais profundos. Veio-nos o romance, directamente da Hespanha para a tradição portugueza, e no seculo XVI correu elle na sua linguagem nativa, por isso que Gil Vicente, na _Comedia de Rubena_ o cita no dialogo da Ama (Tom. II, scena II, p. 27): _Vámonos, dijo mi tio_, que é o primeiro verso do segundo romance de Gayfeiros que traz Ochoa no _Tesoro de los Romanceros_, p. 44. Veio do _Cancionero de Romances_ de Anvers, reimpresso em Lisboa em 1581; collecção celeberrima, por ser a primeira em que se recolheram os romances directamente da tradição oral, até então desprezada. Quasi todos os romances de origem hespanhola, communs aos povos do Meio Dia da Europa, d’ali se derivaram para a tradição portuguesa. Tambem o romance do _Mouro Calainos_, aonde se fala de uma cativa que está em Sansueña, a qual muitas vezes requerida de amores, só os escuta com a condição de lhe trazerem de Paris tres cabeças dos melhores Pares, pertence ás aventuras de _Gayfeiros_. É certo que esse mesmo andou na tradição portugueza, porque no _Index Expurgatorio_ de 1624 se prohibe: «O Romance do Moro Calaynos y de la Infanta Sybilla.» (Index, Lisboa, 1624, por Pedro Craesbeck, pag. 174). Uma tradição quasi similhante é a de Mira-Gaia, que se lê no _Nobiliario_, e que foi romanceada por João Vaz, no seculo XVI. =38--Romance de Flor e Brancaflor--=Outra vez a peripecia de reconhecimento, como na _Dona Infanta_, e _Infanta de França_, tão usada em quasi todos os romances populares da Europa. Corre esta versão pela Beira Baixa, Minho, Extremadura, Ribatejo, Beira-Alta e Trás-os-Montes. Publicou-a Garrett, (Romanceiro, t. 2, pag. 183) dizendo: «Nem os romanceiros castelhanos, nem escriptor algum faz menção do bello romance da _Rainha e Cativa_.» É porem certo que se encontra com o titulo _Las dos Hermanas_ na _Primavera y flor de Romances_, t. II, pag. 38, d’onde é manifesta a origem do romance portuguez cujas pequenas circumstancias segue. E verdadeira a opinião de Garrett, quando o faz pertencer ao seculo XII. M. Milá y Fontanals recolheu um romance similhante _Las dos Germanas_ da poesia popular da Catalunha, no qual predomina uma completa originalidade; podo ler-se nas suas _Observationes sobre la Poesia popular_, pag. 117. O romance portuguez é superior ás lições castelhanas. Du Puymaigre tira a este proposito uma judiciosa conclusão: «Que os portuguezes muitas vezes romanceam com mais talento assumptos que se acham nas collecções dos dois povos; porem esta perfeição denota a sua pouca antiguidade. De ordinario os romances portuguezes são mais claros, mais bem desenvolvidos, para que se tomem por primitivos.» (Vieux auteurs Castilhans. t. II, p. 370). Será este romance um vestigio remoto e já completamente alterado pela tradição do romance de _Flor e Blanchefleur_? Os nomes dos personagens são o _Conde Flores_ e _Brancaflor_ a quem os mouros cativaram: Dia de Paschoa florida, Andando apanhando rosas N’um rosal que meu pae tinha. O nome de Blanchefleur, nas versões francezas é explicado pelo dia do nascimento do heroe: Li doi enfant, quant furent né, De la feate fure nomé: La crestiène, por l’honor De la feste, et nom Blancefleur v.--169--172. Na versão italiana de Brancaflor as duas mães têm os seus filhos no mesmo dia: Partorirno in una medesma sera Di maggio, ch’era la rosa in su la spina... Lo fresco giorno di _Pasqua rosata_. É mui frequente esta data nos poemas da edade media, principalmente nos de origem oriental. Podemos com certeza asseverar que a versão portugueza, recolhida da tradição oral, se encontra exactamente quanto á essencia no romance de _Blancefleur_, desde o verso 55 até ao verso 190 (Ediç. Elzeviriana.) As alterações podem-se explicar do mesmo modo que Du-Méril descubriu pela analyse das versões hespanholas: «l’esprit espagnol ne paraît pas l’avoir jamais comprise.» (Introd, pag. LXXIX). Desde quando andará na tradição portugueza este fragmento do romance de _Blancefleur_? Que elle era conhecido na Hespanha sabemol-o por Affonso o Sabio, pelo Arcipreste de Hita e por Francisco Imperial; em Portugal encontramol-o citado no _Cancioneiro_ de Dom Diniz: Qual mayor poss’ e o mays encuberto Que eu poss’ e sey de _brancaflor_ Que lhe non ouv’ eu _flores_ tal amor Qual vos eu ey; etc.» Pag. 52. O romance de _Banchefleur_ encontra-se na tradição de todos os povos da Europa; andou por certo na tradição jogralesca, como se vê por este verso: Mais a un clerc dire l’oït Qui l’avoit léu en escrit. V. 51--52. E assim veio até Portugal pelo tempo dos Cruzados; apoia-se esta conjectura no facto de se encontrar tambem na tradição da Grecia moderna em um poema (publicado por Bekher nas _Memorias da Academia das sciencias de Berlim_ em 1845) o qual fala da antiguidade da tradição. =39--Romance da Moira Encantada=--Esta lenda foi recolhida no Algarve pelo sr. Stacio da Veiga e publicada no nº 12 da _Estrella de Alva_. O maravilhoso feérico das mouras encantadas é do genio popular d’aquella provincia; tambem ali o romance da _Nau Catherineta_ acaba phantasticamente; segundo o citado collector, este romance é dos mais populares do Algarve, e exprime a crença commum e antiga de que na cidadella mourisca de Tavira, á meia noite, na vespera de Sam João, apparecia a formosa encantada pedindo que algum cavalleiro viesse romper-lhe o encanto. Colloca tambem a sua formação nos fins do seculo XVI, principios do seculo XVII, quando o gosto mourisco foi imitado entre nós por Dom Francisco Manuel do Mello nas _Tres Musas de Melodino_, e por Francisco Rodrigues Lobo no seu pequeno Romanceiro. O final parece imitado do romance da _Moriana_ e do mouro Galvan, que jogava no jardim com a sua amante, e de cada vez que perdia, ia-se-lhe uma villa ou cidade. No romance do Algarve Dom Ramiro ganha um castello, mas sem moira para amar. Isto revela um tanto a sua origem artistica. =40--Romance de Nossa Senhora dos Martyres=--O sentimento do maravilhoso e a inspiração piedosa tornam este romance de aventuras mais do genio celtico, do que do gosto mourisco. Nos Açores são vulgares as tradições dos piratas da costa; e na legislação portuguesa se encontram varias multas applicadas para a _Arca da Piedade_, d’onde sahia o dinheiro para a redempção dos cativos pelos trinitarios. Foi colligido este romance no Algarve, pelo sr. Stacio da Veiga; repete-o o povo na romaria de Castro-Marim no meado de Agosto. A tradição é antiquissima, a sua forma poetica é porem mais moderna. Frei Luiz de Sousa no livro IV da _Historia de Sam Domingos_, refere o milagre do seguinte modo: «Reinando em Portugal el-rei Dom Afonso III, que foi Conde de Bolonha, succedeu cair em poder de mouros um homem natural de Penamacor. Escureceu o tempo as particularidades do nome e calidades da pessoa, e da occasião e logar do cativeiro. Era o tratamento do amo mais de inimigo e tyranno, que de amo e senhor. Porque sendo o pobre cativo seu e fazenda sua, assim se deleitava em lhe fazer cruezas, como se fora christão livre, ou cuidara que com os tormentos lhe acrescentára a vida. Não tinha o atribulado outra consolação no meio dos trabalhos, senão era soccorrer-se ao Santo da sua terra, Sam Domingos da Sovereira. E quando a força d’elles lhe arrancava algum gemido (que até o suspirar era culpa diante do barbaro), sempre saia envolto com o nome de Sam Domingos. Era isto tão ordinario que o mouro (devia ser algemiado, e d’aqui collijo que o cativeiro seria em Granada, ou em outra terra de Hespanha, das muitas que então e muitos annos depois senhoreavam os mouros nella) veio a notar-lhe a linguagem. E porque não ficasse cousa em que deixasse de o martyrisar, perguntou-lhe um dia que arenga era aquella que trazia na bocca, contínua, quando devia chamar por Alá, nomear Domingos, Domingos (é Alá o nome por que os mouros conhecem a Deos.) Alegremente confessou elle que trazia na bocca, e tinha na alma tendo por obra de fé e animo catholico pronunciar claramente e com a lingua o que sentia o coração: e foi proseguindo que era um santo subido, pouco tempo havia, da terra ao céo, e conhecido na sua por grandes maravilhas que obrava, e em quem elle tinha esperança que o havia de livrar das suas mãos. Caro lhe custou ao pobre a alegria e liberdade da confissão, pagou-a com rigoroso castigo presente e com outro mais duro que não tardou. O primeiro não estranhou tanto, como era seu pão quotidiano, offerecendo-o a Deos por honra da fé. Mas com o segundo se viu reduzido a termos de desesperação. Julgou o bárbaro que as esperanças do cativo se deviam fundar em alguma determinação e traça de fugida: quiz acautelar-se; Vindo uma noite cansado de servir e trabalhar o dia inteiro, encerrou-o sobre má cêa em um novo genero de masmorra, que era um arcaz grande e forte, que depois de fechado com mais do uma chave, lhe ficou para inteira segurança servindo do leito. Mas parecendo-lhe, que ainda assim o não tinha bastantemente arrecadado, ia cada dia accrescentando novas cautellas a sua desconfiança. Já lhe lançava algemas nas mãos, já adobes nos pés, depois de encarcerado na arca. E tendo-o assim, perguntava-lhe de cima com escarneo, se esperava ainda no santo da sua terra................................. ............................................................ «Uma noite, depois que o mouro o meteu na triste masmorra, na forma que temos dito, sobre algemas nas mãos e outros ferros nos pés, lançou-lhe no pescoço um grosso collar, das argollas do qual sahia uma forte cadeia de trinta palmos, com que lhe foi dando voltas, e enrolando o corpo todo. E para dormir mais a somno solto, lançou sobre o alquifer que vestia um alfange a tiracollo, e prendeu um lebreo que tinha ás argolas da arca. Feita esta diligencia estendeu-se sobre ella, e contente com o que tinha de novo acrescentado, bateu-lhe de cima dizendo que se não esquecesse de fazer oração ao seu Domingos da Sovereira, que o viesse livrar de suas mãos...... Assim se lançaram a dormir á noite ambos em terra de mouros: assim amanheceram amo e escravo em terra de christãos com grande distancia de leguas, em meio, e á porta de Sam Domingos da Sovereira em Penamacor..... Abriu o mouro os olhos, viu-se entre montes e cercado de gente, que pelo trajo e espanto que fazia de sua vista conhecia ser christã. Espantava-se o enterrado na arca ouvindo linguagem da sua terra e muitas vozes juntas. Mas nem amo, nem cativo se atreviam a dar credito um aos olhos, outro aos ouvidos: ambos haviam que era tudo sonho. Em fim, como não é facil de enganar o sentido da vista, e o mouro viu que tudo o desenganava, e que estava entre christãos, não por sonhos, senão com effeito, que via a egreja, e ouvia som de sinos que a infidelidade sobre tudo aborrece, acabou de caír que não eram palavras mal fundadas as do seu cativo quando tanta confiança fazia do seu santo. Lembrava-se de tudo com estranha confusão, e só desejava saber por ultimo desengano se estava em Portugal. Como tinha conhecimento das linguagens de Hespanha, perguntou a um de muitos que o rodeavam espantados de tal invenção de romeiro e tal alfaias de romaria, como chamavam a terra, e o sitio em que estavam. Quando soube que tinha diante dos olhos Sam Domingos da Sovereira ficou como fóra de si de pasmado e attonito; e, conformando-se com o tempo, quiz começar a grangear com cedo quem por boa conta trocadas as sortes havia de ser seu senhor.... Foi o mouro logo revolvendo um molho do chaves que lhe pendiam da cinta, e abrindo cadeados e fechaduras da sua arca. Chegaram os circunstantes a ver que peças trazia para offerecer em tam grande arca o romeiro estranho: senão quando dão com os olhos em um Lazaro sepultado, e em rosto e cores defunto; mas vivo na voz, e envolto em novo genero de mortalhas, mortalhas de ferro: e tão carregado d’ellas, que de nenhum membro era senhor, senão só da lingua, com a qual, voz em grita chamava por Sam Domingos, como quem tinha já sentido onde estava..... Solto em fim sem outra palavra na bocca mais que Sam Domingos, deixa-se cahir em terra, abraça-se com ella, beija-a, e vae-se prostrar diante do altar do Santo...... O cativo cumpriu sua promessa, viveu e morreu ermitão do Santo. O mouro penetrado da grandeza do milagre pediu o santo baptismo (divina força da predestinação) e ficou em cativeiro livre e ditoso servindo a ermida e acompanhando o seu cativo. E por morte foram enterrados juntos á porta d’ella, onde os cobre ambos uma só campa com um letreiro que o declara.» Hist. de S. Domingos, Liv. IV, C. V, f. 211, v. Resumimos o facto deixando de parte os consectarios moraes e piedosos do chronista. Todas as lendas da edade media tendiam a _localisar-se_; eis porque apparecem reproduzidas. As tradições dos cativeiros, e as esmolas na Arca da piedade iam formando estas creações da mente popular. O milagre é tambem uma das formas do maravilhoso do povo. =41 e 42--Romances do Cativo de Argel=--Este romance foi-me offerecido no Porto, escripto um uma letra que denuncia o seculo XVII. Guardo este documento, que prova mais uma vez a grande intuição artistica de Garrett, quando disse: «O romance anda por Lisboa, Ribatejo e Extremadura fóra;--não deve de ser mais antigo que o meado do seculo XVII, se a copla em que allude a Ceuta e Mazagão não é _rifacimento_ moderno, como tambem pode ser e me inclino a crer que é, porque no resto o sabor e o estylo é mais velho.» A lição de Garrett, (Romanceiro, t. III, p. 77) é mais extensa, mais dramatica, mas não tem o mimo, a rudeza primitiva, desta versão meio portugueza, meio hespanhola do dialecto popular usado n’este genero de composições. Diz mais Garrett, que se não acha nas collecções hespanholas. Eis como ella anda n’aquelles romances tradicionaes de cativos, de um modo que parece d’onde sahiram as versões portuguezas: El Cativo Preguntando esta Flerida A su esposo placentera En un vergel asentada Junto á uma verde ribera: --Digasme tu, esposo amado, De dónde eres? de que tierra? Y a dónde te captivaron? Y liberdade quien te diera? «Yo os lo diré, dulce esposa, Estando atenta síquiera: Mi padre era de Ronda,[14] Y mi madre de Antequera; Captiváronme los moros Entre la paz y la guerra, Y llevaroume á vender A Velez de la Gomera. Siete dias com sus noches Anduve en el almoneda: No hubo moro ni mora Que por mi una blanca dera, Si no fuera um perro moro Que cien doblas offreciera, Y llevárame á su casa, Echárame una cadena; Dábame la vida mala, Dábame la vida negra; De dia majaba esparto, De noche molia cibera, Echóme un freno á la boca, Por que no comiese d’ella. Pero plugo á Dios del cielo Que tenia el ama buena: Cuando el moro se iba á caza Quitabame la cadena; Echabame en el regazo, Mil regalos me hiciera, Espulgabame y limpiaba Mejor que yo mereciera; Por un placer que le hice Otro mayor me ofreciera, Dierame casi cien doblas, En libertad me pusiera, Por temor que el moro perro Quiza la muerte nos diera. Asi plugo a Dios del cielo De quien mercedes se espera, Que me ha vuelta á vuestros brazos Como de primero era. Timoneda na _Rosa de Amores_, Fernando Wolf na _Rosa de Romances_, e Duran no _Romancero General_, n.º 258, trazem este romance typo de todos os romances de cativos. Agora pode-se confrontar a nossa lição manuscripta, aonde falta o principio e fim que justifiquem as narrações do cativo. Do _Cancionero de Romances_, de 1581, creio ter-se elle derivado para a tradição portugueza. Os piratas do mar, os cativeiros de Argel, a tomada de Constantinopla pelos turcos, absorvem o sentimento e a imaginação da alma popular no seculo XVI. Ha o terror e a incerteza da aventura, quer no espirito da empreza maritima, quer nas descubertas scientificas; os sabios, os artistas e o povo andam na inquietação de uma genese prodigiosa--a Renascença. Espalham-se grandes lendas dos trabalhos e dos amores dos prizioneiros. Cervantes foi heroe; Lope de Vega, em uma das scenas mais lindas das suas comedias, appresenta a anciedade e a grandeza da abnegação na hora do resgate. Os trinitarios levam as esmolas, obtidas por meio de contos dolorosos, e pela recordação dos amigos e parentes que gemem nos ferros. Como é possivel tanta delicadeza de sentir na alma popular? Sobretudo este final: Ó mi padre, oh mi padre, Deixe ir el Christiano, Que el no me debe nada, Debe-me a flor de mi bocca, Dou-lh’a por bem empregada é de um mimo capaz de fazer desesperar o mais gracioso artista. Que mysterios de amor apenas esboçados, deixados adivinhar n’estas palavras--Debe-me a flor de mi bocca? E que saudade e resignação da princeza na despedida do cativo, em que dá por bem empregada essa flor, por ser elle que a leva! =43--Jesus Mendigo=--É uma daquellas verdades moraes revestida das formas de uma parabola, e tão simples como Christo as ideava, quando queria fazer-se entender pelo povo. Pertence propriamente aos povos do Meio Dia da Europa, quer se busque a sua origem na _Legenda Aurea_, ou nos Cancioneiros. Falámos especialmente d’ella na _Historia da Poesia popular_, pag. 123 a 128. Corre no Minho e na Beira-Baixa, d’onde nos veio mais completa. Vejâmos os paradigmas: =La ballade de Jésus Christ= Jesus Christ s’habille en pauvre } «Faites moi la charité, } _bis_ Des miettes de votre table Je ferai bien mon diner.» --Les miettes de notre table, } Les chiens les mangeront bien; } _bis_ Ils nous rapportent des lièvres, Et toi ne rapporte rien. «Madame, qu’et’s en fenêtre, } Faites-moi la charité, } _bis_ --Ah! montez, montez, bon pauvre, Un bon souper trouverez. Après qu’ils eurent soupé, } Il demande à se coucher. } _bis_ --Ah! montez, montez bon pauvre, Un bon lit frais trouverez. Comme ils montaient les degrés } Trois beaux anges les éclairaiant. } _bis_ «Ah! ne craignez rien, Madame, C’est la lune qui parait. Dans trois jours vous mourerez, } En paradis vous i ez; } _bis_ Et votre mari, Madame, En enfer irá brûler.» Esta ballada é popular na Picardia, e Champfleury a recolheu nas _Chansons populaires des Provinces de France_, p. 5. A nossa lenda piedosa é mais primitiva, não tem o sêlo ecclesiastico da maldição: o marido e a mulher, como Philemon e Baucis da antiguidade classica, gosam ambos a bem-aventurança. =44--Romance de Santo Antonio e a Princeza=--Esta lenda de Santo Antonio e a Princeza devemol-a ao cuidado do sr. S. P. M. Estacio da Veiga, que a recolheu no Algarve, e appareceu no n.º 11 da _Estrella d’Alva_, Lisboa 1861. A lenda piedosa, recolhida da tradição oral, é um dos muitos milagres do santo mais popular de Portugal. Eis como ella se encontra na _Chronica dos Frades Menores_ de Frei Marcos de Lisboa: «Uma Rainha de Leão de Hespanha, a qual era natural de Portugal, e devotissima de Santo Antonio, teve uma filha de onze annos morta tres dias, contra vontade de el-rei seu marido, e dos principes do seu reino, e fazia oração ao Santo, dizendo--Bemaventurado Santo Antonio, eu sou vossa natural, e vim de vossa patria, dai-me minha filha viva.» A cujos devotos clamores resurgiu a filha e reprehendeu a mãe, dizendo: «Oh, senhora mãe, nosso Senhor vos perdoe, porque eu estando êntre as virgens na gloria, o bemaventurado Santo Antonio, com tanta instancia, por amor de vós rogou a Deos, que me restituiu a vida, e me mandou que viesse a vós; mas senhora mãe, sabereis que o Senhor me não deu licença para estar comvosco mais que quinze dias.» Os quaes quinze dias acabados, a Infante se tornou á gloria.--Chr. Tom. I, Liv. V, c. 33, fl. 157, etc. =45, 46 e 47--Romances de Santa Iria=--A lenda, appareceu pela primeira vez colligida o publicada por Garrett no tomo II, pag. 35 das _Viagens na minha terra_. Com aquelle grande senso artistico, discute elle as origens monasticas da tradição da padroeira de Santarem; a differença que ha na versão popular não é um resultado do duas formações diversas; o povo quando recebe uma tradição simplifica-a, redul-a aos traços mais geraes, e é justamente a parte mais bella e inmorredoura da creação individual que elle perpetúa. Tambem se encontra no Porto esta lenda piedosa, aonde ouvimos alguns fragmentos com o titulo de _Iria a Fidalga_; o sentimento popular não podia deixar do perdoar: é, sobre tudo, isto o que torna a variante da Beira-Baixa superior á lição de Garrett. A variante do Minho, ainda que appresentada por um auctor que fez de lavra sua varias composições-rifacimentos do gosto popular, pertence ao genio anonymo, e por isso a incluimos. Lê-se na _Revista Universal Lisbonense_, t. III, p. 329. Esta versão distingue-se das precedentes por que é narrada impessoalmente. O nome de Helena é uma confusão de Irene ou Iria. O final estava assim truncado, mas o leitor pode completal-o por qualquer das versões da Beira Baixa ou Santarem. =48--Romance da Devota da Ermida=--Foi aqui pela primeira vez recolhido da tradição oral. O cantar da criança que nasce na sepultura faz lembrar aquella ballada bretã dos _Tres monges vermelhos_, feita pelo povo contra os Templarios. =49--Oração do Dia de Juizo=--A poesia do christianismo é inteiramente popular, como se vê pelas palavras de Sam Jeronymo: «Ecclesia non de Academia, sed de viti plebecula orta est.» Que são os Evangelhos apocryphos senão os cantos dos primeiros neophytos? O Livro dos pecados, que hade apparecer no dia do juizo, é uma tradição rabbinica e mussulmana tornada popular nos primeiros seculos da egreja, como se vê pelo _Evangelho de José o Carpinteiro_. Os rabbinos admittiam que era S. Miguel quem appresentava as almas a Deos. No _Ensaio sobre as lendas piedosas da Edade Media_, por Alfred Maury, vem um eruditissimo estudo sobre a psychostasia e o uso das balanças no Juizo final (pag. 17 a 84), que trataremos de resumir, para mostrar como a lenda portugueza é formada de tradições primitivas. Nos monumentos egypcios e etruscos se encontra este symbolismo da alma pezada em uma balança, a que alludem tambem Homero e Virgilio. Dherma na religião dos Indous, pesa as boas e más acções. Na Biblia e nos Santos Padres encontra-se esta mesma allusão metaphorica, bem como nos hymnos de Prudencio e Fortunato. Principalmente nas obras de arte da edade media, baixos relevos, pinturas e miniaturas dos manuscriptos, se encontram differentes representações de Sam Miguel pesando as almas. Quando o diabo fazia pender a balança para o lado das más acções, era a Virgem quem fazia prevalecer o pequeno numero das acções boas, como se vê em Herm. Com. Chr. apud Eccard. Cf. Michelet, _Hist. de França_, p. 310. D’este mesmo sentimento se inspira o drama de Bartolo: L’Homme par devant Jesus, le diable demandeur et la Vierge defendeur. (Vid. Maury, loc. cit.) =50--Romance do Terremoto de Villa Franca do Campo=--Foi este romance extraído do celebre manuscripto intitulado _Saudades da terra_ por Gaspar Fructuoso, primeiro historiador insulano. Do cap. V, o copiou Jorge Cardoso para o _Agiologio Lusitano_, t. 3, p. 415. =51--Xacara da linda Pastorinha=--Com titulo quasi identico publicou Garrett (_Romanceiro_, t. III, p. 187) uma variante dos arredores de Lisboa, em que o guapo galanteador não é irmão, nem vem preoccupado por alguma aposta. É ali incompleta, e está mal classificada; muitas outras cantilenas d’este genero temos encontrado na tradição oral, em forma de descante ou desafio. O povo só conhece na sua poesia a redondilha maior e menor; e de todas as lições que recebemos do Porto, Trás-os-Montes e Beira Baixa nenhuma trazia os versos dispostos em forma alexandrina. De todas as variantes a mais verdadeira é aquela que vem precedida de um preambulo em prosa, contando como um irmão chegado do Brazil á sua terra, antes de se dar a conhecer a sua irmã, começou a falar-lhe de amores, por aposta contra os que lhe diziam ser ella a mais esquiva de todas as raparigas do logar. =52, 53--Xacaras dos Conversados=--Aqui está um quadro dos amores do povo, entre dois conversados, como é estylo de campo; a scena é bíblica; a Samaritana do poço percebe todas as allusões e responde com não menos frescura. Na versão de Penafiel, o moço pede de beber por um pucarinho novo, e _tocadinho de amor_. É uma expressão pittoresca, tirada do usual da vida, por que é _tocando_ que se vê se a louça está sã. As fórmas, que o apaixonado furtivamente observa, a rosa com que symbolisa o seu desejo, e que a cantareira guarda para deixar apanhar a quem for do seu gosto, dão a este idyllio um colorido tão delicado, que a mesma naturalidade quasi que faz passar desappercebido. =54--Os Estudos de Coimbra=--Este canto foi recolhido em Penafiel; pertence a genero de despique de conversados. Nas aldeas os rapazes e raparigas namoram-se por cantigas. As quadras improvisadas, lançadas ao vento, e que os viandantes escutam, são as que ficam na tradição oral, formando assim naturalmente um pequeno conto de amor. =55--Xacara do Cego andante=--Garrett determina os paradigmas da presente xacara em duas balladas escossezas de el-rei James V, intituladas _The Gaberlunzieman_, e _The Jolly Beggar_ (Percy’s, _Reliques of ancient english poetry_, Series II, book I, 10). =56--Xacara da Moreninha=--Esta xacara, anda na tradição popular da Extremadura e Beira; de Castello Branco foi a versão publicada por Garrett (Rom. t. III, p. 54) «mas aproveitou-se de outras lições provinciaes o que foi necessario para lhe dar complemento.» A _Moreninha_ tem a vantagem do ser recolhida da genuina tradição oral do Porto. O tal Frei João é tão antigo na lenda portugueza, como o Frei Jean des Entommeures do _Gargantua_ de Rabalais, se não proveiu d’esta creação comica, foi por certo tirado das aventuras da vida claustral, que em ocio santo e beatifica estupidez era consummida. O retrato do frade da versão popular é similhante ao esboçado em Rabelais; «En l’abbaye estoit pour lors un moine claustrier nommé frère Jean des Entommeures, jeune, galant, frisque, debait, bien à dextre, hardi, adventureux, delibéré, hault, maigre, bien fendu de gueule, bien advantagé en nez, beau despecheur d’heures, beau debrideur de messes, beau descreteur de vigiles: pour tout dire sommairement, vrai moine si ouques en fut depuis que le monde moinant moina de moinerie; au reste, elere jusque ès dents en matière de breviaire.» (_Gargantua_, C. 27). Em algumas versões do romance portuguez descreve-se como: Frei João se levantou ’numa fresca madrugada; Rabelais diz: «Mais le moine, ne faillit onqués à s’esveiller avant la minuit, _tant il estoit habitué à l’heure des matines claustrales_. (Id. cap. 41.) Na versão colhida por Garrett o _manteo de cochonilha_, e a circumstancia dos pretos que vão buscar agua fazem a tradição portugueza do seculo XVI, e por isso contemporanea do romance de Rabelais. Nos _Ineditos de Alcobaça_, publicados por Frei Fortunato de Sam Boaventura, encontra-se frequentes vezes empregada a palavra _gargantuice_ nos monumentos em prosa do seculo XIV e XV; o que prova existirem entre nós vislumbres da tradição a que Rabelais deu desenvolvimento. Na versão de Garrett não vem o milagre do calix. =57--Xacara do Soldado=--Foi pela primeira vez recolhida por Almeida Garrett da tradição oral de Trás-os-Montes, aonde achou tres copias, sendo uma mais completa do que as outras. Não se encontra nas collecções castelhanas. Garrett assigna-lhe a data «pelos tempos da guerra da acclamação, isto é, por meado do seculo XVII.» (Rom. t. III, p. 167). Nos modernos contos de Don Antonio de Trueba respira-se este mesmo sentimento popular. =58--Xacara do Toureiro namorado=--Foi pela primeira vez aqui recolhida da tradição oral; tem o merecimento de ser um resultado dos costumes dos dois povos da Peninsula, que se fazem notar pela paixão dos divertimentos tauromachicos. Não se encontra nada similhante nos Romanceiros hespanhoes. =59--Xacara da Tecedeira=--Tem toda a desenvoltura e licença de um _fabliaux_ francez. A influencia dos troveiros do norte da França não chegou até nós sómente pelo Arcipreste de Hita, guardado na Livraria de Dom Duarte, ou traduzido em portuguez; na alma popular apparecem de longe em longe estas reminiscencias tambem. A xacara é da Beira-Alta; Garrett porem fundiu-a dentro do romance de _Dom Claros d’alem-mar_ (Rom. t. II, p. 192) por mera diversão artistica, porque nas lições castelhanas, d’onde as versões portuguezas se derivaram, não apparece tal situação. =60--Despedida de Lisboa=--Com dois tostões venci a repugnancia de um rhapsodo popular para me dictar estas coplas. Assim ficou salva do esquecimento uma reliquia pura do sentimento das aventuras maritimas da alma portugueza. A primeira parte faz lembrar as velhas narrações dos mareantes, como se lêem na _Historia Tragico-marítima_. Será talvez a abertura de algum romance maritimo já obliterado na tradição? A despedida do marinheiro não é de saudade, é de sêde do goso de que se sente privado pela viagem demorada e tormentosa. Esta xacara é como um truncado florão de architectura manuelina. =61--A Freira arrependida=--Estas coplas foram recebidas da Beira-baixa em duas lições fragmentadas, que mal deixavam perceber o sentimento profundo que encerram. No Manuscripto n.º 338 da Biblioteca da Universidade existe uma outra lição em letra do seculo XVII, intitulada _Queixas de uma Freira_, pela qual podémos coordenar as lições da Beira-Baixa. Eis um grito doloroso do povo contra a direcção monachal, que a egreja queria dar á sociedade; é um grito inspirado pelo sentimento da natureza que a Renascença veiu acordar na alma humana. Sempre uma verdade immensa na poesia do povo. NOTAS DE RODAPÉ: [1] Epist. 105 Labbe, Coll. dos Concil., t. VI, col. 1559. [2] Relação do naufragio da nau _S. Bento_, pag. 55. [3] Idem, pag. 73. [4] Idem, pag. 109. [5] Relação da viagem e sucesso das naus _Aguia_ e _Garça_, pag. 222. [6] Obras de Gil Vicente, t. II, pag. 414. [7] Codic. da B. Real publicado pelo senhor A. H, no vol. III do _Panorama_, pag, 277. [8] Tomo III do Romanceiro, pag. 87. [9] Creio que esta passagem se refere á seguinte: «Estes cafres não deram novas como os quatro homens que mandaramos adiante com recado a Lourenço Marques, eram mortos ou mataram d’alli perto, porque elles constrangidos pela fome tomaram um cafre que toparam ao largo do mar, e metendo-se com elle em um mato, o espostejaram e assaram para fornecer os alforges; mas como os visinhos d’este o achassem menos, e a terra seja de areia, vieram pelo trilho a dar com o negocio; e então levando os nossos á praia, e não se havendo por bem o que d’elles não tomasse vingança, fizeramnos coitados como crua carniceria.»--Idem, pag. 123 [10] Idem, pag. 135. [11] Idem, pag. 419. [12] Plutarch. _De Io et Osir._ 356. [13] Alfred Maury, _Legendes pieuses_, p. 144. [14] D’aqui em diante, com pequenas variantes, é similhante ao romance _Mi padre era de Ronda_, do Cancioneiro de Romances. FIM. INDEX ROMANCEIRO GERAL FLOR DOS ROMANCES ANONYMOS DO CYCLO CARLINGIANO E DA TAVOLA REDONDA =I--Romances communs aos povos do Meio Dia da Europa= N.º de ord. Pag. 1 Romances da Dona Infanta _Beira-Baixa_ 1 2 Dona Catherina _Beira-Baixa_ 4 3 Romances de D. Martinho d’Avisado _Beira-Baixa_ 8 4 Dom Martinho _Beira-Baixa_ 11 5 Dom Barão _Douro_ 15 6 Romance do Gerinaldo _Trás-os-Montes_ 18 7 Romance da Noiva roubada _Almeida_ 20 8 Romance do Alferes matador _Beira-Baixa_ 22 9 Romance da Romeirinha _Trás-os-Montes_ 24 10 Romances da Infanta de França _Beira-Baixa_ 26 11 A Encantada _Foz_ 28 =II--Romances de supposta origem portugueza= 12 Romances da Sylvana _Lisboa_ 30 Faustina (Víd. notas) _Coimbra_ 181 13 Romance de Bernal-Francez _Foz_ 34 14 Romance do Conde Niño _Trás-os-Montes_ 37 15 Romance da Promessa do Noivado _Beira-Baixa_ 38 16 Romance de Dom Aleixo _Foz_ 40 17 Romance de Dom Pedro _Beira-Baixa_ 42 18 Romance da Filha do Imper. de Roma _Trás-os-Montes_ 45 19 O Hortelão das flores _Beira-Baixa_ 48 20 O Duque da Lombardia _Beira-Alta_ 50 21 Romance de Dona Agueda de Mexia _Alemtejo_ 53 22 Romance do casamento e mortalha _Minho_ 55 23 Romance da Nau Catherineta _Lisboa_ 58 =III--Romances que se encontram nas Collecções hesp.= 24 Romances do Conde Prêso _Trás-os-Montes_ 60 25 Dom Garfos _Beira-Baixa_ 62 26 Justiça do Deos _Beira-Alta_ 65 27 Romances do Conde Alberto _Porto_ 68 28 Conde Alves _Beira-Baixa_ 71 29 Romances do Conde d’Allemanha _Beira-Baixa_ 75 30 Conde de Allemanha _Trás-os-Montes_ 77 31 Romanc. do Dom Carlos Montealbar _Porto e B. Alta_ 79 32 Dona Lisarda _Beira-Baixa_ 83 33 Dona Areria _Coimbra_ 87 34 Romance do Passo de Roncesval _Trás-os-Montes_ 89 VERGEL DE ROMANCES MOURISCOS, CONTOS DE CATIVOS, LENDAS PIEDOSAS E XACARAS: =IV--Romances mouriscos e Contos de Cativos= 35 Fragmento de um romance do Cid. _Liç. de Gil Vic._ 93 36 Romances de Dom Gayfeiros _Trás-os-Montes_ 94 37 Melisendra _Trás-os-Montes_ 97 38 Romance de Branca-Flor _Extremadura_ 103 39 Romance da Moura Encantada _Algarve_ 107 40 Romanc. de N. Senhora dos Martyres _Algarve_ 109 41 Romances do Cativo de Argel _Lição ms._ 113 42 O Cativo _Lisboa_ 115 =V--Lendas piedosas= 43 Jesus Mendigo _Minho e B. B_. 118 44 Romance de S. Antonio e a Princeza _Algarve_ 201 45 Romances de Iria a Fidalga _Santarem_ 123 46 Santo Iria _Covilhã_ 125 47 Santa Helena _Minho_ 126 48 Romance da Devota da Ermida _Trás-os-Montes_ 128 49 Oração do Dia do Juizo _Minho_ 129 50 Rom. do Terr. de Villa Fr. do Camp. _Lição ms._ 131 =VI--Xacaras e Coplas de burlas= 51 Xacara da linda Pastorinha _Beira Baixa_ 133 52 Xacaras dos Conversados _Coimbra_ 139 53 A Conversada da Fonte _Penaf. e Coimb._ 142 54 Os Estudos de Coimbra _Penafiel_ 145 55 Xacara do Cego Andante _Beira Baixa_ 147 56 Xacara da Moreninha _Porto_ 150 57 Xacara do Soldado _Trás-os-Montes_ 152 58 Xacara do Toureiro namorado _Beira Baixa_ 154 59 Xacara da Tecedeira _Beira Alta_ 156 60 Despedida de Lisboa _Coimbra_ 157 61 A Freira arrependida _Beira Baixa_ 159 *** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK ROMANCEIRO GERAL *** Updated editions will replace the previous one—the old editions will be renamed. 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It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg™’s goals and ensuring that the Project Gutenberg™ collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg™ and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation information page at www.gutenberg.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non-profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation’s EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state’s laws. The Foundation’s business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation’s website and official page at www.gutenberg.org/contact Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg™ depends upon and cannot survive without widespread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine-readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. 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